Caracterização epidemiológica da criptosporidiose em Portugal, por estudo molecular de isolados de Cryptosporidium spp. de humanos e de animais

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1 UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA Instituto de Higiene e Medicina Tropical Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses Caracterização epidemiológica da criptosporidiose em Portugal, por estudo molecular de isolados de Cryptosporidium spp. de humanos e de animais Maria Margarida Ferreira Alves Dissertação apresentada para obtenção do Grau de Doutor em Ciências Biomédicas, especialidade de Parasitologia, pela Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Orientador: Prof. Doutor Francisco José Nunes Antunes Lisboa 2006

2 O presente trabalho foi realizado na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e na Division of Parasitic Diseases do Centers for Disease Control and Prevention. A doutoranda usufruiu de uma Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH / BD / 2898 / 2000) i

3 Aos meus PAIS, que tantas vezes renunciaram a si mesmos, em benefício da minha formação. A DEUS, pela inspiração e força com que me guiou nesta caminhada. ii

4 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Doutor Francisco Antunes, meu orientador, agradeço a confiança depositada no meu trabalho, o apoio e o incentivo à minha formação e valorização e as oportunidades que me proporcionou. À Prof.ª Doutora Maria Amélia Grácio, agradeço a amabilidade de ter acedido fazer parte da comissão tutorial deste trabalho de doutoramento. À Prof.ª Doutora Olga Matos, que co-orientou este trabalho, pelo ânimo, apoio e ensinamentos que me dispensou, o meu muito obrigada. Ao Doutor Lihua Xiao, agradeço a extraordinária oportunidade de me ter recebido no seu laboratório, os ensinamentos, a pronta disponibilidade e a preciosa ajuda que me concedeu. Ao Doutor Irshad Sulaiman, expresso o meu reconhecimento pelo modo amigo com que me acolheu, me ensinou e me ajudou durante a minha permanência no CDC. À Prof.ª Doutora Isabel Fonseca, à Dr.ª Esmeralda Delgado e à Dr.ª Ana Mafalda Lourenço, agradeço a cedência dos isolados de gado bovino e de animais silváticos que foram caracterizados neste trabalho. À Dr.ª Ana Mafalda Lourenço, ao Dr. Joaquim Henriques e à Dr.ª Maria d Aires, deixo o meu sincero agradecimento pelo empenho e entusiasmo na recolha de material biológico dos animais de companhia. À Dr.ª Margarida Barão da Cunha, do Jardim Zoológico de Lisboa, estou grata pelo seu interesse e entusiástica cooperação neste trabalho. Agradeço, ainda, a todos os funcionários do Jardim Zoológico de Lisboa que colaboraram na recolha das amostras. À Vanessa Lemos, pela inestimável e incansável ajuda em tantos diagnósticos parasitológicos e, também, pela sua alegria, incentivo e amizade, o meu reconhecido agradecimento. Aos inúmeros colegas que passaram pela Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses e que comigo dividiram a bancada de trabalho, em particular, às residentes Luísa Lobo e Marina Costa, agradeço a amizade, o companheirismo, a ajuda, a boa disposição e o óptimo ambiente de trabalho. iii

5 Ao Sr. Luís Filipe Marto, do Gabinete de Desenho e Audiovisuais do IHMT, que elaborou os desenhos presentes neste trabalho, o meu sincero agradecimento pelo auxílio e disponibilidade dispensados. A todos os funcionários do IHMT, em particular, a D. Arminda Barbosa, a D. Flora Silva, a D. Florbela Almeida, a D. Gracinda Santos, a D. Leónia Bernardes, a D. Manuela Moniz, a D. Maria da Luz Noras e a D. Rosa Botão o meu agradecimento, pela sã convivência, pela ajuda e pela amizade que sempre me dedicaram. Aos meus familiares e amigos, pela amizade, incentivo e paciência com que me acompanharam nesta caminhada. Muito obrigada pela vossa presença na minha vida. Aos meus pais, Armando e Maria do Carmo, sem os quais nada na minha vida teria sido possível, expresso a minha profunda gratidão pelo carinho e dedicação permanentes, pela inestimável ajuda, pela infinita paciência e pelo seu exemplo de integridade, perseverança, generosidade e humildade. A todos os que, de algum modo, contribuíram para a minha chegada ao fim desta etapa e que, por falha não intencional, não foram aqui mencionados, o meu sincero agradecimento. À Fundação para a Ciência e Tecnologia, Ministério da Ciência e Ensino Superior, agradeço a atribuição da bolsa de doutoramento. iv

6 RESUMO Cryptosporidium spp. é um protozoário ubíquo causador de patologia gastrintestinal em humanos e animais. A infecção ocorre por ingestão de oocistos, após contacto directo com pessoas transmissão antroponótica ou outros animais infectados transmissão zoonótica podendo, ainda, ocorrer, indirectamente, através da água ou de alimentos contaminados. A importância relativa dos diferentes modos de transmissão, não se encontra, ainda, esclarecida. A criptosporidiose humana está associada, sobretudo, à infecção por C. hominis e por C. parvum, embora se encontrem descritos, também, casos de infecção por C. felis, C. meleagridis, C. muris, C. canis, C. suis e Cryptosporidium genótipo cervo. Com o presente trabalho pretendeu-se determinar as espécies e genótipos de Cryptosporidium que, em Portugal, se encontram associadas, quer à infecção humana, quer à infecção em gado doméstico, animais de companhia e animais silváticos, a fim de identificar, não só os parasitas infectantes para o Homem, como, também, os seus possíveis reservatórios zoonóticos. Para além disso, foi, ainda, objectivo deste trabalho, contribuir para a compreensão do papel desempenhado pelas vias de transmissão zoonótica e antroponótica na epidemiologia da criptosporidiose humana no nosso País. Na população de infectados por VIH, com sintomatologia gastrintestinal, que estudámos, entre Junho de 2001 e Janeiro de 2005, foi encontrada a percentagem de infecção por Cryptosporidium spp. de 8,3% (18/217). Nos animais de companhia, a taxa de infecção obtida para gatos com dono e para cães com e sem dono foi de, respectivamente, 1,8% (2/109) e 0% (0/157). Nos animais silváticos de vida livre estudados, carnívoros e pequenos mamíferos, não foi encontrada infecção por Cryptosporidium spp.. Nos animais do Jardim Zoológico de Lisboa, apenas foram encontrados oocistos em duas amostras fecais de mamíferos, uma de um bisonte americano e, outra, de um gnu de cauda branca, correspondendo a uma percentagem de amostras positivas de 0,9% (2/217); também foram observados oocistos numa amostra fecal de uma tartaruga estrela indiana que havia chegado recentemente ao Jardim Zoológico. A caracterização molecular de isolados humanos de Cryptosporidium spp., detectados entre 1994 e 2005, permitiu identificar, ao nível da espécie, 51 parasitas: 52,9% (27/51) pertenciam à espécie C. parvum, 31,4% (16/51) a C. hominis, 9,8% (5/51) a C. felis e 5,9% (3/51) a C. meleagridis. No que se refere aos criptosporídeos de hospedeiros não humanos gado doméstico e ruminantes silváticos (gamos da Tapada Nacional de Mafra e Bovídeos do v

7 Jardim Zoológico de Lisboa), estudados retrospectivamente, e gatos e animais do Jardim Zoológico, estudados prospectivamente, nos casos em que a amplificação do DNA foi bem sucedida, os resultados da sua caracterização molecular mostraram que: i) 94% (80/85) dos isolados bovinos e todos os isolados de ovinos (n = 2), de gamos da Tapada de Mafra (n = 4) e de Bovídeos do Jardim Zoológico (n = 11) pertenciam à espécie C. parvum; ii) 2,4% (2/85) dos isolados bovinos pertenciam à espécie C. bovis; iii) 2,4% (2/85) dos isolados bovinos pertenciam à espécie C. andersoni; iv) 1,2% (1/85) dos isolados bovinos pertenciam ao genótipo semelhante ao do gamo; v) os isolados detectados nos dois gatos pertenciam à espécie C. felis; vi) os parasitas encontrados nas fezes do bisonte americano, do gnu de cauda branca e da tartaruga estrela indiana pertenciam, respectivamente, ao genótipo rato, a um genótipo novo e ao genótipo tartaruga. Entre as espécies e genótipos identificados nos isolados animais, duas C. parvum e C. felis foram, também, encontradas em infecções humanas, facto que nos leva a considerar os seus respectivos hospedeiros gado doméstico, ruminantes silváticos e gatos como possíveis reservatórios zoonóticos da infecção humana. A determinação da diversidade intra-específica de C. hominis e de C. parvum foi realizada por caracterização molecular de um locus de microssatélites ML2 e do gene GP60. A análise de fragmentos por metodologia fluorescente do STR ML2, revelou a ausência de variabilidade genética em C. hominis e permitiu caracterizar, somente, 47% (8/17) dos isolados de C. parvum humanos estudados; a presença de múltiplos picos nos electroforetogramas dos restantes parasitas de origem humana e nos de todos os outros animais impediu a identificação dos seus alelos. Os dois alelos identificados nos oito isolados de C. parvum humanos ML2-176 e ML2-191 não foram encontrados em nenhum dos parasitas de gado doméstico ou de ruminantes silváticos. Em virtude da impossibilidade de identificar o alelo de todos os parasitas da espécie C. parvum em estudo, a caracterização do locus ML2 mostrou ser de pouca utilidade para o nosso trabalho. A caracterização do gene GP60, permitiu identificar nove famílias de subtipos, quatro em C. parvum e cinco em C. hominis. Entre os parasitas da espécie C. parvum, os de origem humana apresentaram maior variabilidade de subtipos do que os de gado bovino e de ruminantes silváticos. A maioria dos isolados de gado bovino (61/72), um de gado ovino, um de gamos da Tapada de Mafra e todos os dos Bovídeos do Jardim Zoológico (n = 9) apresentaram o mesmo subtipo IIaA15G2R1, o qual foi, também, encontrado em nove isolados humanos. O segundo subtipo de C. parvum mais frequente em isolados bovinos IIaA16G2R1 não foi vi

8 encontrado em isolados humanos. Os dois subtipos menos frequentes em gado bovino e ovino IIdA17G1 e IIdA21G1 foram, também, identificados em isolados humanos. Em alguns parasitas humanos de C. parvum foram, ainda, encontrados quatro subtipos, pertencentes a três famílias, não identificados nos isolados de gado doméstico ou de ruminantes silváticos IIbA14, IIcA5G3, IIdA19G1 e IIdA22G1. O facto de, em Portugal, isolados de C. parvum com o mesmo subtipo terem sido encontrados em infecções, não só humanas, como, também, de gado doméstico e de ruminantes silváticos indica que a sua transmissão ao Homem pode ocorrer pela via zoonótica e, também, pela antroponótica. Ainda, a identificação, em isolados de C. parvum humanos, de famílias/subtipos não encontrados nos animais, coloca a hipótese destes parasitas serem transmitidos ao Homem, unicamente, pela via antroponótica. Em suma, os resultados obtidos no presente trabalho sugerem que, em Portugal, a transmissão de C. parvum ao Homem envolve dois grupos de parasitas, um constituído por aqueles que são transmitidos, quer pela via zoonótica, quer pela antroponótica e, outro, composto pelos que são veiculados, exclusivamente, pela via antroponótica. vii

9 SUMMARY Cryptosporidium species are protozoan parasites that emerged worldwide as a cause of diarrhoeal disease in humans and animals. Infection can be transmitted through person-toperson anthroponotic transmission, animal-to-person contact zoonotic transmission or by ingestion of contaminated water or food. The influence of each transmission route in the transmission dynamics of cryptosporidiosis is not yet fully understood. Although human infections are caused, mainly, by C. parvum and C. hominis, several other species have also been associated with human disease C. felis, C. meleagridis, C. muris, C. canis, C. suis and Cryptosporidium cervine genotype. With this work we intended to identify the Cryptosporidium species and genotypes responsible for human infections in Portugal as well as those that parasitize cattle, pets and wild animals, in order to determine which ones are infectious for humans and also their possible zoonotic reservoirs. In addition, we also intended to establish the role of each transmission route in the epidemiology of cryptosporidiosis in Portugal. The rate of Cryptosporidium spp. infection in the HIV-infected patients with gastrointestinal symptoms, studied between June 2001 and January 2005, was 8,3% (18/217). In pets, 1,8% (2/109) of the privately owned cats and 0% (0/157) of the privately owned and shelter dogs were excreting Cryptosporidium spp. oocysts. In free-ranging wild animals, carnivores and small mammals, no oocysts were found in the faecal samples studied. In animals kept at the Lisbon Zoo, the rate of positive faecal samples among the mammals examined was 0,9% (2/217), corresponding to a black wildebeest and a prairie bison excreting oocysts in their faeces; Cryptosporidium spp. was also found in the faeces of an indian star tortoise newly arrived at the Zoo. Molecular characterization of human Cryptosporidium spp. isolates, detected between 1994 and 2005, was successfully accomplished for fifty-one parasites: 52,9% (27/51) were identified as C. parvum, 31,4% (16/51) as C. hominis, 9,8% (5/51) as C. felis and 5,9% (3/51) as C. meleagridis. Concerning the parasites from non-human hosts cattle and wild ruminants (fallow deers from Tapada Nacional de Mafra and Bovids from the Lisbon Zoo), studied retrospectively, and cats and Zoo animals, studied prospectively in those with positive DNA amplification, the results of its molecular characterization showed that: i) 94% (80/85) of the bovine isolates and all the isolates from sheep (n = 2), fallow deers from viii

10 Tapada de Mafra (n = 4) and Bovids from the Zoo (n = 11) were identified as C. parvum; ii) 2,4% (2/85) of the bovine isolates were identified as C. bovis; iii) 2,4% (2/85) of the bovine isolates were identified as C. andersoni; iv) 1,2% (1/85) of the bovine isolates were identified as Cryptosporidium deer-like genotype; v) the isolates from cats were identified as C. felis; vi) the isolates from the black wildebeest, the prairie bison and the indian star tortoise were identified as the mouse genotype, a novel unidentified genotype and the tortoise genotype, respectively. Two of the species found in animal infections C. parvum and C. felis were also found to cause human disease, suggesting that these species hosts cattle, wild ruminants and cats may act as zoonotic reservoirs for human cryptosporidiosis. The evaluation of the intra-specific heterogeneity within C. hominis and C. parvum was achieved by molecular characterization of a microsatellite locus ML2 and the GP60 gene. The fragment analysis of the ML2 STR showed no genetic variation within C. hominis and enabled allele identification only in 47% (8/17) of the studied human C. parvum isolates; the presence of stutter bands in the electrophoretograms from the remaining human parasites and in those from all the animal isolates impaired the identification of their alleles. The two alleles found in the eight human C. parvum parasites ML2-176 and ML2-191 were not found in any C. parvum isolate from cattle or wild ruminants. As the genetic characterisation of all C. parvum parasites was not achieved, the ML2 approach had little usefulness for our study. The PCR and sequencing of the GP60 gene enabled the identification of nine subtype families, four in C. parvum and five in C. hominis. We found higher subtype variability among human C. parvum isolates than in those from cattle and wild ruminants. Most of the C. parvum isolates from cattle (61/72), one isolate from sheep, one isolate from a fallow deer and all the isolates from the Lisbon Zoo Bovids (n = 9) presented the same subtype IIaA15G2R1, the one that was also found in nine human isolates. The second most frequent C. parvum subtype found in cattle isolates IIaA16G2R1 was not identified in human parasites. The two less frequent subtypes found in cattle and sheep IIdA17G1 and IIdA21G1 were also present in isolates from humans. In some human C. parvum parasites, we found four subtypes, belonging to three subtype families, which were not identified in isolates from cattle or wild ruminants IIbA14, IIcA5G3, IIdA19G1 and IIdA22G1. Finding C. parvum isolates with the same subtype in human, cattle and wild ruminant infections indicates that these parasites may be transmitted to humans by zoonotic as well as by anthroponotic transmission. Also, the identification of human C. parvum isolates with families/subtypes that were not found in ix

11 parasites from cattle or wild ruminants points out the hypothesis that these parasites may be transmitted to humans exclusively by anthroponotic transmission. So, the results of the present study suggest that, in Portugal, transmission of C. parvum to humans involves two groups of parasites, one containing those that can be transmitted by both zoonotic and anthroponotic cycles and another comprising the parasites that are transmitted exclusively by anthroponotic cycles. x

12 LISTA DE ABREVIATURAS % Percentagem % m/v Percentagem massa/volume % v/v Percentagem volume/volume A, C, G, T Bases orgânicas constituintes dos nucleótidos (adenina, citosina, guanina, timina) BLAST acrónimo anglo-saxónico para Basic Local Alignment Search Tool BSA Albumina de soro bovino, sigla anglo-saxónica para bovine serum albumine CDC sigla anglo-saxónica para Centers for Disease Control and Prevention Céls/mm 3 Células por milímetro cúbico COWP Proteína da parede do oocisto de Cryptosporidium, acrónimo anglosaxónico para Cryptosporidium oocyst wall protein datp 2 -desoxiadenosina 5 -trifosfato dctp 2 -desoxicitidina 5 -trifosfato dgtp 2 -desoxiguanosina 5 -trifosfato DHFR Dihidrofolato reductase, sigla anglo-saxónica para dihydrofolate reductase ditp 2 -desoxi-inosina 5 -trifosfato DMSO Dimetilsulfóxido DNA Ácido desoxiribonucleico, sigla anglo-saxónica para deoxyribonucleic acid dntp 2 -desoxinucleótido 5 -trifosfato DTT Ditiotreitol dttp 2 -desoxitimidina 5 -trifosfato dutp 2 -desoxiuridina 5 -trifosfato EDTA Ácido etilenodiaminotetracético et al. E outros, da locução latina et alii EUA Estados Unidos da América g Aceleração gravitacional (unidade de força centrífuga relativa) GP60 Glicoproteína de 60-kDa xi

13 HAART Terapêutica anti-retroviral potente, acrónimo anglo-saxónico para highly active antiretroviral therapy HCl Ácido clorídrico HSP70 Proteína de choque térmico de 70-kDa, sigla anglo-saxónica para heat shock protein 70-kDa ICAT Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia IHMT Instituto de Higiene e Medicina Tropical ITS Espaçadores internos transcritos, sigla anglo-saxónica para internally transcribed spacers K 2 Cr 2 O 7 Dicromato de potássio kda Quilodalton KOH Hidróxido de potássio L Litro M Molar MgCl 2 Cloreto de magnésio MIF Mertiolato/iodo/formaldeído min. Minutos ml Mililitro ML2 Microssatélite 2 mm Milímetro mm Milimolar nt Nucleótido ºC Grau Celsius pb Par de bases PCR Reacção em cadeia da polimerase, sigla anglo-saxónica para polymerase chain reaction ph Simétrico do logaritmo decimal da concentração hidrogeniónica de uma solução (-log [H + ]) pmol Picomole pp. Páginas RAPD Amplificação de polimorfismos de distribuição aleatória, acrónimo anglosaxónico para random amplified polymorphic DNA xii

14 rdna Ácido desoxirribonucleico ribossómico, sigla anglo-saxónica para ribosomal deoxyribonucleic acid (designação do gene que codifica o ácido ribonucleico ribossómico rrna) RFLP Polimorfismo do comprimento de fragmentos de restrição, sigla anglosaxónica para restriction fragment length polymorphism RNA Ácido ribonucleico, sigla anglo-saxónica para ribonucleic acid rrna Ácido ribonucleico ribossómico, sigla anglo-saxónica para ribosomal ribonucleic acid seg. Segundos SIDA Síndrome de imunodeficiência adquirida sp. Espécie spp. Espécies SSU-rRNA Subunidade pequena do ácido ribonucleico ribossómico, sigla anglosaxónica para small subunit ribosomal ribonucleic acid STR Repetição curta aleatória, sigla anglo-saxónica para short tandem repeat TAE Tampão tris-acetato-edta TRAP-C1 Proteína de adesão relacionada com a trombospondina de Cryptosporidium-1, acrónimo anglo-saxónico para thrombospondinrelated adhesive protein of Cryptosporidium-1 TRAP-C2 Proteína de adesão relacionada com a trombospondina de Cryptosporidium-2, acrónimo anglo-saxónico para thrombospondinrelated adhesive protein of Cryptosporidium-2 Tris Tris(hidroximetilo)aminometano Tris-HCl Tris(hidroximetilo)aminometano-ácido clorídrico U Unidade de actividade enzimática UV Ultravioleta V Volt VIH Vírus da imunodeficiência humana µg/ml Micrograma por mililitro µl Microlitro µm Micrómetro xiii

15 ÍNDICE PRIMEIRA PARTE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Perspectiva histórica Ciclo de vida Classificação taxonómica Apresentação clínica da criptosporidiose humana Tratamento da criptosporidiose humana Diagnóstico da criptosporidiose Diagnóstico histológico Diagnóstico coprológico Modos de transmissão da criptosporidiose humana Transmissão antroponótica Transmissão zoonótica Transmissão hídrica Transmissão através de alimentos contaminados Controlo e prevenção da criptosporidiose Epidemiologia da criptosporidiose A criptosporidiose no Homem Estudos seroepidemiológicos Estudos coprológicos Factores de risco Variação sazonal A criptosporidiose noutros animais Gado doméstico Animais de companhia Animais silváticos Contaminação dos recursos hídricos Epidemiologia molecular da criptosporidiose Identificação da diversidade genética do género Cryptosporidium Espécies que causam infecção humana e epidemiologia da sua transmissão xiv

16 10.3 Espécies e genótipos encontrados em outros hospedeiros vertebrados Identificação de espécies e de genótipos encontrados na água Variação intra-específica em C. parvum e C. hominis SEGUNDA PARTE CARACTERIZAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA CRIPTOSPORIDIOSE EM PORTUGAL CAPÍTULO I OBJECTIVOS CAPÍTULO II MATERIAL E MÉTODOS População estudada População humana População animal Gado bovino e ovino Animais de companhia Animais silváticos de vida livre Animais silváticos em cativeiro Diagnóstico parasitológico Concentração das amostras fecais Coloração diferencial Observação microscópica Extracção de DNA genómico de Cryptosporidium spp Preparação dos oocistos para extracção de DNA Método Mini-BeadBeater/Sílica Método KOH/Qiagen Caracterização molecular de isolados de Cryptosporidium spp Amplificação de DNA genómico por PCR Visualização do DNA amplificado Hidrólise do DNA amplificado por endonucleases de restrição RFLP Purificação e sequenciação dos fragmentos amplificados por PCR Análise bioinformática Caracterização molecular intra-específica de C. parvum e C. hominis Análise de microssatélites Caracterização molecular do gene GP xv

17 5.2.1 Amplificação de DNA genómico por PCR Purificação e sequenciação dos fragmentos amplificados por PCR Análise bioinformática CAPÍTULO III INFECÇÃO POR CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH Introdução Resultados Discussão CAPÍTULO IV INFECÇÃO POR CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS Introdução Resultados Animais de companhia Animais silváticos de vida livre Animais silváticos em cativeiro Discussão Animais de companhia Animais silváticos de vida livre Animais silváticos em cativeiro CAPÍTULO V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP Introdução Resultados Discussão CAPÍTULO VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP Introdução Resultados Discussão CAPÍTULO VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM Introdução Resultados xvi

18 2.1. Análise de microssatélites Caracterização do gene GP Discussão CAPÍTULO VIII CONCLUSÃO CAPÍTULO IX REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS xvii

19 - Primeira Parte - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1

20 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1. PERSPECTIVA HISTÓRICA Os microrganismos do género Cryptosporidium foram descritos, pela primeira, vez em 1907, pelo parasitologista americano Ernest Tyzzer, após observação, na mucosa gástrica de murganhos (Mus musculus), diversas formas de desenvolvimento sexuadas e assexuadas que resultavam na formação de oocistos contendo quatro esporozoítos livres. O autor identificou os parasitas como sendo coccídeos de estatuto taxonómico indefinido e deu-lhe o nome de Cryptosporidium muris [Tyzzer, 1907]. Em 1910, Tyzzer fez a descrição detalhada do ciclo de vida e das formas de desenvolvimento de C. muris e propôs a criação do género Cryptosporidium (que significa esporocisto escondido ou ausente), pertencente à classe Sporozoa e à subclasse Coccidia. O mesmo autor descreveu, ainda, em 1912, uma nova espécie, que designou de Cryptosporidium parvum, que se desenvolve no epitélio intestinal de murganhos e cujos oocistos possuem dimensões inferiores às de C. muris [Tyzzer, 1912]. Nos anos seguintes, em mamíferos, aves, répteis e peixes, foram descritas 21 novas espécies pertencentes ao género Cryptosporidium, assumindo-se que cada hospedeiro animal era parasitado por uma espécie diferente de Cryptosporidium spp.. No entanto, estudos subsequentes mostraram tratar-se, algumas delas, de esporocistos de Sarcocystis. Do mesmo modo, na sequência de estudos de transmissão cruzada, outras espécies foram invalidadas e sinonimizadas com C. parvum [Levine, 1984; O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997]. A identificação, em 1971, de parasitas do género Cryptosporidium, como causa de diarreia em vitelos, marcou o início do interesse da Medicina Veterinária por estes microrganismos e, desde então, muitos autores descreveram casos de diarreia aguda provocados por estes agentes em animais domésticos e silváticos [Casemore et al., 1985b; Current e Garcia, 1991]. Os dois primeiros casos conhecidos de criptosporidiose humana foram relatados em O primeiro foi registado numa criança de três anos, residente numa zona rural de Nashville, nos Estados Unidos da América (EUA), que apresentava diarreia severa [Nime et al., 1976]. O segundo foi descrito, também nos EUA, num agricultor de 39 anos de idade que desenvolveu diarreia severa após cinco semanas de terapêutica imunossupressora, para tratamento de doença auto-imune [Meisel et al., 1976]. Nos seis anos seguintes foram documentados oito casos de criptosporidiose, cinco em imunocomprometidos e três em 2

21 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA imunocompetentes [Centers for Disease Control and Prevention, 1982a; Reese et al., 1982; Sloper et al., 1982; Tzipori, 1983]. Em 1982, dois relatórios do U.S. Centers for Disease Control and Prevention (CDC) reportaram a ocorrência de um surto de criptosporidiose no Alabama, em 12 indivíduos imunocompetentes, todos tratadores de vitelos com diarreia [Centers for Disease Control and Prevention, 1982a] e de diarreia severa crónica por Cryptosporidium spp. em 21 doentes com síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) [Centers for Disease Control and Prevention, 1982b]. Após estas duas últimas referências, as comunidades médica e científica tomaram, finalmente, consciência da importância deste parasita para a saúde humana. Mais tarde, em 1993, em Milwaukee, EUA, através da rede de abastecimento público de água à cidade, pessoas foram infectadas por Cryptosporidium spp.. Nos dois anos que se seguiram a este surto, o número de óbitos por criptosporidiose foi 13,5 vezes superior ao registado nos dois anos anteriores, tendo 85% dos mesmos ocorrido entre a população de doentes com SIDA [Hoxie et al., 1997]. Desde então, o interesse por este protozoário passou a envolver, também, as entidades distribuidoras de água e as autoridades de saúde pública [MacKenzie et al., 1994]. O reconhecimento gradual da importância dada a este microrganismo, ao longo do último século, reflectiu-se no aumento exponencial de publicações presentes na National Library of Medicine ( que, sendo de 100 até 1982, aumentou para 5.019, em Dezembro de Essas publicações documentam, não só a infecção por Cryptosporidium spp. no Homem e noutros animais e a presença deste parasita na água e nos alimentos, como dão conta de vários aspectos da sua biologia e do desenvolvimento de métodos de diagnóstico, detecção, prevenção, controlo e tratamento da criptosporidiose. 3

22 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2. CICLO DE VIDA Os parasitas do género Cryptosporidium apresentam um ciclo de vida monoxénico, que se inicia após a ingestão de oocistos por parte de um hospedeiro susceptível (figura 1). As condições de temperatura, de ph e a presença de sais biliares e enzimas pancreáticas, encontradas no lúmen intestinal, induzem a libertação dos quatro esporozoítos existentes em cada oocisto. Através de um processo ainda pouco compreendido, mediado por proteínas produzidas pelo esporozoíto e por receptores específicos existentes na célula hospedeira, determinados organelos do complexo apical (localizado na extremidade anterior dos esporozoítos) iniciam o processo de invasão das células do epitélio intestinal. Estas últimas começam, então, um processo de reorganização do seu citosqueleto, ao mesmo tempo que a sua membrana celular envolve o esporozoíto, formando um vacúolo parasitóforo, em que o parasita permanece numa posição intracelular, mas extracitoplasmática, passando, nesta altura, a designar-se de trofozoíto. Com excepção dos merozoítos e dos microgâmetas, que se libertam da célula hospedeira para invadirem novas células, todo o desenvolvimento endógeno se processa no interior das células epiteliais. Pensa-se que a chave da resistência aos fármacos, apresentada por estes microrganismos, possa encontrar justificação nesta localização particular, entre o lúmen intestinal e o citoplasma da célula hospedeira, que os protege do ambiente intestinal hostil e da resposta imunológica do hospedeiro. Na base de cada vacúolo parasitóforo desenvolve-se uma estrutura denominada organelo alimentador (do inglês, feeder organelle ) que separa os citoplasmas da célula hospedeira e do parasita e que é o responsável pela entrada de energia e de nutrientes (figura 2b) [Ward e Cevallos, 1998; Tzipori e Ward, 2002; Petry, 2004]. A fase assexuada do desenvolvimento parasitário inicia-se dentro do vacúolo parasitóforo, quando o trofozoíto sofre três divisões nucleares (merogonia), originando os merontes tipo I, que contêm seis a oito merozoítos (figuras 1 e 2c), os quais são libertados para o lúmen intestinal. Cada novo merozoíto invade uma célula epitelial adjacente (figuras 1 e 2d) e, após maturação e duas ou três gerações de merogonia, origina, respectivamente, um meronte tipo I (constituindo uma fonte interna de auto-infecção) ou um meronte tipo II. Este último contém quatro merozoítos que, ao infectarem novas células, se diferenciam em microgamontes (células masculinas) e macrogamontes (células femininas) e vão iniciar a fase 4

23 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA sexuada do desenvolvimento (gametogonia). Os microgamontes tornam-se multinucleados, sendo cada núcleo incorporado num microgâmeta que vai fertilizar um macrogamonte (figuras 1 e 2e), formando o zigoto. Este, por sua vez, sofre duas divisões nucleares (esporogonia) dando origem ao oocisto, que contém no seu interior quatro esporozoítos. Durante a esporogonia formam-se dois tipos de oocistos, os de parede fina (cerca de 20%), que permanecem no hospedeiro, constituindo uma segunda fonte de auto-infecção e os de parede grossa (cerca de 80%), que são excretados nas fezes, já sob a forma infectante (esporulados) e que, após ingestão, vão infectar novos hospedeiros susceptíveis [O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997; Kosek et al., 2001; Carey et al., 2004]. Oocisto esporulado Ingestão Esporozoíto Trofozoíto Meronte tipo I Auto-infecção Excreção Auto-infecção Oocisto de parede fina Microgâmetas Merozoítos Oocisto de parede grossa Microgamonte Zigoto Meronte tipo II Merozoítos Macrogamonte FIGURA 1 Representação esquemática do ciclo de vida de Cryptosporidium spp. 5

24 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA b a d c e FIGURA 2 Cryptosporidium baileyi observado em microscopia electrónica de varrimento: a) elevada carga parasitária na superfície epitelial; b) região basal do organelo alimentador; c) merontes tipo I; d) merozoíto a penetrar na célula hospedeira; e) microgâmeta a fertilizar um macrogamonte [adaptado de consultado a 10 de Novembro de 2004] 6

25 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Os oocistos apresentam forma redonda a ovalada, com dimensões que variam entre 4 a 8 µm, dependendo da espécie. No seu interior encontram-se quatro esporozoítos vermiformes e um corpo residual contendo um vacúolo lipídico e alguns grânulos de amilopectina (figura 3) [Petry, 2004]. Esp Gr FIGURA 3 Representação esquemática de um oocisto de Cryptosporidium spp.. Esp esporozoíto, Gr grânulo de amilopectina, VL vacúolo lipídico VL Num estudo recente, após infecção experimental em ratinhos e vitelos, foi descrita, respectivamente, em C. parvum e C. andersoni, a existência de formas de desenvolvimento extracelulares semelhantes aos gamontes dos gregarinas, algumas das quais em sizígia. Contudo, a sua origem, o seu destino e o seu papel no ciclo de vida daqueles parasitas não é, ainda, conhecido [Hijjawi et al., 2002]. Rosales et al. (2005) também observaram, em culturas celulares de C. parvum, a presença de formas de desenvolvimento extracelulares semelhantes aos gamontes dos gregarinas e de zigotos e oocistos com oito esporozoítos; algumas das formas extracelulares foram, igualmente, observadas em sizígia. Estes resultados apontam para a necessidade de revisão do ciclo de vida de Cryptosporidium spp. o que, no entanto, só poderá ser conseguido após a realização de estudos in vitro e in vivo adicionais e da análise ultra-estrutural destas novas formas de desenvolvimento [Hijjawi et al., 2002; Rosales et al., 2005]. 7

26 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3. CLASSIFICAÇÃO TAXONÓMICA Os elementos do género Cryptosporidium são microrganismos eucariotas, pertencentes ao reino Protozoa, cuja classificação tem por base as suas características morfológicas, o seu ciclo de vida e o local de infecção no hospedeiro [O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997]. Assim, pertencem ao subfilo Apicomplexa (presença de complexo apical nas formas infectantes), classe Conoidasida (a locomoção das formas infectantes faz-se por flexão, deslizamento ou flutuação), subclasse Coccidiasina (ciclo de vida envolvendo merogonia, gametogonia e esporogonia), ordem Eucoccidiorida (ocorrência de merogonia e infecção de hospedeiros vertebrados), subordem Eimeriorina (desenvolvimento independente dos gâmetas femininos e masculinos) e família Cryptosporidiidae (ciclo de vida monoxénico, com formas de desenvolvimento localizadas sob a membrana da célula hospedeira, microgâmetas não flagelados e presença de quatro esporozoítos livres no interior do oocisto) (figura 4) [Current e Garcia, 1991; O Donoghue, 1995; Tenter e Johnson, 1997]. Todavia, a classificação destes parasitas como coccídeos tem vindo a ser questionada, em virtude de apresentarem algumas características diferentes das dos restantes microrganismos da subclasse Coccidiasina, nomeadamente: i) a localização intracelular mas extracitoplasmática das formas de desenvolvimento endógeno; ii) a ligação do parasita à célula hospedeira com envolvimento de um organelo alimentador na base do vacúolo parasitóforo; iii) a presença de dois tipos distintos de oocistos, sendo um deles responsável por um processo de auto-infecção; iv) o pequeno tamanho dos oocistos e a ausência de algumas estruturas morfológicas, como o esporocisto e o apicoplasto; v) a insensibilidade aos fármacos utilizados no combate a outros coccídeos [Carreno et al., 1999; Zhu et al., 2000a, 2000b; Hijjawi et al., 2002; Abrahamsen et al., 2004; Petry, 2004]. Para além disso, estudos de análise filogenética com base na sequência do gene que codifica a subunidade pequena ou SSU (sigla anglo-saxónica para small subunit ) do ácido ribonucleico ribossómico ou rrna (sigla anglo-saxónica para ribosomal ribonucleic acid ) têm mostrado que as espécies de Cryptosporidium, não só constituem um grupo separado dos restantes coccídeos, como se encontram geneticamente mais próximas dos gregarinas (subclasse Gregarinasina parasitas de artrópodes, anelídeos e moluscos) do que dos coccídeos [Escalante e Ayala, 1995; Morrison e Ellis, 1997; Carreno et al., 1998, 1999; Leander et al., 2003]. A descoberta recente, em C. parvum e C. 8

