TERCEIRA CÂMARA CÍVEL RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 13563/ CLASSE II COMARCA CAPITAL ELIAS VIEIRA DA SILVA JÚNIOR

Transcrição

1 APELANTE(S): APELADO(S): ELIAS VIEIRA DA SILVA JÚNIOR MINISTÉRIO PÚBLICO Número do Protocolo: 13563/2000 Data de Julgamento: EMENTA MEIO AMBIENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA ARÉA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EDIFICAÇÃO DE CASA DE VERANEIO AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO PROCESSO ANULADO - RECURSO PROVIDO. Tratando-se de ação civil pública, donde poderá advir decisão que implique em ressarcimento de dano ou prejuízo, obrigatório se torna a presença dos entes públicos, sob pena de tornar a sentença inexeqüível. Sendo a matéria de ordem pública, acolhe-se a preliminar argüida de ofício para anular o processo ab initio. Fl. 1 de 8

2 RELATÓRIO EXMO. SR. DR. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Elias Vieira da Silva Júnior, em autos de ação civil pública, visando reformar a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 23ª Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca da Capital, que julgou procedente o pedido para que fosse demolida a casa de veraneio edificada no leito da Baia de Siá Mariana área de preservação permanente, bem como para que se retirasse todo o material utilizado na construção, com a recomposição do meio ambiente degradado, condenando-se ainda, ao pagamento das custas. Em breve síntese, aduz o apelante, que antes de iniciar a edificação, teve a cautela de procurar e consultar os órgãos públicos responsáveis pela Baia de Siá Mariana, obtendo as autorizações necessárias. Que não existe prova cabal de que a construção cause dano ao meio ambiente. Ainda, que a área é de domínio privado e não de uso comum, portanto, possui o direito de construção, traduzindo-se em uma das manifestações de seu direito de propriedade. Por fim, requer o provimento do presente apelo para que seja mantido o bem imóvel, livre de qualquer injunção, ou, sendo mantida a decisão, a retenção da casa de veraneio de modo que só seja efetivada a demolição do referido imóvel após o respectivo pagamento de valor prévio e justo. Em contra-razões o apelado refuta as alegações do recorrente e pugna pelo não provimento do recurso e conseqüente manutenção da sentença a quo. Às fls. 406/412, reside o Parecer do Ministério Público atuante no segundo grau, da lavra do culto Procurador Dr. Luiz Alberto Esteves Scaloppe, pugnando pelo não provimento do recurso. É o relatório. À douta revisão. Fl. 2 de 8

3 P A R E C E R (ORAL) O SR. JOSÉ ZUQUETI Ratifico integralmente o parecer escrito. VOTO EXMO. SR. DR. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (RELATOR) Nobres Julgadores. Busca o apelante a reforma da r. sentença prolatada pelo douto Juiz Titular da Vara Especializada do Meio Ambiente que julgou procedente o pedido constante de ação civil pública, no sentido de ser demolida a casa de veraneio construída as margens da Baia de Siá Mariana e conseqüente recomposição do meio ambiente degradado, ficando assim asseverado, in verbis: a) ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na demolição da casa de veraneio edificada no leito maior da Baia de Siá Mariana, área de preservação permanente e planície de inundação, bem como retirada de todo o material utilizado na construção, no prazo de sessenta (60) dias, a contar desta data. b) ao cumprimento da obrigação de fazer que consiste em promover a recomposição da área à sua forma original, que consiste no reflorestamento artificial, com espécies nativas da região, no prazo de seis (6) meses. c) ao pagamento dos honorários dos peritos, que fixo em R$ ,00 (setenta mil reais), que serão divididos na forma pro rata. d) ao pagamento das custas e despesas processuais. No caso de descumprimento de qualquer uma das obrigações constantes da letra a ou b, o requerido arcará com multa diária de R$ ,00, a ser revertida ao FUNDER. Fl. 3 de 8

