Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Sexta Câmara Criminal

Transcrição

1 Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Sexta Câmara Criminal APELAÇÃO CRIMINAL Nº Apelante: Maria Fernanda Marques dos Santos Apelado: Ministério Público Corréu: Devanei da Silva Ferreira Corréu: André Domiro Assis (ou Andre Dormiro Assis) APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. CONDENAÇÃO POR FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E PELO CONCURSO DE PESSOAS. RECURSO DEFENSIVO ARGUINDO PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO E AO SISTEMA ACUSATÓRIO, POSTULANDO, NO MÉRITO, O AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E O RECONHECIMENTO DA TENTATIVA, COM A REDUÇÃO EM SEU PERCENTUAL MÁXIMO. 1. Não verificação da nulidade arguida. Em que pese a não indicação expressa do inciso I do 2º do art. 155, a denúncia narrou os fatos capazes de, em tese configurar a qualificadora. O juiz não fica adstrito à capitulação delitiva dada pela acusação, mas sim aos fatos narrados na denúncia. Aplicação, no caso, da norma do art. 383 do Código de Processo Penal. 2. Não obstante a ausência de nulidade, não há prova nos autos da ocorrência de rompimento de obstáculo, devendo a qualificadora ser excluída diante da ausência de provas. 3. Os bens subtraídos saíram da esfera de disponibilidade da ofendida, ingressando na posse mansa e tranqüila da apelante e dos corréus, ainda que por pouco tempo, já que sequer houve perseguição, sendo todos detidos por mero acaso.

2 4. Compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, pois ambas são circunstâncias de cunho subjetivo, encontrando-se em idêntico patamar de preponderância. Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. 5. Extensão do afastamento da qualificadora do artigo 155, 4º, I, do Código Penal aos demais corréus, em consonância com o artigo 580 do Código de Processo Penal, eis que a decisão não está fundada em motivos de caráter subjetivo. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº , originários do Juízo da 38ª Vara Criminal da Comarca da Capital, em que é apelante MARIA FERNANDA MARQUES DOS SANTOS e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO, ACORDAM os Desembargadores que compõem a Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por UNANIMIDADE de votos, em CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO para exclui da condenação a qualificadora do rompimento de obstáculo, redimensionando a resposta penal da apelante Maria Fernanda a 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime semiaberto, e de 11 (onze) dias-multa, estendendo os efeitos desta decisão, porque de caráter objetivo, aos corréus Devanei da silva Ferreira e André Domiro (ou Dormiro) Assis, os quais, em razão disso, têm suas penas minoradas para 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, mantida, no mias, a r. sentença condenatória, nos termos do voto do Des. Relator. Sessão de Julgamento: 03 de setembro de 2013 Rio de Janeiro, 29 de novembro de PAULO DE OLIVEIRA LANZELLOTTI BALDEZ Desembargador Relator

3 Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Sexta Câmara Criminal APELAÇÃO CRIMINAL Nº Apelante: Maria Fernanda Marques dos Santos Apelado: Ministério Público Corréu: Devanei da Silva Ferreira Corréu: André Domiro Assis (ou Andre Dormiro Assis) RELATÓRIO O Ministério Público ajuizou ação penal pública, perante o Juízo da 38ª Vara Criminal de Comarca da Capital, em face de MARIA FERNANDA MARQUES DOS SANTOS, DEVANEI DA SILVA FERREIRA E ANDRE DOMIRO ASSIS, devidamente qualificados nos autos, dando-os como incursos nas penas do art. 155, 4, inciso IV, do Código Penal, consoante denúncia lavrada nos seguintes termos: No dia 18 de julho de 2012, por volta das 19h, no interior do estabelecimento comercial C&A, localizado na Rua Voluntários da Pátria, 222, Botafogo, nesta cidade, os denunciados, livres, conscientes e em comunhão de ações e desígnios entre si, subtraíram, para si ou para outrem, um casaco verde, um vestido jeans, duas calças jeans, uma blusa preta, três bermudas de tactel, uma camisa de manga comprida, um short jeans, um top de festa, um short rosa, uma camiseta "playboy", bens devidamente descritos no RO de fls. 05/07, todos de propriedade do referido estabelecimento, os quais, se fossem pagos à loja lesada, custariam cerca de R$ 650,00 (seiscentos e cinqüenta reais). Os denunciados ingressaram no estabelecimento juntos e, valendo-se de um objeto metálico, apropriado para a retirada dos dispositivos que ficam presos às roupas, ou seja, dos "alarmes" que visam impedir a subtração das mesmas, conseguiram retirá-los das respectivas peças e as colocaram em três sacolas. Ato contínuo, os três denunciados deixaram o estabelecimento, na posse das roupas já descritas. Ocorre que, certo tempo depois, policiais militares em patrulhamento de rotina, já na altura da Rua Palmeiras, em Botafogo, tiveram a atenção despertada para os denunciados, que apresentavam atitude suspeita. Realizada a abordagem, lograram encontrar na posse dos denunciados, além dos bens já descritos, o tal objeto metálico utilizado para a retirada dos "alarmes" afixados nas mercadorias, ocasião em que foram presos em flagrante.. 3