27 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA andersoni, de formas de desenvolvimento extracelulares, semelhantes aos gamontes dos gregarinas, vem, também, argumentar contra a presente classificação de Cryptosporidium spp. como coccídeo e sustentar a hipótese da sua proximidade com os gregarinas [Hijjawi et al., 2002; Rosales et al., 2005]. SUBFILO Apicomplexa CLASSE Conoidasida SUBCLASSE Coccidiasina Gregarinasina ORDEM Eucoccidiorida SUBORDEM Eimeriorina FAMÍLIA Sarcocystidae Eimeriidae Cryptosporidiidae GÉNERO Sarcocystis Cyclospora Cryptosporidium Toxoplasma Isospora Eimeria FIGURA 4 Esquema abreviado da classificação taxonómica do género Cryptosporidium [Tenter e Johnson, 1997; consultado a 15 de Agosto de 2005] Estas descobertas sustentam a necessidade de rever a posição do género Cryptosporidium dentro do filo Apicomplexa, sendo, no entanto, necessários mais estudos ultra-estruturais, bioquímicos, genéticos e filogenéticos, de modo a que as muitas incertezas ainda existentes possam ser esclarecidas. Este debate reveste-se de grande importância, na medida em que poderá permitir o desenvolvimento, não só de fármacos mais eficazes no tratamento da criptosporidiose, como de métodos de detecção imunológicos e de biologia molecular mais 9

28 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA específicos, nomeadamente em amostras de água, onde a abundância de gregarinas pode levar à ocorrência de reacções cruzadas e, consequentemente, de resultados positivos falsos [Carreno et al., 1999; Hijjawi et al., 2002]. Outro grande desafio que, actualmente, se coloca a taxonomistas e epidemiologistas moleculares, prende-se com a caracterização e definição das espécies de Cryptosporidium. De entre as 21 novas espécies, descritas após as descobertas de Tyzzer, apenas algumas são hoje consideradas válidas, nomeadamente C. meleagridis em perus, C. wrairi em porquinhos-daíndia, C. muris em roedores, C. felis em gatos, C. serpentis em cobras e C. baileyi em galinhas [Tyzzer, 1907; Iseki, 1979; Levine, 1980; Current et al., 1986; Fayer e Ungar, 1986; O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997]. Diferenças biológicas em relação às espécies aceites como válidas levaram, ainda, à recente descrição de C. saurophilum em lagartos [Koudela e Modrý, 1998]. Com o advento das técnicas de biologia molecular teve início a caracterização genética de inúmeros isolados de Cryptosporidium spp. e encetaram-se esforços no sentido de se clarificar a confusão estabelecida à volta da definição das espécies pertencentes a este género. Com base nestes estudos e noutros sobre as características ultra-estruturais, a especificidade de hospedeiro e a histopatologia destes parasitas foram descritas, recentemente, mais sete novas espécies: C. andersoni [Lindsay et al., 2000] e C. bovis [Fayer et al., 2005] em gado bovino, C. canis em cães [Fayer et al., 2001], C. hominis (anteriormente designado C. parvum genótipo humano) em humanos [Morgan-Ryan et al., 2002], C. molnari [Alvarez-Pellitero e Sitjà-Bobadilla, 2002] e C. scophthalmi [Alvarez-Pellitero et al., 2004] em peixes e C. suis em suínos [Ryan et al., 2004] e foi reescrita a espécie C. galli em aves [Ryan et al., 2003a]. No quadro I é apresentado um resumo das 16 espécies de Cryptosporidium actualmente consideradas válidas, os hospedeiros onde, até à data, foram encontradas e algumas das suas características biológicas e morfológicas. Um dos grandes problemas associados à definição das espécies de Cryptosporidium tem sido a dificuldade em aplicar o conceito biológico de espécie grupo de organismos capazes de se cruzar entre si e que apresentam isolamento reprodutivo em relação a outros grupos dada a impossibilidade de se realizarem estudos de cruzamento genético entre isolados. Este problema advém da impossibilidade de criopreservação e de propagação contínua dos criptosporídeos in vitro e reflecte-se na ausência de isolados de referência que representem diferentes espécies ou genótipos. Assim, é importante que a identificação, descrição e classificação de novas espécies de Cryptosporidium seja feita através de uma caracterização 10

29 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA polifásica dos isolados, utilizando critérios relacionados com a morfologia dos oocistos, especificidade de hospedeiro, local de infecção no hospedeiro, patogenicidade, carga de oocistos excretados e caracterização molecular de vários loci genéticos. Contudo, esta avaliação integrada tem sido, até à data, aplicada a um número restrito de isolados. Para além disso, apresenta algumas limitações, designadamente: i) ausência de diferenças morfométricas significativas entre os oocistos de algumas espécies (quadro I); ii) de, nos estudos de infecciosidade, o desenvolvimento dos parasitas ser dependente de algumas variáveis (dose do inóculo, tempo e condições de armazenamento dos isolados, método de purificação dos oocistos, idade do hospedeiro e exposição prévia ao microrganismo); iii) da necessidade de um leque considerável de hospedeiros susceptíveis, para a realização dos estudos de transmissão cruzada, e a consequente indispensabilidade de instalações apropriadas para a sua manutenção; iv) da necessidade de elevado número de oocistos para a realização dos estudos de infecciosidade e especificidade de hospedeiro, o que nem sempre é possível obter; v) da dificuldade em distinguir entre diferenças genéticas inter-específicas e diversidade alélica intra-específica e consequente controvérsia quanto à importância a conferir aos resultados de biologia molecular [Fayer et al., 2000; Egyed et al., 2002; Fall et al., 2003; Xiao et al., 2004a]. A clarificação da taxonomia do género Cryptosporidium é essencial para se atingir maior percepção da epidemiologia destes parasitas, possibilitando o controlo da sua transmissão. A identificação e a caracterização polifásica das espécies de Cryptosporidium poderá constituir uma excelente base de trabalho para médicos, veterinários, epidemiologistas e restantes profissionais de saúde, na medida em que permitirá, não só ter acesso a espécies/genótipos de referência que possibilitem o desenvolvimento de novos fármacos, como fornecer respostas a questões sobre a patogenicidade e a virulência das várias espécies e o risco que constituem para a saúde pública [Egyed et al., 2002; Xiao et al., 2004a]. 11

30 QUADRO I Espécies de Cryptosporidium consideradas válidas, seus hospedeiros e outras características morfológicas e biológicas [Egyed et al., 2003; Alvarez- Pellitero et al., 2004; Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan, 2004; Fayer et al., 2005] ESPÉCIE DIMENSÃO DOS HOSPEDEIROS OOCISTOS (µm) PRINCIPAIS OUTROS LOCALIZAÇÃO PREFERENCIAL C. muris Tyzzer, ,4 6,3 roedores, camelos humanos estômago C. parvum Tyzzer, ,0 4,5 bovinos, ovinos, caprinos, outros ruminantes, humanos roedores, suínos, cavalos, gorilas intestino C. meleagridis Slavin, ,2 4,6 perus, humanos outras aves intestino C. wrairi Vetterling, Jervis, Merrill e Sprinz, ,4 4,6 porquinhos-da-índia intestino C. felis Iseki, ,6 4,0 gatos humanos intestino C. serpentis Levine, ,2 5,3 cobras, lagartos estômago C. baileyi Current, Upton e Haynes, ,2 4,6 galinhas, perus outra aves cloaca, bolsa de Fabricius, tracto respiratório C. saurophilum Koudela e Modry, ,0 4,7 lagartos cobras intestino, cloaca C. galli Pavlasek, ,25 6,30 tentilhões, galinhas, pardais do norte outras aves proventrículo C. andersoni Lindsay, Upton, Owens, Morgan, Mead e Blagburn, ,4 5,5 bovinos, camelos ovinos abomaso C. canis Fayer, Trout, Xiao, Morgan, Lal e Dubey, ,95 4,71 cães raposas, coiotes, humanos intestino C. hominis Morgan-Ryan, Fall, Ward, Hijjawi, Sulaiman, Fayer, 4,86 5,20 humanos, macacos intestino Thompson, Olson, Lal e Xiao, 2002 C. molnari Alvarez-Pellitero e Sitjà-Bobadilla, ,72 4,47 peixes (dourada, robalo) estômago e, por vezes, intestino C. scophthalmi Alvarez-Pellitero, Quiroga, Sitjà-Bobadilla, Redondo, Palenzuela, Padrós, Vázquez e Nieto, ,44 3,91 peixes (pregado) intestino e, por vezes, estômago C. suis Ryan, Monis, Enemark, Sulaiman, Samarasinghe, Read, Buddle, 4,6 4,2 suínos humanos (1 caso descrito) intestino Robertson, Zhou, Thompson e Xiao, 2004 C. bovis Fayer, Santín e Xiao, ,89 4,63 bovinos, principalmente adultos ovinos intestino

31 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4. APRESENTAÇÃO CLÍNICA DA CRIPTOSPORIDIOSE HUMANA Os microrganismos do género Cryptosporidium são causadores de diarreia no Homem, dependendo a duração e a gravidade da infecção de diversos factores, entre os quais se destaca, como sendo o mais importante, o estado imunológico do hospedeiro [Chen et al., 2002]. A infecção por Cryptosporidium spp. em indivíduos com função imunitária normal, pode ser assintomática ou sintomática, evoluindo, neste último caso, de forma aguda e autolimitada e apresentando diversas manifestações gastrenterológicas. O período de incubação da criptosporidiose pode variar entre quatro a dez dias [Chappell et al., 1996; Casemore, 2000]. A um quadro inicial, caracterizado por desconforto abdominal, náuseas e anorexia, segue-se a diarreia aquosa profusa, com três a seis dejecções diárias, que pode ser acompanhada de febre e perda de peso [Casemore, 2000; Farthing, 2000]. Estes sintomas duram entre três a 14 dias, embora possam ocorrer, ocasionalmente, durante mais alguns dias [Casemore, 2000]. O período de excreção de oocistos coincide com a fase de diarreia, podendo prolongar-se por duas a três semanas após o desaparecimento da sintomatologia gastrintestinal [Chappell et al., 1996; Casemore, 2000]. Chappell et al. (1996), efectuaram um estudo em voluntários saudáveis, tendo observado que, após a infecção e durante a fase de diarreia, a eliminação de oocistos nas fezes era, com frequência, intermitente. Os mesmos autores observaram, ainda, que o número de oocistos excretados por doentes com diarreia era cerca de 50 vezes superior ao eliminado por portadores assintomáticos. O quadro clínico em doentes imunocomprometidos apresenta algumas diferenças em relação ao da população imunocompetente, nomeadamente quanto à gravidade e à cronicidade da diarreia e à localização extra-intestinal da infecção. Nos imunocomprometidos, especialmente nos infectados por vírus da imunodeficiência humana (VIH), a gravidade da doença correlaciona-se com a contagem dos linfócitos TCD4 +, podendo manifestar-se das seguintes formas: i) Infecção por Cryptosporidium spp., sem diarreia, mas evidenciando perda de peso, febre ou dores abdominais. Na maioria dos casos, a identificação de Cryptosporidium spp. nas fezes ou em biopsia intestinal ocorre por acaso. Esta forma regista-se em indivíduos com contagem de linfócitos TCD4 + próxima do normal [Blanshard et al., 1992]. 13

32 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ii) Doença autolimitada, caracterizada por diarreia aquosa profusa, com duração inferior a dois meses, seguida de completa remissão dos sintomas e interrupção da excreção de oocistos. Estes casos surgem em indivíduos com contagem de linfócitos TCD4 + superior a 180 céls./mm 3 [Blanshard et al., 1992; Flanigan et al., 1992]. iii) Doença crónica, caracterizada por diarreia aquosa profusa, com duração superior a dois meses. Estes indivíduos apresentam contagem de linfócitos TCD4 + inferior a 140 céls./mm 3 e, concomitantemente, revelam má absorção, desidratação e perda de peso acentuada [Blanshard et al., 1992; Flanigan et al., 1992]. iv) Doença com evolução fulminante, em que a perda de líquidos nas fezes é superior a dois litros por dia. Os doentes revelam desidratação grave, alteração do equilíbrio hidroelectrolítico e caquexia, o que pode conduzir à morte. Estes casos ocorrem, unicamente, em doentes com contagem de linfócitos TCD4 + inferior a 50 céls./mm 3 [Blanshard et al., 1992; Flanigan et al., 1992; Casemore, 2000]. Num estudo com duração de seis anos, realizado em Londres, em indivíduos com coinfecção por VIH e Cryptosporidium spp., a infecção crónica foi a forma de apresentação mais frequente (59,7%), seguindo-se-lhe os quadros clínicos de doença autolimitada (28,7%), doença de evolução fulminante (7,8%) e, por fim, infecção sem diarreia (3,9%) [Blanshard et al., 1992]. Nos países em vias de desenvolvimento, as formas mais frequentes da criptosporidiose nos infectados por VIH são a doença crónica e a doença com evolução fulminante [Farthing, 2000]. O tempo de sobrevida dos doentes depende da evolução clínica da infecção, apresentando um valor médio de cinco, 20 e 36 semanas, respectivamente, nos casos de doença com evolução fulminante, crónica e autolimitada [Blanshard et al., 1992]. Os doentes com função imunitária deficiente, principalmente aqueles com infecção por VIH, podem desenvolver localizações extra-intestinais, como o estômago, o tracto biliar, o pâncreas ou os pulmões [Hunter e Nichols, 2002]. A criptosporidiose biliar é a forma mais comum da doença extra-intestinal, embora o número total de casos seja desconhecido, uma vez que o seu diagnóstico depende do recurso a técnicas invasivas, que não são realizadas por rotina [Chen et al., 2002]. Na população afectada pelo grande surto de criptosporidiose de 1993, em Milwaukee, Vakil et al. (1996), verificaram que 87,5% dos doentes com manifestações clínicas sugerindo envolvimento das vias biliares, apresentavam contagem de linfócitos TCD4 + inferior a 50 céls./mm 3. Apesar de existirem poucas descrições de envolvimento gástrico por Cryptosporidium spp., alguns autores consideram que este possa ser mais 14

33 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA frequente do que se pensa, dada, não só a dificuldade da sua identificação, que depende da realização de endoscopia gástrica com biopsia, como a frequente ausência de sintomatologia na criptosporidiose do estômago [Rossi et al., 1998; Hunter e Nichols, 2002]. A infecção do aparelho respiratório, em doentes com SIDA, tem sido descrita por diversos autores, nos casos de identificação de oocistos na expectoração, em aspirado broncoalveolar ou em biopsia pulmonar, sendo caracterizada por tosse, dispneia, febre e dor na região torácica [Farthing, 2000; Hunter e Nichols, 2002]. No entanto, o significado clínico destes achados não se encontra bem esclarecido, uma vez que a infecção respiratória por Cryptosporidium spp. se encontra, na maioria dos casos, associada a outros agentes infecciosos do aparelho respiratório, nomeadamente Mycobacterium tuberculosis, Pneumocystis jirovecii e vírus citomegálico [Farthing, 2000; Hunter e Nichols, 2002]. 15

34 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 5. TRATAMENTO DA CRIPTOSPORIDIOSE HUMANA Não existe, actualmente, terapêutica etiotrópica eficaz para o tratamento da criptosporidiose. Nos últimos anos, foram efectuados diversos ensaios, envolvendo mais de 100 fármacos, muitos deles com acção contra outros coccídeos, sem que, no entanto, a sua actividade contra os parasitas do género Cryptosporidium tivesse sido satisfatória. Todavia, alguns fármacos mostraram alguma eficácia na diminuição do número de oocistos excretados e na melhoria do quadro clínico [Farthing, 2000; Armson et al. 2003; Benson et al., 2004]. A paramomicina foi um dos primeiros fármacos a evidenciar alguma actividade anti- Cryptosporidium. Quando administrada em doses elevadas, mostrou ser eficaz no tratamento da criptosporidiose no modelo animal, sendo utilizada no tratamento da doença humana. Contudo, diversos estudos efectuados em doentes com infecção VIH mostraram que a sua eficácia é variável e limitada ao período durante o qual é administrada, sendo frequentes as recidivas [Armson et al., 2003; Benson et al., 2004]. A nitazoxanida é um fármaco eficaz no tratamento de infecções por bactérias, helmintas e alguns parasitas eucariotas, nomeadamente Entamoeba hystolitica, Giardia lamblia e Isospora belli, que mostrou resultados promissores no tratamento da infecção por Cryptosporidium spp. [Armson et al., 2003; Benson et al., 2004]. Em alguns estudos efectuados em doentes com SIDA e criptosporidiose, foram observadas taxas de cura parasitológica na ordem dos 70% [Rossignol et al., 1998; Armson et al., 2003]. Em 2002, a nitazoxanida foi aprovada pela U.S. Food and Drug Administration para o tratamento da criptosporidiose em crianças não tendo, ainda, sido estabelecidas a sua eficácia e segurança em imunocomprometidos [U.S. Food and Drug Administration, 2002; Benson et al., 2004]. Como a evolução clínica da criptosporidiose nos doentes imunocompetentes é diferente da dos doentes com imunodeficiência, a terapêutica para estas duas populações é, igualmente, distinta. Os doentes com sistema imunitário intacto não necessitam, em regra, de terapêutica, para além da de suporte, para correcção da desidratação provocada pela diarreia aquosa [Griffiths, 1998; Chen et al., 2002; Benson et al., 2004]. Nos doentes com neoplasias ou que foram sujeitos a transplante de órgãos, a interrupção da quimioterapia ou da terapêutica imunossupressora, leva à reconstituição da função imunitária e, consequentemente, à resolução da infecção [Griffiths, 1998]. Nos doentes com SIDA, o tratamento mais adequado 16

35 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA consiste na administração da terapêutica anti-retroviral potente ou HAART (acrónimo anglosaxónico para highly active antiretroviral therapy ), com o objectivo de baixar a virémia e restaurar, na medida do possível, a função imunitária, que é condição essencial para a resolução da infecção [Griffiths, 1998; Miao et al., 2000; Chen et al., 2002]. Nos casos de diarreia severa crónica ou fulminante é, ainda, necessário repor a perda de líquidos e de electrólitos, por administração oral ou intravenosa, de soluções contendo glucose, bicarbonato de sódio, potássio, magnésio e fósforo [Benson et al., 2004]. O tratamento sintomático com antidiarreicos diminui a frequência e o volume das dejecções, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos doentes [Griffiths, 1998; Benson et al., 2004]. 17

36 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 6. DIAGNÓSTICO DA CRIPTOSPORIDIOSE O diagnóstico diferencial da criptosporidiose deve ser considerado em qualquer doente que apresente diarreia aguda ou persistente, principalmente, se esta ocorre em associação com imunodeficiência. Todavia, o quadro clínico gastrenterológico causado por microrganismos do género Cryptosporidium não é patognomónico destes parasitas, sendo, de igual modo, da responsabilidade de bactérias enteropatogénicas, vírus e outros parasitas. Deste modo, para o diagnóstico definitivo da criptosporidiose é necessária, sempre, a identificação de oocistos em amostras fecais. Quando se suspeita de criptosporidiose extra-intestinal, a pesquisa de oocistos pode ser efectuada noutras amostras, nomeadamente na expectoração, em lavado broncoalveolar, em aspirado duodenal ou na bílis [Petry, 2000]. 6.1 DIAGNÓSTICO HISTOLÓGICO Os primeiros casos de infecção por Cryptosporidium spp. identificados no Homem e noutros animais, fundamentaram-se na observação das formas de desenvolvimento intracelular do parasita em biopsias da mucosa intestinal ou em material de autópsia [O Donoghue, 1995; Petry, 2000]. Os métodos histoquímicos mais utilizados para o diagnóstico histológico da criptosporidiose baseiam-se na coloração pela hematoxilina-eosina e pelo giemsa [O Donoghue, 1995]. O recurso à microscopia electrónica de transmissão, para observação de cortes histológicos, permite a observação morfológica detalhada das diversas formas de desenvolvimento intracelular dos criptosporídeos. No entanto, estes estudos são dispendiosos, demorados e apresentam baixa sensibilidade, dado que são observadas, apenas, pequenas secções da mucosa e que as infecções não se encontram uniformemente distribuídas naquela, particularmente nos casos em que a carga parasitária é baixa [O Donoghue, 1995; Petry, 2000]. Apesar da sua utilidade na investigação das alterações citológicas e histopatológicas que acompanham a infecção, estes métodos não são adequados para o diagnóstico parasitológico de rotina [O Donoghue, 1995; Petry, 2000]. 18

37 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 6.2 DIAGNÓSTICO COPROLÓGICO A introdução, em 1981, do método de coloração de Ziehl-Neelsen modificado [Henriksen e Pohlenza, 1981] constituiu um salto qualitativo no diagnóstico da criptosporidiose, permitindo a detecção de oocistos nos esfregaços fecais, associando, assim, um método de colheita não invasivo à simplicidade de execução da técnica de coloração. Esta técnica baseia-se no facto de os oocistos, depois de corados com fucsina básica fenolada, reterem este corante aquando da descoloração pelo álcool-ácido. Esta característica permite, após coloração de contraste, com o verde-de-malaquite ou com o azul-de-metileno, diferenciar os oocistos do restante material fecal. Os oocistos podem ser observados ao microscópio óptico (com uma ampliação de 200 ou 400 vezes) e apresentam-se como pequenas estruturas cor-de-rosa, de forma esférica, com um diâmetro de 4 a 6 µm, enquanto que o restante material fecal apresenta a cor do corante de contraste. Nalguns oocistos pode observar-se, ainda, a sua estrutura interna, nomeadamente os esporozoítos e os corpos residuais, que apresentam cor mais escura [Casemore et al., 1985a; Petry, 2000]. Para além do Ziehl-Neelsen modificado existem outros métodos, vulgarmente utilizados para a coloração diferencial de oocistos de Cryptosporidium spp., nomeadamente o de auramina-fenol/fucsina ou o de Kinyoun modificado [Fayer et al., 2000; Petry, 2000]. Em qualquer dos casos, a observação deve ser feita por um técnico experiente, capaz de distinguir os oocistos de outras estruturas semelhantes, como glóbulos de gordura e algumas leveduras [Casemore, 1991]. A observação de preparações fecais a fresco, para identificação de oocistos, não deve ser efectuada, uma vez que, pela sua forma e pequena dimensão, podem ser confundidos com leveduras e esporos de fungos, conduzindo a resultados falsos positivos [Casemore, 1991]. Nos casos de infecção aguda, em que a eliminação de oocistos é elevada, estes são, facilmente, observados em esfregaços fecais. Contudo, quando a infecção é ligeira ou nos casos assintomáticos, dada não só a natureza intermitente da excreção, como, ainda, a variabilidade da quantidade de oocistos excretados durante o decorrer da infecção, a observação por microscopia convencional pode tornar-se difícil, sendo necessário recorrer a técnicas de concentração das amostras fecais [Casemore, 1991]. Vários métodos estão descritos para a concentração de oocistos presentes nas fezes, nomeadamente, a centrifugação após extracção com formol-éter, a centrifugação em gradientes de cloreto de césio, a centrifugação em gradientes de Percoll, a flutuação em solução de sacarose e a flutuação em solução saturada de cloreto de sódio, entre outros [Weber et al., 1992; Bukhari e Smith, 1995; Petry, 2000]. 19

38 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Estas técnicas contribuem, ainda, para a remoção de gorduras e outros detritos fecais, melhorando a qualidade da observação microscópica. No entanto, alguns autores têm referido que, durante o processamento das amostras, ocorrem perdas de oocistos, principalmente em fezes pastosas e moldadas, resultando na diminuição da sensibilidade do diagnóstico [Weber et al., 1992; Bukhari e Smith, 1995; Petry, 2000]. Para além dos métodos de coloração diferencial, já referidos, nos últimos anos têm sido comercializados diversos testes imunológicos para a detecção de oocistos de Cryptosporidium spp., com base na utilização de anticorpos monoclonais, em técnicas imunoenzimáticas e de imunofluorescência [Fayer et al.,2000; Petry, 2000]. O método de imunofluorescência permite a identificação fácil e rápida dos oocistos nos esfregaços fecais, apresentando, todavia, as desvantagens do elevado custo dos kits existentes no mercado e da indispensabilidade de um microscópio de fluorescência, para leitura dos esfregaços. No que diz respeito à sensibilidade deste método, relativamente à coloração diferencial, existe alguma controvérsia, na medida em que alguns autores descrevem a imunofluorescência como o método mais sensível, enquanto que outros encontram sensibilidades idênticas para as duas técnicas [Griffiths, 1998; Petry, 2000]. Os testes imunoenzimáticos permitem a análise simultânea de um grande número de amostras, sendo, no entanto, de sensibilidade inferior às técnicas de imunofluorescência. Para além disso, como não é observada a morfologia dos parasitas, é impossível distinguir os verdadeiros dos falsos resultados positivos [Petry, 2000]. Num passado recente, ocorreram problemas de especificidade em alguns testes imunoenzimáticos para detecção de antigénios de Cryptosporidium spp. nas fezes, o que deu origem a um elevado número de resultados falsos positivos [Centers for Disease Control and Prevention, 1999; Johnston et al., 2003]. Uma das limitações associadas aos métodos imunológicos é a possibilidade de ocorrerem reacções cruzadas com outros microrganismos, o que leva ao decréscimo da especificidade com resultados falsos positivos [Fayer et al., 2000]. Nos últimos anos, vários autores têm descrito técnicas de amplificação de ácido desoxirribonucleico ou DNA (sigla anglo-saxónica para deoxyribonucleic acid ), por reacção em cadeia da polimerase ou PCR (sigla anglo-saxónica para polymerase chain reaction ), a fim de detectar a presença de Cryptosporidium spp. em amostras clínicas e ambientais, ultrapassando as limitações de sensibilidade e especificidade apresentadas pelas técnicas acima descritas. Para além de ser uma técnica sensível e específica, a PCR apresenta 20

39 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA vantagens, tais como a facilidade de interpretação dos resultados e a possibilidade de processamento de um elevado número de amostras em simultâneo [Petry, 2000]. Inúmeros métodos de PCR, dirigidos a diferentes regiões alvo do genoma de Cryptosporidium spp. estão já descritos; no entanto, estes apresentam especificidades e sensibilidades distintas, originando, alguns deles, resultados falsos positivos ou falsos negativos [Sulaiman et al., 1999; Jiang e Xiao, 2003]. A baixa especificidade apresentada por alguns destes métodos encontra justificação no facto de serem utilizados oligonucleótidos iniciadores ( primers ) dirigidos a zonas do genoma muito conservadas entre os eucariotas, resultando na amplificação do DNA de outros microrganismos, nomeadamente os pertencentes ao género Eimeria [Sulaiman et al., 1999]. A sensibilidade da reacção de PCR para a detecção de Cryptosporidium spp. depende de diversos factores, tais como o número de cópias da região do genoma a amplificar ou a presença de constituintes fecais inibidores da reacção [Widmer, 1998; Carey et al., 2004]. Assim, os sais biliares, a bilirrubina, os metabolitos de fármacos, o DNA de outros microrganismos ou polissacáridos complexos de origem vegetal que sequestrem o ião magnésio, de cuja concentração depende a actividade da enzima Taq DNA polimerase, ou que mimetizem o comportamento do DNA, reduzem a eficiência e a sensibilidade da reacção de PCR [Monteiro et al., 1997; Petry, 2000]. Para ultrapassar este problema são necessários métodos de extracção de DNA genómico eficazes na remoção daqueles inibidores fecais. Por outro lado, é da máxima importância que a extracção de DNA seja precedida da eficiente destruição da parede dos oocistos, uma vez que esta é muito resistente e que a sua lise incompleta compromete todo o processo de extracção e, consequentemente, o rendimento da reacção de PCR [Alves, 1999; Carey et al., 2004]. Para além da detecção de microrganismos do género Cryptosporidium, a técnica de PCR, associada a outros métodos de biologia molecular, como o polimorfismo do comprimento de fragmentos de restrição ou RFLP (sigla anglo-saxónica para restriction fragment length polymorphism ), ou a determinação da sequência nucleotídica de fragmentos de DNA amplificado, possibilita, ainda, a identificação da espécie e/ou genótipo dos parasitas [Fayer et al., 2000; Petry, 2000]. Contudo, alguns dos métodos de PCR descritos na literatura foram desenvolvidos com base em sequências de C. parvum; assim, e em virtude não só da elevada variabilidade genética apresentada pelos parasitas pertencentes ao género Cryptosporidium, como da possibilidade de outras espécies/genótipos causarem infecção humana, a sua utilidade para o diagnóstico da criptosporidiose humana é limitada, uma vez que apenas 21

40 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA permitem a amplificação de algumas espécies, nomeadamente C. parvum e C. hominis, não amplificando, por exemplo, C. meleagridis ou C. felis [Jiang e Xiao, 2003; Xiao e Ryan, 2004]. A reacção de PCR possui um elevado potencial como técnica de diagnóstico da criptosporidiose. Todavia, é necessário, ainda, ultrapassar alguns problemas até que seja possível adoptar métodos de referência bem definidos e adequados à sua utilização de rotina em todos os laboratórios. 22

41 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 7. MODOS DE TRANSMISSÃO DA CRIPTOSPORIDIOSE HUMANA A transmissão da criptosporidiose humana ocorre quando um indivíduo susceptível ingere oocistos excretados por um hospedeiro infectado, seja por contacto directo ou, indirecto, através da água ou dos alimentos contaminados. Na figura 5 encontram-se representados os diferentes modos de transmissão da criptosporidiose ao Homem. Antroponótica Zoonótica Alimentar Hídrica FIGURA 5 Representação esquemática dos diferentes modos de transmissão da criptosporidiose ao Homem 23

42 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 7.1 TRANSMISSÃO ANTROPONÓTICA A transmissão antroponótica processa-se por contacto directo pessoa-a-pessoa, através da via fecal-oral e é habitual no ambiente doméstico, em creches, em hospitais ou por via sexual. Este modo de transmissão surge, com frequência, de forma secundária por contacto directo com pessoas que contraíram a infecção através de animais parasitados ou por ingestão de água ou de alimentos contaminados [Juranek, 1995; Casemore et al., 1997; Dillingham et al., 2002]. A transmissão pessoa-a-pessoa, no ambiente familiar, foi documentada por Newman et al. (1994) numa favela em Fortaleza, no Brasil, onde a criptosporidiose é endémica. Os estudos epidemiológicos realizados por MacKenzie et al. (1995) sobre o grande surto hídrico de Milwaukee, nos EUA, mostraram que 5% dos casos de criptosporidiose resultaram da transmissão secundária por contacto directo com pessoas que haviam sido infectadas através da água contaminada. Do mesmo modo, na Austrália, durante um surto de criptosporidiose devido à contaminação da água de várias piscinas, Puech et al. (2001) demonstraram que uma parte dos casos de diarreia por Cryptosporidium spp. resultou da transmissão antroponótica de pessoas que haviam sido infectadas por água da piscina para outras que não haviam sido expostas a essa fonte de infecção. Ribeiro e Palmer (1986) descreveram um surto de criptosporidiose que ocorreu numa família após a visita a uma quinta onde alguns dos seus elementos contactaram com cordeiros e cabritos e beberam leite não pasteurizado. Três membros da família foram infectados na quinta tendo, mais tarde, no ambiente doméstico, transmitido a infecção a outros familiares. A transmissão directa pessoa-a-pessoa envolve, com frequência, crianças, especialmente as que usam fraldas, e as pessoas que cuidam delas, tanto no ambiente doméstico como em creches [Centers for Disease Control and Prevention, 1984; Corbett-Feeney, 1987; Melo Cristino et al., 1988; Cordell e Addiss, 1994]. A transmissão antroponótica pode, ainda, acontecer no ambiente hospitalar, encontrandose documentados casos de transmissão nosocomial de doentes entre si e entre doentes e enfermeiros e/ou pessoal auxiliar [Koch et al., 1985; Navarrete et al., 1991; Casemore et al., 1994]. Alguns autores descreveram, em doentes com SIDA, prevalências de criptosporidiose superiores naqueles cuja infecção por VIH foi contraída por via sexual, particularmente homossexuais do sexo masculino, e sugeriram que a transmissão da infecção por Cryptosporidium spp. possa ter ocorrido por contacto sexual [López-Vélez et al., 1995; Matos et al., 1998; Sorvillo et al., 1998]. Mais recentemente, na Austrália, Hellard et al. (2003) realizaram um 24

43 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA estudo epidemiológico envolvendo homossexuais do sexo masculino com criptosporidiose, tendo observado uma associação significativa entre o contacto com vários parceiros sexuais, a prática de sexo anal e a infecção por Cryptosporidium spp TRANSMISSÃO ZOONÓTICA A transmissão zoonótica da criptosporidiose ao Homem resulta do contacto directo com animais infectados [Juranek, 1995; Casemore et al., 1997]. Este modo de transmissão pode ocorrer por exposição ocupacional, em tratadores de animais ou em estudantes de veterinária, após o contacto com animais infectados [Lengerich et al., 1993; Preiser et al., 2003]. No Reino Unido e na República da Irlanda foi, ainda, descrita a infecção de crianças e adultos por Cryptosporidium spp. na sequência de visitas de estudo ou de lazer a quintas onde existiam vitelos, cordeiros e cabritos infectados por este protozoário [Ribeiro e Palmer, 1986; Pritchard e Fleetwood, 1995; Sayers et al., 1996; Elwin et al., 2001]. Os animais de companhia, particularmente cães e gatos, têm, por vezes, sido apontados como possíveis fontes de infecção para o Homem. No entanto, até à data, não foi possível confirmar nenhum caso de criptosporidiose humana resultante da transmissão zoonótica por animais de companhia infectados [Juranek, 1995; Glaser et al., 1998]. A presença de oocistos nas fezes de um animal não constitui prova da origem da infecção do seu dono, não só porque ambos podem ter sido expostos à mesma fonte de infecção, como porque o animal pode ter sido infectado pelo seu dono [Casemore et al., 1997]. Apesar de não ter sido provada a transmissão zoonótica de Cryptosporidium spp. entre animais de companhia e o Homem, a adopção de cuidados básicos de higiene, principalmente por parte de indivíduos com função imunitária diminuída, é essencial como medida de prevenção de uma eventual infecção [Juranek, 1995; Glaser et al., 1998]. 7.3 TRANSMISSÃO HÍDRICA A transmissão hídrica da criptosporidiose encontra-se associada à contaminação de cursos e reservatórios de água com parasitas do género Cryptosporidium e acontece após a ingestão de água contaminada com oocistos viáveis [Casemore et al., 1997]. 25