4 O apelante alega matéria já amplamente discutida nos autos, inclusive objeto de agravo já julgado, este com referência a decisão liminar da tutela antecipada concedida. Após repisar que a antecipação de tutela feriu princípios da ampla defesa e do contraditório, enfatizando ainda que naquela decisão o julgador afastou a exigência da caução, no seu entendimento necessária, passa a sustentar, tardiamente, somente em sede desta apelação, pedido de retenção de benfeitorias. Inobstante essas considerações iniciais, é imperioso reconhecer que este processo está eivado por nulidade absoluta, que não foi aventada pelos contendores, qual seja, a tramitação processual sem a indispensável formação de litisconsórcio passivo necessário entre o réu, a Prefeitura de Barão de Melgaço e a FEMA, entretanto, por se tratar de tema de ordem pública, suscetível de apreciação de ofício, em qualquer juízo ou grau de jurisdição, levanto a matéria como preliminar e passo a analisá-la. A solução deste processo está umbilicalmente atrelada a responsabilidade pela construção da obra, evidenciando-se nos autos que o réu tomou todas as cautelas necessárias junto ao Poder Público para edificar seu imóvel dentro dos ditames legais. Dessa maneira, não se está afirmando ou negando a legalidade da construção, se ela foi edificada em local proibido ou não, mas sim, que em caso de procedência do pedido deverá ser dirimida a responsabilidade patrimonial, já que não é plausível que um cidadão comum, que procure o poder público para regularizar seu empreendimento, tenha, após a conclusão, que assistir passivamente a demolição da obra sem ser previamente ressarcido pelos prejuízos sofridos. Exsurge, pois, claramente, a figura do litisconsórcio passivo necessário proveniente da relação jurídica material, uma vez que é incindível no plano prático-processual o gravame a ser suportado pelos aludidos entes públicos em caso de êxito do Parquet no desfecho da ação. Ora, não se pode olvidar que a relação jurídica material está entrelaçada entre o réu e o Poder Público, pois, certamente, sem as autorizações pertinentes por aquele conseguidas, a casa não sairia de um sonho utópico de seu idealizador. Por outro lado, embora o réu não tenha expressamente se referido aos embargos de retenção por benfeitorias na contestação, momento processual oportuno para tal alegação, verdade é que aduziu veementemente sobre a necessidade de caução, logo, não de Fl. 4 de 8

5 maneira tecnicamente perfeita, ao revés, de forma caolha, já manifestava sua preocupação com a execução do julgado que pudesse impingir-lhe a demolição do imóvel, devendo suas alegações ser recebidas como retenção de benfeitorias, em obediência ao princípio da instrumentalidade das formas, que, paulatinamente, vai assentando nos operadores do direito o desapego ao formalismo excessivo, objetivando propiciar às partes o alcance da finalidade do processo. Assim, surge mais um relevante motivo para corroborar a tese do litisconsórcio passivo necessário, já que processualmente, seria teratológico pensar em uma ação, onde o pedido fosse julgado procedente para determinar a demolição do imóvel, mediante o depósito prévio do valor apurado, sendo que as partes são exclusivamente o Ministério Público e o réu. Ora, certamente não seria o Ministério Público que efetuaria o depósito, mas, sim os órgãos públicos responsáveis pela autorização da obra, circunstância essa, que impõe inevitavelmente a inclusão destes no pólo passivo da relação processual, sob pena de termos uma execução frustrada. Ademais, se no julgamento desta apelação fosse aceita a tese de retenção por benfeitorias agitada nas razões, não se poderia fugir da determinação do depósito prévio pelos Poderes Públicos envolvidos na relação jurídica material, o que importa dizer que estaríamos condenando partes que não figuraram no processo, infringindo os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Finalmente, para reforçar a tese aqui colocada, trago à baila julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, em sede de Ação Civil Pública por Dano Ambiental, cujo pedido foi julgado procedente para condenar o réu a reflorestar áreas desmatadas ilegalmente e impedir o desmatamento das demais, anulando a sentença para se incluir no pólo passivo da demanda, como litisconsórcio passivo necessário, o INCRA, no caso, órgão responsável para estabelecer os critérios do desmatamento, in verbis: AÇÃO CIVIL PÚBLICA DANO AMBIENTAL DESMATAMENTO REFORMA AGRÁRIA ASSENTAMENTO INCRA LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO Versando a ação sobre dano ambiental perpetrado em assentamento para fins de reforma agrária, e sendo o dispositivo sentencial bem claro quando condena a parte ré a "impedir o desmatamento das áreas ainda não devastadas e reflorestar com espécies nativas, a área cujo desmatamento foi indevido, ressalvada a área necessária ao assentamento dos colonos, cujo desmatamento se impõe de modo a viabilizar a atividade agrícola, (...)", cabe ser declarado o litisconsórcio passivo Fl. 5 de 8

