JULGAMENTO DE RECURSO

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1 Processo n.º: JULGAMENTO DE RECURSO I DO RELATÓRIO 1.1. Trata-se de recurso administrativo interposto pela empresa MPA Construtora Ltda. da decisão desta Comissão que a inabilitou no procedimento licitatório regido pelo Edital de Concorrência n.º 004/2014, nestes termos: 1 quanto à documentação da licitante MPA CONSTRUTORA LTDA., constatou-se que não foi atendido o item , a, do Edital, pois a empresa não anexou a certidão de recuperação judicial. Também não foi atendido o item , posto que na carta de fiança bancária juntada pela licitante (fl. 893) não consta a renúncia ao benefício de ordem previsto no art. 827 do Código Civil; 1.2. Ato contínuo, a Comissão comunicou as demais licitantes para apresentarem as suas contrarrazões (comprovantes de recebimento de notificação juntados às fls a 1.014). II DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS 2.1. A peça recursal está subscrita pelo representante legal da empresa, conforme cópia do contrato social consolidado, às fls. 806 a O cabimento do recurso tem previsão no art. 109, I, d, da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de Protocolado no dia 10 de dezembro de 2014, o recurso é tempestivo, uma vez que a publicação do aviso do julgamento do resultado da habilitação ocorreu no dia 08 de dezembro de 2014 (Diário Oficial do Estado n.º , fl. 04) Confirmada, pois, a presença dos pressupostos recursais, o recurso merece ser conhecido e processado. III - DAS RAZÕES DA RECORRENTE 3.1. Resumidamente, aduz a Recorrente em suas razões: - no sistema do fórum de Goiânia, a certidão de recuperação judicial e a de falência e concordata são as mesmas, sendo que o nome que consta nesta é da antiga lei, qual seja, falência e concordata, contudo, trata-se da mesma certidão; - a certidão apresentada trouxe todos os processos que a empresa tem seu nome; Fone: (62) Fax: (62) Página 1 de 6

2 - a carta de fiança apresentada foi expedida por instituição que informou não poder incluir a renúncia ao benefício de ordem, pois se trata de documento modelo, ainda, nenhuma outra instituição dispôs-se a incluir essa cláusula; - a Comissão deve revisar os seus atos, posto que são desarrazoados e ilegais, e afrontam o princípio das exigências mínimas Ao final, requer a reforma da decisão desta Comissão, para que seja declarada habilitada neste certame. IV DAS CONTRARRAZÕES 4.1. As demais licitantes não apresentaram contrarrazões. V DA ANÁLISE DO RECURSO 5.1. Inicialmente, há de ser registrado que o ato convocatório da Concorrência n.º 004/2014, previamente apreciado pela assessoria jurídica da Pasta e pela unidade de controle interno do Estado, está em total consonância com os ditames da Lei n.º 8.666/ Além disso, o edital não foi objeto de impugnação por nenhuma licitante no prazo legal, portanto, conclui-se que todas as suas cláusulas e condições foram integralmente aceitas pelos interessados Assim, incabíveis neste momento, porque preclusos, os questionamentos formulados pela Recorrente em desfavor do instrumento regulamentador do certame No que tange à certidão de recuperação judicial, esta Comissão expõe o seguinte: 5.5. O edital da concorrência em questão, em seu item , a, em letras sublinhadas e negritadas, determinou, dentre os requisitos para a comprovação da qualificação econômicofinanceira, que as licitantes deveriam apresentar: certidão negativa de falência, concordata e recuperação judicial, expedida pelo(s) distribuidor(es) do domicílio da sede da empresa, com data de expedição não anterior a 30 (trinta) dias da data da sessão de recebimento e abertura dos envelopes Pois bem, a falência, a concordata e a recuperação judicial são instrumentos jurídicos distintos, cada qual com uma disciplina legal própria O Decreto-lei n.º 7.661, de 21 de junho de 1945, que versava sobre a falência e a concordata, foi revogado pela Lei n.º , de 09 de fevereiro de 2005, que introduziu novas regras para a decretação da falência, extinguiu a concordata e criou a recuperação judicial e extrajudicial Consoante ressalva no art. 192 da Lei n.º /2005, as concordatas requeridas com base no Decreto-lei n.º 7.661/1945, persistiriam até as respectivas finalizações. Destarte, embora cada vez mais raro, ainda poderão existir empresas em processo de concordata Diante desse cenário legal, é que houve a imposição de apresentação de certidão negativa para todos esses institutos, cumulativamente. Página 2 de 6