44 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Entre 1984 e 1999, foram documentados nos EUA, Japão e Reino Unido, 49 surtos de criptosporidiose devidos ao consumo de água de abastecimento contaminada [Fayer et al., 2000]. Nos EUA, no período compreendido entre 1991 e 2000, 8,5% (11/130) dos surtos de gastrenterite, com origem na água de abastecimento público, foram associados à contaminação por Cryptosporidium spp. [Hlavsa et al., 2005]. Em muitos casos, os estudos efectuados, para apurar as causas dessa contaminação, identificaram falhas nas estações de tratamento de águas residuais e a ocorrência de chuvas fortes como os factores responsáveis pelo aumento do número de parasitas na água superficial e em reservatórios de água para abastecimento [Rose et al., 2002; Fayer, 2004]. Na Europa, à excepção do Reino Unido, são escassos os casos de surtos hídricos com origem na água superficial ou de abastecimento, que se encontram documentados. O primeiro ocorreu na Holanda, em 1995, embora não tenha sido possível identificar a fonte de contaminação que esteve na origem da infecção humana [van Asperen et al., 1996]. Em Itália, em 1997, a contaminação de um reservatório de água ligado à rede de abastecimento público provocou, numa comunidade de reabilitação de toxicodependentes, um surto de criptosporidiose, que teve consequências graves para os indivíduos infectados, dado que muitos apresentavam imunossupressão induzida por VIH [Pozio et al., 1997]. Em 2001, numa cidade no leste de França, a provável contaminação do sistema de abastecimento público, com efluentes de esgotos humanos, provocou um surto que os autores estimaram ter afectado 563 pessoas [Dalle et al., 2003]. Na República da Irlanda, em 2002, foi documentado um surto com origem na água da rede de abastecimento público. Essa água era proveniente de um lago alimentado por uma nascente e havia sido tratada com cloro, mas não filtrada [Jennings e Rhatigan, 2002]. Em Inglaterra e nos EUA, foram, também, registados casos de surtos de criptosporidiose associados ao consumo de água subterrânea, nomeadamente de poços e furos profundos [Dworkin et al., 1996; Willocks et al., 1998]. Durante os últimos 20 anos, nos EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, a presença de oocistos de Cryptosporidium spp. em água de recreio, designadamente em piscinas públicas e lagos, foi responsável pela transmissão da criptosporidiose a mais de pessoas. Nos Estados Unidos da América, entre 1991 e 2000, 37,7% (40/106) dos surtos de gastrenterite com origem em água de recreio, foram devidos à sua contaminação por oocistos de Cryptosporidium spp. [Hlavsa et al., 2005]. Na Suécia, em 2002, foi registado um surto de criptosporidiose associado à contaminação da água de uma piscina pública, onde 26

45 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA foram infectadas entre 800 a pessoas, a maioria das quais crianças entre os seis e os 12 anos [Insulander et al., 2005]. Nas piscinas públicas, a transmissão é facilitada pela associação de factores diversos, como a sua grande percentagem de utilização, os acidentes fecais provocados por crianças com fraldas ou indivíduos incontinentes e a elevada resistência dos oocistos à cloração [Nichols, 1999; Fayer et al., 2000; Puech et al., 2001; Veverka et al., 2001]. Os rios e lagos utilizados para fins lúdicos, para além dos já referidos acidentes fecais, encontram-se, ainda, sujeitos a outras fontes de contaminação, tanto de origem humana como animal [Centers for Disease Control and Prevention, 1998; Kramer et al., 1998; Fayer, 2004]. O impacte da contaminação hídrica também se faz sentir na indústria alimentar, na medida em que a água contaminada pode ser utilizada para irrigação ou para a lavagem e preparação de alimentos. Thurtston-Enriquez et al. (2002) investigaram, em três países da América Central (Costa Rica, México e Panamá), a presença de oocistos de Cryptosporidium spp. na água destinada à irrigação de alimentos consumidos crus, tendo observado a presença destes parasitas em 36% das amostras estudadas. 7.4 TRANSMISSÃO ATRAVÉS DE ALIMENTOS CONTAMINADOS A criptosporidiose tem sido, por vezes, associada ao consumo de determinados alimentos contaminados, particularmente vegetais, fruta e leite não pasteurizado [Millar et al., 2002; Duffy e Moriarty, 2003; Fayer et al., 2004]. Esta associação resulta do facto destes alimentos serem, com frequência, consumidos crus, sem que lhes seja aplicado qualquer processo térmico que inactive os oocistos contaminantes. Todavia, e dado que o período de incubação da criptosporidiose pode ser longo (entre quatro a dez dias), muitas vezes é difícil estabelecer uma ligação entre a infecção e o consumo de determinado alimento [Duffy e Moriarty, 2003]. No Peru e na Costa Rica, foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp. em diversos legumes que estavam para venda em mercados locais, nomeadamente alfaces, salsa, coentros, couves, tomates, pepinos, cenouras e rabanetes [Monge e Chinchilla, 1996; Ortega et al., 1997]. Na Noruega, Robertson e Gjerde (2001b) observaram a presença destes parasitas não só em alfaces e em rebentos de feijão mungo, como na água de um rio utilizada para irrigação. Os bivalves possuem a capacidade de filtrar grande volume de água. Assim, quando em presença de água contaminada por Cryptosporidium spp., eles conseguem concentrar e reter nas brânquias e na hemolinfa um elevado número de oocistos. O facto de serem, com 27

46 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA frequência, consumidos crus ou mal cozinhados, aumenta o risco de transmissão deste parasita ao Homem [Fayer et al., 2000]. A presença de oocistos de Cryptosporidium spp. em bivalves tem sido descrita por vários autores, em diversos países. Fayer et al. (1999) e (2003) identificaram oocistos de C. hominis, C. parvum e C. meleagridis em ostras e amêijoas de diversos locais da costa atlântica dos EUA. Oocistos de C. parvum foram, também, identificados em Itália, em pés-de-burro, colhidos na costa do Mar Adriático [Traversa et al., 2004a] e em mexilhões de várias zonas da República da Irlanda [Graczyk et al. 2004]. Em Espanha, foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp. em 34% (69/203) dos bivalves (ostras, mexilhões, amêijoas e berbigão), recolhidos na costa da Galiza [Gómez-Couso et al., 2003]. Em Portugal, Alonso et al. (2003) detectaram a presença de criptosporídeos em 13,5% (13/96) dos bivalves estudados (berbigão, amêijoa, mexilhão, lambujinha e conquilha), que se destinavam ao consumo humano. Apesar dos resultados destas investigações testemunharem a frequência da contaminação de bivalves por oocistos de Cryptosporidium spp., não foram, até à data, descritos surtos ou casos esporádicos de criptosporidiose associados ao consumo destes alimentos [Fayer et al., 2004]. O primeiro surto de criptosporidiose associado ao consumo de alimentos contaminados aconteceu nos EUA, em 1993, em 160 participantes de uma feira agrícola que ingeriram cidra de maçã contaminada. Para além destes casos de transmissão primária por ingestão da cidra, os autores identificaram, ainda, 53 casos secundários de transmissão antroponótica no ambiente doméstico [Millard et al., 1994]. A ingestão de leite não pasteurizado foi, também, associada a vários casos de criptosporidiose em crianças, na Austrália e no Reino Unido [Gelletlie et al., 1997; Harper et al., 2002]. Surtos de criptosporidiose devidos à contaminação de alimentos pelas pessoas que os prepararam encontram-se, também, documentados. Um desses casos diz respeito à contaminação de uma salada de frango por uma pessoa que havia trocado a fralda a uma criança [Centers for Disease Control and Prevention, 1996] e, outro, a um funcionário de uma cafetaria que estava com diarreia e que preparou fruta e vegetais destinados a serem consumidos crus [Quiroz et al., 2000]. 28

47 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 8. CONTROLO E PREVENÇÃO DA CRIPTOSPORIDIOSE Uma vez que as infecções por Cryptosporidium spp. têm início após a ingestão de oocistos, o controlo da transmissão da criptosporidiose só poderá fazer-se através de medidas que limitem ou eliminem a presença de oocistos no ambiente e que impeçam a sua dispersão, a fim de evitar ou de reduzir o seu contacto com hospedeiros susceptíveis. Este é, no entanto, um objectivo difícil de atingir, dada a ubiquidade destes parasitas e a sua enorme resistência, não só a condições de stress ambiental, como à maioria dos desinfectantes e anti-sépticos normalmente utilizados [Fayer et al., 1997]. A água contaminada constitui uma das principais vias de transmissão deste protozoário. Os métodos físicos e químicos, geralmente utilizados no tratamento da água, como a coagulação, a floculação, a sedimentação, a filtração e o tratamento químico não são eficazes na remoção e na inactivação de oocistos de Cryptosporidium spp.. A remoção física dos oocistos presentes na água torna-se difícil, dado que as suas dimensões são cerca de um terço inferiores à do tamanho dos orifícios dos filtros convencionais, utilizados no tratamento da água (que são eficazes na remoção de quistos de amebas e de Giardia sp.). Os oocistos são, ainda, resistentes aos desinfectantes vulgarmente utilizados no tratamento da água de abastecimento e de recreio, como o cloro ou a monocloramina, mesmo em elevadas concentrações e após exposições prolongadas. Vários estudos têm sido efectuados no sentido de encontrar desinfectantes alternativos eficazes na eliminação destes parasitas da água. Entre os compostos que suscitaram resultados mais promissores, encontram-se o dióxido de cloro, a amónia e o óxido de etileno. No entanto, a toxicidade apresentada pelos dois últimos constitui um entrave à sua utilização. O ozono e a irradiação com luz ultra violeta têm sido alvo de extensa investigação nos últimos anos, sendo os resultados obtidos bastante promissoras [Rose et al., 2002; Carey et al., 2004; Fayer, 2004; Rochelle et al., 2005]. A temperatura é um factor que influencia a sobrevivência dos oocistos. Estes possuem a capacidade de sobreviver na água, incluindo na do mar, a temperaturas entre 4ºC e 22ºC. O aumento da temperatura diminui a viabilidade e a capacidade infectante dos oocistos devido à desnaturação das proteínas da parede e à exposição dos esporozoítos a condições às quais não sobrevivem [Carey et al., 2004]. Estudos efectuados com oocistos, em solução aquosa desionizada, mostraram que estes mantêm a capacidade de produzir infecção em ratinhos 29

48 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA durante seis meses, quando conservados a 0ºC, 5ºC, 10ºC, 15ºC e 20ºC. Quando armazenados a 25ºC e 30ºC, o tempo durante o qual se mantêm infecciosos diminui para três meses [Fayer, 2004]. Tamburrini et al. (1999), observaram que oocistos mantidos em água salgada artificial, no escuro, sob oxigenação moderada e a uma temperatura de 6 a 8ºC mantêm a sua capacidade infectante durante 12 meses. Robertson et al. (1992), mostraram que a congelação rápida em solução aquosa a 70ºC é letal para todos os oocistos. No entanto, quando congelados a 22ºC, 10% dos oocistos permanece viável por um período de seis dias. Outros autores descreveram que oocistos armazenados a 5ºC e 10ºC mantêm a sua capacidade infectante até sete dias, diminuindo esse tempo para 24 e cinco horas, quando congelados, respectivamente, a 15ºC e a 20ºC [Fayer e Nerad, 1996]. Estes dados demonstram a resistência dos oocistos a baixas temperaturas e a possibilidade de permanecerem viáveis, por exemplo, em cubos de gelo. Os oocistos são muito sensíveis à dessecação, perdendo a sua viabilidade após quatro horas de exposição ao ar, numa lâmina, à temperatura ambiente [Robertson et al., 1992]. Experiências realizadas em diferentes tipos de solo mostraram a perda significativa de viabilidade dos oocistos, após alguns ciclos de congelação-descongelação, sendo o tempo durante o qual os oocistos estão sujeitos à congelação um factor determinante para que tal aconteça. Em solos secos, a inactivação dos oocistos ocorre mais rapidamente do que em solos húmidos. Em condições de temperatura idênticas, a perda de viabilidade dos oocistos no solo acontece mais depressa do que na água, sugerindo que outros factores, para além da temperatura, possam estar envolvidos no processo [Kato et al., 2002]. A extraordinária robustez apresentada pelos oocistos de Cryptosporidium spp. acima descrita, torna difícil a concretização eficaz do controlo da transmissão da criptosporidiose. Perante tais dificuldades, a adopção de medidas de prevenção adequadas constitui o primeiro passo no sentido de evitar o contacto do Homem com estes parasitas. Como as consequências da infecção podem ser particularmente graves em imunodeficientes, esta população deverá ter cuidados especiais para prevenir uma eventual infecção. Entre algumas das medidas recomendadas, com o objectivo de prevenir a criptosporidiose humana, destacam-se as seguintes [Carey et al., 2004; Centers for Disease Control and Prevention, 2004; Hlavsa et al., 2005]: i) Adoptar boas práticas de higiene lavar as mãos depois de ir à casa de banho, depois de mudar fraldas a crianças, antes de preparar alimentos e antes de comer. As pessoas com 30

49 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA diarreia devem, ainda, proteger os outros de uma possível infecção, inibindo-se de utilizar piscinas e locais públicos com água de recreio. ii) Evitar o contacto com água que possa estar contaminada não engolir água de recreio, não beber água de poços, de rios, de lagos e de fontes não tratada e não beber água ou gelo em países onde a qualidade da água de abastecimento seja duvidosa. Em caso de dúvida quanto à sua qualidade, a água deverá ser fervida antes de consumida. iii) Evitar ingerir alimentos contaminados lavar bem ou tirar a casca à fruta e aos legumes e evitar comer alimentos crus, em países onde o tratamento da água é deficiente. iv) Evitar o contacto com ruminantes domésticos, especialmente vitelos e cordeiros. v) Evitar práticas sexuais que envolvam o contacto fecal-oral. Nas instituições de saúde, infantários e centros de dia, para além da adopção de rigorosos hábitos de higiene, o modo mais eficaz de prevenir a transmissão da infecção consiste na criação de áreas restritas para os doentes infectados, evitando o seu contacto com outras pessoas susceptíveis [Keusch et al., 1995; Carey et al., 2004]. A diminuição da contaminação ambiental constitui, igualmente, uma importante medida de prevenção, podendo ser conseguida através da redução da transmissão da infecção entre animais. Nas explorações pecuárias é essencial um bom maneio higio-sanitário das instalações, separar os animais jovens dos adultos, reduzir a densidade de animais num mesmo espaço, isolar os animais doentes, impedir o acesso dos animais a zonas próximas de cursos de água e tratar o estrume dos animais (secagem pelo calor, compostagem), antes da sua utilização como fertilizante do solo [Duffy e Moriarty, 2003; Ramirez et al., 2004]. 31

50 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 9. EPIDEMIOLOGIA DA CRIPTOSPORIDIOSE Cryptosporidium spp. é causa de doença gastrintestinal no Homem e noutros animais em todo o Mundo, tendo, nos EUA, sido considerado agente infeccioso emergente pelo Centers for Disease Control and Prevention, a Environmental Protection Agency, a American Water Works Association, o National Institutes of Health e a Food and Drug Administration [Tzipori, 2002]. A epidemiologia destes parasitas é fortemente influenciada por uma série de características que facilitam a sua ampla transmissão: i) O pequeno tamanho dos oocistos, a sua baixa velocidade de sedimentação e a consequente elevada capacidade de flutuação facilitam o seu transporte e a sua dispersão no ambiente [Meinhardt et al., 1996; Dillingham et al., 2002]. ii) Os oocistos são muito robustos, podendo permanecer viáveis na água e no solo por vários meses, em condições de stress ambiental, que seriam letais para muitos outros agentes infecciosos. Para além disso, a sua resistência aos processos químicos e físicos, utilizados no tratamento da água, facilitam a sua transmissão, constituindo um enorme desafio para estruturas envolvidas na distribuição de água [Robertson et al., 1992; Rose et al., 2002; Fayer, 2004]. iii) O ciclo de vida é monoxénico, isto é, completa-se num único hospedeiro. O tempo necessário para que o ciclo de vida se complete é de cerca de três dias [Meinhardt et al., 1996]. iv) Os oocistos são eliminados já esporulados, significando que, após a excreção, a infecção de novos hospedeiros pode ser imediata, sobretudo através do contacto pessoa-apessoa. O mesmo não acontece, por exemplo, com Cyclospora cayetanensis que é excretado sob a forma não esporulada, sendo necessárias condições ambientais adequadas para que ocorra a sua maturação e se torne infeccioso, processo que pode demorar entre uma a duas semanas [Dillingham et al., 2002; Eberhard e Arrowood, 2002]. v) A dose infectante para o Homem é pequena. Estudos efectuados com voluntários saudáveis e três isolados diferentes de Cryptosporidium spp., mostraram que a dose infectante pode variar entre 9 e oocistos, dependendo dos isolados [Okhuysen et al., 1999, 2002]. A aplicação de um modelo matemático de infecção ao surto que ocorreu em Milwaukee, em 32

51 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1993, sugere que, para alguns casos, a dose infectante possa ter sido inferior a 10 oocistos/l de água [Eisenberg et al., 1998]. vi) A distribuição ubíqua e a ausência de especificidade de hospedeiro apresentadas por algumas espécies, particularmente C. parvum, contribui para o elevado número de reservatórios, aumentando o seu potencial zoonótico [Dillingham et al., 2002]. vii) O número de oocistos excretado é muito elevado, para o que contribuem os ciclos internos de auto-infecção, perpetuados pelos merontes tipo I e pelos oocistos de parede fina. Estudos em vitelos demonstraram que estes podem excretar entre 10 5 e 10 7 oocistos por grama de fezes durante um período de sete a dez dias, pensando-se que números semelhantes sejam, de igual modo, excretados por humanos com criptosporidiose. Este facto contribui para o nível elevado de disseminação e de contaminação ambiental e favorece a transmissão [Meinhardt et al., 1996; Fayer et al., 1997]. viii) A existência de múltiplos modos de transmissão (antroponótica, zoonótica e através da água ou de alimentos contaminados), que podem ocorrer em simultâneo, aumenta a sua eficiência [Casemore et al., 1997]. 9.1 A CRIPTOSPORIDIOSE NO HOMEM A criptosporidiose humana, ocorre em todas as regiões do Planeta, embora seja desconhecida a sua verdadeira prevalência. Tal prende-se com razões diversas, entre as quais se destacam o facto de muitos doentes com diarreia não procurarem assistência médica, de alguns médicos não se encontrarem familiarizados com estes parasitas e não requisitarem a sua pesquisa nas fezes, de muitos laboratórios não efectuarem as técnicas adequadas para a identificação de oocistos de Cryptosporidium spp. ou, ainda, porque muitas das infecções são assintomáticas não sendo, por isso, investigadas [Wheeler et al., 1999; Dietz et al., 2000; Hörman et al., 2004]. O contacto com Cryptosporidium spp. nem sempre resulta em infecção patente. Quando a exposição ao parasita é frequente, as infecções tornam-se assintomáticas em consequência do desenvolvimento de imunidade à infecção [Casemore et al., 1997; Frost et al., 1997]. Estas infecções são mais comuns em regiões onde a criptosporidiose é endémica, particularmente em zonas pobres, com elevada densidade populacional, condições de saneamento deficientes ou ausentes e baixa qualidade da água de abastecimento e, em zonas rurais, onde é frequente o 33

52 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA contacto com animais infectados [Casemore et al., 1997; Fayer et al., 2000]. Nas populações cuja água de abastecimento apresenta níveis baixos e constantes de contaminação com oocistos, observa-se, também, um menor número de casos sintomáticos da infecção [Frost et al., 1997, 2002]. Tanto as infecções assintomáticas como as sintomáticas não identificadas desempenham um papel importante na cadeia epidemiológica da infecção, principalmente em populações mais susceptíveis, como é o caso das crianças, dos idosos e dos doentes com imunodeficiências [Hörman et al., 2004]. Os números disponíveis sobre a infecção por Cryptosporidium spp., dizem respeito, unicamente, aos casos em que ocorre doença, pouco se sabendo sobre o nível endémico da infecção na população. Uma vez que a infecção por este parasita desencadeia uma resposta serológica específica, os estudos de seroprevalência podem ser úteis para estimar a respectiva prevalência na população [Frost et al., 2002] ESTUDOS SEROEPIDEMIOLÓGICOS Alguns estudos seroepidemiológicos sustentam que a infecção é frequente nos países industrializados e é quase universal nas regiões em vias de desenvolvimento [Kosek et al., 2001]. Um estudo recente, efectuado em sete zonas geográficas dos EUA, revelou que mais de 20% das crianças e jovens até aos 21 anos apresentam resposta serológica do tipo IgG a dois marcadores antigénicos específicos de Cryptosporidium spp., número que aumenta para valores superiores a 50% nos indivíduos com idade superior a 21 anos. Esta percentagem de seropositividade aumenta com a idade, sendo que cerca de 70% da população com idade superior a 70 anos apresenta evidência serológica de infecção anterior [Frost et al., 2004]. Estes valores são semelhantes aos encontrados, para os mesmos marcadores antigénicos, na população adulta em duas cidades do Canadá (>69% em Collingwood e 45% em Toronto) e na Austrália (>60% em Sidney e Melbourne) [Frost et al., 2000b, 2000c]. Na Europa, numa cidade do norte de Itália, foram descritas percentagens de seropositividade superiores a 82%, em adultos com mais de 45 anos [Frost et al., 2000a] e a 68% numa cidade da Rússia, a norte de Moscovo [Egorov et al., 2004]. Alguns autores sugerem que estas percentagens de seropositividade possam estar associadas à qualidade da água. Estes investigadores efectuaram estudos de seroprevalência em habitantes de várias cidades dos EUA, com acesso a água proveniente de diferentes 34

53 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA origens e de qualidade variável, tendo observado maior percentagem de indivíduos com resposta serológica detectável nas cidades abastecidas por água superficial, de menor qualidade, do que nos residentes em cidades supridas por água subterrânea, de qualidade mais elevada [Frost et al., 2001, 2002]. Nos países em vias de desenvolvimento, observam-se percentagens de seroprevalência elevadas desde a infância. Na Guatemala, Steinberg et al. (2004) encontraram, em crianças até ao primeiro, segundo e terceiro anos de idade, prevalências de IgG anti-cryptosporidium de 27%, 70% e 73%, respectivamente. Na cidade de San António, Estado do Texas, EUA, foram observadas, para os grupos etários 0-4 anos, 5-8 anos e 9-13 anos, seroprevalências de 25%, 58% e 70%, respectivamente. No mesmo estudo, e para os mesmos grupos etários, as percentagens de seropositividade encontradas em algumas colónias junto da fronteira do Estado do Texas com o México foram de 82%, 85% e 97% [Leach et al., 2000]. Estes estudos não podem, contudo, ser vistos como indicadores de infecção activa, constituindo, somente, evidência de exposição ou de infecções prévias [O Donoghue, 1995] ESTUDOS COPROLÓGICOS As prevalências de infecção por Cryptosporidium spp. obtidas através de estudos coprológicos são bastante inferiores aos valores encontrados nos estudos serológicos. Estimativas baseadas em dados fornecidos por diversas entidades de saúde pública dos Estados Unidos da América indicam que cerca de 2% das fezes submetidas, anualmente, a exame parasitológico são positivas para Cryptosporidium spp., o que corresponde a pessoas infectadas [Mead et al., 1999]. Um estudo de meta análise baseado em dados epidemiológicos de 13 trabalhos efectuados em países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia) aponta estimativas de prevalência anual da infecção por Cryptosporidium spp. na população sintomática e assintomática de 2,91% e 0,99% respectivamente. Estes valores correspondem a casos anuais de infecção por cada habitantes, sendo que são sintomáticos e assintomáticos. Apesar da prevalência da infecção ser inferior na população assintomática, quando comparada com a sintomática, o número de casos assintomáticos representa cerca de 73% do total de casos anuais [Hörman et al., 2004]. O problema da criptosporidiose é mais dramático nos infectados por VIH, sobretudo nos países não industrializados, dada a dimensão alarmante de indivíduos com infecção VIH/SIDA, a maioria dos quais sem acesso à terapêutica anti-retrovírica [Farthing, 2000]. 35

54 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Nos países em vias de desenvolvimento, a criptosporidiose é uma doença endémica, sendo uma das causas mais frequentes de diarreia persistente em crianças até aos dois anos de idade [Casemore et al., 1997; Nwabuisi, 2001; Pereira M.G.C. et al., 2002; Adjei et al., 2004]. Na população adulta imunocompetente a infecção é, com frequência, assintomática [Casemore et al., 1997]. Um estudo efectuado no México, em três comunidades pobres sem água canalizada nem saneamento básico, revelou que em 70% das famílias existia, pelo menos, um membro com infecção por Cryptosporidium spp. e, em 56% dos casos, a infecção era assintomática [Redlinger et al., 2002]. Situação similar foi identificada por Chai et al. (2001), numa aldeia rural da Coreia do Sul, onde 66% da população, com mais de 50 anos, apresentava oocistos nas fezes, sendo que mais de metade estava assintomática. Nos países pobres, os episódios diarreicos ocorrem, com maior frequência e duração, em crianças malnutridas, embora não se saiba se a malnutrição resulta da infecção por Cryptosporidium spp. ou se a infecção acontece em consequência daquela [Checkley et al., 1997; Guerrant et al., 2002; Tumwine et al., 2003]. Alguns autores demonstraram que a diarreia em crianças, durante os dois primeiros anos de vida, tem efeito negativo no seu crescimento (peso e altura), desenvolvimento cognitivo e rendimento escolar [Mølbak et al., 1997; Agnew et al., 1998; Lima et al., 2000; Guerrant et al., 2002]. Num estudo efectuado numa favela em Lima, no Peru, Checkley et al. (1997), (1998) verificaram que as crianças que desenvolviam criptosporidiose durante os primeiros meses de vida apresentavam, ao fim de um ano, menos 1 cm de altura do que as que não haviam experimentado diarreia por Cryptosporidium spp.. Guerrant et al. (1999), realizaram um estudo de longa duração em crianças, numa favela em Fortaleza, no Brasil, tendo observado uma associação, estatisticamente significativa, entre o número de infecções por Cryptosporidium spp., sofridas durante a infância, e a diminuição da função cognitiva e robustez física, apresentadas por essas crianças, quatro a sete anos mais tarde. Estes défices de desenvolvimento físico e cognitivo, resultantes de diarreia persistente, em crianças malnutridas, em regiões pobres, não só apresentam elevados custos humanos e económicos para estes países, como perpetuam o ciclo da pobreza e do subdesenvolvimento [Guerrant et al., 2002]. Nos países industrializados, a infecção é mais comum em crianças entre o primeiro e o quinto ano de idade ocorrendo, também, em adultos, na sequência de contactos familiares com crianças infectadas, de exposição ocupacional, de viagens a zonas onde a doença é 36

55 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA endémica ou do contacto com animais infectados. A população, em geral, pode, ainda, ser afectada por surtos de criptosporidiose, após a ingestão de água ou de alimentos contaminados com oocistos [Casemore et al., 1997; Farthing, 2000]. Enquanto que, em países como a Austrália e os Estados Unidos da América, a criptosporidiose é uma das infecções humanas, transmitidas por via hídrica, mais prevalentes, a importância da infecção na Europa parece ser bastante variável. A maioria dos surtos de origem hídrica documentados no Velho Continente dizem respeito ao Reino Unido [Fricker e Crabb, 1998]. Nos Estados Unidos da América, segundo um relatório do CDC, para o período compreendido entre 1999 e 2002, o número de casos de criptosporidiose humana, declarados anualmente, foi de 2.769, 3.128, e 3.016, respectivamente [Hlavsa et al., 2005]. Os autores crêem, contudo, que estes valores estejam muito aquém da realidade. Os estudos disponíves sobre a prevalência da criptosporidiose humana na Europa são escassos, estando limitados a um pequeno número de países, dos quais se destaca o Reino Unido, onde esta é uma doença frequente e de declaração obrigatória, encontrando-se os casos esporádicos e surtos de infecção por Cryptosporidium spp. bem documentados. Na Alemanha, embora menos frequente, a infecção é, de igual modo, de declaração obrigatória. No quadro II, são apresentados os números totais de casos declarados anualmente nestes países e, quando disponibilizada, a percentagem relativa ao grupo etário dos zero aos quatro anos, de acordo com dados das entidades oficiais de vigilância epidemiológica. QUADRO II Número de casos de criptosporidiose declarados anualmente em três países europeus PAÍS N.º DE CASOS DE CRIPTOSPORIDIOSE (% CASOS 0-4 ANOS) REFERÊNCIA Alemanha (24%) (29%) (29%) Reino Unido (29%) Irlanda do Norte (54%) (39%) (59%) (44%) 935 (21%) (31%) 137 (53%) Federal Statistical Office / Statistisches Bundesamt, 2005 Health Protection Agency, 2005a, 2005b Communicable Disease Surveillance Centre,

56 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA De entre os estudos epidemiológicos realizados na Europa é de referir um trabalho recente, efectuado em Barcelona, entre 2000 e 2004, envolvendo doentes imunocompetentes com diarreia, onde foi encontrada uma prevalência global de criptosporidiose de 2,4% (35/1.473), sendo que 68,6% (24/35) dessas infecções foram observadas em crianças [González-Moreno et al., 2004]. Num outro estudo, realizado na Holanda, entre 1996 e 1997, foram detectados oocistos nas fezes de 2,1% (18/857) dos doentes com gastrenterite, descendo esse valor para 0,2% (1/574) na população sem queixas gastrenterológicas [de Wit et al., 2001]. Relativamente à população com infecção VIH/SIDA, um estudo multicêntrico, envolvendo 17 países europeus, com doentes, conduzido entre 1979 e 1989, encontrou a percentagem global de infecção por Cryptosporidium spp. de 6,6% [Pedersen et al., 1996]. Em Portugal, a informação disponível sobre a criptosporidiose humana é escassa. Melo Cristino et al. (1988) descreveram um surto, o primeiro documentado em Portugal, que afectou 27% (28/103) das crianças e uma educadora do infantário do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Sete anos mais tarde, foi descrito um caso clínico de criptosporidiose disseminada num doente com SIDA, no Hospital de Santa Maria [Ferreira et al., 1995]. Em 1998, Matos et al. publicaram os resultados de um estudo efectuado entre 1988 e 1997 envolvendo doentes seropositivos para VIH com diarreia, também no Hospital de Santa Maria, onde a prevalência da criptosporidiose encontrada foi de 8% (36/465). A mesma autora, apresentou, quatro anos depois, um novo trabalho, envolvendo seropositivos para VIH de vários hospitais da região de Lisboa, abrangendo o período , tendo encontrado infecção por Cryptosporidium spp. em 9,7% (16/165) da amostra do estudo [Matos et al., 2002]. Nos quadros III e IV é apresentada uma síntese dos resultados de alguns estudos epidemiológicos realizados por diversos autores, em vários países, e publicados ao longo dos últimos anos. 38

57 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA QUADRO III Resultados de estudos epidemiológicos sobre a infecção por Cryptosporidium spp. em imunocompetentes, com e sem diarreia SINTOMÁTICOS (%) ASSINTOMÁTICOS (%) REFª Adultos Eslovénia 10,3% (62/602) - Logar et al., 1996 EUA 0,6% (2/315) - Ribes et al., 2004 Inglaterra e País de Gales 1,2% (463/37.763) - PHLS study group, 1990 Suécia 1,5 (12/786) 0% (0/203) Svenungsson et al., 2000 Suíça 0,2% (13/6.435) - Baumgartner et al., 2000 Crianças Arábia Saudita (idade <5 anos) 43% (27/63) 9,5% (18/190) Al Braiken et al., 2003 Bolívia (4 anos <idade <20 anos) - 31,6% (119/377) Esteban et al., 1998 Brasil (idade <11 anos) 18,7% (83/445) - Pereira M.G.C. et al., 2002 Cuba (idade <8 anos) 11,5% (13/113) 0% (0/288) Núñez et al., 2003 Dinamarca (idade <5 anos) 1,2% (4/327) 0% (0/561) Olesen et al., 2005 Eslovénia (idade <15 anos) 6,9% (39/563) - Logar et al., 1996 Espanha (idade <14 anos) 2,9% (334/11.599) - Moles et al., 1998 Gana (idade <6 anos) 27,8% (63/227) 15,6% (12/77) Adjei et al., 2004 Guatemala (2 anos idade <14 anos) 32% (32/100) - Laubach et al., 2004 Índia (idade <5 anos) - 2,8% (14/508) Palit et al., 2005 Inglaterra e País de Gales (idade <15 anos) 4,1% (769/18.792) - PHLS study group, 1990 Irlanda (idade <13 anos) 4,4% (41/935) - Corbett-Feeney, 1987 México (idade <6 anos) 6,5% (26/403) - Enriquez et al., 1997 Nigéria (idade <15 anos) 15,2% (30/198) - Nwabuisi, 2001 Paquistão (idade <5 anos) 10,3% (49/475) 3,3% (5/150) Iqbal et al., 1999 Suíça (idade <14 anos) 4,8% (15/312) - Essers et al., 2000 Tanzânia (idade <5 anos) 8,8% (9/102) - Cegielski et al., 1999 Uganda (idade <6 anos) 25% (444/1.779) 8,5% (57/667) Tumwine et al., 2003 Zâmbia (idade <2 anos) 18,9% (17/90) - Amadi et al.,

