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1 BuscaLegis.ccj.ufsc.br (Poder de polícia) poder de polícia Tereza Carolina Castro Biber Sampaio * "Todo aquele que detém poder, tende, inevitavelmente, a abusar dele". Rousseau A guiza de introdução Para falarmos em poder de polícia, breve digressão sobre como são entendidos os poderes no atual Estado Constitucional Democrático de Direito faz-se necessária. A todo poder corresponde um dever e, esse poder encontra-se inteiramente subordinado ao seu correspondente dever. Logo, não poderá ser exercido livremente, mas sempre sujeito à sua finalidade (MEIRELLES, 2002). Ensina Di Pietro que a origem etimológica da palavra "polícia" vem do grego antigo, politeia, que designa as atividades da cidade-estado (polis), não guardando qualquer correlação com seu sentido atual na língua portuguesa. Meirelles, no entanto, faz correlação entre os termos e explica que o poder de polícia teve início com a necessidade de se proteger os habitantes das cidades romanas - polis -, palavra esta que deu origem ao termo politia, do qual nasceu a palavra "polícia" (2002, p. 130). Mello critica a expressão "poder de polícia". Defende que o termo remete ao Estado de Polícia, que antecedeu ao Estado de Direito, e que, naquele, havia o poder natural do príncipe que tudo podia na condição de delegatário de poderes divinos (2006). Tal onipotência é inviável no atual regime de legalidade axiológica e divisão dos poderes, em que vigora o poder informador dos princípios constitucionais.

2 Conceito Meirelles assim define poder de polícia: É a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado" (2002p. 127). Traremos conceitos de outros administrativistas, mas não sem antes refletirmos inicialmente sobre a razão de ser de desse "super poder". A explanação de tamanha potestade reside no interesse público, e o fundamento deste, por sua vez, está na supremacia geral do Estado. As restrições e os condicionamentos aos direitos individuais são aceitáveis no Estado Constitucional Democrático de Direito com base na primazia da coletividade. Dessa forma, a cada restrição de direito individual é correlato equivalente poder de polícia que zela pelo interesse da coletividade. Viver no regime das liberdades públicas é ter assegurado o uso normal dos direitos individuais, sabendo da vedação de seu abuso e de seu exercício anti-social (MEIRELLES, 2002). Isto porque, no Estado Constitucional Democrático de Direito, as liberdades admitem restrições e o poder de polícia age para condicionar o bem-estar social, sem, todavia, fazê-lo de maneira a anular as liberdades públicas e os direitos fundamentais. Di Pietro define poder de polícia como: "( ) atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público" (2003, p. 111). Mello questiona esta definição embasado na doutrina de Alessi. Para o administrativista nacional, há equívoco quando se fala em limite a direito, pois os direitos já constituem per se apenas uma faceta da garantia de que tratam; logo não há limitação ao direito individual, uma vez que este engloba o círculo do permitido, delimitando, logicamente, o que resta desprotegido.

3 Mello busca auxílio no ensinamento de Rivero para conceituar poder de polícia como: "o conjunto de intervenção da Administração que tende a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade" (2006, p. 781). Mello também elenca os setores sociais de manifestação do poder de polícia, sendo eles: segurança pública, ordem pública, tranqüilidade pública, históricos e paisagísticos, higiene e saúde pública, riquezas natuaris e moralidade pública (2006, p. 802). Para finalizar nossa explicação acerca do conceito de poder de polícia e melhor fixá-lo, faremos breve lista de cauística colacionada em Di Pietro. Há atuação do poder de polícia nas seguintes situações: relação de emprego, mercado de produtos de primeira necessidade, exercício de profissões, comunicação e espetáculos públicos entre outros. Interface com o Direito Tributário A interseção entre o Direito Tributário e o poder de polícia é de clareza tal que elementos da sua conceituação doutrinária foram adotados pelo Código Tributário Nacional (CTN) no artigo 78 e seu parágrafo único. Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

