A imigração feminina e os efeitos na divisão sexual do trabalho
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- Airton Ventura Borba
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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 A imigração feminina e os efeitos na divisão sexual do trabalho Denise Rogenski Raizel (PUC-PR) Gênero; Imigração; Trabalho ST 65 - Os paradoxos das migrações internacionais: suas dimensões étnicas, de classe e de gênero Introdução Entre os movimentos migratórios mundiais, se destaca aquele exercido pelos cidadãos sulamericanos em direção a Portugal e Espanha. Entre outras, a motivação para essa migração foi o grande crescimento econômico experimentado por esse dois países, favorecidos pelo ingresso na União Européia e a necessidade local de mão de obra. Esse recente movimento migratório, tem como característica relevante a presença das mulheres, que tanto migram por reintegração familiar, como por projetos próprios de migração. A intenção desse trabalho é demonstrar como se deu a integração dessas mulheres na sociedade européia e os efeitos causados em términos de discussão de gênero. É apontado por muitas pesquisadoras, como Sonia Parella, Doutora em Imigração e Gênero, o fato de que essa migração acabou por amortizar a discussão sobre a divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres europeus, tendo em vista que, a presença da mão de obra imigrante e barata, fez com que os conflitos modernos nas questões da divisão sexual do trabalho fossem relativizados após a incorporação das mulheres-imigrantes nas funções de cuidado. Funções essas definidas como aquelas atividades remuneradas destinadas a satisfazer as necessidades das pessoas e das famílias, e que aparecem, na atualidade, na vida cotidiana, das sociedades ocidentais (Torns, 1996). Para finalizar, resta o comparativo com a realidade brasileira. Considerando a nossa grande estratificação social, se importarmos esta forma de interpretação, poderíamos concluir que a discussão sobre a divisão sexual do trabalho na classe média brasileira está amortecida pela mão de obra disponível? Enquanto na Europa, se fala sobre a divisão internacional sexual do trabalho de cuidado, aqui poderíamos falar de divisão econômica desse mesmo trabalho? A migração feminina em um contexto global Entre 1990 e 2000, o número de migrantes internacionais aumentou em 14%. No ano de 2002, 175 milhões de pessoas viviam fora de seu país de origem e se espera que essa cifra chegue a
2 250 milhões em 2050 (UNFPA, 2004). Uma das características mais relevantes do fenômeno da migração é o incremento da participação feminina. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na maioria dos países receptores o número de mulheres migrantes tem crescido mais do que o de homens, de maneira que, atualmente, as mulheres constituem quase a metade do total da população migrante no mundo, chegando a representar em alguns lugares 70 a 80% do total. A destacada presença feminina não é nova, mas novo é o papel econômico que as mulheres migrantes têm exercido durante a migração. Cada vez é maior o número de mulheres que migram de forma autônoma, independentes dos seus maridos. Na Espanha os dados estatísticos acompanham essa tendência mundial. Nos dados abaixo relacionados, os últimos dados oficiais para Espanha, datados de 2006, apontam para o fluxo de migrantes que se deslocam em direção a esse país tendo saído de um país americano. Deixaram do seu país de origem até a Espanha um total de pessoas, sendo que desse total são mulheres e homens Com destaque especial para Bolívia, Brasil e Colômbia que o número entre homens e mulheres se distanciam bastante. Países de origem Total Homens Mulheres Bolívia Brasil Colômbia Através desses dados, verifica-se que o número de mulheres migrantes é superior ao número de homens migrantes. As mulheres latino-americanas representam um total de 50 % das mulheres