4 Encerrada a instrução criminal, a pretensão punitiva foi julgada procedente para condenar a ré e os corréus pela prática do delito tipificado no artigo 155, 4, inciso I e IV, do Código Penal, a primeira (Maria Fernanda), às penas de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 18 (dezoito) diasmulta, à razão mínima unitária; os últimos (Devanei e André), às penas de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime aberto, e 12 (doze) dias-multa, no valor mínimo legal, conforme sentença de fls. 217/230. Inconformada, apelou apenas a Defesa da acusada Maria Fernanda, suscitando, em suas razões recursais de fls. 238/252, preliminar de nulidade da sentença por violação ao princípio da correlação. No mérito, pugnou pelo afastamento da qualificadora descrita no artigo 155, 4º, I, do Código Penal, bem como pelo reconhecimento da tentativa, com redução no patamar máximo de 2/3 (dois terços). Pelas contrarrazões de fls. 256/259, o Ministério Público requer o parcial provimento do recurso defensivo para, reconhecendo a violação ao princípio da correlação, tão somente afastar a qualificadora do rompimento de obstáculo. Parecer da Procuradoria de Justiça às fls. 284/287, da lavra da eminente Procuradora Soraya Taveira Gaya, pelo desprovimento do apelo defensivo. VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, que possibilitam o seu conhecimento, passo à análise das razões recursais apresentadas. Não merece acolhida a preliminar de nulidade suscitada pela Defesa, não se verificando a alegada violação aos princípios da correlação e da ampla defesa, nem tampouco ausência de imparcialidade do julgador ou inobservância ao sistema acusatória. No caso a magistrada proferiu sentença condenando a apelante e os corréus por infração ao artigo 155, 4º, incisos I e IV, do Código Penal, embora o Ministério Público tenha feito referência, na denúncia, apenas ao inciso IV. No entanto, daí não decorre qualquer nulidade já que, em que pese a não indicação do inciso I, foi narrada na denúncia a conduta que, em tese, pode caracterizar a qualificadora, como se vê no trecho adiante transcrito: 4

5 Os denunciados ingressaram no estabelecimento juntos e, valendo-se de um objeto metálico, apropriado para a retirada dos dispositivos que ficam presos às roupas, ou seja, dos "alarmes" que visam impedir a subtração das mesmas, conseguiram retirá-los das respectivas peças e as colocaram em três sacolas. O juiz fica adstrito, na sentença, aos fatos narrados na denúncia e não à tipificação dada pela Acusação, consoante o disposto no artigo 383 do Código de Processo Penal, que autoriza o magistrado, por ocasião da prolação da sentença, atribuir ao fato delituoso qualificação jurídica diversa daquela assinalada na peça acusatória, desde que a nova capitulação encontre amparo nos fatos descritos na exordial. Essa atuação do magistrado configura emendatio libelli e não representa violação ao princípio da correlação, uma vez que não há alteração dos fatos narrados na inicial. nulidade. Assim, deve a preliminar defensiva ser rejeitada, diante da ausência de No entanto, em que pese não haver nulidade a ser sanada, in casu, não restou comprovada a qualificadora da destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa, razão pela qual deve ser excluída. Isso porque os alarmes supostamente retirados das roupas subtraídas não foram apreendidos, nem tampouco periciados, inexistindo provas de tenha havido violação de dispositivos de segurança. Como também bem salientado pelo Ministério Público em suas contrarrazões, (...) ao que parece, não houve qualquer rompimento ou destruição dos alarmes, tidos como obstáculos à subtração dos bens subtraídos.. Assim, deve ser afastada a qualificadora do inciso I do 4º do artigo 155 do Código Penal. No tocante à pretensão defensiva de reconhecimento da tentativa, esta não merece prosperar. De acordo com a prova oral carreada aos autos, a acusada e os corréus subtraíram as mercadorias do estabelecimento comercial lesado e se retiraram do local sem qualquer perseguição, sendo presos, em seguida, por mero acaso. Os bens subtraídos saíram totalmente da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando na posse mansa e pacífica ainda que por breves momentos da acusada e dos corréus, não havendo que se falar, portanto, em tentativa. 5