4 O referido artigo 78 e seu parágrafo único inserem-se no título "Taxas", o que nos lembra, de logo, que o poder de polícia é um dos fatos geradores dessa espécie de tributo, ao lado da prestação ou colocação à disposição do contribuinte de serviço público específico e divisível. As taxas de polícia são cobradas em razão da atividade do Estado, que verifica o cumprimento das exigências legais pertinentes e para o regular desenvolvimento de certa atividade particular. A atuação fiscalizadora do Estado visa o interesse público, da coletividade, mas aquele que deve contribuir é o fiscalizado, uma vez que foi ele quem provocou imediatamente a atuação estatal. São exemplos de taxa de polícia aquelas cobradas em função de autorização para construção de prédio ou instalação de empresa, porte de arma e viagem ao exterior, entre outras hipóteses. O poder de polícia manifesta-se também no acesso a informações da empresa de interesse fiscal (art. 195, CTN). Tal acesso, que integra a fiscalização, rompe com o sigilo de livros, documentos e mercadorias, direito conferido ao comerciante no intuito de proteger sua estratégia de mercado, notadamente dos concorrentes (AMARO, 2006). Os fiscais, contudo, têm o dever-poder de vistoria, adentrando na esfera de relativo sigilo do comerciante, sendo que tal exceção justifica-se pelo exercício do poder de polícia que vem assegurar a regularidade fiscal e a justa concorrência. É a concretização do poder de polícia: restrição a sigilo (direito individual) e a atividade em prol do interesse público. Polícia Administrativa X Polícia Judiciária O estudo do poder de polícia, de pronto, nos remete à análise do poder da polícia, coisas intrinsecamente diversas entre si. Enquanto a polícia administrativa é inerente à Administração Pública e por toda ela se difunde, a polícia judiciária é privativa de coorporações como a Polícia Civil e a Polícia Militar. A doutrina clássica costumava diferenciar polícia administrativa de polícia judiciária entendendo possuir a primeira, caráter preventivo e a última, repressivo. Entretanto, tal

5 disposição não é absoluta, já que ambas podem agir tanto preventiva quanto repressivamente. A polícia administrativa age preventivamente, por exemplo, quando proíbe a direção de veículos automotores por quem não seja devidamente habilitado, a fim de impedir que imperitos causem danos à coletividade. Age repressivamente a mesma polícia quando apreende licença de dirigir daquele que comete infração grave, no intuito de sancioná-lo. Atentemo-nos que a derradeira ação tem também caráter preventivo lato sensu. Conforme lição de Di Pietro, a atuação da polícia administrativa guarda seu caráter preventivo geral ainda quando seu escopo imediato é repressivo; no exemplo supra, a prevenção reside no impedimento de dirigir daquele que já causou perigo de dano concreto à coletividade, servindo a apreensão como descredenciamento do infrator à condução lícita de veículos por ter ameaçado a segurança pública. A polícia administrativa incide sobre bens, direitos e atividades, ao passo que a judiciária, sobre pessoas, individual e indiscriminadamente (MEIRELLES, p. 127). Daí, concluímos que, não atuando a polícia administrativa sobre pessoas, não pode haver prisão administrativa, dedução conforme a atual constituição. A prisão administrativa, embora ainda expressamente prevista no Código de Processo Penal (CPP), não tem mais vigência no nosso ordenamento jurídico, visto que é decretada por órgão estranho à estrutura do Poder Judiciário, ferindo o princípio da jurisdição. Mello assevera que o cerne da distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária está nas atividades anti-sociais visadas pela primeira, enquanto a segunda visa responsabilização penal. Para Di Pietro, a divergência está na ocorrência de ilícito penal que marca a atuação da polícia judiciária. A despeito de o CPP (Código de Processo Penal) não fazer distinção entre as polícias, os doutrinadores do processo penal seccionam a polícia em polícia judiciária e em polícia investigativa, não se preocupando com a polícia administrativa. A polícia investigativa é a que se destina à apuração do crime e de sua autoria, afastando-se da polícia judiciária por ser esta a auxiliar do juiz no cumprimento de mandados. A Constituição da República