estrangeiras na Espanha (CCOO, CERES, 2004). A migração feminina se releva assim tão presente quanto a masculina, mas com diferenciações em estratégias e motivações. Também se deve considerar que na análise dos projetos migratórios femininos existem processos específicos de expulsão, assim como processos específicos de demanda no país receptor, que influem na seleção da migração por gênero. O coletivo imigrante feminino é bastante diverso, mas de forma geral a imigrante comum latino-americana se caracteriza por ser mulher jovem, com cargas familiares, muitas com estudos de nível médio ou superior e com taxas de ocupação bastante elevadas nos países receptores. Em alguns casos, são as próprias mulheres que iniciam um projeto de migração deixando a família no país de origem, convertendo-se nas principais fontes de renda da família. Em muitos casos, a integração dessas mulheres, em especial no caso espanhol, se dá primariamente, através dos serviços de cuidado. Ou seja, o primeiro trabalho dessas mulheres na sociedade receptor é o trabalho doméstico, que em geral é substituído por outro na área de serviço ou hotelaria, assim que se dá uma maior integração no meio. Em geral, são substituídas, no trabalho
3 3 doméstico, por grupos de mulheres migrantes que acabaram de chegar. O número de mulheres estrangeiras trabalhando no que aqui vamos denominar de trabalhos de cuidado ou doméstico é bastante relevante e traz o que podemos denominar de internacionalização do trabalho reprodutivo. As mulheres autóctonas buscam os trabalhos oferecidos por mulheres estrangeiras para que suas próprias condições de vida sejam mais favoráveis, considerando a grande dificuldade em conciliar o trabalho produtivo do trabalho reprodutivo. Verificamos através dos dados da Seguridad Social da Espanha que somente no mês de maio de 2008, estrangeiros ingressaram no mercado de trabalho através da contratação doméstica, desses não são oriundos da União Européia, mas sim, em grande parte, originários da América Latina. Do total de , são mulheres (Seguridad Social, 2008). A divisão sexual do trabalho nos países receptores Como anteriormente dito os processos de migração não podem ser analisados sob apenas um olhar, devendo ser levado em conta todos os processos correlatos que integram o processo. Uma das questões mais importantes é a globalização dos serviços de cuidado. A feminilização da migração internacional se compreende não apenas através da saída das mulheres das sociedades de origem, mas também através da análise das sociedades receptoras. Ao mesmo tempo em que nos países de origem aumentam as desigualdades econômicas e sociais, nos países receptores ocorre uma crise da divisão sexual do trabalho estabelecida, como conseqüência do envelhecimento da população, da incorporação das mulheres no mercado de trabalho e da carência dos serviços públicos para o cuidado de pessoas dependentes, a denominada crise do Estado de bienestar (Torns,1997). A entrada das mulheres no mercado produtivo não foi acompanhada por uma redistribuição das cargas de trabalho reprodutivo, carga essa ainda atribuída às mulheres (Parella, 2000). Apesar da pluralidade de tempo da imigração, circunstâncias, trajetórias laborais, origens geográficas, econômicas, sociais e culturais que apresentam as mulheres imigrantes na Espanha, cujas histórias não pretende-se analisar aqui, os dados apontam para uma série de condicionantes estruturais que incidem de maneira específica no conjunto do coletivo de mulheres trabalhadoras extra comunitárias, relegando a essas um espaço muito determinado no mercado de trabalho, com ênfase para os trabalhos de cuidado. Além disso, o retrocesso das políticas sociais, transladou ainda mais a responsabilidade do bem-estar ao ambiente doméstico. Para fazer frente a essa situação, os lares com recursos recorrem à contratação de outra mulher, especialmente as migrantes, para externalizar parte desse trabalho.