6 necessário do INCRA órgão que detém os critérios para estabelecer qual área deve ou não ser desmatada para fins de viabilizar a atividade agrícola. Havendo, portanto, um litisconsorte passivo necessário não citado, falha esta que não pode ser creditada à parte autora, impõe-se a anulação da sentença. (TRF 4ª R. AC RS 4ª T. Rel. Juiz Edgard A. Lippmann Júnior DJU p. 861) Indiscutível que estamos diante de caso semelhante, já que na relação jurídica processual de ambas as lides não há participação dos entes públicos intimamente entrelaçados com o réu na relação material, responsáveis pelos critérios para desmatamento no julgado citado e responsáveis pelas autorizações da construção da obra na presente ação, o que os qualificam como partes passivas indispensáveis na relação processual, até porque, podem vir a ser responsabilizados por seus atos na hipótese de procedência do pedido. Logo, em tempo hábil, deve-se corrigir a falha processual deste feito, para que, em caso de procedência do pedido, não sejamos surpreendidos pela inexigibilidade do julgado, o que, além de frustrar o Judiciário e o Ministério Público, certamente, acarretará um descrédito da sociedade para com este Poder constituído. Como se vê, a preliminar merece inteira acolhida. Pelo exposto, declaro nulo ab initio o processo e determino a devolução dos autos ao juízo de origem, para que se proceda a inclusão dos litisconsortes passivos necessários, especificamente, a Prefeitura Municipal de Barão de Melgaço e a Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEMA, prosseguindo-se regularmente o feito. V O T O EXMO. SR. DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (REVISOR) Egrégia Câmara: Como revisor tive a oportunidade de examinar detalhadamente os autos e cheguei à idêntica conclusão do douto relator, de modo que o acompanho para acolher a preliminar. Fl. 6 de 8

7 V O T O EXMO. SR. DES. JURACY PERSIANI (VOGAL) Egrégia Câmara: Não é o caso de litisconsórcio necessário, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 70 do C.P.C. Entendo que o apelante pode ser compelido a cumprir a r. decisão, reflorestamento e outras providências determinadas, o que deverá fazer, logicamente, obedecendo as orientações dessas entidades indicadas como litisconsortes. Eventual ressarcimento o apelante deve pleitear em ação própria. É como voto. Fl. 7 de 8

8 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. ERNANI VIEIRA DE SOUZA, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DR. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (Relator), DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (Revisor) e DES. JURACY PERSIANI (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, ACOLHERAM A PRELIMINAR SUSCITADA PELO RELATOR, E ANULARAM A SENTENÇA DETERMINANDO QUE O PROCESSO RETORNASSE À COMARCA DE ORIGEM, AFIM DE QUE FOSSEM CITADOS OS LITISCONSORTES PASSIVOS NECESSÁRIOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. Cuiabá, 24 de maio de DESEMBARGADOR ERNANI VIEIRA DE SOUZA - PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL DOUTOR CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA - RELATOR GEACOR Fl. 8 de 8