58 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA QUADRO IV Resultados de estudos epidemiológicos sobre a infecção por Cryptosporidium spp. em seropositivos para VIH, com e sem diarreia SINTOMÁTICOS (%) ASSINTOMÁTICOS (%) REFª Adultos Colômbia 10,4% (12/115) - Flórez et al., 2003 Cuba 12% (8/67) - Escobedo e Nuñez, 1999 Espanha 8,4% (173/2.040) - Moles et al., 1998 EUA (São Francisco) 3,1% (109/3.564) - Colford et al., 1996 Guiné-Bissau 21,6% (8/37) - Lebbad et al., 2001 Índia 11% (3/26) - Prasad et al., 2002 Itália 21,5% (14/65) 3,4% (3/89) Brandonisio et al., 1999 Malawi 12% (13/107) 3% (3/96) Cranendonk et al., 2003 Portugal 8% (36/465) - Matos et al., 1998 Peru 19,7% (29/147) 6,8% (10/147) Cárcamo et al., 2005 Quénia 17% (13/75) - Mwachari et al., 1998 Senegal 8,2% (12/158) 1,2% (2/160) Gassama et al., 2001 Venezuela 16% (35/217) 8% (7/87) Arenas-Pinto et al., 2003 Zimbabué 9% (7/82) - Gumbo et al., 1999 Crianças Tailândia (idade <15 anos) 7,1% (10/141) - Leelayoova et al., 2001 Tanzânia (idade <5 anos) 25% (3/12) - Cegielski et al., 1999 Zâmbia (idade <2 anos) 28,8% (30/104) - Amadi et al., FACTORES DE RISCO Os indivíduos com o sistema imunológico comprometido encontram-se em elevado risco de desenvolver diarreia severa após o contacto com Cryptosporidium spp. [Keusch et al., 1995]. Apesar da criptosporidiose ter a sua maior expressão na população com imunodeficiência causada por VIH, pode surgir, de igual modo, em doentes com outras imunodeficiências. Na literatura estão descritos casos de criptosporidiose em adultos e crianças com neoplasias sob quimioterapia [Foot et al., 1990; Tanyüksel et al., 1995; El-Mahallawy et al., 2004] e em doentes submetidos a terapêutica imunossupressora, após transplante de órgãos [Campos et al., 2000; Gerber et al., 2000; Delis et al., 2002; Pozio et al., 2004]. Os portadores de imunodeficiências primárias constituem uma subpopulação, igualmente, em risco de contrair infecção por Cryptosporidium spp. [Sloper et al., 1982; Eun-Kyeong et al., 2002; Kutukculer et al., 2003]. 40

59 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA As crianças são particularmente vulneráveis à infecção por Cryptosporidium spp., devido não só à imaturidade do seu sistema imunológico, como aos comportamentos que lhes são característicos, de que são exemplo, a incontinência fecal, o uso de fraldas, os hábitos de higiene deficientes e o levar as mãos à boca, que favorecem a transmissão fecal-oral [Keusch et al., 1995; Casemore et al., 1997]. A população idosa também se encontra mais susceptível à infecção, devido à senescência imunológica e às doenças crónicas, entre outros factores, que acompanham o envelhecimento e diminuem as suas defesas imunológicas [Naumova et al., 2003]. Em Milwaukee, durante o grande surto de criptosporidiose de 1993, foi encontrada uma associação significativa entre a idade superior a 65 anos e a assistência médica devida a gastrenterite aguda [Naumova et al., 2003]. No estudo epidemiológico efectuado em Barcelona, referido em 9.1.2, os autores observaram que 37,5% dos adultos com diarreia por Cryptosporidium spp. tinham mais de 60 anos de idade [González-Moreno et al, 2004]. Num outro estudo, realizado em Rhode Island, EUA, 36% (13/36) dos doentes hospitalizados e em cujos esfregaços fecais foram identificados oocistos, tinham mais de 60 anos e sofriam de doenças crónicas ou malignas [Neill et al., 1996]. Os viajantes que visitam países onde a criptosporidiose é endémica, apresentam elevado risco de contrair a infecção, em consequência do consumo de alimentos crus (fruta, vegetais, marisco), da ingestão de água da torneira ou de leite não pasteurizado, do contacto com água não tratada (rios, lagos e piscinas) ou da proximidade com pessoas infectadas [Goodgame, 2003]. Na literatura, encontram-se bem documentados casos de surtos em turistas após o regresso de férias no estrangeiro, nomeadamente o de 214 turistas britânicos que foram infectados na piscina de um hotel em Palma de Maiorca [Galmes et al., 2003] e o de outros 70 turistas, também britânicos, que contraíram a infecção durante as férias na Grécia [Hardie et al., 1999]. A associação entre a diarreia por Cryptosporidium spp. e a permanência no estrangeiro tem sido descrita em vários outros trabalhos. Após alguns dias de férias na Ilha de Santa Lucia, nas Caraíbas, quatro cidadãos americanos desenvolveram diarreia aquosa, tendo o diagnóstico parasitológico das fezes evidenciado a presença de oocistos do género Cryptosporidium [Ma et al., 1985]. Num estudo efectuado na Suécia, 83% (10/12) dos adultos imunocompetentes com diarreia e criptosporidiose havia estado em regiões tropicais e subtropicais [Svenungsson et al., 2000]. Glaeser et al. (2004), na Suíça, descreveram, também, a associação entre viagens ao estrangeiro e a diarreia por Cryptosporidium spp. em 67% (10/15) das crianças estudadas. 41

60 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Outros factores de risco incluem actividades no campo e o contacto com animais (visitas a quintas e campismo selvagem), actividades de lazer em água superficial não tratada ou tratada inadequadamente (lagos, rios e piscinas), exposição ocupacional ao parasita (veterinários, tratadores de animais, médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, educadores de infância, pessoas que cuidam de idosos) e o consumo de vegetais crus, de leite não pasteurizado e seus derivados. O contacto doméstico com pessoas infectadas (particularmente crianças), as práticas de higiene deficientes e as relações sexuais orais-anais têm, também, associado um risco acrescido de contrair a infecção [PHLS Study Group, 1990; Keusch et al., 1995; Casemore et al., 1997; Robertson et al., 2002; Goh et al., 2004; Hunter et al., 2004; Roy et al., 2004] VARIAÇÃO SAZONAL A variação sazonal da criptosporidiose humana tem sido documentada por diversos autores sendo, no entanto, diferente de país para país. Nos Estado Unidos da América, foram descritos picos de incidência no Verão, associados à utilização de água de superfície para actividades de lazer [Dietz et al., 2000; Roy et al., 2004; Hlavsa et al., 2005]. Estudos epidemiológicos efectuados em crianças no Brasil, na Guatemala, na Guiné-Bissau e no Uganda mostraram que os picos de maior prevalência de criptosporidiose ocorrem, sobretudo, nos meses em que a precipitação é elevada [Newman et al., 1999; Bern et al., 2000; Perch et al., 2001; Pereira M.G.C. et al., 2002; Tumwine et al., 2003]. No Reino Unido, o maior número de casos de criptosporidiose ocorre durante a Primavera e fim do Outono/início do Inverno, estando associado a actividades pecuárias (nascimento dos vitelos e dos cordeiros) e agrícolas (utilização de excrementos animais como fertilizante dos solos) e a épocas de maior precipitação, com a consequente contaminação da água superficial [Corbett-Feeney, 1987; Meinhardt et al., 1996; Casemore et al., 1997; Goh et al., 2004]. Neste mesmo País foi, também, identificado um pico de casos esporádicos no fim do Verão/início do Outono, em resultado da permanência, durante as férias de Verão, em países onde a incidência da infecção é maior [McLauchlin et al., 2000; Goh et al., 2004]. Naumova et al. (2005), estudaram a variação temporal do número de casos de criptosporidiose, notificados em 15 regiões do noroeste da Inglaterra, entre 1990 e Estes autores observaram que, cerca das vigésima e quadragésima semanas de cada ano, o número de casos de criptosporidiose, registados por semana, excedia o nível endémico em, respectivamente, três vezes e meia e três vezes. Os mesmos autores verificaram, ainda, uma associação significativa entre o número de casos de criptosporidiose semanal e a forte 42

61 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA pluviosidade: sempre que a precipitação semanal atingia os 22 mm, na semana seguinte, o número de casos de criptosporidiose registados aumentava 27%. 9.2 A CRIPTOSPORIDIOSE NOUTROS ANIMAIS Na literatura, encontram-se descritas infecções por microrganismos do género Cryptosporidium, em mais de 155 espécies de mamíferos, 30 espécies de aves e 57 espécies de répteis [O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997; Fayer, 2004]. A maioria das infecções tem sido descrita em mamíferos, particularmente em gado doméstico de importância económica. Os animais recém-nascidos encontram-se mais susceptíveis à infecção, apresentando elevada morbilidade e mortalidade, enquanto que os adultos são, com frequência, assintomáticos. O interesse da Medicina Veterinária, por estes parasitas, aumentou com o número crescente de casos documentados de criptosporidiose em humanos e noutros animais. As razões deste interesse prendem-se, não só com o facto de os animais poderem constituir fonte de infecção para o Homem, mas, também, com as elevadas perdas económicas que a infecção em gado doméstico acarreta para o sector pecuário [Casemore et al., 1997; Fayer, 2004] GADO DOMÉSTICO A criptosporidiose é uma doença com prevalência elevada em gado bovino, particularmente em vitelos. A infecção naturalmente adquirida é mais frequente cerca das duas semanas de idade, embora se encontre descrita, também, em vitelos a partir dos três dias de vida. A sintomatologia mais severa é observada em animais não desmamados e inclui diarreia, desidratação, febre, apatia e dor abdominal. A excreção de oocistos é elevada, podendo exceder os 10 7 oocistos por grama de fezes, continuando, mesmo, após a cessação dos sintomas. Embora em percentagens inferiores às encontradas em recém-nascidos, a eliminação de oocistos, por vitelos desmamados e animais adultos, tem sido observada, com alguma frequência, ainda que sem evidência de diarreia [Casemore et al., 1997; Fayer et al., 1997; Graaf et al., 1999]. Na Bélgica, de acordo com dados do Veterinary and Agrochemical Research Centre, entre 1992 e 1993, 39,6% dos vitelos com diarreia encontravam-se infectados por Cryptosporidium spp. [Graaf et al., 1999]. Num estudo efectuado numa exploração pecuária, no Reino Unido, entre 1992 e 1997, foi observada uma prevalência de criptosporidiose de 3,5% 43

62 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA (26/736) em animais adultos e de 52% (191/367) em vitelos [Sturdee et al., 2003]. Numa exploração leiteira na Holanda, 39,1% (18/46) dos vitelos, entre a primeira e a quarta semanas de idade, evidenciavam infecção por C. parvum [Huetink et al., 2001]. Em Portugal, Pereira da Fonseca et al. (2001) observaram, em algumas explorações pecuárias no Alentejo e no Ribatejo, uma prevalência global da criptosporidiose, em gado bovino até aos quatro anos de idade, de 23,3% (129/553); nos vitelos entre uma e quatro semanas de vida, esse valor foi de 43% (70/163). Numa outra investigação, em diversas quintas na Província da Galiza, em Espanha, a percentagem de infecção por Cryptosporidium spp. em vitelos, com idade inferior a três semanas, foi de 47,9% (404/844) [Castro-Hermida et al., 2002]. No Canadá, Olson et al. (1997a) observaram, em vitelos, entre a segunda e a quarta semanas de vida, uma percentagem de criptosporidiose de 46,7% (21/45), baixando esse valor para 15,3% (59/386), ao ser considerada a totalidade dos animais estudados (0 aos 6 meses). As possíveis fontes de infecção, para os vitelos, são oocistos excretados por outros vitelos ou por animais adultos. Sendo a altura do parto aquela em que as vacas excretam maior número de oocistos, este é o principal modo de infecção dos recém-nascidos. A infecção é facilmente transmitida entre os animais, principalmente, quando a densidade populacional nos estábulos é elevada [Casemore et al., 1997; Fayer et al., 1997; Graaf et al., 1999]. A criptosporidiose é considerada como uma das enteropatias mais frequentes em vitelos, durante as primeiras semanas de vida, sendo responsável por consideráveis perdas económicas, devido à diminuição da taxa de crescimento dos animais, à necessidade de administração de fármacos e soluções de electrólitos e à exigência de medidas de higiene especiais [Graaf et al., 1999]. Embora a sua prevalência não se encontre tão bem documentada como no gado bovino, os parasitas do género Cryptosporidium spp. são, do mesmo modo, considerados importantes agentes de diarreia neonatal, em ovinos e caprinos. Os aspectos clínicos da criptosporidiose ovina e caprina são semelhantes aos já descritos para os bovinos, sendo os animais adultos, maioritariamente, assintomáticos [Casemore et al., 1997; Fayer et al., 1997; Graaf et al., 1999]. Um estudo efectuado no Reino Unido mostrou que 12,9% (33/255) dos cordeiros e 6,4% (16/250) das ovelhas apresentavam infecção por Cryptosporidium spp. [Sturdee et al., 2003]. Em Espanha, numa investigação realizada em 89 quintas na Província de Saragoça, sobre a criptosporidiose em gado ovino, foi observada a prevalência de 59% (344/583), em cordeiros até aos três meses. O maior pico de infecção verificou-se entre o primeiro e o décimo quarto dias de vida, 44

63 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA altura em que 73,4% (204/278) dos animais se encontrava a eliminar oocistos [Causapé et al., 2002]. Outros autores identificaram, na mesma região, mas em gado caprino, oocistos de Cryptosporidium spp. em 34,9% (58/166) dos cabritos entre os três e os 25 dias de vida, enquanto que, somente, 8,7% (8/92) das cabras se encontravam parasitadas [Quilez et al., 2001]. Os animais adultos têm o papel de portadores assintomáticos, eliminando oocistos para o ambiente. Essa excreção aumenta no período periparto, contribuindo para a manutenção da infecção, durante as épocas do parto. As perdas económicas, associadas à criptosporidiose nestes animais, resultam, não só da mortalidade, que é superior à verificada em vitelos, como do atraso no crescimento e dos custos relacionados com a assistência veterinária [Fayer et al., 1997; Graaf et al., 1999]. A infecção por Cryptosporidium spp. em suínos tem sido descrita esporadicamente em várias regiões geográficas. Ao contrário do que acontece nos ruminantes, a infecção é, maioritariamente, assintomática, facto que contribui para que seja alvo de menos investigação [Casemore et al., 1997; Graaf et al., 1999]. Como a criptosporidiose não é considerada um problema grave de diarreia neonatal em suínos, o número de estudos epidemiológicos documentados é escasso, daí o desconhecimento existente, em muitos países, sobre a infecção nestes animais. Alguns trabalhos efectuados na Coreia do Sul e no Japão dão conta de prevalências de criptosporidiose suína de 10,5% (62/589) e de 33,2% (77/232), respectivamente [Izumiyama et al., 2001; Yu e Seo, 2004]. Dada a pouca informação existente sobre a infecção nestes animais, desconhece-se qual a sua contribuição para a contaminação ambiental e infecção humana [Ramirez et al., 2004]. Parasitas do género Cryptosporidium têm, também, sido associados a infecções em aves domésticas, nomeadamente galinhas, perus, patos, gansos, pavões, faisões e codornizes existindo, contudo, poucos estudos que dêem conta da prevalência desta infecção nestes animais. Dependendo das espécies, a criptosporidiose nas aves pode ser entérica ou respiratória e inicia-se após a ingestão ou a inalação de oocistos. A espécie C. meleagridis infecta o tracto intestinal causando diarreia, desidratação e perda de peso, enquanto que C. baileyi infecta o aparelho respiratório, provocando tosse, espirros e falta de ar. De modo semelhante ao que acontece nos mamíferos, também as aves mais jovens são mais susceptíveis à infecção do que as adultas. As perdas económicas associadas à doença nestes animais prendem-se com o seu fraco crescimento e a elevada mortalidade [Graaf et al., 1999; Ramirez et al., 2004]. 45

64 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ANIMAIS DE COMPANHIA A primeira descrição da infecção por Cryptosporidium spp. em gatos e cães aconteceu, respectivamente, no Japão, em 1979 e nos EUA, em 1983 [Iseki, 1979; Wilson et al., 1983]. Desde então, alguns autores têm documentado casos de criptosporidiose em canídeos e felídeos domésticos e, embora não se encontre, ainda, bem esclarecida a importância da doença nestes animais, o quadro clínico parece ser mais severo nos mais jovens, nos sujeitos a condições de stress e/ou com função imunitária diminuída [Robertson et al., 2000]. Nos cães, os animais com menos de seis meses de vida são mais afectados do que os adultos. Nestes últimos, a infecção é, na maior parte das vezes, assintomática, excepto quando em associação com infecções causadoras de imunossupressão, como a parvovirose ou a esgana [Turnwald et al., 1988; Denholm et al., 2001]. A importância para a saúde pública da criptosporidiose nestes animais, reside no facto de poderem constituir fontes de infecção zoonótica para o Homem. No Estado do Colorado, EUA, foi conduzida uma investigação sobre a prevalência da criptosporidiose em gatos tendo, para tal, sido estudados animais com dono e animais que viviam em associações de protecção. Os valores observados para as duas populações de animais foram de 3,9% (5/129) e 7,8% (6/77), respectivamente. Entre os gatos parasitados, 40% (2/5) dos que possuíam dono eram assintomáticos, o mesmo acontecendo em 83% (5/6) dos que viviam em associações [Hill et al., 2000]. Num estudo semelhante, efectuado na cidade de Perth, na Austrália, Sargent et al. (1998) encontraram uma prevalência global da criptosporidiose de 1,2% (2/162). Um trabalho realizado na cidade de Glasgow, na Escócia, envolvendo gatos com dono e gatos de rua, revelou prevalências de criptosporidiose de 5,1% (7/136) e 12,1% (12/99), respectivamente. De todos os animais com infecção por Cryptosporidium spp., apenas 21% (4/19) apresentavam diarreia e, destes quatro, três tinham menos de seis meses de idade [Mtambo et al., 1991]. Um outro estudo efectuado em Tóquio, no Japão, mostrou que 3,8% (23/608) dos gatos com dono excretavam oocistos de Cryptosporidium spp., sendo que 74% (17/23) dos mesmos eram jovens; no entanto, nenhum dos gatos parasitados apresentava diarreia [Arai et al., 1990]. No Hospital Veterinário da Universidade do Colorado, EUA, Hackett e Lappin (2003) estudaram os cães com dono que se apresentaram à consulta no período , tendo observado que 3,8% (5/130) dos animais apresentava infecção por Cryptosporidium spp.. Ainda, nos EUA, numa cidade do Estado da Califórnia, uma investigação envolvendo cães de 46

65 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA rua e de canis municipais revelou uma prevalência de criptosporidiose de 2% (4/200), sendo todos os animais parasitados adultos e assintomáticos [El-Ahraf et al., 1991]. Na cidade de Saragoça, em Espanha, Causapé et al. (1996) observaram em cães de rua e com dono percentagens de criptosporidiose de 6,8% (3/44) e 8,1% (3/37), respectivamente. Metade dos animais infectados apresentava diarreia, mas sofria, igualmente, de outras parasitoses concomitantes, nomeadamente de isosporose, não tendo, também, sido excluídas associações com infecções por outros agentes entéricos, como vírus ou bactérias. No Japão, num estudo efectuado em cães de rua sem diarreia, Abe et al. (2002), encontraram 9,3% (13/140) dos animais a excretarem oocistos de Cryptosporidium spp. Os autores, por sequenciação de DNA dos parasitas amplificado por PCR, identificaram a espécie responsável pela infecção em todos os cães como sendo C. canis ANIMAIS SILVÁTICOS Infecções por Cryptosporidium spp. têm sido documentadas em inúmeros animais silváticos e, embora alguns autores tenham sugerido que estes possam constituir eventuais reservatórios e fontes de infecção para o Homem e animais domésticos, desconhece-se a dimensão de tal contribuição. Nos animais adultos, a infecção por este protozoário é, na maior parte das vezes, assintomática, o número de oocistos excretados é baixo e a sua eliminação é intermitente, podendo, no entanto, prolongar-se por longos períodos [Casemore et al., 1997; Ramirez et al., 2004]. Embora tal não tenha sido demonstrado, o gado que vive em liberdade, nos campos de pasto, pode, também, constituir fonte de infecção para os animais silváticos, com os quais partilha o habitat, na medida em que muitos deles, nomeadamente pequenos mamíferos (roedores e insectívoros) e Cervídeos são susceptíveis à espécie C. parvum que é, também, a mais vezes encontrada no gado doméstico [Olson et al., 2004]. A presença ubíqua de pequenos mamíferos (roedores e insectívoros), no meio rural, e a partilha do habitat com gado doméstico, em explorações agrícolas e pecuárias, tem levado alguns autores a conduzirem investigações, no sentido de avaliar a ocorrência de parasitas do género Cryptosporidium nestes animais. Numa exploração agrícola e pecuária, no Reino Unido, Chalmers et al. (1997) estudaram a prevalência de Cryptosporidium spp. em três espécies de roedores (Mus domesticus, Apodemus sylvaticus e Clethrionomys glareolus), tendo, por análise morfométrica dos oocistos, encontrado o valor global de 18,6% (111/595) para C. parvum e de 6,4% (38/595) para C. muris; nenhum dos animais parasitados 47

66 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA apresentava sinais de diarreia. Também, no Reino Unido, Quy et al. (1999) encontraram, em três populações de Rattus norvegicus, 24% (105/438) de animais infectados por C. parvum. O mesmo grupo de trabalho alargou a investigação a outros mamíferos silváticos, nomeadamente, insectívoros, lagomorfos, ungulados e carnívoros, tendo identificado, por análise morfométrica, oocistos de C. parvum em ouriços-cacheiros, musaranhos, coelhos, texugos, raposas e gamos [Sturdee et al., 1999]. Numa Reserva Natural, na Polónia, Bajer et al. (2002) estudaram, entre 1997 e 1999, a prevalência de Cryptosporidium spp., em três espécies de roedores (Apodemus flavicollis, Clethrionomys glareolus e Microtus arvalis), tendo encontrado o valor global de 61,8% (582/942). Em Espanha, Torres et al. (2000) estudaram a ocorrência de Cryptosporidium spp., em cinco espécies de roedores (Apodemus sylvaticus, Apodemus flavicollis, Clethrionomys glareolus, Mus spretus e Rattus rattus) e em duas espécies de insectívoros (Crocidura russula e Sorex araneus), em várias zonas da Província da Catalunha, tendo, por análise morfométrica dos oocistos, encontrado prevalências globais de 24,9% (110/442) para C. parvum, de 2,9% (13/442) para C. muris e de 3,6% (16/442) para infecções com ambos os parasitas. Para além de pequenos roedores e insectívoros, alguns autores têm estudado a presença destes parasitas noutros mamíferos, nomeadamente Cervídeos e Suídeos. Atwill et al. (1997) estudaram a ocorrência de Cryptosporidium spp. em populações de javalis, que habitavam zonas ribeirinhas de lagos, lagoas, nascentes e charcos, dispersas por dez locais diferentes no Estado da Califórnia, EUA, tendo encontrado uma prevalência de 5,4% (12/221) e um risco de infecção maior nos animais com idade inferior a oito meses e pertencentes a populações mais numerosas. Num outro trabalho, também realizado na Califórnia, com o objectivo de determinar a presença de parasitas do género Cryptosporidium em gamos e veados de vida livre, foi observada a percentagem de positividade de 15,9% (13/82), sendo todos os animais assintomáticos [Deng e Cliver, 1999]. Rickard et al. (1999) encontraram, em veados que ocupavam diversas zonas nos estados da Virgínia e do Mississipi, EUA, prevalências de infecção por estes parasitas de 8,8% e 5%, respectivamente. Num estudo efectuado na Tapada Nacional de Mafra, em Portugal, Lourenço et al. (2000) observaram a presença de oocistos de Cryptosporidium spp. em 100% (12/12) dos gamos estudados, todos com idades entre os nove meses e os quatro anos. Os estudos epidemiológicos realizados nestes animais são escassos, sendo, muitas vezes, relativos a pequenos grupos cativos em jardins zoológicos ou reservas naturais. Num trabalho efectuado no Jardim Zoológico de Lisboa, envolvendo 34 espécies de 48

67 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ruminantes artiodáctilos, foram observados oocistos de Cryptosporidium spp. em 2,1% (8/388) das amostras fecais estudadas [Delgado et al., 2003]. Num estudo realizado no Jardim Zoológico de Barcelona, Gómez et al. (1996) e (2000) encontraram oocistos de Cryptosporidium spp., em amostras fecais de diversos animais, pertencentes a várias espécies de herbívoros (Girafídeos, Bovídeos, Cervídeos, Camelídeos, Rinocerotídeos e Elefantídeos) e de primatas (Lemurídeos, Pongídeos, Cercopitecídeos e Hapalídeos). A detecção de Cryptosporidium spp. em várias espécies de herbívoros e primatas em cativeiro foi, igualmente, descrita por outros autores, em países como a Polónia e os EUA [Heuschele et al., 1986; Kalishman et al., 1996; Majewska et al., 1997]. A ocorrência de criptosporidiose, em alguns destes animais, tem sido, também, documentada em Reservas Naturais, algumas das quais vizinhas de zonas rurais, onde os animais silváticos, as populações humanas e o seu gado doméstico partilham habitats muito próximos. Na Etiópia, Legesse e Erko (2004) encontraram prevalências de Cryptosporidium spp. em babuínos e macacos de 11,9% (7/59) e 29,3% (12/41), respectivamente, enquanto que no Uganda, Nizeyi et al. (1999) encontraram em gorilas um valor de 11% (11/100). Na Tanzânia, Mtambo et al. (1997) observaram prevalências de criptosporidiose em zebras, búfalos e gnus de 28% (7/25), 22% (8/36) e 27% (7/26), respectivamente. Os estudos existentes sobre a criptosporidiose nos animais silváticos são escassos e dispersos, contribuindo para o desconhecimento quanto ao seu papel de reservatório e veículo da infecção para o Homem e para outros animais, seja por contacto directo ou através de contaminação ambiental. 9.3 CONTAMINAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS A presença de oocistos de Cryptosporidium spp. na água subterrânea, lagos, rios, estuários e oceanos tem sido descrita por inúmeros autores [Fayer et al., 2004]. Diversos estudos, conduzidos nos EUA, evidenciaram a presença de oocistos em cerca de 80% da água superficial e de 26% da água de abastecimento tratada, em concentrações que variavam entre 0,001 e 484 oocistos/l, no primeiro caso, e entre 0,005 e 0,017 oocistos/l no segundo. Estudos idênticos, realizados no Reino Unido, mostraram que 50% da água superficial e 37% da água de abastecimento se encontravam contaminadas por Cryptosporidium spp. [Smith e Rose, 1998]. Moulton-Hancock et al. (2000) descreveram, ainda, 49

68 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA a presença de oocistos em 10% da água subterrânea investigada em 20 Estados dos EUA, evidenciando que a filtração, pelas diferentes camadas do solo, não é suficiente para evitar o transporte destes parasitas até aos lençóis de água que alimentam poços e fontes. Apesar da maior parte da informação existente na Europa dizer respeito ao Reino Unido, nos últimos anos, a comunidade científica europeia tem despertado para este problema e desenvolvido investigação diversa, a fim de avaliar a extensão da presença de criptosporídeos nos recursos hídricos. Na Áustria, foram detectados oocistos em 10% dos reservatórios de água não tratada estudados, sobretudo naqueles mais próximos das zonas de maior densidade populacional; no entanto, não foram encontrados parasitas na água de abastecimento [Hassl et al., 2001]. Num estudo efectuado na Suíça e na Alemanha foram encontrados oocistos em 30,4% dos 56 rios, riachos, lagos e lagoas examinados, confirmando a presença frequente destes parasitas na água superficial daqueles dois países [Ward et al., 2002]. Conio et al. (1999) encontraram oocistos em 21% dos rios e lagos estudados em algumas regiões de Itália, tendo, no entanto, a água subterrânea e de abastecimento sido negativas para a presença destes parasitas. Ainda, em Itália, foram encontrados oocistos no Mar Adriático, onde existem muitos viveiros de mexilhões, que são, com frequência, consumidos crus [Tamburrini e Pozio, 1999] e em 70% das amostras colhidas, durante um ano, no rio Tibre, em concentrações entre 0,9 e 19 oocistos/l [Bonadonna et al., 2004]. Numa investigação realizada na Noruega, Robertson e Gjerde (2001a) analisaram a água de lagos e de rios, em várias regiões do País, tendo detectado parasitas do género Cryptosporidium em 24,5% dos locais estudados, embora em baixas concentrações (o valor máximo encontrado foi de 3,75 oocistos/10 L). Estes autores observaram, ainda, a associação entre a presença de oocistos na água e a existência de gado bovino e ovino nas proximidades dos locais de amostragem. Os efluentes de esgotos, de origem humana, não tratados ou tratados inadequadamente, as descargas de explorações pecuárias e a escorrência de solos estrumados com dejectos animais, são, em geral, considerados como as principais fontes de contaminação dos recursos hídricos por criptosporídeos [Meinhardt et al., 1996]. Para além disso, uma vez que a infecção por C. parvum, uma das principais espécies causadoras da criptosporidiose humana, é, também, causa de infecção em animais silváticos, como pequenos mamíferos e Cervídeos, estes podem constituir fontes de dispersão ambiental de oocistos e de contaminação dos cursos de água [Sturdee et al., 1999; Lourenço et al., 2000]. A extensão da contaminação da água superficial é, ainda, dependente de factores geográficos, como a topografia dos terrenos e climáticos, como 50

69 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA chuvas fortes, enxurradas, inundações e degelos [Meinhardt et al., 1996; Rose et al., 2002; Fayer, 2004; Joachim, 2004]. Também as aves aquáticas podem ter um papel importante na contaminação da água superficial, com oocistos. Para tal contribuem, por um lado, o facto destas aves serem refractárias à infecção por C. parvum, permanecendo os oocistos viáveis e infecciosos após a passagem pelo seu tracto intestinal e, por outro, os seus hábitos de, durante as migrações de Outono e Primavera, se alimentarem em pastos e campos de cultivo, áreas onde podem existir oocistos viáveis, e de defecarem no meio aquático [Graczyk et al., 1997]. Por fim, importa salientar que, apesar dos parasitas do género Cryptosporidium serem ubíquos no ambiente aquático, o risco dessa presença para a saúde pública permanece uma incógnita, na medida em que: i) na maioria dos estudos descritos, a identificação da espécie e/ou genótipo dos oocistos encontrados não é determinada, desconhecendo-se a sua capacidade de causar infecção no Homem; ii) a presença de oocistos na água só constitui risco de infecção humana, se estes se encontrarem viáveis, o que nem sempre tem sido determinado; iii) muitas vezes, o número de oocistos encontrado é baixo, ignorando-se se é ou não suficiente para causar infecção humana, o que depende, não só da virulência da espécie/genótipo em questão, como do estado imunológico do hospedeiro [Centers for Disease Control and Prevention, 1995; Joachim, 2004]. 51

70 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 10. EPIDEMIOLOGIA MOLECULAR DA CRIPTOSPORIDIOSE A epidemiologia molecular é, actualmente, considerada como um ramo da epidemiologia que, através de técnicas de biologia molecular, proporciona um melhor conhecimento das doenças, não só ao nível da caracterização dos agentes que estão na sua origem, mas, também, em termos da sua ecologia e dinâmica da transmissão [Thompson et al., 1998]. Antes da utilização destas novas técnicas, a caracterização dos microrganismos do género Cryptosporidium era resultante de observações microscópicas da morfologia dos oocistos e/ou formas de desenvolvimento endógeno, da constatação do hospedeiro em que eram encontrados e de estudos de infecção experimental. Estas observações permitiram a identificação de inúmeras espécies de Cryptosporidium, o que originou grande confusão e controvérsia taxonómicas [O Donoghue, 1995]. Porém, os conhecimentos disponíveis sobre estes parasitas sofreram um progresso significativo, após a aplicação das técnicas de biologia molecular, sobretudo as baseadas na reacção de PCR, ao estudo da sua epidemiologia. Esta metodologia tem-se revelado bastante promissora, esperando-se que possa trazer algum esclarecimento a questões importantes como: i) a variabilidade entre os parasitas do género Cryptosporidium; ii) a estrutura populacional e a taxonomia deste género; iii) a definição dos parasitas capazes de causar infecção humana; iv) a identificação das fontes de contaminação e de infecção para o Homem; v) a caracterização da dinâmica da transmissão da infecção em diferentes comunidades e situações; vi) a importância, para a saúde pública, da presença de oocistos em água de consumo e de recreio; vii) a patogenicidade e virulência apresentadas pelas diferentes espécies/genótipos que provocam doença humana [Moore et al., 2003; Thompson, 2003] IDENTIFICAÇÃO DA DIVERSIDADE GENÉTICA DO GÉNERO CRYPTOSPORIDIUM Os primeiros estudos sobre a diversidade entre estes parasitas davam conta da variabilidade fenotípica encontrada entre isolados de C. parvum de humanos e de gado doméstico (bovino, ovino e caprino). Esta variabilidade foi demonstrada através da técnica de Western blotting, com utilização de anticorpos monoclonais e policlonais, para análise da composição antigénica dos oocistos [Nichols et al., 1991; Nina et al., 1992] e da caracterização 52

71 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA isoenzimática [Ogunkolade et al., 1993; Awad-el-Kariem et al., 1995]. Em todos estes trabalhos foi observado um dimorfismo entre os isolados de C. parvum de origem humana e os de origem animal. No entanto, estas técnicas apresentavam a desvantagem de necessitarem de um número considerável de oocistos, o que, por vezes, era difícil de obter. A emergência das tecnologias baseadas na reacção de PCR permitiu ultrapassar o problema da escassez de oocistos obtidos a partir de amostras biológicas, tornando, assim, possível o estudo da epidemiologia molecular destes parasitas [Fayer et al., 2000]. Em 1995, Morgan et al., através da técnica de amplificação de polimorfismos de distribuição aleatória ou RAPD (acrónimo anglo-saxónico para random amplified polymorphic DNA ), observaram que isolados de C. parvum, de origem humana e bovina, se dividiam em dois grupos, um contendo a maioria dos isolados humanos e outro abrangendo todos os isolados bovinos e restantes isolados humanos. Muitos outros autores desenvolveram investigações semelhantes, utilizando as técnicas de PCR, RFLP e sequenciação aplicadas à caracterização genética de isolados de C. parvum de humanos e de outros animais (principalmente gado doméstico), em regiões geográficas diversas. Estes estudos incidiram, essencialmente, sobre os genes que codificam a proteína da parede do oocisto de Cryptosporidium ou COWP (acrónimo anglo-saxónico para Cryptosporidium oocyst wall protein ), a proteína de adesão relacionada com a trombospondina de Cryptosporidium-1 ou TRAP-C1 (acrónimo anglo-saxónico para thrombospondin-related adhesive protein of Cryptosporidium 1 ), a proteína de adesão relacionada com a trombospondina de Cryptosporidium-2 ou TRAP-C2 (acrónimo anglo-saxónico para thrombospondin-related adhesive protein of Cryptosporidium 2 ), a dihidrofolato reductase ou DHFR (sigla anglosaxónica para dihydrofolate reductase ), a β-tubulina, a proteína de choque térmico de 70- kda ou HSP70 (sigla anglo-saxónica para heat shock protein 70-kDa ), a sintetase da acetilcoenzima A, a subunidade pequena do rrna (SSU-rRNA), as regiões dos espaçadores internos transcritos ou ITS (sigla anglo-saxónica para internally transcribed spacers ) do rrna e algumas regiões genómicas não codificantes. Os resultados de todas estas investigações confirmaram a existência de dois genótipos de C. parvum, distintos e amplamente conservados, o genótipo humano, encontrado em isolados de origem humana e o genótipo bovino, presente, quer em isolados de gado doméstico, quer em isolados humanos [Bonnin et al., 1996; Peng et al., 1997; Spano et al., 1997b; Gibbons et al., 1998; Morgan et al., 1998a; Patel et al., 1998; Spano et al., 1998a, 1998b; Sulaiman et al., 1998; Cacciò et al., 1999; Morgan et al., 1999b; Xiao et al., 1999a, 1999c; Alves et al., 2001a, 2001b]. Para além das diferenças genéticas existentes, entre 53