6 Federal do Brasil (CRFB) trata das polícias em seu artigo 144 e atribui com exclusividade apenas as funções de polícia judiciária da União. Bases, manifestações e atributos do poder de polícia Como toda atribuição administrativa, o poder de polícia limita-se pela lei (princípio da legalidade) e pelos requisitos do ato administrativo em geral (competência, forma, objeto, finalidade e motivo), além de pautar-se pelos princípios da Administração Pública. O fundamento do exercício do poder de polícia administrativa repousa na supremacia geral da Administração Pública que, no fundo, não são senão a própria supremacia das leis, concretizadas através de atos da Administração. Há também imposições da Administração que advêm de vínculos outros que não a supremacia geral, como relações específicas entre a Administração e o sujeito. Exemplos de tais vínculos específicos são estabelecidos entre usuários de serviço público neste admitidos, servidores públicos em face de seus estatutos, concessionários de serviço público e o contrato de concessão (MEIRELLES, 2002). O objeto do poder de polícia é todo bem, direito ou atividade. A Constituição Federal vedou a prisão administrativa, o que deixa patente que o poder de polícia administrativa não recai sobre o indivíduo. A essência do poder de polícia é ser poder negativo, vez que sua finalidade precípua é evitar o dano, ao contrário da prestação de serviços públicos que visa ação positiva com oferecimento de comodidade. A competência para o poder de polícia é estatal, geralmente da mesma autoridade competente para regular a matéria. Conforme o campo de interesse, se local, regional ou nacional, a competência será, respectivamente, municipal ou distrital, estadual ou distrital, ou ainda federal. A regra é a exclusividade da competência, mas, excepcionalmente, a competência será concorrente, caso a atividade seja de interesse simultaneamente às três esferas da federação, a exemplo a saúde.

7 O poder de polícia manifesta-se por meio de atos normativos e de atos concretos. São os chamados poder de polícia legislativo e executivo. Por abarcar atribuições afetas a diferentes esferas de poder e por cada uma dessas atribuições obedecer a regimes ímpares, a designação poder de polícia é alvo de críticas de Mello. O autor informa que, na maioria dos países europeus, inclusive a França, berço do Direito Administrativo, a denominação poder de polícia já foi abandonada e prefere-se "limitação administrativa à liberdade e à propriedade". Alteração de nomenclatura com mesmo embasamento é sugerida por Di Pietro: "limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas". Ainda quanto à manifestação do poder de polícia, Mello observa que os atos normativos são exclusivos do Poder Legislativo, jamais sendo relativos ao Executivo. A Administração Pública age sempre conforme a lei, vigorando a máxima de que o gestro da coisa pública só faz o que a lei assim determina, sob pena de imiscuir-se em seara que lhe é vedada pelo princípio da partição de poderes (Montesquieu). São atributos do poder de polícia: a discricionariedade, a auto-executoriedade, a coercibilidade e, para Di Pietro, a atividade negativa. Quanto à discricionariedade, Mello anota que tal atributo só é pertinente ao poder de polícia normativo, entendendo que o legislador tem discricionariedade na realização de seu trabalho. Em relação à Administração, não se pode falar em discricionariedade abrangendo todo um ramo de sua atuação, especialmente à luz do Estado Constitucional Democrático de Direito. De se lembrar que o há aspectos discricionários determinados por lei dentro de certas e determinadas ações. Di Pietro afirma que o poder de polícia pode ser discricionário (exemplo é a não-vinculação absoluta de conduta a punição nas normas que regem os servidores públicos, havendo discricionariedade do administrador em face do caso concreto, conforme as peculiaridades deste), podendo também ser vinculado (caso típico é a concessão de licença a servidor que preencha todos os requisitos legais, oportunidade em que o administrados vê-se diante de somente uma ação cabível, qual seja, o deferimento do pedido).

8 Quanto à autoexecutoriedade, Di Pietro nota que essa desdobra-se em exigibilidade e executoriedade propriamente. A exigibilidade é o poder da Administração Pública de exigir conduta sem determinação judicial através de meios coercitivos indiretos, ao passo que a executoriedade consiste em realizar algo com auto-determinação, mas sempre desde que permitido por lei, compelindo materialmente através de coerção direta. Em posição doutrinária isolada, Di Pietro entende que a atividade negativa goza do status de ser atributo do poder de polícia. A atividade negativa pode ser definida como um não fazer e, no caso, um dever de evitar dano, sendo negativa face à prestação de serviços públicos, que também é atividade tipicamente estatal. Bibliografia AMARO, Luciano. Direto Tributário Brasileiro. 12ª ed. Editora Saraiva: Rio de Janeiro, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. Editora Atlas: São Paulo, KURACHI, Nilton Kiyosshi. Aulas e anotações da disciplina de Direito Administrativo, cursada na especialização em Direito Tributário da UNIDERP, dezembro de 2006 a fevereiro de MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed.editora Malheiros: São Paulo, MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2006.

9 * Advogada - Bacharel em Direito pela UFMG, Especialista em Relações Internacionais pela PUC Minas, Especializanda em Direito Tributário pela UNIDERP e Especializanda em Ciências Penais pela UNISUL/IPAN/LFG Disponível em: Acesso em: 03 abr