3 5.10. Cumpre anotar que o Tribunal de Contas da União TCU, acerca da matéria em comento, no Acórdão n.º 1214/2013 Plenário, recomendou que nos editais de licitação elaborados em âmbito federal, fosse exigida a apresentação da certidão negativa de falência, recuperação judicial ou extrajudicial. É este o texto do julgado: 9.1 recomendar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento que incorpore os seguintes aspectos à IN/MP 2/2008: (...) sejam fixadas em edital as exigências abaixo relacionadas como condição de habilitação econômico-financeira para a contratação de serviços continuados: (...) apresentação de certidão negativa de feitos sobre falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial, expedida pelo distribuidor da sede do licitante. (Grifo não original) Do relatório do acórdão supracitado, emitido pelo Ministro Aroldo Cedraz, copiamos o item seguinte: 55. A esse respeito, o Tribunal já analisou situação semelhante no âmbito do TC / Naquela oportunidade questionou-se exigência de certidão negativa de recuperação judicial e de recuperação extrajudicial. O Tribunal entendeu legítima essa exigência, pois conforme apontado pelo Ministro André Luis de Carvalho, relator daquele processo, tal certidão substitui a certidão negativa da antiga concordata em situações surgidas após a edição da lei (item 24 do voto). Ressalte-se, ainda, que em outras situações o Tribunal se deparou com requisito semelhante e não fez qualquer restrição a respeito (Acórdãos 1.979/2006, 601/2011, 2.247/2011, 2.956/2011, todos do Plenário). Portanto, não vejo óbices para que tal exigência seja feita Nessa senda, juridicamente pertinente a disposição contida no item , a, do edital Imprescindível, agora, em atenção às razões arroladas pela Recorrente, a reapreciação da certidão ofertada, a fim de identificar se o seu conteúdo abrange, também, a pesquisa para as ações de recuperação judicial Entendemos que conclusão diversa não deve ser adotada, isso porque as duas outras concorrentes trouxeram certidões, do mesmo cartório distribuidor, as quais identificam, explicitamente, a inexistência de ações de recuperação judicial (fls. 546 e 958) em desfavor das empresas requerentes Diante do cenário apresentado, não há se falar, então, que as certidões negativas de falência e concordata abrangem a pesquisa sobre as ações de recuperação judicial De outro lado, quanto à fiança bancária, cuja carta não contém a renúncia ao benefício de ordem, entende esta Comissão que a decisão também deve ser mantida Com amparo no art. 31, III, c/c o art. 56, da Lei n.º 8.666/1993, a garantia de proposta, como requisito para a qualificação econômico-financeira, configura-se como uma faculdade deferida pela lei ao Administrador, que, considerando a natureza do objeto a ser contratado e os potenciais riscos de lesão ao interesse público envolvido, decide pela sua exigência No caso vertente, a justificativa para a sua estipulação consta no Despacho n.º 184/14/SGPF, de fls. 142 a 146, e sua função é a de assegurar a seriedade das ofertas das empresas e de demonstrar a efetiva intenção das licitantes em participar e permanecer no procedimento. Página 3 de 6

4 5.19. A Lei de Licitações, no acima citado art. 31, III, prevê que a garantia de proposta poderá ser prestada nas mesmas modalidades e critérios definidos no art. 56, 1º, quais sejam, caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária, limitada a 1% (um por cento) sobre o valor estimado do objeto da contratação Verifica-se que o edital da presente licitação, em seu item , d, observou o percentual máximo indicado pelo Estatuto Licitatório e listou todas as formas legalmente autorizadas para a prestação da garantia, competindo às licitantes optarem pela que melhor se adequasse à sua realidade. Ademais, em seu item , em frase destacada, estabeleceu que a carta de fiança bancária deveria conter, expressamente, sob pena de inabilitação da licitante, renúncia ao benefício de ordem previsto no art. 827 do Código Civil Com efeito, a Lei n.º 8.666/1993 não traz regras sobre a possibilidade ou não de a Administração fixar no edital, como condição para a aceitação da garantia de habilitação prestada sob a forma de fiança bancária, a renúncia expressa do fiador ao benefício de ordem. Contudo, o fato da Lei de Licitações não ter disciplinado a questão não implica, necessariamente, em impedimento à estipulação desse requisito A fiança bancária é um instituto típico de direito privado, regido pelo Código Civil (Lei n.º , de 10 de janeiro de 2002) e pelas normas complementares emanadas do Banco Central do Brasil O benefício de ordem, veiculado pelo art. 827 do Código Civil, é o direito que tem o fiador de, quando chamado para cumprir uma determinada obrigação, requerer que seja primeiramente convocado o devedor principal da relação jurídica A renúncia a esse direito, por sua vez, é reconhecida pelo art. 828, I, do mesmo diploma legal, e revela-se como uma precaução, exigida por aquele a quem a fiança serve, para assegurar a eficácia da fiança e evitar o retardamento pelo fiador na quitação da importância garantida. Via de consequência, a Administração, nessa hipótese, poderá executar tanto a instituição financeira quanto a licitante, sem observar qualquer ordem de preferência A renúncia ao benefício de ordem é amplamente adotada nos contratos de direito privado, e já teve a sua legitimidade apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça que, em julgado recente, reafirmou seu posicionamento favorável à abdicação desse direito pelo fiador: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. FIANÇA. CLÁUSULA DE EXONERAÇÃO DE BENEFÍCIO DE ORDEM. VALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. ALÍNEA "C". DISSENSO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A orientação desta Corte Superior de que "É válida a cláusula contratual em que o fiador renuncia ao benefício de origem. Inteligência do art , I, do Código Civil de 1916 [art. 828, I, do Código Civil atual]" (REsp RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em , DJ de ). (...) (Ac. unân. da 4ª T AgRg no AgRg no AREsp n.º /RS, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 03/06/2014, p. em 20/06/2014) No âmbito dos contratos de direito público, a renúncia é, também, prevista em editais de licitações de órgãos e entidades da Administração Pública e a adoção dessa medida tem suporte no art. 54 da Lei de Licitações: Página 4 de 6