72 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA estes dois genótipos de C. parvum, estudos de infecção experimental mostraram que os isolados com o genótipo bovino tinham a capacidade de produzir infecção em ratinhos e em vitelos, o mesmo não acontecendo com aqueles que exibiam o genótipo humano [Peng et al., 1997]. Estes trabalhos mostraram, assim, a existência de duas populações de C. parvum distintas, com diferentes especificidades de hospedeiro e envolvidas em diferentes ciclos de transmissão: a população constituída pelos isolados com o genótipo bovino, abundante e conservada entre o gado doméstico, que se encontrava envolvida na transmissão zoonótica e a população dos isolados com o genótipo humano, envolvida num ciclo de transmissão antroponótico ocorrendo, exclusivamente, entre humanos [Peng et al., 1997; Patel et al., 1998]. A estes estudos, seguiram-se inúmeras investigações, realizadas com o objectivo de identificar e caracterizar a diversidade genética existente entre os isolados de Cryptosporidium spp. encontrados em diversos hospedeiros animais, nomeadamente outros animais domésticos, animais de companhia e animais silváticos, de várias regiões geográficas. A sequenciação, entre outros, dos genes que codificam a SSU-rRNA e as proteínas COWP, HSP70 e actina, o alinhamento e a análise filogenética, para cada gene, das sequências nucleotídicas obtidas para os diversos isolados caracterizados, evidenciou a existência de sequências únicas, que apresentavam diferenças significativas entre si. Estes resultados mostraram que C. parvum não era uma espécie uniforme, mas sim constituída por vários genótipos distintos, aos quais foi dado o nome do hospedeiro onde os isolados haviam sido identificados. Assim, para além do genótipo bovino, encontrado em bovinos, caprinos, ovinos, suínos, roedores, Cervídeos e outros mamíferos, foram identificados inúmeros genótipos de C. parvum, adaptados ao hospedeiro, tais como os genótipos bovino B, porco I, porco II,, coelho, rato, marsupial I, marsupial II, furão, cão, esquilo, gamo, cervo, macaco, urso, raposa, pato, ganso, tentilhão, lagarto e dois genótipos de C. muris, entre outros. A análise filogenética constituiu, ainda, evidência adicional da validade das espécies C. felis, C. muris, C. baileyi, C. serpentis, C. wrairi, C. meleagridis e C. saurophilum [Morgan et al., 1998b, 1999a, 1999d, 1999e; Xiao et al., 1999a, 1999c; Morgan et al., 2000b; Sulaiman et al., 2000; Atwill et al., 2001; Graczyk et al., 2001; Morgan et al., 2001; Perz e Le Blancq, 2001; Sulaiman et al., 2002; Xiao et al., 2002b; Abe e Iseki, 2003; Ryan et al., 2003b; Silva et al., 2003; Power et al., 2004; Xiao et al., 2004b; Zhou et al., 2004]. Na figura 6, encontra-se representada uma árvore filogenética, construída para várias espécies e genótipos de Cryptosporidium, por comparação das respectivas sequências do gene que codifica a SSU-rRNA, onde podem observar-se dois grupos monofiléticos, 54

73 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA correspondentes aos seus braços principais, um constituído pelos parasitas intestinais e a espécie respiratória C. baileyi e outro contendo os parasitas gástricos substituições de nucleótido/posição 100 C. wrairi Genótipo furão C. parvum Genótipo rato Genótipo toirão americano 99 Genótipo gambá I Genótipo marsupial I Genótipo cavalo Genótipo coelho Genótipo macaco C. hominis C. meleagridis C. suis Genótipo marsupial II Genótipo cervo Genótipo raposa 70 Genótipo rato-almiscareiro II Genótipo gamo-rato Genótipo gambá II Genótipo esquilo Genótipo rato-almiscareiro I Genótipo urso C. canis genótipo coiote C. canis genótipo cão C. canis genótipo raposa C. felis C. saurophilum 98 Genótipo ganso I 89 Genótipo ganso II Genótipo pato 99 Genótipo porco II 77 C. bovis 92 Genótipo gamo 81 Genótipo semelhante ao do gamo 78 Genótipo cobra C. baileyi 96 Genótipo tartaruga C. serpentis 93 Genótipo lagarto 95 C. andersoni C. muris Genótipo galinhola 100 C. galli genótipo tentilhão C. galli Eimeria tenella AF Intestinais Gástricos FIGURA 6 Relação filogenética entre espécies e genótipos, pertencentes ao género Cryptosporidium, inferida pela análise de sequências do gene SSU-rRNA, através do método neighbor joining, tendo por base distâncias genéticas calculadas pelo modelo de dois parâmetros de Kimura. Os números sobre os ramos indicam os valores de confiança, determinados por análise de bootstrap com réplicas [Xiao et al., 2004a] A extensão da distância genética, existente entre alguns dos novos genótipos, levou alguns autores a sugerir que pudessem tratar-se de espécies de Cryptosporidium distintas. No entanto, para que novas espécies pudessem ser descritas, foi necessário correlacionar as diferenças genéticas, com outras características biológicas, como a especificidade de hospedeiro, o local de infecção, a patogenicidade e a virulência [Morgan et al., 1999e; Xiao et al., 1999c]. Foi o que aconteceu, por exemplo, com C. andersoni. Oocistos semelhantes a C. muris, 55

74 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA eram com frequência encontrados em gado bovino. Para além disso, experiências de transmissão cruzada mostraram que os isolados de C. muris de origem bovina não eram infectantes para ratos e outros roedores [Koudela et al., 1998]. A caracterização genética de isolados de C. muris de ratos e de bovinos de várias regiões geográficas mostrou a existência de dois genótipos distintos, o genótipo A, associado aos isolados de gado bovino e o genótipo B, exibido pelos isolados de roedores [Morgan et al., 2000c]. Deste modo, foi com base num conjunto de características, onde se destacam as diferenças genéticas e de especificidade de hospedeiro, que o genótipo A de C. muris foi descrito como uma espécie nova C. andersoni responsável por infecção do abomaso em gado bovino [Lindsay et al., 2000]. Caso idêntico sucedeu com C. hominis. Ao contrário do que acontecia com os parasitas, morfologicamente idênticos, de C. parvum genótipo bovino, aqueles que exibiam o genótipo humano não eram infectantes para bovinos e roedores [Peng et al., 1997]. O desenvolvimento de um modelo animal em leitões, para propagação de isolados com genótipo humano, mostrou diferenças significativas, ao nível da patogenicidade induzida pelos dois genótipos [Pereira S.J. et al., 2002]. Para além disso, o facto de não existirem isolados recombinantes, mesmo em casos de infecções mistas, com ambos os genótipos, reflectia o isolamento reprodutivo existente entre as duas populações. Estas características, aliadas à distância genética existente entre os dois genótipos de C. parvum, constituíram razões suficientes para a descrição de C. parvum genótipo humano, como uma espécie distinta, à qual Morgan-Ryan et al. (2002) denominaram C. hominis. Através de um processo idêntico, envolvendo a caracterização molecular e biológica de isolados pertencentes a alguns dos genótipos adaptados ao hospedeiro, inicialmente identificados, quatro deles foram, posteriormente, considerados espécies novas de Cryptosporidium: o genótipo cão como C. canis [Fayer et al., 2001], o genótipo tentilhão como C. galli [Ryan et al., 2003a], o genótipo porco I como C. suis [Ryan et al., 2004] e o genótipo bovino B, como C. bovis [Fayer et al., 2005]. Entre os diferentes genótipos de Cryptosporidium spp., que actualmente se conhecem, nem todos apresentam o mesmo grau de divergência genética entre si. Assim, nos casos em que essa divergência é extensa, ao ponto de sugerir que determinado genótipo possa constituir uma espécie distinta, é necessária uma caracterização biológica detalhada, que permita determinar o significado dessa divergência e esclarecer o seu estatuto taxonómico [Xiao et al., 2002b; Ryan et al., 2003b; Traversa et al., 2004b; Xiao et al., 2004b]. 56

75 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Inicialmente, os novos genótipos, que eram identificados em diversos hospedeiros animais, foram sendo imputados à espécie C. parvum. Contudo, dada a incerteza taxonómica, associada à extensão da diversidade genética, encontrada nos diferentes genótipos, foi convencionado que a designação C. parvum seria utilizada, exclusivamente, para referir os isolados que exibem o genótipo bovino. Os isolados dos restantes genótipos, são identificados com o nome do género, seguido do nome do hospedeiro onde foram encontrados [Xiao et al., 2004a] ESPÉCIES QUE CAUSAM INFECÇÃO HUMANA E EPIDEMIOLOGIA DA SUA TRANSMISSÃO Nos anos que antecederam o aparecimento das técnicas de biologia molecular, a estrutura populacional do género Cryptosporidium era, ainda, desconhecida e a diferenciação das espécies era feita, somente, com base nas características morfológicas dos oocistos. Em consequência destes factos, pensou-se, durante algum tempo, que a espécie C. parvum era a única responsável pela criptosporidiose humana. Só através da utilização de métodos de biologia molecular foi possível obter uma caracterização mais completa dos isolados, morfologicamente indistinguíveis, que eram causa de infecção humana. Em resultado desses trabalhos, sabe-se, hoje, que as espécies C. parvum e C. hominis são as responsáveis pela maioria das infecções no Homem [Awad-el-Kariem et al., 1995; Morgan et al., 1995; Bonnin et al., 1996; Peng et al., 1997; Spano et al., 1997b; Gibbons et al., 1998; Spano et al., 1998a, 1998b; Sulaiman et al., 1998; Cacciò et al., 1999; McLauchlin et al., 1999; Ong et al., 1999; Alves et al., 2000, 2001a, 2003b]. Em 1999, Pieniazek et al. identificaram, nos EUA, em doentes infectados por VIH, para além de isolados de C. parvum e C. hominis, três isolados de C. felis e um isolado de C. canis, no que foi a primeira descrição destas duas espécies em humanos. Alguns meses depois, Morgan et al., 2000a identificaram, também em doentes com infecção por VIH da Suíça, do Quénia e dos EUA, isolados de C. felis e de C. meleagridis, sendo esta a primeira vez que a segunda espécie foi identificada em humanos. Estas espécies foram, posteriormente, encontradas, também, em doentes imunocomprometidos em Portugal, em França e na Tailândia [Alves et al., 2001a, 2001b; Guyot et al., 2001; Gatei et al., 2002b; Tiangtip e Jongwutiwes, 2002; Matos et al., 2004]. Em 2000, no Reino Unido, Pedraza-Díaz et al. fizeram a primeira descrição da infecção por C. meleagridis, em seis indivíduos imunocompetentes. Um ano mais tarde, no 57

76 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA mesmo País, os mesmos autores descreveram, pela primeira vez, em duas crianças imunocompetentes, um caso de infecção por C. felis e outro por C. canis [Pedraza-Díaz et al., 2001a]. Num estudo em crianças seronegativas para VIH, numa favela nos subúrbios de Lima, no Peru, onde a criptosporidiose é endémica, Xiao et al. (2001a) encontraram, para além das espécies C. parvum e C. hominis, também, C. canis, C. felis e C. meleagridis, sendo a infecção por esta última espécie, quase tão frequente, como a observada para C. parvum. Embora em prevalências bastantes inferiores, foram encontradas outras espécies e genótipos de Cryptosporidium associados à infecção humana, nomeadamente C. muris em quatro doentes com SIDA no Quénia, na Tailândia, no Peru e em França [Guyot et al., 2001; Gatei et al., 2002a; Tiangtip e Jongwutiwes, 2002; Palmer et al., 2003], Cryptosporidium genótipo cervo, em nove casos de criptosporidiose esporádica no Canadá [Ong et al., 2002] e C. suis num doente seropositivo para VIH, sem sintomatologia gastrintestinal, no Peru [Xiao et al., 2002a]. No quadro V são apresentados alguns dos estudos mais recentes, envolvendo a caracterização de isolados humanos de Cryptosporidium spp., em várias regiões geográficas, evidenciando as espécies e genótipos mais vezes associadas à infecção no Homem. A leitura do quadro V permite verificar que a distribuição da proporção de infecção por C. parvum e por C. hominis não é igual em todas as regiões, sendo, nos países Europeus, encontrada, com mais frequência, a espécie C. parvum, enquanto que C. hominis é a espécie predominante no resto do Mundo. Embora se desconheça o significado desta variação, ela poderá ser o reflexo, não só da presença de diferentes fontes de infecção, como, também, de diferenças na influência de cada ciclo de transmissão, na epidemiologia da criptosporidiose. Contudo, à luz dos conhecimentos actuais, estas constituem, apenas, especulações, baseadas numa observação superficial da informação disponível, sendo necessário desenvolver estudos epidemiológicos aprofundados, em comunidades bem definidas, para que se possa compreender o papel dos diferentes ciclos de transmissão, na epidemiologia da criptosporidiose nesses locais [Thompson, 2003; Xiao e Ryan, 2004]. O Reino Unido é dos países onde mais estudos têm sido efectuados nesse sentido. 58

77 QUADRO V Resumo de alguns estudos de caracterização genética de isolados humanos de Cryptosporidium spp. PAÍS DOENTES TOTAL Nº DE DOENTES COM INFECÇÃO POR C. hominis C. parvum C. meleagridis C. felis C. canis Outros REFª ÁFRICA Malawi Crianças Peng et al., 2003a Quénia Crianças e adultos VIH C. muris Gatei et al., 2003 Uganda Crianças (C. parvum + C. hominis) Tumwine et al., 2003 ÁSIA Japão VIH, VIH Yagita et al., 2001 Tailândia VIH Gatei et al., 2002b Tailândia VIH C. muris Tiangtip e Jongwutiwes, 2002 AMÉRICA Canadá Casos esporádicos Cryptosporidium gen. cervo Ong et al., genótipos não identificados EUA VIH Pieniazek et al., 1999 Peru Crianças VIH Xiao et al., 2001a Peru VIH C. suis Cama et al., (C. hominis + C. canis) 1 (C. hominis + C.meleagridis) EUROPA Dinamarca Casos esporádicos Enemark et al., 2002a França VIH C. muris Guyot et al., 2001 Irlanda do Norte Casos esporádicos Lowery et al., 2002 Portugal VIH Alves et al., 2003b Reino Unido Surtos, casos esporádicos (C. parvum + C. hominis) McLauchlin et al., 2000 República Checa Crianças VIH Hajdušek et al., 2004 Suíça VIH Morgan et al., 2000a Suíça Adultos e crianças Fretz et al., 2003

78 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Vários trabalhos realizados, no Reino Unido, mostraram que entre 65% a 84% dos casos esporádicos de criptosporidiose são originados por C. parvum, que se manifestam como pequenos surtos familiares, resultantes da transmissão secundária pessoa-a-pessoa, após a exposição inicial de um ou mais membros da família ao parasita. Os casos esporádicos, causados por C. hominis apresentam um pico sazonal no fim do Verão e início do Outono, em indivíduos que regressam ao País, após um período de férias no estrangeiro. Os surtos associados ao consumo de água de abastecimento contaminada com oocistos de C. parvum, verificam-se, na maior parte das vezes, durante os meses da Primavera, coincidindo com a época do nascimento dos cordeiros, dos surtos de criptosporidiose observados nestes animais, de determinadas práticas agrícolas e de chuvas fortes, que dão origem à contaminação dos recursos hídricos. Nos restantes meses do ano, sobretudo após períodos de chuva intensa, a maioria dos surtos hídricos são causados pela espécie C. hominis, devido ao transbordar e ao arrastamento de esgotos de origem humana, que vão contaminar os cursos de água [McLauchlin et al., 2000; Goh et al., 2004; Hunter et al., 2004]. A importância que a transmissão zoonótica tem, na epidemiologia da criptosporidiose, no Reino Unido, foi demonstrada, em 2001, durante o período da epidemia de febre aftosa, que atingiu aquele País. A implementação de medidas para o controlo da epidemia, como a redução do acesso às zonas rurais, o isolamento das quintas afectadas e a restrição da mobilidade dos animais, teve como consequência a redução de 35% no número de casos de criptosporidiose declarado às autoridades, principalmente dos provocados por C. parvum. As medidas adoptadas, para o controlo da transmissão da febre aftosa, alteraram, também, a epidemiologia da transmissão da criptosporidiose, por diminuição da exposição das pessoas ao reservatório zoonótico e da redução dos níveis de contaminação dos recursos hídricos [Smerdon et al., 2003]. A epidemiologia da transmissão da criptosporidiose humana foi, também, estudada na Nova Zelândia, em várias comunidades rurais com grande implementação de explorações leiteiras e na zona metropolitana da cidade de Wellington. Os resultados obtidos evidenciaram que, nas comunidades rurais, 70% das infecções humanas eram devidas a C. parvum, sendo C. hominis responsável por, apenas, 30% das infecções. Resultados opostos foram encontrados na zona metropolitana, onde 89% dos casos de criptosporidiose detectados foram causados pela espécie antroponótica C. hominis, contra 11% dos casos provocados por C. parvum. Os autores observaram, ainda, variação sazonal da espécie predominante, ocorrendo quase todas 60

79 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA as infecções por C. parvum durante a Primavera, época do nascimento de cordeiros e bezerros, que exibem elevadas prevalências de criptosporidiose, predominando a infecção por C. hominis durante o Outono [Learmonth et al. 2004]. A transmissão de C. parvum ao Homem, através do contacto directo com animais infectados, encontra-se bem documentada [Miron et al., 1991; Elwin et al., 2001]. Embora não tenha sido devidamente esclarecida a origem da fonte de contaminação, existem, também, registos de surtos hídricos e alimentares causados por C. parvum [Peng et al., 1997; Sulaiman et al., 1998; Ong et al., 1999]. Ainda que os hospedeiros naturais de C. parvum, como os ruminantes domésticos e alguns mamíferos silváticos, possam constituir reservatórios de infecção para o Homem, a interpretação do significado epidemiológico da infecção humana por C. parvum exige alguma cautela, na medida em que se desconhece a contribuição, não só da transmissão antroponótica desta espécie, como da transmissão hídrica e alimentar por contaminação de origem humana [Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan 2004]. A identificação, no Homem, de infecções mistas por C. hominis e algumas espécies zoonóticas, como C. parvum, C. meleagridis e C. canis vem, também, reforçar a hipótese da possibilidade da transmissão antroponótica de espécies zoonóticas [McLauchlin et al., 2000; Cama et al., 2003; Tumwine et al., 2003; Xiao e Ryan, 2004]. Os estudos realizados ao longo dos últimos anos evidenciaram a complexidade da epidemiologia da transmissão da criptosporidiose. As espécies C. parvum e C. hominis são as mais prevalentes no Homem, sendo, também, as responsáveis por todos os surtos em que foi possível caracterizar os parasitas neles envolvidos [Fayer et al., 2000; McLauchlin et al., 2000; Lowery et al., 2002]. Contudo, a ideia inicial da existência de duas populações distintas de C. parvum, envolvidas em diferentes ciclos de transmissão, constitui uma visão simplista da epidemiologia da criptosporidiose. A descoberta de que outras espécies e genótipos de Cryptosporidium podem, também, ser causa de infecção humana, veio demonstrar a existência de ciclos de transmissão adicionais, envolvendo o que aparentam ser espécies e genótipos adaptados ao hospedeiro e cuja importância para a saúde pública não se encontra, ainda, completamente esclarecida (figura 7) [Thompson, 2003; Xiao e Ryan, 2004]. 61

80 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA C. parvum + outros animais C. parvumi C. hominisi C. suisii C. felis C. muris C. canis C. meleagridis.?? Genótipo cervo Outras espécies Outros genótipos FIGURA 7 Representação esquemática dos ciclos de transmissão e reservatórios de infecção das espécies e genótipos de Cryptosporidium, associados à criptosporidiose humana [adaptado de Thompson, 2003] 10.3 ESPÉCIES E GENÓTIPOS ENCONTRADOS EM OUTROS HOSPEDEIROS VERTEBRADOS A presença de microrganismos do género Cryptosporidium, em vários hospedeiros vertebrados, tem sido descrita por inúmeros autores. Na maioria dos casos, a identificação dos parasitas tem sido efectuada, unicamente, por observação microscópica da morfologia dos oocistos e, os isolados encontrados, têm sido designados como C. parvum ou Cryptosporidium spp.. Uma vez que, só recentemente, as metodologias de biologia molecular foram aplicadas ao estudo destes parasitas, desconhece-se quantos deles correspondem a espécies ou genótipos já identificados [Fayer, 2004]. 62

81 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O número de animais distintos, pertencentes ao grupo dos mamíferos, onde, até à data, foram encontrados parasitas de Cryptosporidium spp. ascende a 155 [Fayer, 2004]. Resultados de investigações recentes evidenciaram a existência de enorme diversidade biológica e genética entre as espécies de Cryptosporidium que infectam estes animais. As espécies de Cryptosporidium que têm como hospedeiros principais animais pertencentes ao grupo dos mamíferos são: C. parvum, C. hominis, C. muris, C. andersoni, C. bovis, C. suis, C. canis, C. felis e C. wrairi. Para além destas oito espécies foram, ainda, identificados dois genótipos de C. canis (genótipos raposa e coiote) e diversos genótipos de Cryptosporidium spp. adaptados ao hospedeiro [Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan, 2004]. Apesar de a criptosporidiose ter sido descrita em mais de 30 espécies diferentes de aves, apenas se conhecem três espécies de Cryptosporidium responsáveis por essas infecções: C. meleagridis, C. baileyi e C. galli. Todas elas têm a capacidade de infectar um grande número de aves, divergindo, no entanto, quanto ao local de infecção (ver quadro I). Também entre os isolados de Cryptosporidium spp., encontrados em aves, foram identificados genótipos adaptados ao hospedeiro, nomeadamente quatro genótipos ganso, um genótipo pato e um genótipo galinhola [Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan, 2004]. Entre os vertebrados, os répteis e, sobretudo as cobras, são os animais em que a criptosporidiose se manifesta de uma forma mais severa, sendo causa de elevada mortalidade. Apesar de vários autores terem documentado prevalências elevadas desta infecção, principalmente nos répteis em cativeiro, poucos têm efectuado a caracterização desses parasitas. As duas espécies, actualmente, conhecidas, como causa de infecção em répteis são C. serpentis e C. saurophilum. Dos genótipos adaptados ao hospedeiro encontrados nos répteis fazem parte dois genótipos cobra, um genótipo lagarto e um genótipo tartaruga [Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan, 2004]. Nos peixes, é considerada válida a espécie C. molnari. No entanto, a definição desta espécie, por Alvarez-Pellitero e Sitjà-Bobadilla (2002), foi feita, unicamente, com base em características ultra-estruturais e histopatológicas, não tendo sido efectuada a caracterização genética dos parasitas. Recentemente, o mesmo grupo de trabalho descreveu uma nova espécie, C. scophthalmi, no epitélio intestinal de pregados (Scophthalmi maximus L.) de aquacultura [Alvarez-Pellitero et al., 2004]. Também neste caso, a caracterização da espécie foi baseada, exclusivamente, em observações ultraestruturais e histopatológicas. A ausência de uma identidade genética, para estas espécies, pode vir a constituir um problema no futuro, 63

82 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA quando forem identificados em peixes outro(s) parasita(s), que possa(m) vir a ser descrito(s) como nova(s) espécie(s) [Xiao et al., 2004a; Xiao e Ryan, 2004]. Até há pouco tempo considerava-se que, somente, duas espécies eram responsáveis pela criptosporidiose em gado bovino: C. parvum e C. andersoni. Enquanto que a primeira infecta o intestino e provoca diarreia aguda, em animais não desmamados, a segunda infecta o abomaso, em animais jovens e adultos, não originando sintomatologia gastrintestinal, provocando, apenas, diminuição da produção de leite [Olson et al., 2004]. Recentemente, foram identificados dois novos genótipos, em gado bovino, aos quais foi dado o nome de Cryptosporidium genótipo bovino B (posteriormente descrito como nova espécie C. bovis) e Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo (do inglês, deer-like genotype ) [Xiao et al., 2002b; Santín et al., 2004; Fayer et al., 2005]. Santín et al. (2004), estudaram 971 vitelos, pertencentes a 15 explorações pecuárias, localizadas em sete Estados Norte Americanos, tendo observado infecção por C. parvum em 100% dos animais até às duas semanas de vida e entre 60% a 90% dos vitelos até aos dois meses. A partir das duas semanas de vida já observaram, em alguns animais, a infecção por C. bovis e por Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo. Nos animais que já haviam sido desmamados (idade superior a três meses) não foi observada infecção por C. parvum, tendo, somente, sido encontrados C. andersoni, C. bovis e Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo. Uma vez que, das quatro espécies/genótipos encontrados em gado bovino, apenas C. parvum é conhecida como causa de infecção humana, só através da caracterização genética dos isolados implicados na criptosporidiose bovina se poderá avaliar o seu potencial zoonótico e determinar o risco de transmissão ao Homem [Santín et al., 2004]. Em termos epidemiológicos, a característica de adaptabilidade ao hospedeiro, exibida pela maioria das espécies e genótipos de Cryptosporidium, pode significar que grande parte destes parasitas não tem elevado potencial infectante para o Homem. De facto, a maioria das espécies e genótipos, encontradas em répteis e em muitos outros animais silváticos, apresentam um grupo restrito de hospedeiros onde causam infecção, nunca tendo sido encontrados em humanos. Recentemente, com o propósito de avaliar o risco para a saúde pública da contaminação do meio aquático com oocistos de Cryptosporidium spp., foi realizado, nos EUA, um estudo envolvendo cinco espécies de mamíferos que habitam terrenos adjacentes a zonas fluviais (raposa, castor, lontra, rato almiscareiro e guaxinim). A caracterização molecular, dos oocistos encontrados nesses hospedeiros, permitiu identificar C. 64

83 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA canis, C. canis genótipo raposa e mais três genótipos de Cryptosporidium spp. adaptados ao hospedeiro que, até à data, não foram encontrados em humanos, nem em gado doméstico. Os autores concluíram, assim, que as espécies e genótipos de Cryptosporidium adaptados ao hospedeiro excretadas por estes animais, não constituem risco elevado para a saúde pública [Zhou et al., 2004]. No entanto, a adaptabilidade ao hospedeiro não é sinónimo de estrita especificidade, sendo frequente encontrar-se uma determinada espécie ou genótipo de Cryptosporidium spp. em mais do que um hospedeiro. Exemplos disso, são os casos de criptosporidiose humana, devidos à infecção pelas espécies zoonóticas C. parvum, C. meleagridis, C. felis, C. canis, C. suis, C. muris e Cryptosporidium genótipo cervo. Exceptuando C. parvum e C. meleagridis, encontrados, com mais frequência, em infecções humanas e que infectam um largo número de hospedeiros distintos, as restantes espécies infectam um número limitado de hospedeiros e, até à data, foram associadas a um pequeno número de casos humanos, a maioria deles em crianças e em infectados por VIH. Se, por um lado, é possível especular sobre a maior susceptibilidade dessas pessoas àqueles parasitas não se pode, por outro, excluir a possibilidade dos animais domésticos, de companhia e silváticos, constituírem potenciais reservatórios de infecção para o Homem. Todavia, o papel destes animais na transmissão das diferentes espécies e genótipos de Cryptosporidium ao Homem é, ainda, desconhecido, em resultado da ausência de estudos epidemiológicos que permitam conhecer a sua prevalência naqueles animais. Deste modo, é necessário que a comunidade científica e as autoridades de saúde pública estejam atentas, na medida em que algumas das espécies e genótipos pouco prevalentes ou, ainda, não encontradas no Homem, podem emergir como novos parasitas humanos, se surgirem condições socioeconómicas e ambientais que favoreçam a sua transmissão [Xiao et al., 2002b, 2004a; Xiao e Ryan, 2004] IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES E DE GENÓTIPOS ENCONTRADOS NA ÁGUA Os métodos convencionais, para detecção da presença de oocistos na água, baseiam-se no método 1622, recomendado pela United States Environmental Protection Agency, que consiste num processo de concentração por filtração, isolamento dos oocistos por separação imunomagnética e sua detecção por uma técnica de imunofluorescência [Carey et al., 2004]. Contudo, este procedimento não permite a identificação das espécies e genótipos dos oocistos encontrados, invalidando, assim, a avaliação do risco que constitui, para a saúde pública, a sua 65

84 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA presença nos recursos hídricos. Embora seja frequente a contaminação de cursos e reservatórios de água, com oocistos de Cryptosporidium spp., é natural que nem todos pertençam a espécies responsáveis pela infecção humana, dado que as fontes de contaminação podem ser muito diversas [Xiao et al., 2004a]. A possibilidade de aplicar as técnicas de biologia molecular à caracterização genética e à identificação dos isolados encontrados em amostras de água veio permitir identificar o seu potencial infectante para o Homem e ultrapassar as limitações associadas à utilização dos métodos convencionais. Xiao et al. (2000a) analisaram 29 amostras de água de tempestade, recolhidas numa zona de floresta no Estado de Nova Iorque, tendo identificado a espécie C. baileyi e 11 genótipos diferentes de Cryptosporidium spp., todos eles adaptados a hospedeiros silváticos e nunca encontrados em humanos. O mesmo grupo de trabalho analisou, ainda, água superficial não tratada, recolhida em nove Estados Norte Americanos, tendo identificado a presença das espécies C. parvum, C. hominis, C. andersoni e C. baileyi, todas elas encontradas, com frequência no Homem ou em gado doméstico, sugerindo serem estas as principais fontes de contaminação [Xiao et al., 2001b]. No Japão, estudos efectuados em amostras de água, recolhidas em vários rios, identificaram a presença das espécies C. parvum e C. meleagridis, levando os autores a sugerir a eventual contaminação com origem em gado doméstico [Karasudani et al., 2001; Ono, et al., 2001]. Na Europa, mais concretamente na Suíça e na Alemanha, em amostras de água superficial e de efluentes de estações de tratamento de águas residuais, foram encontrados oocistos de C. hominis, C. parvum, C. andersoni, C. muris, C. baileyi e três genótipos silváticos não identificados, sendo as primeiras quatro espécies as mais prevalentes. Duas delas C. parvum e C. hominis são as responsáveis pela maioria dos casos de criptosporidiose humana devendo, a sua presença na água, constituir um alerta para as entidades de saúde pública. Entre as possíveis fontes de contaminação daqueles recursos hídricos, os autores enumeram o gado bovino, abundante naqueles países, efluentes de origem humana, pequenos roedores, aves aquáticas e outros animais silváticos [Ward et al., 2002]. Na Irlanda do Norte, Lowery et al. (2001) analisaram diversas amostras de água superficial tratada e não tratada, tendo identificado C. parvum como a única espécie de Cryptosporidium presente nas amostras estudadas. 66

85 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A presença de C. andersoni, C. bayleyi, C. muris e diversos genótipos silváticos na água, indica a provável contaminação por gado doméstico e por alguns animais silváticos. Porém, é importante salientar que a identificação de C. parvum na água não permite uma associação tão linear ao reservatório zoonótico, dada a possibilidade da sua contaminação ter tido origem humana [Xiao et al., 2004a]. Os casos aqui descritos confirmam a diversidade de espécies e genótipos de Cryptosporidium, presentes nos cursos e reservatórios de água. Sendo que apenas parte destes parasitas é responsável pela infecção humana, a avaliação do risco para a saúde pública, que constitui a sua presença nos recursos hídricos, só poderá ser determinada com o auxílio de técnicas de biologia molecular, para identificação do seu potencial infectante para o Homem. Todavia, é fundamental salientar que a avaliação do risco para a saúde pública só se completa após a determinação da viabilidade e infecciosidade dos oocistos encontrados [Centers for Disease Control and Prevention, 1995; Joachim, 2004] VARIAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA EM C. PARVUM E C. HOMINIS Recentemente, a caracterização de vários loci genéticos, em isolados de C. hominis e C. parvum evidenciou a existência de polimorfismos intra-específicos, que permitiam a identificação de vários alelos e subtipos dentro de cada uma das espécies [Aiello et al., 1999; Feng et al., 2000; Strong et al., 2000; Cacciò et al., 2001]. O reconhecimento desta heterogeneidade intra-específica possibilitou o desenvolvimento de métodos que permitem atingir maior resolução da variabilidade genética existente em isolados de C. hominis e de C. parvum. Os microssatélites, também chamados repetições curtas aleatórias ou STR S (sigla anglosaxónica para short tandem repeats ), são pequenas unidades de DNA não codificante, constituídas por dois a sete nucleótidos, que se repetem sucessivamente e se encontram, amplamente, distribuídas no genoma de vários organismos eucariotas. O número de vezes que essas unidades se encontram repetidas é muito polimórfico, permitindo a distinção de vários alelos, em função do número de repetições existentes [Weber e May, 1989]. A análise de STR S tem sido utilizada, por alguns autores, para avaliar a variabilidade intra-específica existente em C. hominis e em C. parvum. Cacciò et al. (2000), através da análise de um locus de microssatélites, em vários isolados humanos e bovinos, oriundos da Itália, da Holanda, do Japão e dos EUA, observaram a existência de dois alelos distintos em C. hominis e quatro em 67