4 4 Em resumo, pode-se afirmar que as tensões de gênero não resolvidas nos países desenvolvidos, estão sendo abordadas, ou até mesmo, resolvidas, através da transferência da desigualdade de gênero entre nacionalidades e etnias. A chamada internacionalização da divisão sexual do trabalho, transporta às mulheres imigrantes questões de gênero não resolvidas entre homens e mulheres dos países receptores. A divisão sexual do trabalho no Brasil Se importarmos da análise anterior os condicionantes da tese de transferência de responsabilidades reprodutivas para uma análise específica da realidade brasileira, verifica-se a possibilidade de interpretação econômica da situação. No lugar dos países receptores situamos o Brasil de maior poder aquisitivo, no qual a aquisição do trabalho reprodutivo é opção de transferência desse mesmo trabalho. E no lugar dos países de origem, situa-se o Brasil de baixas condições econômicas e sociais, no qual a opção do trabalho doméstico é a primeira de acesso ao mercado de trabalho, em especial, para as mulheres, que representam 94,3% do trabalho doméstico no Brasil (IBGE, 2006). Inegável é a grande desigualdade existente entre os dois lados dessa questão, mas com um ponto em comum: a presença das mulheres em oposição. O grande questionamento ainda é a ausência da participação masculina nessa questão. Alguns fatores como o envelhecimento da população e baixo crescimento demográfico também são integrantes de uma parte da sociedade brasileira, na qual já há um princípio de ruptura do pacto inter generacional entre mulheres e que começa a necessitar de serviços de cuidado, anteriormente exercidos pelas mulheres que se dedicavam exclusivamente ao trabalho doméstico. A ausência de políticas públicas é gritante no Brasil e, políticas de cuidado, quando criadas, dificilmente são direcionadas às necessidades de gênero. Os trabalhos reprodutivos são transferidos para as mulheres de baixa renda e escolaridade que assumem dentro desse contexto social as funções de cuidado das mulheres que saíram ao mercado de trabalho. Muitas vezes, essas mulheres relativizam o cuidado destinado aos seus próprios filhos quando a necessidade econômica é prioritária. Os efeitos secundários dessa transferência dos trabalhos reprodutivos ainda carecem de estudos pormenorizados para que possam ser indicados com precisão. A distribuição do trabalho reprodutivo no Brasil é ainda, timidamente discutido, nos meios de comunicação e órgãos oficiais. A migração de mulheres latino-americanas até a Europa, em especial, Portugal e Espanha, ressaltam as necessidades contemporâneas de discussão do serviço doméstico num contexto de ausência de políticas públicas de apoio àqueles que precisam ser
5 5 cuidados. No Brasil outros fatores são relevantes, como a grande desigualdade econômica e absoluta ausência estatal, mas o âmago da questão permanece o mesmo, já que tanto em um caso como no outro, verifica-se a ausência da renegociação do trabalho reprodutivo. Os homens continuam sendo alijados dessa discussão, como se não pertencessem ao mundo do trabalho reprodutivo que tanto na Europa, quanto no Brasil, continuam a ser transmitidos de mulheres para mulheres, numa eterna renegociação da exploração feminina pela própria mulher. O espaço aberto a essa negociação, no mínimo, deve gerar o questionamento masculino de sua efetiva participação nos trabalhos reprodutivos, não mais como simples ajudante, mas sim como partícipe, divisor dos trabalhos domésticos, o que poderia ser traduzido numa reavaliação do uso do poder nas relações de gênero. Referência Bibliográfica CCOO. Comisiones Obreras, - Centre de Estudis i Recerca Sindical. Barcelona, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Mensal de Emprego. São Paulo, Instituto Nacional del Estadística. Encuesta de la Población Ativa (varios años). Madrid: INE INSTRAW- United Nations. Disponível em Acesso em: 28 de junho de PARELLA, Sonia. El trasvase de desigualdades de clase y etnia entre nujeres: los servicios de proximidad. Revista Papers, Barcelona, n. 60, p , 2000 Seguridad Social. Estadísticas. Madrid, TORNS, Tereza. Los servicios de proximidad, un yacimiento de empleo. Revista de Treball Social, Barcelona, n. 147, _ (coord).la Formation pour les emplois de proximité. Note de reflexion au vue du rapport de genre. QUIT-UAB. Informe de investigación. Bellaterra, UNFPA- Fundo de População das Nações Unidas. Relatório Brasília, 2004.
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