Palavras-chave: tratamento, psicose, transferência, manejo. coincidem para sustentar a pesquisa clínica em psicanálise a partir de atendimentos de
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- Thomas Costa Castilhos
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1 1) O Manejo da Transferência na Psicose Clarissa Alves dos Santos Resumo:Neste trabalho, a partir da sustentação do atendimento de referência psicanalítica em CAPS, procura-se discutir o tema da transferência e sua legitimidade na clínica da psicose. As questões relacionadas ao lugar dado ao analista, na transferência, por um sujeito com estrutura psicótica e suas articulações com o conceito de objeto a, são trabalhadas a partir de possíveis articulações com um caso clínico. Afirma-se também a direção clinica da pesquisa que coincide com o tratamento. Ao ressaltar a psicanálise como aquela que convoca o sujeito do inconsciente, seu surgimento se dá com a construção do conceito de transferência. Considera-se que a transferência, cuja conceituação sofreu transformações desde Freud, ocupa um lugar privilegiado para a psicanálise na medida em que é o que sustenta o próprio modo de operar da mesma. Com Lacan, afirma-se que o lugar do analista na transferência na psicose, é irredutivelmente concernido. Desta prática no CAPS, sustenta-se que o trabalho com o sujeito psicótico não parte de ignorar a elaboração freudiana ao confirmar que, se não é impossível, é de outra ordem. Palavras-chave: tratamento, psicose, transferência, manejo O trabalho com sujeitos psicóticos em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) convoca a pensar elementos da teoria lacaniana da psicose e maneiras possíveis de intervir em análise. É possível partir da afirmação freudiana que pesquisa e tratamento coincidem para sustentar a pesquisa clínica em psicanálise a partir de atendimentos de referência psicanalítica em CAPS. Com a pretensão de saber que lugares o analista pode vir a ocupar para o sujeito em análise, é preciso partir da transferência, que ocupa um lugar privilegiado para a psicanálise na medida em que é seu próprio modo de operar. Desta prática no CAPS, sustenta-se que o trabalho com o sujeito psicótico não parte de ignorar a elaboração freudiana de atribuir apenas à neurose a capacidade de estabelecer transferência, ao confirmar que, se não é impossível, é de outra ordem. Em Lacan, é possível afirmar que o lugar do analista na transferência na psicose é irredutivelmente concernido. Torna-se necessário retomar o que Soler (2007) chamou atenção em relação
2 à frase de Lacan, o psicanalista não deve recuar diante da psicose, como sendo uma coragem evocada para ser situada no nível do pensamento. Isso consiste em resolver os problemas que a psicose formula a psicanálise para extrair as consequências do obstáculo que ela opõe a seu tratamento por meio da transferência. O relato do caso Breno, em tratamento em um CAPS da cidade do Rio de Janeiro há três anos, após dezesseis de internações recorrentes em hospitais psiquiátricos e sem conseguir estabelecer algum vínculo com serviços extrahospitalares, traz elementos importantes para pensar a clínica da psicose em sua articulação com a teoria lacaniana. O Caso Clínico Breno tem 34 anos e teve seu primeiro surto aos 15 anos, quando quebrou a casa toda e foi internado pela primeira vez em uma enfermaria infantil de um hospital psiquiátrico. Suas internações aconteciam recorrentemente a partir de episódios de agitação, agressividade e desorganização. Inicio uma escuta a Breno em uma enfermaria de crise de um hospital psiquiátrico, onde ele estava agitado, correndo e fazendo movimentos de luta nos corredores, com a fala muito desorganizada e sem um mínimo de endereçamento. Contudo passou a se aproximar, dizer coisas e sair, movimento que repetia várias vezes ao longo do dia. Isso possibilitou articular algumas de suas falas e ele começa a fazer pedidos e direcionar sua fala à escuta que estava sendo oferecida. E logo começa a falar do lugar que sua mãe ocupa para ele ao dizer: Foi a mãe que fez isso, é tudo culpa dela, ela fez isso comigo, por inveja. Se você quer saber alguma coisa, chama ela aqui e pergunte a ela. Os irmãos casaram, eu não pude casar. Disse a ele que poderia me contar o que lhe havia acontecido, atribuindo a ele a possibilidade