86 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA C. parvum. Num outro locus, os mesmos autores observaram, ainda, a existência de sete alelos distintos entre os isolados de C. parvum de origem humana e bovina, de várias regiões de Itália. Um destes alelos foi identificado, somente, em isolados humanos, acontecendo o contrário com outros dois alelos, encontrados, exclusivamente, em isolados bovinos [Cacciò et al., 2001]. Feng et al. (2000) identificaram no genoma de C. hominis e C. parvum 14 loci de STR S, tendo avaliado a sua utilidade na caracterização intra-específica dos parasitas daquelas espécies. Enquanto que alguns destes loci se revelaram muito polimórficos, com os isolados de ambas as espécies a exibirem vários alelos diferentes, outros apresentaram uma resolução mais limitada, não permitindo observar variação genética, em uma ou ambas as espécies. Na Dinamarca, Enemark et al. (2002a) utilizaram o STR descrito por Cacciò et al. (2000), para a caracterização de C. hominis e C. parvum de origem humana e bovina, tendo encontrado, nos isolados de C. hominis, um dos dois alelos identificados, inicialmente, por Cacciò e colaboradores e, nos parasitas de C. parvum, três dos quatro alelos descritos, também, por estes autores. Mallon et al. (2003a) analisaram, em 180 isolados humanos e bovinos de C. parvum e C. hominis, da região de Aberdeenshire, na Escócia, sete loci de microssatélites. O número de alelos observados, para as duas espécies, nos sete marcadores, variou entre o mínimo de três e o máximo de 13. A combinação do alelo exibido por cada isolado para cada um dos sete loci permitiu identificar 37 haplotipos distintos, sete correspondentes à espécie C. hominis e os restantes 30 a C. parvum. A construção de um dendograma de semelhança para os diferentes haplotipos juntou todos os isolados de C. hominis no mesmo grupo, embora sendo evidente a sua separação em dois subgrupos distintos. Os isolados de C. parvum foram distribuídos por cinco grupos diferentes, contendo, dois deles, unicamente isolados de origem humana e os restantes três, isolados de ambos os hospedeiros. O gene GP60 (também denominado gp15/45/60) codifica uma glicoproteína precursora de 60-kDa que, após clivagem, dá origem às glicoproteínas de superfície gp45 e gp15, envolvidas na ligação e na invasão dos enterócitos pelos esporozoítos. A sequenciação do gene GP60, em isolados de humanos e de bovinos de diferentes regiões geográficas, revelou que este locus apresenta elevada variabilidade genética, exibindo vários polimorfismos, principalmente entre os isolados de C. hominis [Strong et al., 2000]. Estes autores encontraram quatro subtipos diferentes, entre os isolados desta espécie, não tendo observado variação em C. parvum. Várias outras investigações se seguiram envolvendo a sequenciação do gene GP60 em isolados humanos e bovinos, de países como o Malawi, o Quénia, a Guatemala, o Kuwait, 68

87 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA a África do Sul, Portugal, a Irlanda do Norte, a Austrália e os EUA, tendo mostrado a existência de inúmeros polimorfismos tanto em C. parvum como em C. hominis. Actualmente, encontram-se identificadas 11 famílias de subtipos, cinco em C. hominis e seis em C. parvum compreendendo, cada uma, vários subtipos distintos. A maioria das famílias descritas apresenta ampla distribuição geográfica, sendo encontrada em isolados de regiões muito diferentes. Do mesmo modo, numa determinada região geográfica, tem sido observada a presença de várias famílias diferentes. Somente um pequeno número de famílias de subtipos apresenta distribuição geográfica limitada, sendo estas encontradas, apenas, em isolados de regiões geográficas restritas [Peng et al., 2001; Sulaiman et al., 2001; Glaberman et al., 2002; Leav et al., 2002; Alves et al., 2003b; Peng et al., 2003a, 2003b; Sulaiman et al., 2005]. A elevada resolução obtida através da caracterização do gene GP60, em isolados de C. hominis e de C. parvum, apresenta enorme potencial, não só para a identificação de fontes de infecção, em situações de surto, constituindo informação valiosa para a implementação de medidas de controlo da transmissão, mas, também, para a caracterização da dinâmica da transmissão da criptosporidiose, em zonas endémicas [Feng et al., 2000; Mallon et al., 2003a; Xiao e Ryan, 2004]. A investigação realizada, ao longo dos últimos anos, no âmbito da epidemiologia molecular da criptosporidiose, trouxe alguns progressos importantes no que diz respeito ao conhecimento da diversidade de microrganismos que constituem o género Cryptosporidium, do significado para a saúde pública de alguns desses parasitas e da existência de vários ciclos de transmissão distintos que envolvem o Homem. Contudo, muitas questões continuam, ainda, em aberto, nomeadamente no que se refere à importância das espécies zoonóticas para a saúde pública, à dinâmica da transmissão da criptosporidiose em diferentes comunidades, ao significado da variação geográfica da distribuição dos casos humanos, devidos a C. hominis e a C. parvum, na transmissão da doença e, ainda, à correlação entre as características genéticas dos parasitas com a sua virulência e patogenicidade. O conhecimento aprofundado de todas estas questões possibilitará, num futuro que esperamos próximo, desenvolver estratégias de prevenção e de controlo adequadas, capazes de quebrar os ciclos de transmissão da criptosporidiose humana [Thompson, 2003; Xiao e Ryan, 2004]. 69

88 - Segunda Parte - CARACTERIZAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA CRIPTOSPORIDIOSE EM PORTUGAL 70

89 Capítulo I OBJECTIVOS 71

90 I OBJECTIVOS A realização do trabalho apresentado nesta dissertação foi motivada pela escassa informação existente acerca da epidemiologia e da transmissão da criptosporidiose em Portugal, em especial, sobre as espécies e genótipos de Cryptosporidium que infectam o Homem e outros animais e sobre os potenciais reservatórios da infecção humana. Assim, os objectivos que nos propusemos atingir foram os seguintes: i) Determinação da percentagem de infecção por Cryptosporidium spp., em doentes infectados por VIH com sintomatologia gastrintestinal, no período de 2001 a ii) Avaliação da presença de Cryptosporidium spp., em animais de companhia, animais silváticos de vida livre e animais silváticos em cativeiro. iii) Caracterização molecular dos isolados de Cryptosporidium spp. de doentes infectados por VIH e identificação da diversidade de espécies e genótipos, responsáveis pela infecção nesta população. iv) Caracterização molecular de isolados de Cryptosporidium spp. de gado bovino e ovino e de animais de companhia e silváticos e identificação da diversidade de espécies e genótipos associados à infecção, nestes animais. v) Determinação da variabilidade intra-específica dos isolados de C. hominis e C. parvum de origem humana e animal. Com o presente trabalho esperamos poder contribuir para um melhor conhecimento da extensão e diversidade genética dos parasitas responsáveis pela criptosporidiose humana, na população infectada por VIH, no nosso País. A identificação das espécies e genótipos de Cryptosporidium, que infectam o gado doméstico e os animais de companhia e silváticos, pode ser útil para determinar o seu potencial como fonte de contaminação ambiental e como reservatório zoonótico da infecção humana. A determinação da presença destes parasitas em animais de companhia é importante para avaliar o seu papel como fonte de infecção para o Homem e o risco que constituem, principalmente, para doentes com função imunológica comprometida. A caracterização intra-específica de C. hominis e de C. parvum, ao permitir maior resolução da variabilidade genética dos isolados pertencentes a estas espécies, pode contribuir para a clarificação do papel desempenhado por cada modo de transmissão na epidemiologia da criptosporidiose humana e da importância de gado doméstico e animais silváticos, nessa mesma transmissão, em Portugal. 72

91 Capítulo II MATERIAL E MÉTODOS 73

92 II MATERIAL E MÉTODOS 1. POPULAÇÃO ESTUDADA 1.1 POPULAÇÃO HUMANA No período compreendido entre Junho de 2001 e Janeiro de 2005 foram recolhidas amostras fecais de 217 doentes infectados por VIH, com sintomatologia gastrintestinal, provenientes, na sua maioria, de diversos Hospitais da Região de Lisboa mas, também, de outros Hospitais do País, nomeadamente, Setúbal, Beja e Faro. Todas as amostras fecais recolhidas foram submetidas a técnicas parasitológicas, para detecção de oocistos de Cryptosporidium spp.. Os isolados identificados foram, posteriormente, caracterizados por meio de técnicas de biologia molecular. Para além das amostras recolhidas, foram incluídas no estudo de caracterização molecular 41 isolados de Cryptosporidium spp., cuja detecção por diagnóstico parasitológico foi anterior ao início do presente trabalho. Este grupo era composto por 15 isolados colhidos entre Dezembro de 1994 e Agosto de 1997 [Matos et al., 1998], que se encontravam conservados a 4ºC em mertiolato/iodo/formaldeído (MIF) e 26 isolados, identificados entre Setembro de 1997 e Maio de 2001 [Alves et al., 2000; Matos et al., 2002], que se encontravam conservados a 4ºC, em dicromato de potássio (K 2 Cr 2 O 7 ) a 5%. Quarenta desses isolados foram obtidos a partir de amostras fecais de doentes com infecção VIH/SIDA e, um, num indivíduo seronegativo para VIH, que apresentava síndrome da esplenomegalia tropical, anemia hemolítica e serologia positiva para Plasmodium spp POPULAÇÃO ANIMAL O estudo da criptosporidiose animal incidiu sobre animais de companhia e silváticos. Os oocistos de Cryptosporidium spp., detectados nas amostras fecais por técnicas parasitológicas, foram, posteriormente, caracterizados por aplicação de técnicas de biologia molecular. No estudo de caracterização molecular foram, também, incluídos isolados de bovinos, de ovinos e de alguns animais silváticos, cuja identificação parasitológica antecedeu o início do presente trabalho. 74

93 II MATERIAL E MÉTODOS GADO BOVINO E OVINO A caracterização molecular de parasitas de origem bovina e ovina, pertencentes ao género Cryptosporidium, foi realizada nos isolados identificados em estudos epidemiológicos efectuados por três investigadores na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT). As colheitas das amostras fecais ocorreram nos períodos de Janeiro de 1996 a Março de 1998 [Pereira da Fonseca, 2000], de Dezembro de 1999 a Fevereiro de 2000 [Lourenço, 2000] e de Setembro de 2001 a Junho de 2002 [Lemos, 2002]. As fezes encontravam-se conservadas a 4ºC, em dicromato de potássio a 5%. No total, foram submetidos a caracterização molecular 110 isolados de vitelos, provenientes de explorações leiteiras de várias regiões de Portugal, conforme discriminado no quadro VI. Destes 110 animais, 62 tinham menos de 38 dias de vida, três tinham entre 45 e 80 dias e um tinha quatro meses de idade. Não foi possível obter informação sobre a idade dos restantes 44 animais. Para além destes isolados bovinos, foram, ainda, caracterizados dois isolados de ovinos, de idade e origem desconhecidas. QUADRO VI Origem dos isolados bovinos de Cryptosporidium spp. incluídos no estudo de caracterização molecular PROVÍNCIA (CONCELHO) N.º DE ISOLADOS ESTUDADOS Alto Alentejo (Montemor-o-Novo) 60 Baixo Alentejo (Odemira) 6 Estremadura (Lourinhã, Pêro Pinheiro, Odivelas, Sintra) 13 Ribatejo (Chamusca, Santarém) 14 Açores (S. Miguel) 11 Desconhecida ANIMAIS DE COMPANHIA O estudo sobre a criptosporidiose, em animais de companhia, incidiu, unicamente, sobre cães e gatos. No período compreendido entre Janeiro de 2001 e Dezembro de 2004 foram recolhidas, com a colaboração de alguns Médicos Veterinários e de particulares, amostras fecais de 209 animais com dono, nomeadamente, de 100 cães e 109 gatos. Os animais estudados eram jovens e adultos, com e sem diarreia, provenientes dos Distritos de Lisboa 75

94 II MATERIAL E MÉTODOS (67% dos cães e 95% dos gatos), de Setúbal (24% dos cães e 3% dos gatos) e de Évora (9% dos cães e 2% dos gatos). Para além dos animais com dono, foram, ainda, recolhidas, entre Fevereiro e Abril de 2004, amostras fecais de 57 cães de rua, nomeadamente de dez albergados no Canil Municipal de Torres Vedras e de 47 acolhidos no Canil Municipal de Lisboa. As amostras pertenciam a animais jovens e adultos. Apenas dois animais com idade inferior a dois meses e um adulto apresentavam diarreia. Todas as amostras foram submetidas a técnicas parasitológicas, para identificação de oocistos de Cryptosporidium spp., tendo, estes últimos, sido submetidos a técnicas de biologia molecular para determinação da sua espécie ANIMAIS SILVÁTICOS DE VIDA LIVRE O estudo sobre a presença de Cryptosporidium spp. em animais silváticos de vida livre foi efectuado num grupo de 147 indivíduos, do qual faziam parte carnívoros e pequenos mamíferos (insectívoros e roedores). No grupo dos carnívoros, foram analisadas amostras fecais de 13 raposas, capturadas no concelho de Barrancos, Baixo Alentejo, em Janeiro de Os pequenos mamíferos, num total de 134, foram capturados em Maio, Agosto e Novembro de 2003, nos concelhos de Moura e Aljustrel, Baixo Alentejo. Foram estudados 52 insectívoros, todos pertencentes à espécie Crocidura russula, vulgarmente denominada musaranho de dentes brancos. Entre os roedores, encontravam-se 80 ratinhos ruivos (Mus spretus) e dois ratinhos do campo (Apodemus sylvaticus). Todos os animais estudados eram adultos e nenhum deles apresentava diarreia. Todas as amostras fecais recolhidas foram submetidas a técnicas parasitológicas, para detecção de oocistos de Cryptosporidium spp.. Para além das amostras submetidas a diagnóstico parasitológico foram, ainda, caracterizados, por técnicas de biologia molecular, isolados de Cryptosporidium spp. identificados em amostras fecais de 12 gamos (Dama dama L.), capturados na Tapada Nacional de Mafra, entre Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 [Lourenço et al., 2000]. Estas amostras fecais encontravam-se conservadas a 4ºC, em dicromato de potássio a 5%. 76

95 II MATERIAL E MÉTODOS ANIMAIS SILVÁTICOS EM CATIVEIRO Entre Abril de 2002 e Fevereiro de 2003, foram recolhidas 217, 57 e 40 amostras fecais correspondentes, respectivamente, a 100 espécies de mamíferos, 28 espécies de répteis e 37 espécies de aves cativas no Jardim Zoológico de Lisboa. Sempre que possível, a recolha das amostras fecais dos mamíferos foi efectuada mensalmente. No caso dos répteis, as amostras foram recolhidas nos meses de Abril e Junho de 2002 e de Janeiro e Fevereiro de As amostras fecais das aves foram recolhidas uma única vez, no mês de Agosto de As amostras foram colhidas, pelos tratadores dos animais, do solo, ao acaso, tendo sido dada preferência a fezes diarreicas, no caso de elas existirem. Nos quadros VII, VIII e IX encontram-se descritos os nomes de todos os animais estudados. Com excepção de duas crias de leão, todos os mamíferos estudados eram adultos e não apresentavam sintomatologia gastrintestinal. Entre os répteis estudados, encontravam-se animais jovens e adultos, sem evidência de diarreia, à excepção de uma tartaruga estrela indiana. Este animal havia chegado ao Jardim Zoológico de Lisboa, proveniente de Singapura, três dias antes da recolha de fezes, apresentava doença grave de etiologia múltipla e morreu passadas duas semanas. Todas as aves estudadas eram adultas e não apresentavam sinais de diarreia. QUADRO VII Répteis do Jardim Zoológico de Lisboa cujas fezes foram submetidas a técnicas parasitológicas, para identificação de oocistos de Cryptosporidium spp. NOME (ESPÉCIE) Tartaruga gigante de Aldabra (Geochelone gigantea) Tartaruga estrela indiana (Geochelone elegans) Tartaruga panqueca (Malacochersus tornieri) Tartaruga do Egipto (Testudo kleinmanni) Tartaruga espinhosa (Chelydra serpentina) Tartaruga aligator (Macroclemys temminckii) Lagarto dragão (Acanthodraco vitticeps) Camaleão pantera (Chamaeleo pardalis) Iguana rinoceronte (Cyclura cornuta) Iguana de Cuba (Cyclura nubila nubila) Iguana verde (Iguana iguana) Dragão do Komodo (Varanus komodoensis) Jibóia da Jamaica (Epicrates subflavus) Jibóia de Cuba (Epicrates angulifer) Sucuri amarela (Eunectes notaeus) Jibóia arborícola de Madagáscar (Sanzinia madagascariensis) Pitão da Birmânia (Python molurus bivittatus) Serpente rei de riscas (Lampropeltis alterna) Falsa cobra coral (Lampropeltis triangulum campbelli) Cobra preta (Naja melanoleuca) Naja indiana (Naja naja kaouthia) Cobra do cabo (Naja nivea) Cascavel diamante ocidental (Crotalus adamanteus) Cascavel atrox (Crotalus atrox) Cascavel sul-americana (Crotalus durissus terrificus) Cascavel vegrandis (Crotalus vegrandis) Víbora do Gabão (Bitis gabonica rhinoceros) Pitão de Boelen (Morelia boeleni) 77

96 QUADRO VIII Mamíferos do Jardim Zoológico de Lisboa cujas fezes foram submetidas a técnicas parasitológicas, para identificação de oocistos de Cryptosporidium spp. NOME (ESPÉCIE) Canguru de pescoço vermelho (Macropus rufogriseus) Lémure de cauda anelada (Lemur catta) Lémure de face branca (Lemur macaco albifrons) Lémure preto (Lemur macaco macaco) Lémure mangusto (Lemur mongoz) Lémure castanho (Varecia variegata rubra) Lémure de colar preto e branco (Lemur variegatus variegatus) Macaco uivador (Alouatta caraya) Macaco capuchinho (Cebus apella) Saki de face branca (Pithecia pithecia) Macaco Goeldi (Callimico goeldii) Saguim prateado (Callithrix argentata) Saguim de face branca (Callithrix geoffroyi) Mico leão de juba dourada (Leontopithecus rosalia chrysomelas) Mico leão dourado (Leontopithecus rosalia rosalia) Saguim de cabeça castanha (Saguinus fuscicollis) Saguim imperador (Saguinus imperator subgrisescens) Saguim de beiço branco (Saguinus labiatus labiatus) Saguim de mãos douradas (Saguinus midas midas) Saguim de mãos negras (Saguinus midas niger) Saguim cabeça de algodão (Saguinus oedipus oedipus) Macaco tarrafe (Cercopithecus aethiops sabeus) Macaco de cauda vermelha (Cercopithecus ascanius ascanius) Macaco de beiço branco (Cercopithecus cephus cephus) Macaco Diana (Cercopithecus diana diana) Macaco mona (Cercopithecus mona) Macaco de Brazza (Cercopithecus neglectus) Macaco de nariz branco (Cercopithecus petaurista petaurista) Colobo Guerezza (Colobus guereza kikuyuensis) Macaco do Japão (Macaca fuscata fuscata) Macaco cauda de leão (Macaca silenus) Babuíno da Guiné (Papio cynocephalus papio) Babuíno Hamadrias (Papio hamadryas hamadryas) Mandril (Papio sphinx) Langur de Douc (Pygathrix nemaeus nemaeus) Gorila (Gorilla gorilla gorilla) Gibão de mãos brancas (Hylobates lar) Siamango (Hylobates syndactylus) Chimpanzé (Pan troglodytes) Preguiça de dois dedos (Choloepus didactylus) Lobo ibérico (Canis lupus signatus) Feneca (Fennecus zerda) Raposa (Vulpes vulpes silacea) Urso do Tibete (Selenarctos thibetanus) Urso pardo (Ursus arctos) Chita (Acinonyx jubatus jubatus) Lince ibérico (Felis lynx lynx) Ocelote (Felis pardalis) Serval (Felis serval) Pantera nebulosa (Neofelis nebulosa) Leão de Angola (Panthera leo bleyenberghi) Jaguar (Panthera onca) Leopardo (Panthera pardus) Tigre da Sibéria (Panthera tigris altaica) Tigre de Sumatra (Panthera tigris sumatrae) Pantera das neves (Pantera uncia) Leão marinho da Califórnia (Zalophus californianus) Foca vitulina (Phoca vitulina) Elefante indiano (Elephas maximus indicus) Elefante africano (Loxodonta africana africana) Zebra de Grevy (Equus grevyi) Burro (Equus asinus) Pónei (Equus caballus) Rinoceronte branco (Ceratotherium simum simum) Rinoceronte indiano (Rhinoceros unicornis) Porco (Sus scrofa) Hipopótamo pigmeu (Choeropsis liberiensis liberiensis) Hipopótamo (Hippopotamus amphibius) Camelo (Camelus bactrianus bactrianus) Dromedário (Camelus dromedarius) Lama (Lama glama glama), Axis (Cervus axis axis) Veado do Canadá (Cervus elaphus canadensis) Veado da Birmânia (Cervus eldi thamin) Girafa de Angola (Giraffa camelopardalis angolensis) Cabra (Capra hircus hircus) Addax (Addax nasomaculatus) Impala de face negra (Aepyceros melampus petersi) Vaca do mato (Alcelaphus buselaphus caama) Muflão africano (Ammotragus lervia) Cervicapra (Antilope cervicapra) Bisonte americano (Bison bison bison) Iaque (Bos mutus grunniens) Gnu de cauda branca (Connochaetes gnou) Gnu azul (Connochaetes taurinus taurinus) Damalisco dorcas (Damaliscus dorcas dorcas) Palanca ruana (Hippotragus equinus) Palanca negra (Hippotragus niger niger) Cobo de crescente (Kobus ellipsiprymnus ellipsiprymnus) Cobo de leche (Kobus leche leche) Orix Cimitarra (Oryx dammah) Orix austral (Oryx gazella gazella) Orix da Arábia (Oryx leucoryx) Búfalo africano (Syncerus caffer caffer) Pacaça (Syncerus caffer nanus) Elande (Taurotragus oryx oryx) Niala (Tragelaphus angasi) Bongo (Tragelaphus eurycerus isaaci) Sitatunga (Tragelaphus spekei gratus) Cavalo de Timor (Tragelaphus strepsiceros strepsiceros)

97 II MATERIAL E MÉTODOS QUADRO IX Aves do Jardim Zoológico de Lisboa cujas fezes foram submetidas a técnicas parasitológicas, para identificação de oocistos de Cryptosporidium spp. NOME (ESPÉCIE) Faisão Lady Amherst (Chrysolophus amherstiae) Faisão dourado (Chrysolophus pictus) Faisão manchuriano azul (Crossoptilon aurtium) Faisão manchuriano do Tibete (Crossoptilon crossoptilon drouynii) Faisão siamês (Lophura diardi) Faisão de Edward (Lophura edwardsi) Faisão imperial (Lophura imperialis) Faisão Swinhoe (Lophura swinhoii) Faisão de Palawan (Polyplectron emphanum) Faisão de Germain (Polyplectron germaini) Faisão de Elliot (Syrmaticus ellioti) Faisão venerado (Syrmaticus reevesi) Faisão tragopan Satyr (Tragopan satyra) Faisão tragopan Temminck (Tragopan temminckii) Pombo da fruta de ventre laranja (Ptilinopus iozonus) Pombo da fruta de garganta preta (Ptilinopus leclancheri) Pombo da fruta soberbo (Ptilinopus superbus) Catatua pequena de crista amarela (Cacatua sulphurea sulphurea) Catatua de Leadbeater (Cacatua leadbeateri) Catatua galah (Elophus roseicapillus) Papagaio chuão (Amazona dufresniana rhodocorytha) Papagaio de face verde (Amazona viridigenalis) Arara maracanã (Ara maracana) Arara nanica (Ara nobilis nobilis) Jandaia ventre de fogo (Aratinga auricapilla aurifrons) Periquito dourado (Aratinga guarouba) Jandaia (Aratinga jandaya) Papagaio cabeça de falcão (Deroptyus accipitrinus accipitrinus) Papagaio eclectus (Eclectus roratus polychloros) Marianinha de cabeça branca (Pionites leucogaster) Papagaio de bico grosso (Rhynchopsitta pachyrhyncha) Turaco da costa dourada (Tauraco corythaix persa) Turaco de face branca (Tauraco leucotis leucotis) Turaco de bico preto (Tauraco schuetti) Turaco violeta (Musophaga violácea violacea) Turaco de Hartlaub (Tauraco hartlaubi) Kokaburra (Dacelo novaeguineae) As amostras fecais foram submetidas a técnicas parasitológicas, para o diagnóstico da criptosporidiose. Os isolados detectados foram, subsequentemente, sujeitos a caracterização genética, fazendo uso de técnicas de biologia molecular. A caracterização molecular foi, também, realizada em oito isolados, detectados por diagnóstico parasitológico, em igual número de animais, pertencentes a três espécies de Bovídeos (órix austral, órix da arábia e addax), cativos no Zoo de Lisboa. Estes isolados foram identificados, no âmbito de um estudo epidemiológico realizado entre Setembro de 1998 e Agosto de 1999, por Delgado (2000), na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, do IHMT, e encontravam-se conservados a 4ºC, em dicromato de potássio a 5%. Para além destes, foram, ainda, estudados três isolados pertencentes a duas espécies de Bovídeos (addax e elande) do Zoo de Lisboa, identificados por Isabel Fonseca, em 1996, que se encontravam armazenados em condições idênticas às acima descritas. 79

98 II MATERIAL E MÉTODOS 2. DIAGNÓSTICO PARASITOLÓGICO O diagnóstico parasitológico da criptosporidiose consistiu na observação de oocistos de Cryptosporidium spp. em esfregaços de fezes. Todas as amostras fecais, humanas e animais, recolhidas no âmbito do presente trabalho, foram sujeitas a um processo de concentração, a um método de coloração histoquímica dos esfregaços directo e concentrado e, subsequente, observação ao microscópio óptico. Todas as amostras de fezes em que foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp., foram diluídas em igual volume de dicromato de potássio a 5% e armazenadas a 4ºC. 2.1 CONCENTRAÇÃO DAS AMOSTRAS FECAIS A concentração das amostras de fecais foi efectuada segundo o método de sedimentação difásica de Ritchie modificado, adaptado de Casemore et al. (1985a). Num tubo de centrífuga cónico, com capacidade de 12 ml, foi ressuspendida uma alíquota de fezes, em 3 ml de água desionizada. Após a adição de 3 ml de éter e agitação vigorosa, a suspensão foi filtrada através de uma gaze para um novo tubo, com a finalidade de remover os detritos fecais de maior dimensão. Uma vez completado o volume final, com água desionizada, a amostra foi centrifugada a 400 g, durante cinco minutos. Depois de desprezada a fase etérea, o sobrenadante foi retirado para um tubo limpo, perfez-se o volume final com água desionizada e realizou-se nova centrifugação, desta vez a g, durante dez minutos. O sedimento, originado na primeira centrifugação, foi guardado, para posterior pesquisa de ovos, quistos e parasitas. Após a segunda centrifugação, o sobrenadante foi rejeitado e, com o sedimento resultante, prepararam-se dois esfregaços numa lâmina onde, inicialmente, se havia feito um esfregaço directo das fezes. Ambos os sedimentos foram conservados a 4ºC, a aguardar o resultado do diagnóstico parasitológico; em caso de diagnóstico positivo, foram submetidos a uma técnica de extracção de DNA (vide pág. 82). 2.2 COLORAÇÃO DIFERENCIAL O método de coloração histoquímica, utilizado para detecção de oocistos de Cryptosporidium spp., em esfregaços fecais, foi o Ziehl-Neelsen modificado. 80

99 II MATERIAL E MÉTODOS A técnica foi realizada com algumas pequenas alterações, relativamente à descrição de Casemore et al. (1985a). Assim, os esfregaços fecais, já secos, foram fixados com metanol, durante um minuto. Em seguida, foram corados com fucsina fénica (fucsina básica em pó 1% m/v, fenol cristalizado 5% m/v, álcool absoluto 10% v/v), por dez minutos e, após lavagem com água, foram descorados com álcool clorídrico a 1%, até à eliminação total do corante em excesso. Depois de nova lavagem com água, os esfregaços foram corados com verde de malaquite a 0,4%, durante 30 segundos e, de novo, lavados com água. Depois de secos, procedeu-se à sua observação ao microscópio óptico. 2.3 OBSERVAÇÃO MICROSCÓPICA Os esfregaços fecais corados foram observados num microscópio óptico Olympus BX51, com uma objectiva de 20, sendo a presença de oocistos confirmada com as objectivas de 40 e de imersão. A determinação da dimensão média dos oocistos, encontrados nalgumas amostras, foi efectuada, sempre que possível, com base na observação de 20 oocistos por cada amostra, com uma ampliação de 1000, através do programa Olympus DP-Soft 3.2. Por cada amostra de fezes foram observados dois esfregaços concentrados e um esfregaço directo. As amostras onde, no conjunto dos três esfregaços, se observaram dois ou mais oocistos, foram consideradas positivas. Nos casos em que apenas foi observado um oocisto, a presença de parasitas, na amostra, foi confirmada por reacção de PCR, aplicada ao gene SSU-rRNA, conforme descrito mais à frente (vide 4.1, pág. 85). A carga parasitária das fezes foi estimada, mediante um estudo quantitativo, por determinação da média do número de oocistos observados nos esfregaços directos, em 20 campos microscópicos, seleccionados ao acaso (quadro X). QUADRO X Quantificação da carga parasitária das amostras positivas para Cryptosporidium spp. CARGA PARASITÁRIA N.º OOCISTOS/CAMPO* I 1 a 5 II 6 a 10 III 11 a 15 IV >15 * Com a ampliação de 200 (ocular 10 e objectiva 20) 81

100 II MATERIAL E MÉTODOS 3. EXTRACÇÃO DE DNA GENÓMICO DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. O DNA genómico de todos os parasitas do género Cryptosporidium, identificados por diagnóstico parasitológico, foi isolado a partir dos oocistos presentes nas fezes. Este processo constituiu o ponto de partida para a realização da reacção de PCR e restantes técnicas de biologia molecular, que permitiram a caracterização dos organismos em estudo. O método utilizado, para a extracção do DNA de todos os isolados, foi o Mini- BeadBeater/Sílica. Nos casos em que a amplificação, por PCR, do DNA isolado daquele modo não foi conseguida, procedeu-se à execução de um segundo método de extracção, o KOH/Qiagen. Este último método foi, também, utilizado em todos os isolados trabalhados pela autora na Division of Parasitic Diseases, CDC, Atlanta, EUA. 3.1 PREPARAÇÃO DOS OOCISTOS PARA EXTRACÇÃO DE DNA Nas amostras com diagnóstico parasitológico positivo, os sedimentos, resultantes da primeira e segunda centrifugações do método de concentração de Ritchie modificado (vide 2.1, pág. 80), foram colocados num único tubo de centrífuga e submetidos a uma lavagem por ressuspensão em água desionizada e centrifugação a g, durante dez minutos. O sedimento resultante, com os oocistos concentrados, foi armazenado a 20ºC, aguardando a subsequente extracção de DNA. Os isolados que se encontravam conservados em dicromato de potássio a 5%, foram sujeitos ao método de concentração de Ritchie modificado, já descrito em 2.1. A lavagem dos dois sedimentos, descrita no parágrafo anterior, foi repetida por duas vezes, para eliminação do dicromato de potássio, que é um composto inibidor da reacção de PCR. 3.2 MÉTODO MINI-BEADBEATER/SILICA Esta técnica, adaptada de Boom et al. (1990) e de McLauchlin et al. (2000), consiste na lise mecânica dos oocistos, por agitação vigorosa com partículas de zircónio, seguida de um processo, que envolve a adsorção do DNA a partículas de sílica activada, a lavagem com um tampão e dois solventes orgânicos e, por fim, a eluição, em água desionizada estéril. 82

101 II MATERIAL E MÉTODOS Num microtubo de 2 ml, foram colocados 300 µl de suspensão de oocistos concentrados, 900 µl de tampão de lise (tiocianato de guanidina 7 M, Tris-HCl 50 mm [ph 6,4], EDTA 25 mm ph 8,0, Triton X-100 1,5% v/v), 60 µl de álcool isoamílico e 0,3 g de partículas de zircónio com 0,5 mm de diâmetro (Biospec Products). Após forte agitação, num aparelho Mini-BeadBeater (Biospec Products), e centrifugação durante 15 segundos a g, para sedimentação dos detritos fecais insolúveis e das partículas de zircónio, o sobrenadante foi transferido para um microtubo de 1,5 ml, ao qual haviam sido, previamente, adicionados 25 µl de uma solução aquosa de sílica activada (1%, ph 2,0). O sobrenadante e a sílica activada foram incubados, à temperatura ambiente, num agitador rotativo, a velocidade moderada e constante, durante 30 minutos. Em seguida, para sedimentar a sílica com o DNA adsorvido, foi efectuada uma centrifugação de 15 segundos, a g e desprezado o sobrenadante resultante. Posteriormente, foram realizadas cinco lavagens, duas com tampão de lavagem (tiocianato de guanidina 7 M, Tris-HCl 50 mm [ph 6,4]), duas com etanol a 80% a 20ºC e, por fim, uma com acetona. Cada lavagem consistiu na ressuspensão da sílica no tampão ou solvente apropriados, centrifugação a g, durante 10 segundos, e rejeição do sobrenadante resultante. Após a lavagem com acetona, a sílica sedimentada foi incubada a 55ºC, até completa evaporação daquele solvente. A eluição do DNA foi feita por ressuspensão da sílica em 50 µl de água desionizada estéril e incubação a 60ºC, durante cinco minutos. Após uma centrifugação a g, durante dois minutos, o sobrenadante, contendo o DNA genómico dos parasitas, foi transferido para um microtubo de 1,5 ml estéril e armazenado a 20ºC. 3.3 MÉTODO KOH/QIAGEN Este método baseia-se na lise inicial dos oocistos por choque álcali/ácido, seguida de extracção orgânica e posterior utilização do kit comercial QIAamp DNA Stool Mini Kit (Qiagen). Num microtubo de 1,5 ml foram centrifugados, a g, durante sete minutos, 300 µl de suspensão de oocistos concentrados. Após rejeição do sobrenadante, o sedimento foi ressuspendido em 133,2 µl de hidróxido de potássio (KOH) 1M e 37,2 µl de ditiotreitol (DTT) 1M e incubado a 65ºC, durante 15 minutos. Em seguida, foram adicionados 17,2 µl de ácido clorídrico (HCl) 25% e 320 µl de Tris-HCl 2M (ph 8.3), que foram vigorosamente 83