6 Em razão do afastamento da qualificadora referente ao obstáculo deve ser redimensionada a sanção da apelante, bem como dos corréus, por se tratar de qualificadora de natureza objetiva. Na primeira fase da dosimetria, deve ser mantida a pena privativa de liberdade estabelecida pouco acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, já que a apelante possui duas condenações transitadas em julgado, o que possibilita a utilização de uma delas para configuração de maus antecedentes, sendo a segunda anotação valorada como reincidência, inexistindo, na hipótese, bis in idem. A pena pecuniária deve ser reduzida para 11 (onze) dias-multa, observando-se a proporcionalidade com a pena de reclusão. Na segunda fase a atenuante da confissão espontânea deve ser compensada com a agravante da reincidência, já que ambas as circunstâncias são de cunho subjetivo a primeira espelha a personalidade do agente e denota a sua disposição em assumir o erro, ao passo que a segunda revela reiteração na conduta delituosa estando situadas no mesmo patamar de preponderância. O artigo 67 do Código Penal elege como circunstâncias preponderantes não só a reincidência, mas também, dentre outras, aquelas que resultam da personalidade do agente o que abarca a confissão espontânea, conforme a remansosa jurisprudência dos Tribunais Superiores, sendo perfeitamente possível a compensação: Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 33 DA LEI Nº /06. Recurso defensivo que pugna pela redução da pena-base ao mínimo legal. Subsidiariamente, requer a preponderância da atenuante da confissão espontânea sobre a agravante da reincidência ou a compensação entre ambas. Além disso, pleiteia o reconhecimento da atenuante da menoridade, preponderando esta sobre a agravante da reincidência ou, caso assim não seja entendido, a compensação entre elas. Redução da pena-base ao mínimo legal. Descabimento. Natureza e quantidades expressivas das substancias apreendidas. Acréscimo justificado. Menoridade e confissão prevalecem e permitem compensação da agravante da reincidência. O regime prisional imposto inicial fechado - está em consonância com o que preceitua o artigo 2º, 1º, da Lei nº 8.072/90, cuja redação foi alterada pela Lei nº , de 28 de março de Provimento do recurso para redimensionar as penas privativa de liberdade e pecuniária para 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, mantido o regime inicial fechado. Unânime. (Apelação Criminal , Des. Rel. ANTONIO CARLOS AMADO, SEXTA CÂMARA CRIMINAL, julgado em 12/05/2011) (GRIFO NOSSO). 6

7 Em vista disso, as penas finais da apelante ficam acomodadas em 02 (dois) anos de reclusão 03 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo, ante a ausência de causas de diminuição e de aumento de pena. Mantém-se o regime inicial semiaberto, mais adequado aos objetivos de reprovação e prevenção do delito, tendo em vista que a apelante é reincidente em crime de furto, o que também impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a teor do disposto no artigo 44, II, do Código Penal, a contrario senso. Por fim, em consonância com o artigo 580 do Código de Processo Penal, necessária se faz a extensão do afastamento da qualificadora do artigo 155, 4º, I, do Código Penal, aos demais corréus, eis a decisão não está fundada em motivos de caráter subjetivo. Desse modo, excluído o aumento referente à qualificadora do rompimento de obstáculo, as penas dos apelantes Devanei e Andre devem ser reduzidas para 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Pelo exposto, voto pelo CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO para afastar a qualificadora do rompimento de obstáculo e compensar a agravante da reincidência com a atenuante da confissão, redimensionando a resposta penal da apelante aos patamares de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime semiaberto, e 11 (onze) diasmulta, no valor unitário mínimo legal, estendendo os efeitos desta decisão aos demais corréus, cujas penas definitivas ficam estabilizadas em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantida, no mais, a r. sentença recorrida. Rio de Janeiro, 29 de novembro de PAULO DE OLIVEIRA LANZELLOTTI BALDEZ Desembargador Relator 7