3 de dizer sobre o que lhe acontece e o questionando também a respeito desse pedido de chamar a mãe, possibilitando que falasse desse lugar dado a ela em sua fala, de poder impedi-lo de casar e de interná-lo por conta se sua inveja. Após desdobramento dessa escuta e do que ele fez da mesma, passa a fazer pedidos, endereçar minimamente sua fala e diz: Bom dia L. Isso, eu sei que L. está no seu corpo, você é a L. disfarçada e veio aqui pra me atender. Tudo bem se você não puder me dizer que é a L. Ainda sem saber que lugar Breno dava ao dizer sobre L., parecia incluir a analista em sua questão, não só por dar um lugar a esta mas por autorizá-la ao incluir o consentimento com a já sabida não confirmação de ser L. Assim, dá a chance na transferência de que a analista escute algo de um endereçamento. Posteriormente ele e sua mãe puderam dizer que L. tinha sido uma psicóloga que o havia atendido em um hospital geral a pedido dele e sobre a qual a mãe diz: Ela deu ouvidos a ele. Esses elementos apontam para a construção de um lugar na transferência e ao sair da internação Breno deu continuidade ao tratamento no CAPS. Para levantar elementos da fala de Breno que apontem para o lugar dado por este ao Outro, é preciso retomar pontos teóricos. A partir da questão de como o significante aparece antes do sujeito, Lacan (1967) introduz a questão do campo da dimensão do Outro; como um lugar definido como necessário para essa origem da cadeia significante. O correlato do diagnóstico diferencial de Freud em Lacan são as estruturas clínicas, o que está associado à direção de tratamento. O diagnóstico pode ser feito a partir do simbólico com as três formas de negação dessa castração do Outro (como resultado da operação de barra) e que corresponde às estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão. Na psicose o retorno do que foi negado do simbólico se dá também fora do simbólico, no registro do Real e daí então foracluído, para expressar esse também fora do simbólico. É a foraclusão do Nome-do-Pai. Lacan (1958) afirma a
4 necessidade de compreender a importância desse significante Nome-do-Pai no que ele funda como tal o fato de existir a lei, ou seja, a articulação numa certa ordem do significante. A abordagem do complexo de Édipo a partir do que Lacan chamou de metáfora paterna, em que o Nome-do-Pai opera como barra ao desejo da mãe tem como conseqüência a significação fálica. O Outro (A) é barrado, ou seja, há uma interdição de seu gozo e o pequeno a é aquilo que resta, que cai do Outro. Na psicose, há ausência do significante do Nome-do-Pai que faça barra ao Outro e portanto faça cair deste, o objeto a. Lacan (1967) fala do conceito de objeto a a partir de sua relação com o desejo, posto pelo que falta a partir da relação com o Outro. E diz que o objeto a é a fórmula geral disso que se manifesta de maneira decisiva e causal precisamente na determinação disso que a descoberta do inconsciente permitiu perceber, ou seja, a divisão do sujeito. Esse objeto pequeno a foi criado por Lacan como recurso para representar esse resto, o que não é simbolizado e por isso está como causa do desejo. Um Outro sem barra é um Outro que pode tudo, sem limite de gozo. Breno constrói um relato sobre sua história de vida e fala de sua construção delirante sobre sua origem ao dizer não ter o sangue compatível com o dos pais. Relata ter sido trocado por um bebê morto na maternidade, sendo filho de uma atriz famosa. Inicialmente não fala nada sobre a ela além de seu nome, porém trata-se de uma atriz famosa que teve noticiado na vida real a tragédia de ter causado acidentalmente a morte de um de seus filhos. Ele diz ser o melhor em tudo o que faz e que isso faz com que as pessoas não suportem conviver com ele, dizendo ser o melhor dos três irmãos e que por isso eles ajudaram a mãe a simular situações que o levasse a internações. Fala que sua mãe quer destruí-lo e que a causa disso é a inveja que sente dele. Sobre a primeira crise, diz: Eu sabia o que estava fazendo, fiz de vingança, para colocar um limite na mãe, o que parece trazer a agressividade dele durante as