102 II MATERIAL E MÉTODOS agitados. Depois, adicionaram-se 500 µl de fenol:clorofórmio:álcool isoamílico (25:24:1) e, após suave agitação manual por inversão, a suspensão resultante foi centrifugada a g, durante cinco minutos. O sobrenadante foi recolhido para um microtubo de 2 ml, ao qual foi adicionado 1 ml de tampão ASL (Qiagen), seguindo-se incubação a 80ºC, durante cinco minutos. Após a adição de um comprimido Inhibitex (Qiagen) e imediata agitação até à ressuspensão completa do comprimido, a mistura foi deixada em repouso durante um minuto. De seguida, foi efectuada uma centrifugação de três minutos, a g. O sobrenadante resultante foi transferido para um microtubo de 2 ml limpo, ao qual foram adicionados 300 µl de tampão AL (Qiagen) e, após forte agitação, 800 µl de etanol absoluto. Depois de nova agitação, a solução obtida foi transferida para uma coluna QIAamp, colocada num tubo colector, em alíquotas máximas de 750 µl, e centrifugada a g, durante um minuto. Este passo foi repetido, até toda a solução ter passado pela coluna. Seguidamente, a coluna foi colocada num tubo colector limpo, foram-lhe adicionados 500 µl de tampão AW1 (Qiagen) e foi feita nova centrifugação a g, durante um minuto. A coluna foi, de novo, transferida para um tubo colector limpo, tendo-lhe sido adicionados 500 µl de tampão AW2 (Qiagen) e realizada nova centrifugação a g, durante três minutos. Por fim, a coluna foi transferida para um microtubo de 1,5 ml e, após adição de 50 µl de água desionizada estéril, foi a incubar a 70ºC, durante cinco minutos. Terminada a incubação, realizou-se uma centrifugação a g, durante um minuto, após o que a coluna foi removida e o microtubo, com o DNA, armazenado a 20ºC. 84

103 II MATERIAL E MÉTODOS 4. CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE ISOLADOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. A caracterização molecular dos isolados, de origem humana e animal, detectados pelo diagnóstico parasitológico, foi realizada com o propósito de determinar a sua espécie ou genótipo. O DNA de todos os isolados em estudo foi sujeito a amplificação, por reacção de PCR, aplicada aos loci genéticos COWP, TRAP-C1, DHFR e SSU-rRNA. Os fragmentos amplificados foram, posteriormente, submetidos a hidrólise por endonucleases de restrição (RFLP) tendo, a análise dos perfis de restrição resultantes, permitido identificar a espécie de cada isolado. Para cada gene estudado, foram seleccionados dois isolados pertencentes a cada uma das espécies de Cryptosporidium identificadas, nos quais, para confirmação do resultado da análise de RFLP, se procedeu à sequenciação dos fragmentos amplificados por PCR. Nos isolados detectados em gado bovino foi, ainda, determinada a sequência nucleotídica do fragmento do gene SSU-rRNA de todos os isolados pertencentes a animais de idade desconhecida ou superior a 15 dias, cujas PCR S dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 não foram bem sucedidas. No caso dos isolados dos animais do Jardim Zoológico não foi efectuada análise de RFLP, tendo a identificação do seu genótipo sido realizada por sequenciação do fragmento do gene SSU-rRNA amplificado por PCR. 4.1 AMPLIFICAÇÃO DE DNA GENÓMICO POR PCR A amplificação do DNA dos parasitas foi realizada por reacção de PCR, aplicada aos genes COWP [Spano et al., 1997b], TRAP-C1 [Spano et al., 1998a, 1998b], DHFR [Gibbons et al., 1998] e SSU-rRNA [Xiao et al., 1999a, 2000a]. No caso dos dois primeiros genes, a amplificação foi feita através de reacções de PCR simples, enquanto que, para os dois últimos, se efectuaram reacções de PCR nested. No quadro XI encontram-se descritas as sequências dos oligonucleótidos iniciadores utilizados na amplificação de cada gene, bem como a dimensão dos fragmentos amplificados. As reacções de PCR, efectuadas para os genes COWP, TRAP-C1 e DHFR, sofreram alguns ajustes, em relação ao descrito pelos autores referenciados, nomeadamente, ao nível da temperatura de ligação, dos tempos de ligação e de extensão, da concentração de cloreto de 85

104 II MATERIAL E MÉTODOS magnésio (MgCl 2 ) e de oligonucleótidos iniciadores e/ou da concentração da enzima DNA polimerase. QUADRO XI Oligonucleótidos iniciadores utilizados nas reacções de PCR GENE OLIGONUCLEÓTIDOS INICIADORES SEQUÊNCIA DIMENSÃO DO FRAGMENTO (pb) REFª COWP Cry.15 Cry.9 5 GTA GAT AAT GGA AGA GAT TGT G 3 5 GGA CTG AAA TAC AGG CAT TAT CTT G Spano et al., 1997b TRAP-C1 Et.E Et.W 5 GGA TGG GTA TCA GGT AAT AAG AA 3 5 CAA TTC TCT CCC TTT ACT TC Spano et al., 1998a DHFR 1ª PCR DHFR1 DHFR2 2ª PCR DHFR3 DHFR4 5 GTG GGG ATT TAA CTT GAT TT 3 5 GGT ATT TCT GGG AAA TAA GT 3 5 ATG AGT GAA AAG AAC GTT TC 3 5 CAC CCT TGT TAA GTA TAT TC Gibbons et al., 1998 SSU-rRNA 1ª PCR SSU1 SSU2 2ª PCR SSU3 SSU4 5 TTC TAG AGC TAA TAC ATG CG 3 5 CCC ATT TCC TTC GAA ACA GGA 3 5 GGA AGG GTT GTA TTT ATT AGA TAA AG 3 5 AAG GAG TAA GGA ACA ACC TCC A Xiao et al., 1999a, 2000a As reacções de amplificação dos genes COWP e TRAP-C1 foram efectuadas em volumes de 25 µl, contendo, em ambos os casos, 2,5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 2 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura dos desoxirribonucleótidos datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 20 pmol de cada um dos respectivos oligonucleótidos iniciadores (MWG Biotech), 0,75 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 2,5 a 7 µl de DNA genómico e água desionizada estéril, para perfazer o volume final. A amplificação do gene DHFR foi efectuada num volume de 50 µl, contendo a mistura reaccional da primeira PCR, 5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 2,5 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura de datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 20 pmol de cada oligonucleótido iniciador (MWG Biotech), 1,5 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 1 a 5 µl de DNA genómico e água desionizada estéril, para completar o volume final. A segunda PCR foi realizada com 1 µl do DNA amplificado na primeira reacção, sendo a mistura reaccional igual à primeira, com excepção da concentração de MgCl 2, que foi diminuída para 1,5 mm. 86

105 II MATERIAL E MÉTODOS A amplificação do gene SSU-rRNA foi efectuada num volume de 50 µl, contendo, a mistura reaccional da primeira PCR, 5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 6 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura de datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 10 pmol de cada oligonucleótido iniciador (MWG Biotech), 1,5 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 2,5 a 10 µl de DNA genómico e água desionizada estéril para perfazer o volume final. A segunda PCR foi realizada com 2 µl do DNA amplificado na primeira reacção, sendo a mistura reaccional igual à primeira, com excepção da concentração de MgCl 2, que foi diminuída para 3 mm. Em cada reacção de PCR foi incluído um tubo com uma amostra de DNA de Cryptosporidium spp. em condições óptimas de qualidade e concentração, para funcionar como controlo positivo da mistura reaccional, e um controlo negativo, como indicador da inexistência de contaminação por DNA exógeno onde, no lugar do DNA, foi adicionada água desionizada estéril. As reacções de amplificação foram efectuadas num termociclador T1 Thermocycler (Biometra) tendo, em todas elas, o passo de desnaturação inicial sido de dez minutos a 95ºC e o de extensão final de dez minutos a 72ºC. No quadro XII estão descritas as restantes condições de amplificação para cada um dos loci estudados. QUADRO XII Condições de amplificação do DNA, para os quatro genes estudados GENE CONDIÇÕES DE AMPLIFICAÇÃO N.º CICLOS Desnaturação 95ºC, 50 seg. COWP Ligação 55ºC, 30 seg 30 Extensão 72ºC, 45 seg Desnaturação 95ºC, 50 seg. TRAP-C1 Ligação 50ºC, 30 seg 40 Extensão 72ºC, 45 seg Desnaturação 95ºC, 45 seg. DHFR 1ª PCR Ligação 50ºC, 60 seg 30 Extensão 72ºC, 3 min. Desnaturação 95ºC, 45 seg. DHFR 2ª PCR Ligação 60ºC, 60 seg 30 Extensão 72ºC, 3 min. SSU-rRNA 1ª e 2ª PCR S Desnaturação Ligação Extensão 95ºC, 45 seg. 55ºC, 45 seg 72ºC, 60 seg 35 87

106 II MATERIAL E MÉTODOS 4.2 VISUALIZAÇÃO DO DNA AMPLIFICADO Os fragmentos de DNA amplificados, por PCR, foram submetidos a electroforese em gel de agarose SeaKem LE (FMC BioProducts) a 1,5% em tampão TAE (Tris-Acetato 0,04 M; EDTA 0,001 M; ph 8,3), onde foi incorporado brometo de etídio, numa concentração final de 0,5 µg/ml. Para além dos produtos de PCR, foi, ainda, submetido a electroforese um marcador de pesos moleculares conhecidos, o 100 bp ladder (Fermentas). Antes da aplicação no gel, cada produto de PCR foi preparado na proporção de 1 µl de tampão de aplicação (Fermentas), para 10 µl de DNA amplificado. No caso do marcador de pesos moleculares, a proporção foi de 1 µl de marcador, para 1 µl de tampão de aplicação (Fermentas) e 9 µl de água desionizada estéril. A migração foi efectuada a 60 volts (V), durante, aproximadamente, uma hora e 30 minutos. Os fragmentos de DNA amplificados foram visualizados sob luz ultravioleta (UV), por emissão de fluorescência do brometo de etídio intercalado no DNA, numa cabine Eagle Eye II (Stratagene). A imagem do gel foi fotografada e processada pelo software Still Video System (Stratagene). 4.3 HIDRÓLISE DO DNA AMPLIFICADO POR ENDONUCLEASES DE RESTRIÇÃO RFLP A determinação da espécie dos isolados de Cryptosporidium spp. foi realizada, para todos os genes estudados, por análise dos perfis de restrição do DNA amplificado, após a sua hidrólise com endonucleases de restrição. Os produtos de amplificação dos genes COWP e TRAP-C1 foram hidrolisados com a endonuclease RsaI. Em ambos os casos, a reacção de hidrólise foi feita num volume de 20 µl, contendo 2 µl de tampão de restrição 0 + (Fermentas), 5 U de RsaI (Fermentas), µl do DNA amplificado por PCR e água desionizada estéril, até completar o volume final. A incubação foi realizada a 37ºC, durante duas horas. O produto de amplificação do gene DHFR foi hidrolisado numa mistura reaccional de 25 µl, contendo 2,5 µl de tampão SuRE/Cut B (Boehringer Mannheim), 12,5 U da endonuclease BpuA1 (Boehringer Mannheim), µl de DNA amplificado e água desionizada estéril para perfazer o volume final. A incubação foi efectuada a 37ºC, durante duas horas. 88

107 II MATERIAL E MÉTODOS A hidrólise do produto de amplificação do gene SSU-rRNA foi efectuada por duas enzimas de restrição, a SspI e a VspI. Em ambos os casos, a mistura reaccional foi efectuada num volume de 25 µl, sendo a sua composição a seguinte: 2,5 µl de tampão G + (Fermentas) e 15 U de SspI (Fermentas) ou 2,5 µl de tampão 0 + (Fermentas) e 15 U de VspI (Fermentas), µl de DNA amplificado e água desionizada estéril para completar o volume final. A incubação foi efectuada a 37ºC, durante uma hora. Os produtos de hidrólise foram fraccionados por electroforese em gel de agarose a 1,8%, conforme descrito em 4.2, com excepção do volume de DNA hidrolisado aplicado, que foi de 15 µl. 4.4 PURIFICAÇÃO E SEQUENCIAÇÃO DOS FRAGMENTOS AMPLIFICADOS POR PCR Os produtos de PCR contêm sais, oligonucleótidos iniciadores e nucleótidos não incorporados, que interferem com a reacção de sequenciação, sendo necessário, antes da sua realização, proceder à remoção dos referidos compostos. Assim, os produtos de PCR a sequenciar foram purificados, através do kit comercial JETQUICK PCR Product Purification Spin Kit (Genomed). No caso das PCR nested, foram purificados os produtos da segunda reacção. De acordo com as instruções do fabricante, a 40 µl de produto de PCR foram adicionados 200 µl de solução H1 (Genomed) que, após forte agitação, foram transferidos para uma JETQUICK spin column (Genomed), já colocada num tubo colector. Depois de uma centrifugação a g, durante um minuto, o eluído foi rejeitado e a coluna colocada num novo tubo colector. Em seguida, foram-lhe adicionados 250 µl de solução de lavagem H2 (Genomed), anteriormente reconstituída, e foi realizada nova centrifugação a g, durante um minuto. Após rejeição do eluído, foi repetida a centrifugação anterior. Seguidamente, a coluna foi transferida para um microtubo de 1,5 ml, tendo-lhe sido adicionados 50 µl de água desionizada estéril, previamente aquecida a 60ºC. Por fim, a coluna foi a incubar a 60ºC, durante cinco minutos e, depois de uma centrifugação a g, durante dois minutos, a coluna foi eliminada e o produto de PCR purificado foi armazenado a 20ºC. Os produtos de PCR purificados foram enviados para o Laboratório de Sequenciação e Análise de Fragmentos, do Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia (ICAT), onde foram 89

108 II MATERIAL E MÉTODOS submetidos a reacção de sequenciação, resolvidos num sequenciador automático CEQ 2000XL (Beckman Coulter), com uma tecnologia de electroforese capilar em gel de poliacrilamida, e analisados pelo software CEQ 8000 Genetic Analysis System (Beckman Coulter). As sequências de DNA foram determinadas em ambos os sentidos, tendo sido obtida uma sequência consenso, por comparação das sequências directa e reversa. 4.5 ANÁLISE BIOINFORMÁTICA As sequências nucleotídicas consenso obtidas para os genes COWP, TRAP-C1, DHFR e SSU-rRNA foram analisadas através do programa Basic Local Alignment Search Tool (BLAST) (disponível em para verificar a sua semelhança com as sequências de Cryptosporidium spp. depositadas no GenBank ( e confirmar a identificação da espécie dos isolados obtida por RFLP. As sequências nucleotídicas do gene SSU-rRNA, obtidas para os isolados identificados nos animais do Jardim Zoológico, foram alinhadas com as de várias espécies e genótipos de Cryptosporidium disponíveis no GenBank ( para o mesmo gene, com recurso ao programa ClustalX [Thompson et al., 1997]. Através do programa TreeconW [van de Peer e de Wachter, 1994] e do método neighbour-joining, foi construída uma árvore filogenética, tendo por base distâncias genéticas, calculadas pelo modelo de dois parâmetros de Kimura. Como grupo externo ( outgroup ), foi utilizada uma sequência do gene SSU-rRNA de Eimeria tenella (GenBank n.º AF026388). Os valores de confiança, para os ramos individuais da árvore, foram determinados por análise de bootstrap com réplicas. 90

109 II MATERIAL E MÉTODOS 5. CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR INTRA-ESPECÍFICA DE C. PARVUM E C. HOMINIS A avaliação da variabilidade intra-específica e a determinação dos alelos e subtipos de todos os isolados humanos e animais pertencentes às espécies C. hominis e C. parvum foram realizadas através de duas abordagens distintas. A primeira envolveu a caracterização de um locus com um microssatélite (STR), através da técnica de análise de fragmentos por metodologia fluorescente, e a segunda a amplificação e sequenciação de um fragmento do gene GP60 e subsequente análise filogenética. 5.1 ANÁLISE DE MICROSSATÉLITES A caracterização intra-específica de C. parvum e C. hominis, através da análise de microssatélites, foi efectuada por amplificação do locus ML2 (GenBank n.º AF344880), que apresenta uma unidade de repetição (AG) n, seguida de análise dos fragmentos amplificados por metodologia fluorescente, para identificação dos alelos exibidos pelos isolados. A caracterização do locus ML2 foi realizada, apenas, em 32 isolados humanos (11 C. hominis e 21 C. parvum) e em 46 isolados bovinos, pertencentes à espécie C. parvum. À reacção de PCR, inicialmente, descrita por Cacciò et al. (2001), foram feitos pequenos ajustes na concentração dos oligonucleótidos iniciadores, na temperatura de ligação e na adição de dimetilsulfóxido (DMSO). Os oligonucleótidos iniciadores utilizados apresentavam a seguinte sequência [Cacciò et al., 2001]: M15: 5 CAA TGT AAG TTT ACT TAT GAT TAT 3 M16-D2: 5 (D2)CGA CTA TAA AGA TGA GAG AAG 3 O oligonucleótido iniciador M16 foi sintetizado pela Proligo Primers & Probes, com o fluorocromo D2 incorporado na extremidade 5 ; este fluorocromo é específico para utilização em equipamentos Beckman Coulter. O oligonucleótido iniciador M15 e, também, o M16 não marcado (utilizado na reacção de PCR que precedeu a sequenciação de alguns fragmentos) foram sintetizados pela MWG Biotech. Os fragmentos amplificados apresentavam dimensões entre 176 e 239 pb, dependendo do número de repetições da unidade AG presentes. 91

110 II MATERIAL E MÉTODOS A reacção de amplificação foi efectuada num volume de 25 µl, contendo 2,5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 1,5 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura de datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 30 pmol de cada oligonucleótido iniciador (M15 e M16-D2), 0,75 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 1 a 7,5% de DMSO, entre 2,5 a 5 µl de DNA genómico e água desionizada, estéril para completar o volume final. A amplificação foi realizada num termociclador T1 Thermocycler (Biometra). A uma desnaturação inicial de dez minutos a 95ºC, seguiram-se 40 ciclos de 30 segundos a 95ºC, 30 segundos a 52ºC e um minuto a 72ºC e uma extensão final de dez minutos a 72ºC. Os fragmentos amplificados foram visualizados, por electroforese em gel de agarose, a 1,5%, conforme descrito em 4.2. Os produtos de PCR marcados com o fluorocromo D2, foram enviados para o Laboratório de Sequenciação e Análise de Fragmentos, do ICAT, para determinação da sua dimensão, através da análise de fragmentos por metodologia fluorescente. Cada amostra foi sujeita a electroforese capilar em gel de poliacrilamida, em condições desnaturantes, juntamente com um padrão interno de pesos moleculares definidos, o CEQ DNA size standard 400 (Beckman Coulter), num sequenciador automático CEQ 2000XL (Beckman Coulter). Os sinais de fluorescência, emitidos pelos fragmentos marcados e pelo padrão interno, foram analisados pelo software CEQ 8000 Genetic Analysis System (Beckman Coulter), que calculou a dimensão dos fragmentos amplificados, por PCR, permitindo, assim, a identificação dos alelos exibidos pelos parasitas em estudo. Por cada alelo identificado, foram seleccionados dois isolados, cujo produto de PCR foi, posteriormente, sequenciado, com o propósito de confirmar a dimensão dos alelos obtida pela análise de fragmentos. Na PCR de confirmação foi utilizado um oligonucleótido iniciador M16, sem a marcação com o fluorocromo D2. A purificação do DNA amplificado e a sequenciação foram efectuadas, conforme descrito em

111 II MATERIAL E MÉTODOS 5.2 CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DO GENE GP60 A caracterização genética do locus GP60 foi realizada através da sua amplificação por PCR, seguida de sequenciação, alinhamento das sequências obtidas e construção de uma árvore filogenética, que permitiu visualizar a distribuição dos diferentes subtipos do gene GP60, nos isolados de C. parvum e C. hominis de humanos e de outros animais. Esta componente do presente trabalho foi parcialmente realizada, pela autora, na Division of Parasitic Diseases, CDC, Atlanta, EUA, em particular a amplificação e sequenciação do gene GP60 num grupo de 61 isolados de humanos e de outros animais e toda a análise bioinformática das sequências obtidas. Os restantes isolados foram caracterizados na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e outras Protozooses, no IHMT AMPLIFICAÇÃO DE DNA GENÓMICO POR PCR A amplificação de um fragmento do gene GP60 foi efectuada através de dois procedimentos de PCR nested a que chamámos GP60 1 e GP60 2. O primeiro GP60 1 foi aplicado a todos os isolados em estudo e o segundo GP60 2, utilizando novos oligonucleótidos iniciadores reversos, apenas nos isolados em que a amplificação pelo primeiro procedimento não foi conseguida. No quadro XIII encontram-se detalhadas as sequências dos oligonucleótidos iniciadores utilizados em ambos os casos. A dimensão dos fragmentos amplificados é bastante variável, uma vez que a região genómica alvo é muito polimórfica, devido à presença dum STR com uma unidade de repetição (TCA) n. QUADRO XIII Oligonucleótidos iniciadores utilizados nas reacções de amplificação do gene GP60 OLIGONUCLEÓTIDOS PROCEDIMENTO INICIADORES SEQUÊNCIA DIMENSÃO DO FRAGMENTO (pb) REFª GP60 1 1ª PCR AL3531 AL3535 2ª PCR AL3532 AL ATA GTC TCC GCT GTA TTC 3 5 GGA AGG AAC GAT GTA TCT 3 5 TCC GCT GTA TTC TCA GCC 3 5 GCA GAG GAA CCA GCA TC Peng et al., 2001 GP60 2 1ª PCR GP60 F1 GP60 R1 2ª PCR GP60 F2 GP60 R2 5 ATA GTC TCC GCT GTA TTC 3 5 GAG ATA TAT CTT GGT GCG 3 5 TCC GCT GTA TTC TCA GCC 3 5 CGA ACC ACA TTA CAA ATG AAG T Zhou et al.,

112 II MATERIAL E MÉTODOS O procedimento de amplificação GP60 1 foi efectuado num volume de 50 µl, contendo a mistura reaccional da primeira PCR, 5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 3 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura de datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 10 pmol de cada oligonucleótido iniciador (MWG Biotech), 1,5 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 5 a 10 µl de DNA genómico e água desionizada estéril para perfazer o volume final. A segunda PCR foi realizada com 1,5 µl do DNA amplificado na primeira reacção, sendo a mistura reaccional igual à primeira. O procedimento de amplificação GP60 2 foi efectuado num volume de 50 µl, contendo a mistura reaccional da primeira PCR, 5 µl de 10 tampão de reacção (160 mm (NH 4 ) 2 SO 4, 670 mm Tris-HCl [ph 8,8], 0,1% Tween-20) (Bioline), 1,5 mm de MgCl 2 (Bioline), 0,8 mm de uma mistura de datp, dctp, dgtp e dttp (Promega), 10 pmol de cada oligonucleótido iniciador (MWG Biotech), 0,02 mg de albumina do soro bovino ou BSA (sigla anglosaxónica para bovine serum albumin ) (Sigma-Aldrich), 1,5 U de Biotaq DNA Polymerase (Bioline), entre 5 a 10 µl de DNA genómico e água desionizada estéril, para perfazer o volume final. A segunda PCR foi realizada com 3 µl do DNA amplificado na primeira reacção, sendo a mistura reaccional igual à primeira, com excepção da BSA, que foi excluída. Em cada reacção de PCR foi incluído um tubo com uma amostra de DNA, em condições óptimas de qualidade e concentração, para funcionar como controlo positivo da mistura reaccional, e um controlo negativo, como indicador da inexistência de contaminação, por DNA exógeno, onde, no lugar do DNA, foi adicionada água desionizada estéril. As reacções de amplificação foram efectuadas num termociclador T1 Thermocycler (Biometra), tendo, em todas, o passo de desnaturação inicial sido de dez minutos a 95ºC e o de extensão final de dez minutos a 72ºC. No quadro XIV estão descritas as restantes condições de amplificação dos fragmentos do gene GP60. Os fragmentos de DNA amplificados por PCR foram submetidos a electroforese em gel de agarose a 1,5%, conforme descrito em

113 II MATERIAL E MÉTODOS QUADRO XIV Condições de amplificação do DNA, para o gene GP60 PROCEDIMENTO CONDIÇÕES DE AMPLIFICAÇÃO N.º CICLOS GP60 1 1ª PCR/2ª PCR Desnaturação Ligação Extensão 95ºC, 45 seg. 50ºC, 45 seg 72ºC, 60 seg 35 Desnaturação 95ºC, 45 seg. GP60 2 1ª PCR Ligação 47ºC, 45 seg 35 Extensão 72ºC, 60 seg. Desnaturação 95ºC, 45 seg. GP60 2 2ª PCR Ligação 50ºC, 45 seg 35 Extensão 72ºC, 60 seg O grupo de amostras, caracterizadas no CDC, compreendeu 20 isolados de C. parvum e de C. hominis de origem humana, 32 de origem bovina e nove de ruminantes silváticos. A amplificação, por PCR, do gene GP60, foi efectuada segundo o procedimento GP60 1, nas condições já descritas. A reacção de amplificação foi efectuada num termociclador GeneAmp PCR System 9700 (Perkin Elmer) [Alves et al., 2003b] PURIFICAÇÃO E SEQUENCIAÇÃO DOS FRAGMENTOS AMPLIFICADOS POR PCR O procedimento adoptado com o propósito de sequenciar os fragmentos do gene GP60, amplificados por PCR, foi distinto para as amostras estudadas no CDC e no IHMT. O trabalho desenvolvido no CDC foi realizado conforme a descrição que se segue. Os fragmentos do gene GP60 amplificados foram purificados através do Microcon-PCR Centrifugal Filter Devices (Amicon, Millipore), conforme as instruções do fabricante: a um filtro (Amicon, Millipore) colocado num microtubo de 1,5 ml (Amicon, Millipore), foram adicionados 460 µl de água desionizada estéril e o produto de PCR a purificar. Depois de fechado, o tubo com o filtro foi a centrifugar a g, durante 15 minutos. Em seguida, foram adicionados ao filtro 20 µl de água desionizada estéril, pré-aquecida a 70ºC. Após um minuto de repouso, à temperatura ambiente, o filtro foi invertido, colocado num novo microtubo e centrifugado a g, durante dois minutos. Por fim, o filtro foi eliminado e o tubo com o produto de PCR purificado armazenado a 20ºC. Para cada fragmento do gene GP60, amplificado e purificado, foram realizadas duas reacções de sequenciação, uma no sentido directo e outra no sentido reverso. Em cada uma 95

114 II MATERIAL E MÉTODOS destas reacções foi utilizado, apenas, um dos oligonucleótidos iniciadores (AL3532 ou AL3534), resultando na amplificação de apenas uma das cadeias do DNA alvo. A reacção de sequenciação foi preparada, segundo o método ABI PRISM BigDye Terminator Cycle Sequencing Ready Reaction Kit (Applied Biosystems). Em cada mistura reaccional foram adicionados 4 µl de Terminator Ready Reaction Mix, composta por quatro didesoxirribonucleótidos terminadores marcados com quatro fluorocromos diferentes ( A- Dye Terminator, C-Dye Terminator, G-Dye Terminator e T-Dye Terminator ), quatro desoxirribonucleótidos (datp, dctp, ditp e dutp), AmpliTaq DNA Polymerase FS, MgCl 2, e Tris-HCl buffer, ph 9.0 (Applied Biosystems), 4 µl de 5 tampão de sequenciação (Applied Biosystems), 1,5 µl de produto de PCR purificado, 2 µl de um dos oligonucleótidos iniciadores e água desionizada estéril para completar um volume final de 20 µl. As reacções de sequenciação foram realizadas num termociclador GeneAmp PCR System 9700 (Perkin Elmer), durante 25 ciclos de 10 segundos a 96ºC, 5 segundos a 50ºC e quatro minutos a 60ºC. Os produtos de sequenciação foram, posteriormente, purificados de sais e dos oligonucleótidos iniciadores, didesoxirribonucleótidos terminadores e desoxirribonucleótidos não incorporados que interferem com a electroforese capilar. Para tal, foi utilizado o kit comercial Centri-Sep Columns (Princeton Separations), de acordo com a descrição que se segue: para hidratar a resina da coluna, foram-lhe adicionados 800 µl de água desionizada estéril e, após forte agitação, esta foi deixada a repousar durante uma hora, à temperatura ambiente. Depois, retiraram-se as tampas superior e inferior da coluna que foi, em seguida, colocada num tubo de recolha a eluir, durante 15 minutos. Após eliminação do eluído, foi efectuada uma centrifugação de três minutos a 750 g e a coluna foi transferida para um microtubo de 1,5 ml. O produto da sequenciação foi adicionado à coluna, tendo, em seguida, sido realizada nova centrifugação a 750 g, durante três minutos. Por fim, a coluna foi eliminada e o eluído concentrado num Vacufuge Concentrator 5301 (Eppendorf), até completa evaporação do solvente. Os produtos de sequenciação purificados e concentrados foram ressuspendidos em 15 µl de formamida ABI PRISM Hi-Di (Applied Biosystems). Em seguida, foram colocados numa microplaca MicroAmp Optical 96-well Reaction Plate (Applied Biosystems), tapados com uma tampa 96-Well Septa (Applied Biosystems), submetidos a 94ºC, durante três minutos, num termociclador GeneAmp PCR System 9700 (Perkin Elmer) e, de imediato, congelados a 20ºC. 96

115 II MATERIAL E MÉTODOS A resolução dos produtos de sequenciação foi realizada num sequenciador automático ABI PRISM 3100 Genetic Analyzer (Applied Biosystems), por electroforese capilar, numa matriz de polímero POP4 (Applied Biosystems). A recolha e o processamento dos resultados da electroforese foi efectuada pelos programas ABI PRISM 3100 Genetic Analyzer Data Collection Software e DNA Sequencing Analysis Software (Applied Biosystems). Os cromatogramas, com as sequências directa e reversa, de cada fragmento sequenciado, foram comparados, através do programa AutoAssembler 2.0 (Applied Biosystems) e, após a correcção manual de alguns erros nas sequências directa e/ou reversa, foi obtida uma sequência consenso, para cada fragmento do gene GP60 amplificado. Os fragmentos do gene GP60, amplificados na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, foram purificados, através do JETQUICK PCR Product Purification Spin Kit (Genomed), conforme descrito em 4.4, e enviados para o Laboratório de Sequenciação e Análise de Fragmentos, do ICAT, onde foram sequenciados, num sequenciador automático CEQ 2000XL (Beckman Coulter) e analisados pelo software CEQ 8000 Genetic Analysis System (Beckman Coulter). As sequências de DNA foram determinadas em ambos os sentidos, tendo sido obtida uma sequência consenso, por comparação das sequências directa e reversa ANÁLISE BIOINFORMÁTICA As sequências nucleotídicas consenso do fragmento do gene GP60, de todos os isolados de C. hominis e de C. parvum estudados e de outras disponíveis no GenBank ( para o mesmo gene e os mesmos parasitas, foram alinhadas através do programa ClustalX [Thompson et al., 1997]. Ao alinhamento resultante, foram efectuados alguns acertos manuais, de forma a eliminar algumas ambiguidades. A partir deste alinhamento final, foi construída uma árvore filogenética, através do programa TreeconW [van de Peer e de Wachter, 1994] e do método neighbour-joining, tendo por base distâncias genéticas calculadas, pelo modelo de dois parâmetros de Kimura. Os valores de confiança, para os ramos individuais da árvore, foram determinados, por análise de bootstrap com réplicas. 97

116 Capítulo III INFECÇÃO POR CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH 98

117 III CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH 1. INTRODUÇÃO O sintoma gastrenterológico mais comum entre os indivíduos infectados por VIH é a diarreia. Nestes doentes, a criptosporidiose destaca-se como uma das infecções oportunistas mais vezes associada a esta sintomatologia [Call et al., 2000]. No primeiro trabalho realizado em Portugal sobre a criptosporidiose em doentes infectados por VIH, da autoria de Antunes et al. (1990), a percentagem encontrada para esta parasitose foi de 13,4% (15/112). Num outro estudo, efectuado por Tomás et al. (1992), envolvendo 268 doentes infectados por VIH, no período entre 1988 e 1991, foi documentada a percentagem de infecção por Cryptosporidium spp. de 10% (27/268). Em 1998, Matos et al. publicaram um trabalho sobre a prevalência da criptosporidiose em doentes com infecção por VIH e diarreia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Este trabalho abrangeu um período de nove anos e meio, compreendido entre o início de 1988 e Maio de 1997, tendo a prevalência de criptosporidiose encontrada sido de 8% (36/465). Já no período pós-haart, entre 1999 e 2001, o mesmo grupo de trabalho encontrou, numa população semelhante, uma percentagem de infecção por Cryptosporidium spp. de 9,7% (16/195) [Matos et al., 2002]. Este último trabalho não confirmou a regressão do número de casos de criptosporidiose nos doentes com infecção por VIH, na era pós-haart, observada e descrita por diversos autores [Ives et al., 2001; Maggi et al., 2005; Pozio e Morales 2005]. No presente trabalho foi determinada a percentagem da criptosporidiose em doentes com infecção por VIH e sintomatologia gastrintestinal, num período de cerca de três anos e meio, com início em Junho de 2001 e fim em Janeiro de RESULTADOS O diagnóstico parasitológico das amostras fecais dos 217 doentes com infecção por VIH revelou que 18 se encontravam parasitados com organismos do género Cryptosporidium spp., o que corresponde a uma percentagem da criptosporidiose nesta população de 8,3%. À excepção de um doente, todos os outros apresentavam diarreia (duas ou mais dejecções aquosas diárias), por altura do diagnóstico de criptosporidiose (vide capítulo V, quadro XIX). 99

118 III CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH Entre os 18 doentes parasitados, 16 eram adultos com idades compreendidas entre os 24 e os 58 anos e, os dois restantes, eram crianças de sete e 11 anos, ambas do sexo masculino, assim como 13 (81,25%) dos adultos. Apenas três dos adultos eram do sexo feminino (18,75%) (vide capítulo V, quadro XIX). Relativamente à categoria de transmissão de VIH, nove (56,25%) dos adultos eram heterossexuais, seis (37,5%) eram toxicodependentes e um (6,25%) era homossexual. As crianças adquiriram a infecção por VIH por transmissão vertical (vide capítulo V, quadro XIX). Nos adultos, os valores de linfócitos TCD4 + variaram entre 0 e 125 céls/mm 3, tendo, em 75% dos casos, sido inferiores a 50 céls/mm 3 (quadro XV). A criança de sete anos apresentava imunossupressão moderada, com percentagem de linfócitos TCD4 + de 19% (213 céls/mm 3 ), enquanto que a de 11 anos exibia imunossupressão grave, com percentagem de linfócitos TCD4 + inferior a 15% (39 céls/mm 3 ). Onze dos 18 doentes com criptosporidiose não se encontravam a fazer terapêutica anti-retroviral, apresentando, todos eles, valores de linfócitos TCD4 + inferiores a 42 céls/mm 3. QUADRO XV Valores de linfócitos TCD4 + apresentados pelos doentes adultos com criptosporidiose LINFÓCITOS TCD4 + (céls/mm 3 ) N.º DOENTES Desconhecido 1 A carga parasitária, presente nas fezes dos doentes com criptosporidiose, foi de nível I, nível II e nível IV (vide Material e Métodos, quadro X) em 27,8% (5/18) dos casos e de nível III nos restantes 16,6% (3/18) (vide capítulo V, quadro XIX). Dois dos cinco doentes com carga parasitária de nível I apresentavam fezes de consistência pastosa. Não foi observada qualquer correlação entre a quantidade de oocistos excretados e os valores de linfócitos TCD4 +. Dos 18 casos de infecção por parasitas do género Cryptosporidium, um foi encontrado em associação com Giardia lamblia, seis com Microsporídia e um com Giardia lamblia e Microsporídia (vide capítulo V, quadro XIX). 100