5 Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado A Corte de Contas da União, inclusive, valida a aplicação das disposições de direito privado nos contratos administrativos, a par do que se lê do trecho do Acórdão n.º 2.868/2010 Plenário abaixo transcrito: "9. Os contratos administrativos, regidos pelo art. 54 da Lei 8.666/93, regulam-se pelas suas cláusulas, que devem estabelecer, com clareza e precisão, as condições de execução, e pelos preceitos de direito público,aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado". (Rel. Min. Raimundo Carreiro, publicado em ) Sob esse enfoque, admitida a legalidade acerca da renúncia ao direito de preferência, e uma vez prevista essa condição no edital de licitação, o seu atendimento passa a ser cogente, com base no princípio da vinculação ao instrumento convocatório, inserto nos arts. 3º e 41 da Lei nº 8.666/ A respeito desse princípio, a doutrina leciona: Vinculação ao edital: a vinculação ao edital é princípio básico de toda licitação. Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento se afastasse do estabelecido, ou admitisse documentação e proposta em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu (art. 41). (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 256/257) A vinculação ao instrumento convocatório cumpre triplo objetivo. De um lado, aferra a Administração ao Direito, na medida e em que a sujeita ao respeito de seus próprios atos. De outro, impede a criação de etapas ad hoc ou a eleição, depois de iniciado o procedimento, de critérios de habilitação ou julgamento destinados a privilegiar licitantes. Por fim, evita surpresas para estes, que podem formular suas propostas com inteira ciência do que deles pretende o licitador. Após o início da licitação, a única surpresa para os licitantes deve ser quanto ao conteúdo das propostas de seus concorrentes. (Carlos Ari Sundfeld, Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed, São Paulo, Malheiros, 1994, p. 21). O instrumento convocatório cristaliza a competência discricionária da Administração, que se vincula a seus termos. Conjugando a regra do art. 41 com aquela do art. 4º, pode-se afirmar a estrita vinculação da Administração ao edital, seja quanto a regras de fundo quanto àquelas de procedimento. Sob um certo ângulo, o edital é o fundamento de validade dos atos praticados no curso da licitação, na acepção de que a desconformidade entre o edital e os atos administrativos praticados no curso da licitação se resolve pela invalidade destes últimos. Ao descumprir normas constantes do edital, a Administração Pública frustra a própria razão de ser da licitação. Viola os princípios norteadores da atividade administrativa, tais como a legalidade, a moralidade, a isonomia. O descumprimento a qualquer regra do edital deverá ser reprimido, inclusive através dos instrumentos de controle interno da Administração Pública. (Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., São Paulo, Dialética, 2010, pp. 567/568) Por fim, afirma a Recorrente que a instituição financeira expedidora da sua carta de fiança informou não poder incluir a cláusula de renúncia, pois a carta do banco é um documento modelo, e nenhuma outra instituição aceitou tal condição Ocorre que a assertiva não se sustenta, uma vez que a mesma instituição bancária que se responsabilizou pela fiança da Recorrente, o Banco Pottencial, renunciou ao benefício de ordem em fiança emitida para outra empresa, nesta mesma licitação, conforme se verifica à fl. 792 dos autos. Já em outro procedimento licitatório, a Concorrência n.º 003/2014, também promovida neste órgão, o Infinite Bank, igualmente renunciou ao direito de preferência, consoante se destaca no Processo n.º , à fl (cópia juntada à fl destes autos). Página 5 de 6

6 5.32. Destarte, a imposição constante no edital, diferentemente do esposado pela Recorrente, não constitui cerceamento às opções de prestação da garantia, nem em indevida restrição à competitividade, posto que passível de ser cumprida por qualquer licitante Cumpre acrescentar que o edital da Concorrência n.º 004/2014 dita todas as regras e critérios que são aplicados a esta licitação, os quais foram amplamente divulgados e são conhecidos por todos os participantes do certame. Formatar, agora, disposição editalícia para dispensar a apresentação pela Recorrente de documento conforme o prescrito, é ferir não somente o princípio da vinculação ao edital, mas também os princípios da publicidade, da impessoalidade e da isonomia entre as licitantes. VI DA DECISÃO 6.1. À vista de todo o exposto, esta Comissão conhece o recurso em análise e nega-lhe provimento, para manter a decisão de inabilitação da licitante pelo descumprimento do disposto nos itens , a, e do edital da Concorrência n.º 004/ Encaminhem-se os autos ao Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, com as informações acima, para apreciação e posterior decisão, nos moldes do art. 109, 4º, da Lei n.º 8.666/1993. Goiânia, 29 de dezembro de : Luis Fernando Garcia de Paiva Renata Dias Martins Jairo Galvão Siquieroli Presidente Página 6 de 6