5 crises como tentativas de lidar com a impossibilidade de barrar o gozo do Outro. Diz que, se ele não é maluco e foi internado tantas vezes a mando da mãe e que o problema é a família, da qual diz não fazer parte, todos estão em dívida com ele: a mãe, o pai, os irmãos, os médicos e o governo. Ao que diz : Vou processar todo mundo, tenho que ser indenizado, quero receber quarenta mil por mês, mas vou livrar você disso, quando eu receber esse dinheiro você pode ser minha motorista da praia.. Em seguida exige que convoque a mãe e os irmãos para que eles possam dizer o porquê fizeram isso com ele e para que eu possa tratar deles, já que eles são loucos. Ao falar da dívida que sua mãe tem com ele, por tudo que esta lhe tirou, faz pedidos de roupas, comidas e dinheiro a esta, fazendo pedidos imperativos que eu convoque sua mãe, que a faça pagar, que a obrigue a se tratar no CAPS. Sua mãe, que pôde dizer em um atendimento do seu não-desejo em relação ao filho, tenta dar conta de responder minimamente desse lugar de quem daria alguma coisa do que era pedido, mas o que aparece como marca para ele é o fato dela dizer o que não pode, quando não pode e como não pode. Com isso, foi possível dizer a ele que não poderia fazer sua mãe pagar, mas que estava escutando que ele se sentia assim, querendo algo que ela dizia não poder dar, o interrogando no sentido de quais recursos poderíamos construir a partir disso. Isso acontece ao longo do dia com pedidos por parte dele de papel e caneta, construção de uma lista detalhada com cor, marca, tamanho e preço das roupas que ela teria que comprar pra ele. Nestes momentos consegue falar de tudo que entende ter perdido ( trabalho, namorada, surf, zona sul etc.) por causa dela, falando dessa relação que para ele é o que o impede de tudo. Breno dá lugar à analista e ao colocá-la de fora dessa cobrança, convoca a mesma a ocupar o lugar de resolver isso. Faz isso de maneira imperativa, o que indica a tentativa de se oferecer para o gozo do Outro ao dar o lugar à analista de poder resolver
6 tudo, assim como um Outro sem limites, que tudo pode. O trabalho com ele parte de a cada atendimento, fazer intervenções a partir de uma escuta desse lugar que está sendo dado, sem ocupá-lo, a fim de garantir não entrar neste lugar de perseguidor e assim preservar um lugar que ele possa continuar endereçando sua fala. O tratamento de Breno se dá em um CAPS, serviço que oferece uma clínica no coletivo, que permite para muitos não se sentir invadido por um, contudo Breno rompe com possibilidades de ser escutado por outros profissionais, inclusive ao agredi-los, confirmando a tentativa de que analista ocupe esse lugar de Um. Ainda assim, o coletivo é explorado a fim de garantir que isso não aconteça. Em crise por alguns meses, Breno ficou na rua, emagrecido, machucado, sem medicação e com muitos laços rompidos mas continuava indo ao CAPS diariamente. Recusa-se a tomar qualquer medicação prescrita pelos médicos e diz não precisar se tratar. Com isso, as tentativas de medicá-lo e as indicações de internação, faziam com que rompesse com os tantos lugares onde havia iniciado algum tratamento. Assim, ter suportado que este não tomaria remédio mesmo durante a crise abriu possibilidades para ele, que construiu uma nova maneira de se relacionar com o CAPS, dizendo estar ali para ajudar os outros pacientes que precisam conversar com ele e assim, a cada semana, constrói alguma coisa que permite dizer que vai voltar mesmo não sendo maluco. Ficou uns meses na rua, dizendo não suportar morar com o pai nem com a mãe e fez movimentos como de ir ao DETRAN tentar mudar seu sobrenome a fim de livrar-se de sua família. Diz que os dois são iguais e que querem escravizá-lo, que sua mãe é a reencarnação de Adolf Hitler e atribui ao pai (que também é psicótico) poderes como o de desviar o trem que Breno tomou, ao enviar ordem ao sistema militar e fazendo com isso que ficasse preso no quartel por dias. Ele tem feito movimentos nos quais parece tentar dizer e pedir testemunho deste lugar de objeto desse Outro encarnado na figura dos pais. Nos atendimentos, escreve
7 seu novo nome, se questiona em relação ao seu RG e diz do quanto precisa ser outras pessoas para se defender da perseguição do mundo, a pedido da mãe. Ainda nesta direção do que endereça a sua analista, ele fala que está sendo escravizado pelos pais e depois diz que esta é a Princesa Isabel, Não foi ela que libertou os escravos? Então.... Lacan (1963) evoca a questão da função do Outro e ao pensar o analista nesse lugar, inclui a transferência em sua dimensão na qual está incluído na posição do analista a função de objeto parcial. Lacan refere-se ao fato de Freud nos apontar na angústia de castração aquilo que chama de limite da análise; é que ele permanecia, para seu analisando, como o lugar desse objeto parcial. Isso seria então a falta do simbólico, ligada a castração, por onde Freud articula o final da análise. Lacan vai além, fala também da falta no Real (que o simbólico não pode remediar), falta que não se esgota na castração, evocando a transferência como transferência de a, presentificada na experiência sob as formas do objeto parcial. Tendo o objeto a a característica de ser o que faz o desejo, segundo Lacan (1967), se esse desejo depende do desejo do Outro é na medida em que demanda de pequeno a. Lacan continua, dizendo que no psicótico não há demanda de pequeno a, já que ele o detém. Não havendo uma mediação entre o sujeito e o objeto, este então o invade, como a voz, por exemplo. O sujeito neurótico, ao não encontrar o objeto em sua realidade, supõe que o Outro o tem e com isso demanda porque crê que o Outro tem e esta crença está na base da transferência, o sujeito suposto saber. Assim, na psicose não é possível contar com a fantasia que faz função de mediar a relação do sujeito com o objeto, fazendo possível que este o invada e o sujeito permanece como objeto de um gozo desmedido do Outro. Esse lugar dado por Breno na transferência, maciça, onde você é a L. disfarçada, você é a Princesa Isabel, você vai resolver o meu problema de família,
8 chama um por um, dá um laudo e pronto, é atravessado por imperativos. Contudo, parece ter sido o fato de não ter sido um imperativo ocupar esse lugar, ao contrário, poder responder desse lugar, no sentido de reconhecer que este lugar estava sendo dado, porém não para ser ocupado; que fez com que não entrasse para ele no lugar desse Outro que deseja destruí-lo. Este relato é trazido como atravessado pela questão do Outro (quando pensamos o analista nesse lugar a partir da transferência) na psicose, julgado gozar e diferente do Outro na neurose, que o encontramos como sujeito suposto saber. Ao estabelecer a transferência, o sujeito psicótico proporá seu gozo ao analista, entregando-se a este como objeto a. Ao que Breno propõe que sua analista possa, ao contrário do que diz que os pais fazem (escravizam), o libertar, se coloca a disposição para o gozo do Outro a partir dessa sua posição de objeto. Este caso nos coloca diante dos efeitos do manejo da transferência na clínica da psicose, isso que não está dado de uma vez por todas, é um manejo a cada encontro, a cada escuta, a cada intervenção e que inclui decisivamente poder escutar o lugar dado ao Outro pelo sujeito, a partir de sua relação com o objeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LACAN, Jacques. Petit discours aux psychiatres, Conférence sur la psychanalyse et la formation du psychiatre, à l Hôpital Sainte-Anne, le 10 novembre ( ) O Seminário, livro 5 Rio de Janeiro: Zahar, ( ) O Seminário, livro 10 Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 SOLER, Colete. O inconsciente a céu aberto da psicose. Rio de Janeiro: Zahar Ed.,2007.
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