119 III CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH Os oocistos identificados, no diagnóstico parasitológico, apresentavam forma esférica a ovalada e dimensão média de 4,68 4,28 µm. Na figura 8 podem observar-se oocistos de Cryptosporidium spp., num esfregaço fecal, corado pelo método de Ziehl-Neelsen modificado. FIGURA 8 Fotografia de oocistos de Cryptosporidium spp., em esfregaço fecal, corado pelo Ziehl- Neelsen modificado ( 1000). Original da autora 3. DISCUSSÃO No presente trabalho foi encontrada uma percentagem de criptosporidiose, em doentes com infecção por VIH e sintomatologia gastrintestinal, de 8,3%. Este valor revela diminuição em relação aos 9,7% (16/165) encontrados por Matos et al. (2002), na era pós-haart, entre 1999 e Contudo, apesar desta diminuição, a percentagem encontrada é semelhante aos 8% (36/465) descritos no Hospital de Santa Maria, durante o período pré-haart de 1988 a 1997 [Matos et al., 1998]. Em trabalhos publicados recentemente, em doentes com infecção por VIH e diarreia, durante a era pós-haart, foram documentadas prevalências de 20,6% (35/170), em Cuba, durante o ano de 1999 [Paz et al., 2003], de 19,7% (29/147), em Lima, no Peru, entre 1998 e 2000 [Cárcamo et al., 2005] e de 12,8% (20/156), em Nonthaburi, na Tailândia, em 2001 [Saksirisampant et al., 2002]. Na cidade de Bogotá, na Colômbia, a prevalência de criptosporidiose, em doentes com infecção por VIH e sintomatologia 101

120 III CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH gastrintestinal, foi de 10,4% (12/115) [Flórez et al., 2003]. No Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e de Uberlândia, os valores encontrados, de co-infecção Cryptosporidium spp./vih, foram, respectivamente, de 9,3% (7/75), no período [Ribeiro et al. 2004] e de 4% (4/100), entre 2001 e 2002 [Silva et al., 2005]. Para além do facto de as populações estudadas nem sempre serem comparáveis, esta diversidade de valores pode ser explicada, entre outros factores, pelas diferentes condições económicas, culturais e higio-sanitárias existentes nas diversas cidades, pelas diferentes taxas de implementação da HAART e/ou pela utilização de diferentes métodos de diagnóstico. A comparação dos resultados obtidos, no presente trabalho, com os descritos por Matos et al. (2002) mostram que, a partir de 2001, se verificou diminuição do número de casos de criptosporidiose, observados na população com infecção por VIH e sintomatologia gastrenterológica. Esta diminuição pode encontrar justificação no decréscimo do número de casos de SIDA, diagnosticados em Portugal desde 2000, em consequência do efeito da HAART no atraso da progressão da infecção por VIH para SIDA [Antunes e Doroana, 2003; Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, 2005]. Desde a introdução da terapêutica HAART, em 1996, que diversos autores têm descrito, nos países industrializados, diminuição acentuada da ocorrência da criptosporidiose, em doentes infectados por VIH. Num estudo que envolveu seropositivos para VIH, da Austrália e de dez países europeus (Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Noruega, Espanha, Suíça, Holanda e Reino Unido), Babiker et al. (2005) compararam a taxa de ocorrência da criptosporidiose enquanto doença definidora de SIDA nos períodos e , tendo os valores encontrados sido de 3.1% e 0,2%, respectivamente. Numa investigação efectuada num hospital em Londres foi observado, após introdução da HAART, decréscimo da incidência da criptosporidiose, em indivíduos com infecção por VIH, que, tendo sido de 1,1% no período de 1988 a 1995, passou para 0,3%, entre 1996 e 1998 [Miao et al., 2000]. Num hospital associado à Universidade do Alabama, nos EUA, Call et al. (2000) observaram diminuição da incidência da criptosporidiose, como causa de diarreia em doentes com SIDA, de 2%, na era pré- HAART, para 0,3%, na era pós-haart, em consequência da melhoria da função imunológica dos doentes, por acção da terapêutica anti-retroviral potente. O facto de 61% (11/18) dos doentes com criptosporidiose não estarem sob a acção da terapêutica anti-retroviral, pode justificar os valores baixos de linfócitos TCD4 +. Com excepção da criança de sete anos, que apresentava imunossupressão moderada, os restantes 102

121 III CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM DOENTES INFECTADOS POR VIH doentes, com valores de linfócitos TCD4 + conhecidos, apresentavam valores inferiores a 125 céls/mm 3 e 86,7% (13/15), destes, exibiam valores iguais ou inferiores a 50 céls/mm 3. A relação entre a diarreia por Cryptosporidium spp. e os valores de linfócitos TCD4 + tem sido documentada por diversos autores [Blanshard et al., 1992; Flanigan et al., 1992]. Num estudo efectuado num hospital de Londres, entre 2000 e 2001, a criptosporidiose foi considerada a principal causa de diarreia em doentes com SIDA, com contagens de linfócitos TCD4 + inferiores a 200 céls/mm 3, tendo sido diagnosticada em 12% destes doentes. Naqueles com contagens entre céls/mm 3 e superiores a 350 céls/mm 3, a percentagem de infectados por Cryptosporidium spp. foi de 2,6% e 1,4%, respectivamente [Datta et al., 2003]. Noutro estudo, na cidade de Uberlândia, no Brasil, todos os doentes com infecção por VIH e criptosporidiose apresentavam valores de linfócitos TCD4 + entre 8 e 49 céls/mm 3. Nenhum destes doentes estava sob terapêutica anti-retroviral [Silva et al., 2005]. No trabalho realizado por Matos et al. (1998), a categoria de transmissão de VIH mais representada, entre os doentes com infecção por Cryptosporidium spp., foi a dos heterossexuais (36%), seguida da dos homossexuais (33%) e da dos toxicodependentes (6%). No presente trabalho, observou-se um aumento do número dos casos de criptosporidiose nas categorias dos heterossexuais (56,25%) e dos toxicodependentes (37,5%) e um decréscimo na categoria dos homossexuais (6,25%). Estes valores acompanham o padrão epidemiológico verificado, anualmente, desde 2000, em que se tem registado um aumento do número de casos de SIDA, resultantes da transmissão heterossexual de VIH e diminuição naqueles de transmissão homossexual. Para os períodos e , a categoria da transmissão heterossexual, totalizou, respectivamente, 26,9% e 40,9% dos casos de SIDA em Portugal, enquanto que na categoria da transmissão homossexual, os casos de SIDA constituíam, respectivamente, 17,3% e 7,3% dos casos totais de SIDA [Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, 2005]. 103

122 Capítulo IV INFECÇÃO POR CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS 104

123 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS 1. INTRODUÇÃO A criptosporidiose animal tem a sua maior expressão nos animais domésticos de importância económica, particularmente bovinos, ovinos e caprinos. Todavia, alguns autores têm chamado a atenção para o potencial zoonótico dos parasitas excretados, não só pelos animais de companhia, que se encontram em contacto estreito com os seus donos, mas, também, pelos animais silváticos, que, muitas vezes, partilham o habitat com o Homem e com os animais domésticos. Os animais de companhia, principalmente os cães e os gatos, são, na sociedade actual, presença frequente em muitos lares, contribuindo para o bem-estar físico, emocional e social dos seus donos. Contudo, nos últimos anos, tem aumentado a preocupação com o risco que constitui, para a saúde humana, a presença destes animais no ambiente doméstico. Esta preocupação assenta no facto de alguns dos agentes causadores de doença nos cães e nos gatos poderem ser, também, responsáveis por infecções no Homem, sobretudo em populações mais susceptíveis, como as crianças e os imunodeficientes. Os parasitas do género Cryptosporidium constituem um dos vários agentes zoonóticos capazes de provocar doença, tanto em animais de companhia, como no Homem. De facto, encontram-se descritos, por diversos autores, casos de infecção por C. felis e C. canis em infectados por VIH e em crianças [Pieniazek et al., 1999; Pedraza-Díaz et al., 2001a; Xiao et al., 2001a; Alves et al., 2003b; Matos et al., 2004]. No entanto, até à data, não se encontra documentado nenhum caso de transmissão de C. felis ou C. canis ao Homem em consequência do contacto directo com estes animais. Assim, o papel destes animais, como reservatórios da infecção para o Homem, permanece, ainda, desconhecido. Os animais silváticos são, também, susceptíveis à infecção por parasitas do género Cryptosporidium, embora, na maioria dos casos, esta seja assintomática, particularmente nos animais adultos. A espécie C. parvum, uma das principais responsáveis pela criptosporidiose no Homem e em gado doméstico, tem sido encontrada, entre outros, em artiodáctilos, carnívoros e pequenos mamíferos (roedores e insectívoros) de vida livre. Nestes últimos foram, ainda, descritas infecções devidas a C. muris [Chalmers et al., 1997; Deng e Cliver, 1999; Sturdee et al., 1999; Dall Olio e Franco, 2004]. Alguns autores têm sugerido uma possível implicação dos animais silváticos de vida livre na dispersão de oocistos no ambiente, na contaminação 105

124 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS dos recursos hídricos e, consequentemente, no aparecimento de alguns casos esporádicos de criptosporidiose humana [Chalmers et al., 1997; Quy et al., 1999; Torres et al., 2000; Dall Olio e Franco, 2004]. A infecção por parasitas do género Cryptosporidium tem, igualmente, sido descrita em animais silváticos, em cativeiro, nomeadamente em mamíferos, répteis e aves [Lindsay et al., 1991; Majewska et al., 1997; Gómez et al., 2000; Graczyk e Cranfield, 2000]. No período compreendido entre Setembro de 1998 e Agosto de 1999, Delgado (2000), estudou 388 amostras fecais, pertencentes a animais de 34 espécies de ruminantes artiodáctilos, do Jardim Zoológico de Lisboa, tendo, em 2,1% (8/388), observado oocistos de Cryptosporidium spp.. Cinco das oito amostras fecais, com oocistos deste parasita, pertenciam a animais entre os dois e os 30 dias de vida. Tendo por base este trabalho, e decorridos dois anos e meio sobre o mesmo, decidimos investigar a situação, alargando o grupo de animais estudados, não só a outros mamíferos, como, também, a répteis e a aves. Em Portugal, a escassez de estudos sobre este tema justifica a realização do presente trabalho, em que foi investigada a ocorrência da infecção por Cryptosporidium spp., em animais de companhia e silváticos. 2. RESULTADOS 2.1 ANIMAIS DE COMPANHIA Entre os 109 gatos estudados, apenas em dois foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp., o que corresponde à percentagem de infecção de 1,8%. Ambos os animais haviam sido recolhidos da rua, apresentavam diarreia e eram jovens, tendo um três e, o outro, seis meses de vida. Este último animal apresentava, ainda, infecção respiratória por Calicivírus. A carga parasitária, observada nas fezes dos dois gatos, foi de nível I. Os oocistos, observados nos esfregaços fecais, apresentavam forma esférica a ovalada e dimensão média de 4,15 3,78 µm. Não foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp. em nenhuma das amostras fecais recolhidas dos 157 cães que foram objecto do presente estudo. 106

125 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS 2.2 ANIMAIS SILVÁTICOS DE VIDA LIVRE O diagnóstico parasitológico da criptosporidiose foi negativo para todas as amostras fecais dos 147 animais silváticos de vida livre estudados: 13 raposas, 52 musaranhos de dentes brancos (Crocidura russula), 80 ratinhos ruivos (Mus spretus) e dois ratinhos do campo (Apodemus sylvaticus). 2.3 ANIMAIS SILVÁTICOS EM CATIVEIRO Entre as 217 amostras fecais de mamíferos do Jardim Zoológico de Lisboa, apenas em duas, pertencentes a duas espécies de Bovídeos bisonte americano (Bison bison bison) e gnu de cauda branca (Connochaetes gnou), foram observados oocistos de Cryptosporidium spp., o que corresponde a uma percentagem de amostras positivas de 0,9% (2/217). Oitenta e sete, das 217 amostras fecais dos mamíferos, pertenciam a ruminantes artiodáctilos; assim, se forem consideradas, somente, as amostras destes animais, a percentagem de positividade sobe para 2,3% (2/87). Ambas as amostras fecais pertenciam a animais adultos, sem sintomatologia gastrintestinal e apresentavam carga parasitária de nível I. Durante o período abrangido por esta investigação, foram feitas duas colheitas de fezes nestes animais, uma em Outubro de 2002 e outra em Fevereiro de 2003, tendo sido detectados oocistos, apenas, nas amostras da primeira colheita. A dimensão média dos oocistos, observados nos esfregaços fecais do bisonte americano e do gnu de cauda branca, foi de 4,82 4,35 µm e 4,89 4,45 µm, respectivamente. Relativamente aos répteis, foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp., nas fezes de uma tartaruga estrela indiana (Geochelone elegans), que havia chegado de Singapura, três dias antes da recolha fecal. Este animal fazia parte de um grupo de tartarugas confiscadas no mercado negro e encontrava-se muito debilitado, devido a diversos factores, como sobrepovoamento das instalações, malnutrição, exposição a diferenças de temperaturas e stress induzido pelo transporte, tendo morrido duas semanas após a chegada a Lisboa. Nas amostras fecais dos restantes répteis do Jardim Zoológico de Lisboa não foram encontrados oocistos. A carga parasitária, presente nas fezes da tartaruga estrela indiana era de nível I. A dimensão média dos oocistos, observados nas fezes deste animal, foi de 4,93 4,51 µm. Nenhuma das aves que, no presente trabalho, foram objecto de estudo se apresentavam parasitadas com microrganismos do género Cryptosporidium. 107

126 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS 3. DISCUSSÃO 3.1 ANIMAIS DE COMPANHIA Os resultados obtidos mostram que, na amostra estudada, a percentagem de cães e gatos de companhia com infecção por Cryptosporidium spp. é baixa. Estes parasitas foram encontrados, apenas, em 1,8% (2/109) dos gatos estudados, não tendo sido detectados em nenhum dos cães, com ou sem dono, que foram objecto do nosso estudo. Na literatura sobre a criptosporidiose em animais de companhia, as percentagens de infecção documentadas são variáveis, embora, nalguns casos, os valores descritos sejam semelhantes aos obtidos no presente trabalho. Na cidade de Fort Collins, nos EUA, Hill et al. (2000) encontraram, em gatos com dono, a percentagem de infecção por Cryptosporidium spp. de 3,1% (4/128). Também, nos EUA, na cidade de Ithaca, a percentagem de criptosporidiose, encontrada em gatos com dono e idade inferior a 12 meses, foi de 2,6% (3/114) [Spain et al., 2001]. Outros autores descreveram, também, em felídeos domésticos com dono, nas cidades de Tóquio e de Glasgow, percentagens de infecção de 3,8% (23/608) e de 5,1% (7/136), respectivamente [Arai et al., 1990; Mtambo et al., 1991]. No que respeita à população canina com dono, encontram-se documentadas percentagens de criptosporidiose de 1,8% (1/55) em Hobart, na Tasmânia [Milstein e Goldsmid, 1995], de 8,1% (3/37) em Saragoça, Espanha [Causapé et al., 1996], de 0% (0/77) em Perth, na Austrália [Bugg et al., 1999] e de 3,8% (5/130) em Fort Collins, nos EUA [Hackett e Lappin, 2003]. Relativamente aos cães de rua ou albergados em canis, foram encontradas percentagens de infecção por Cryptosporidium spp. de 6,8% (3/44) em Saragoça, Espanha [Causapé et al., 1996], de 0% (0/100) em Perth, na Austrália [Bugg et al., 1999] e de 6,4% (9/140) em Osaka, no Japão [Abe et al., 2002]. Na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, Huber et al. (2005) encontraram, em cães com dono e em cães albergados num canil municipal, percentagens de infecção de 2,8% (2/72) e 2,1% (2/94), respectivamente. Os gatos que encontrámos parasitados com oocistos de Cryptosporidium spp. tinham, ambos, menos de sete meses de vida. Outros autores observaram, também, que a infecção se regista, principalmente, em animais jovens [Arai et al., 1990; Mtambo et al., 1991]. Este facto é, provavelmente, consequência de alguma imaturidade imunológica, que torna estes animais mais susceptíveis a esta e a outras infecções, e da imunidade adquirida exibida pelos animais adultos [Glaser et al., 1994; Robertson et al., 2000]. 108

127 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS A baixa percentagem de criptosporidiose encontrada na população de animais com dono, pode ser compreendida, se atendermos a alguns aspectos característicos dessa mesma população. Estes animais possuem donos, que se preocupam com a sua saúde e bem-estar e que lhes proporcionam cuidados médico-veterinários regulares. Regra geral, fazem uma alimentação saudável, equilibrada e de qualidade e consomem água tratada da rede pública de abastecimento, o que diminui o risco de exposição aos parasitas do género Cryptosporidium. Por outro lado, são sujeitos a desparasitação e a imunização activa, contra diversos agentes patogénicos, causadores de doenças, que induzem diminuição das defesas imunitárias (leucemia viral felina, rinotraqueíte viral felina, calicivirose felina, panleucopenia felina, entre outras, no caso dos gatos; esgana, parvovirose, raiva, entre outras, no caso dos cães). A conjunção de todos estes factores permite que a função imunitária destes animais, se desenvolva de modo normal, tornando-os menos susceptíveis à infecção por Cryptosporidium spp.. Para além disso, sendo a percentagem de infecção baixa, a contaminação ambiental também o é, diminuindo, assim, as oportunidades de transmissão a outros animais. Ainda, nas zonas urbanas, as possibilidades de transmissão entre animais de companhia com dono não serão muito elevadas. No caso dos cães com dono, o contacto directo entre animais, em parques públicos ou na rua, limita-se, muitas vezes, a alguns minutos diários. No que respeita aos cães albergados em canis, animais que foram recolhidos da rua, partindo da hipótese que a contaminação ambiental é baixa, a probabilidade deles serem infectados é, também, reduzida. Quanto aos gatos com dono, muitos deles passam a maior parte da sua existência dentro de casa, não tendo, por isso, contacto com outros animais ou ambientes contaminados, que possam ser fonte de infecção. No presente trabalho, os dois gatos com criptosporidiose haviam sido recolhidos da rua e, provavelmente, foi aí que contraíram a infecção por Cryptosporidium spp.. Um dos gatos encontrava-se debilitado, devido a infecção respiratória por Calicivírus, desconhecendo-se, em ambos os casos, se apresentavam imunossupressão, devida ao vírus da imunodeficiência felina. Os resultados obtidos, no presente trabalho, sugerem que, nas regiões estudadas, os microrganismos do género Cryptosporidium não são parasitas comuns dos cães e gatos de companhia. Assim, o risco de transmissão da criptosporidiose ao Homem, por estes animais, deve ser baixo, sendo, no entanto, maior no caso dos gatos do que no dos cães. Esta situação pode estar relacionada com o facto do número de gatos de vida livre ser superior ao dos cães e de a maioria dos gatos com dono ter sido adoptada da rua [Henriques, J., 2005, comunicação 109

128 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS pessoal]. Devido à falta de colaboração por parte dos donos dos gatos infectados, não nos foi possível investigar se os membros da família e/ou outros animais de companhia, que partilhavam o ambiente doméstico com esses animais, estariam, também, infectados por Cryptosporidium spp.. A relação causa-efeito, entre a partilha do ambiente doméstico com um animal de companhia infectado por Cryptosporidium spp. e a infecção humana, é difícil de conseguir. Tal prende-se com o facto de a presença de oocistos, nas fezes de um animal, não comprovar a origem de uma eventual infecção do seu dono, devido à possibilidade de ambos terem sido expostos à mesma fonte de infecção ou de o animal ter sido infectado pelo seu dono [Casemore et al., 1997; Glaser et al., 1998]. Contudo, o facto de se encontrarem descritos diversos casos de criptosporidiose humana, devido a C. felis e a C. canis, nomeadamente em crianças e em doentes com infecção VIH/SIDA, leva-nos a crer que a prevenção é a melhor defesa. Assim, os donos de animais de companhia, principalmente aqueles com função imunitária diminuída, deverão dar aos seus animais alimentação e água de qualidade, conferir-lhes cuidados médicoveterinários regulares (desparasitação, imunização activa e exame parasitológico das fezes) e adoptar medidas de higiene, como lavar bem as mãos, após afagar o animal, evitar o contacto com as suas fezes e evitar o contacto com o animal, caso ele apresente diarreia [Angulo et al., 1994]. Neste aspecto é, ainda, fundamental que o médico veterinário proporcione aos donos dos animais informação clara e objectiva sobre a existência destes parasitas, o seu potencial zoonótico e as medidas a tomar, no sentido de evitar uma eventual transmissão. O papel dos animais de companhia, como fonte da infecção, por Cryptosporidium spp., para o Homem, encontra-se, ainda, pouco esclarecido, sendo necessárias investigações epidemiológicas mais abrangentes e aprofundadas que possam clarificar este assunto. 3.2 ANIMAIS SILVÁTICOS DE VIDA LIVRE A investigação realizada, com o objectivo de contribuir para o conhecimento sobre a ocorrência da criptosporidiose, em animais silváticos de vida livre, mostrou que, na altura em que os animais estudados foram capturados, nenhum deles se encontrava a excretar oocistos de Cryptosporidium spp.. No que diz respeito aos carnívoros, não só o número de animais estudados foi muito reduzido (13 raposas), como a sua captura se confinou a uma única ocasião, factores que limitam o alcance dos resultados obtidos. O único trabalho encontrado na literatura, sobre a 110

129 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS presença de Cryptosporidium spp. em raposas, foi realizado na região de Warwickshire, no centro da Inglaterra, e descreve uma percentagem de infecção de 9% (2/23) [Sturdee et al., 1999]. Relativamente aos pequenos mamíferos, apesar do número de animais estudados ter sido superior ao dos carnívoros, a sua captura foi realizada, apenas, em três ocasiões (Maio, Agosto e Novembro de 2003), facto que não nos permite obter um quadro representativo da globalidade da situação anual. Para além disso, não foram capturados animais durante os meses de Inverno, altura em que se regista maior precipitação. A excreção de C. parvum e C. muris, por pequenos mamíferos, tem sido documentada por diversos autores, que utilizaram as características morfométricas dos oocistos, como critério de identificação de espécie. Alguns desses autores observaram variações temporais, nos valores de prevalência encontrados, tanto entre diferentes alturas de um mesmo ano, como entre anos diferentes. Numa investigação, conduzida na região de Warwickshire, em Inglaterra, entre 1992 e 1997, Sturdee et al. (2003) observaram, não só uma variação sazonal da prevalência da criptosporidiose em pequenos roedores e insectívoros (Apodemus sylvaticus, Clethrionomys glareolus, Mus domesticus, Sorex araneus e Sorex minutus), com valores mínimos de 17,8% (33/185), na Primavera, e máximos, de 45,6% (139/305), no Outono, mas, também, uma variação ao longo dos anos, com um máximo de 46,2% (54/117) registado em 1996, e um mínimo de 9,3% (8/86), encontrado em No Reino Unido, Webster e MacDonald (1995) descreveram, também, a variação sazonal da prevalência da criptosporidiose em Rattus norvegicus, tendo registado valores de 95% na Primavera, 14% no Verão, 53% no Outono e 70% no Inverno. Esta variação sazonal foi, também, encontrada na província da Catalunha, em Espanha, por Torres et al. (2000), que, entre 1995 e 1997, observaram, em sete espécies de roedores e insectívoros (Apodemus flavicollis, Apodemus sylvaticus, Clethrionomys glareolus, Crocidura russula, Mus spretus, Rattus rattus e Sorex araneus), prevalências de criptosporidiose de 32,9% (30/91), no Outono e de 21,9% (34/155), na Primavera. Na Polónia, Sisnki et al. (1993), descreveram, em pequenos mamíferos, pertencentes às espécies Apodemus flavicollis, Apodemus agrarius, Clethrionomys glareolus, Sorex araneus e Sorex minutus, variação da prevalência de infecção por C. parvum, durante a estação do Outono, em dois anos consecutivos, tendo registado um valor de 29,2% (24/82), no ano de 1989 e de 12,9% (17/131), no ano seguinte. Estes resultados demonstram que as observações efectuadas, em períodos de tempo curtos, não são representativas da situação global, sendo esta uma limitação associada à investigação que realizámos. 111

130 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS O facto de todos os animais capturados, no presente trabalho, serem adultos poderá, também, justificar a ausência de infecções por Cryptosporidium spp., na medida em que os animais jovens são, regra geral, mais susceptíveis a esta infecção. No Reino Unido, Quy et al. (1999) observaram, em Rattus norvegicus, jovens e adultos, percentagens de infecção por C. parvum, de 40% e 12%, respectivamente. Também, na Polónia, Bajer et al., 2002 observaram, em três espécies de roedores (Apodemus flavicollis, Clethrionomys glareolus e Microtus arvalis), maior prevalência de infecção por C. parvum nos animais jovens, do que nos adultos. Por fim, não podemos excluir a influência que as características climáticas e orográficas, da região onde os animais foram capturados, possam ter tido nos resultados negativos que obtivemos. O Baixo Alentejo tem um clima sub-húmido a seco, caracterizado pela pouca precipitação anual, que se concentra, principalmente, nos meses de Outono e Inverno. Segundo dados recolhidos na estação meteorológica de Beja, fornecidos pelo Instituto de Meteorologia, a temperatura média do ar, registada entre Maio e Agosto de 2003, variou, aproximadamente, entre 20ºC e 26ºC. Durante os mesmos meses, a temperatura mínima oscilou entre 11,5ºC e 18,5ºC, enquanto que a temperatura máxima se situou entre 27,3ºC e 35,7ºC. De salientar, ainda, que, para o mesmo período, e de acordo com a mesma fonte, apenas se verificou alguma precipitação, durante o mês de Maio, tendo o valor registado sido cerca de 10 mm. [Pires et al., 2004; consultado a 24 de Abril de 2005]. No mês de Novembro de 2003, foram registados, para a temperatura média do ar e a precipitação mensal total, valores compreendidos nos intervalos de 12 a 14ºC e de 100 a 150 mm, respectivamente [ e consultados a 18 de Agosto de 2005]. As elevadas temperaturas, que se fizeram sentir nesta região, sobretudo nos meses de Verão, associadas à secura do solo, em resultado da ausência de precipitação, constituem factores desfavoráveis à sobrevivência dos oocistos, contribuindo para a diminuição do número de oocistos viáveis existentes no ambiente. Por outro lado, não só a orografia pouco acentuada, dos locais estudados, como o tipo de biótopo, caracterizado por vegetação herbácea (juncos e gramíneas), silvados e loendros, criam condições que limitam a ocorrência de escorrimentos superficiais de água, nas alturas em que se verifica precipitação. Perante o exposto, pode colocar-se a hipótese de, nesta região, em consequência dos factores acima referidos, o nível de transmissão de Cryptosporidium spp. ser reduzido. 112

131 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS No presente estudo, realizado em pequenos mamíferos, na região do Baixo Alentejo, não foi observado nenhum animal com infecção por Cryptosporidium spp.. Todavia, os resultados obtidos foram limitados pelo facto de a captura dos animais ter sido realizada num período de tempo curto e de forma descontínua, sendo necessário proceder a investigações mais aprofundadas, de forma a obter resultados representativos da situação epidemiológica existente naquela região. 3.3 ANIMAIS SILVÁTICOS EM CATIVEIRO Os resultados da investigação realizada em mamíferos, répteis e aves cativos no Jardim Zoológico de Lisboa, mostraram que, durante o período em que decorreu o trabalho, o número de animais a excretar oocistos de Cryptosporidium spp. foi muito baixo. Entre os mamíferos estudados, foram encontrados oocistos, apenas, em duas amostras fecais, pertencentes a dois Bovídeos um bisonte americano e um gnu de cauda branca. Estes eram, ambos, adultos e não apresentavam diarreia, observação concordante com as descrições, efectuadas por diversos autores, que dão conta do facto de a infecção por Cryptosporidium spp., em animais adultos, ser, com frequência, assintomática, [Majewska et al., 1997; Deng e Cliver, 1999; Gómez et al., 2000; Lourenço et al., 2000]. No Jardim Zoológico de Barcelona, Gómez et al. (2000) e Gracenea et al. (2002) já haviam identificado oocistos de Cryptosporidium spp., nas fezes de bisontes americanos. A infecção por Cryptosporidium spp., em gnus de cauda branca, foi, também, descrita por Mtambo et al. (1997), em 27% (7/26) dos animais estudados no parque Nacional de Mikumi, na Tanzânia. A percentagem de amostras fecais positivas, obtida no presente trabalho, para os ruminantes artiodáctilos (2,3% 2/87), foi idêntica à encontrada por Delgado (2000), também no Jardim Zoológico de Lisboa, entre Setembro de 1998 e Agosto de 1999, para o mesmo grupo de animais (2,1% 8/388). Todavia, ao contrário do sucedido no nosso trabalho, aquela autora estudou, não só animais adultos, mas, também, recém-nascidos. Cinco dos oito animais que Delgado (2000) encontrou parasitados tinham menos de dois meses de vida. O facto da criptosporidiose atingir, com mais frequência, animais jovens encontra-se descrito por diversos autores, quer em gado doméstico [Olson et al., 1997a; Pereira da Fonseca et al., 2001; Izumiyama et al., 2001], quer em animais de companhia [Arai et al., 1990; Mtambo et al., 1991] e, ainda, em animais silváticos [Kalishman et al., 1996; Atwill et al., 1997; Quy et al., 1999; Rickard et al., 1999]. O nascimento das crias que Delgado (2000) identificou com criptosporidiose, aconteceu 113

132 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS no Inverno, altura em que a precipitação é mais intensa, levando à presença de águas de escorrência e poças de água, eventualmente contaminadas com oocistos, o que facilita a transmissão do parasita. Para além disso, as condições de humidade e temperatura, características desta estação do ano, são favoráveis à sobrevivência dos oocistos no solo. Segundo informação disponibilizada pelo Instituto de Meteorologia, no período compreendido entre Setembro de 2002 e Março de 2003, a precipitação mensal total, registada em Lisboa, variou entre o valor máximo de 193 mm (em Novembro de 2002) e o mínimo de 76 mm (em Março de 2003) [ consultado a 12 de Agosto de 2005]. À excepção do mês de Fevereiro de 2003, os valores de precipitação, que se verificaram naqueles sete meses, excederam, em média, 40,8 mm (valores mínimo e máximo de 7 mm e 79 mm, respectivamente), os valores médios mensais, registados entre 1961 e Apesar da elevada pluviosidade verificada, principalmente entre Setembro de 2002 e Março de 2003, o número de infecções por Cryptosporidium spp., identificado nos mamíferos estudados, foi muito baixo. Estes resultados sugerem que, no Jardim Zoológico de Lisboa, a contaminação ambiental é, provavelmente, pequena e que a limpeza dos recintos e o maneio higio-sanitário dos animais são eficazes no controlo da transmissão deste parasita. Com excepção da tartaruga estrela indiana, que havia chegado de Singapura e que se encontrava em quarentena, não foi observada a excreção de oocistos, por parte de nenhum dos répteis do Jardim Zoológico de Lisboa, que foram alvo do nosso estudo. Estes animais vivem, em condições de temperatura e humidade constantes, em recintos isolados, não só do exterior como, também, de outros animais. Esta situação de isolamento não é propícia à introdução de parasitas nos habitats individuais, constituindo, provavelmente, uma das razões pela qual não foram encontrados oocistos de Cryptosporidium spp. neste grupo de animais. A infecção em tartarugas estrela já havia sido descrita nos EUA, no San Diego Wild Animal Park [Heuschele et al., 1986], na Wildlife Conservation Society, em Nova Iorque [Raphael et al., 1997] e no Zoo de Louisville [Xiao et al. 2004b]. Em relação às aves, apenas foi possível realizar uma única recolha de fezes, o que aconteceu no mês de Agosto, altura em que as condições de elevada temperatura e a ausência de precipitação, não favorecem a sobrevivência dos oocistos. Por esta razão, os resultados obtidos, para este grupo de animais, têm um alcance muito limitado. As características de acomodação dos animais em cativeiro, em especial dos mamíferos, como a vida em grupo, ao ar livre, em recintos de terra batida e expostos aos elementos 114

133 IV CRYPTOSPORIDIUM SPP. EM ANIMAIS DE COMPANHIA E SILVÁTICOS climáticos, particularmente, à chuva, são factores que podem favorecer a transmissão da criptosporidiose. Contudo, a presente investigação parece indicar que esta é uma parasitose pouco frequente nos animais do Jardim Zoológico de Lisboa estudados. No entanto, sendo a transmissão zoonótica uma das vias de infecção do Homem, é importante, para a saúde pública, estudar a infecção por Cryptosporidium spp. nos animais presentes em locais públicos, como o Jardim Zoológico de Lisboa, que recebe, anualmente, milhares de visitantes e, entre estes, particularmente, crianças. 115

134 Capítulo V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 116

135 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 1. INTRODUÇÃO A maioria das infecções por Cryptosporidium spp. são confirmadas pela observação microscópica de oocistos do parasita, em amostras fecais. Todavia, a semelhança morfométrica existente entre as diferentes espécies pertencentes a este género, não permite que a sua identificação seja efectuada por microscopia óptica [Petry, 2000; Fall et al., 2003]. Ao longo da última década, assistiu-se à ampla utilização das técnicas de biologia molecular, aplicadas ao estudo da epidemiologia de Cryptosporidium spp.. Com recurso a técnicas de PCR, RFLP e sequenciação de DNA, entre outras, tendo como alvo diversos loci genéticos, foi possível desenvolver métodos que permitiram detectar e diferenciar as várias espécies pertencentes a este género [Peng et al., 1997; Spano et al., 1997b; Gibbons et al, 1998; Morgan et al., 1998a; Spano et al., 1998b; Sulaiman et al., 1998; Cacciò et al., 1999; Xiao et al., 1999a, 1999c]. A aplicação destes métodos a inúmeros isolados, responsáveis por infecções humanas, em várias regiões do Mundo, permitiu, assim, conhecer a diversidade de espécies de Cryptosporidium, infectantes para o Homem. Apesar das espécies C. parvum e C. hominis serem as que mais se encontram associadas à criptosporidiose humana, sabe-se, hoje, que outras, como C. felis, C. meleagridis, C. canis, C. muris, C. suis e Cryptosporidium genótipo cervo podem, também, ser responsáveis pela infecção no Homem [Peng et al., 1997; Spano et al., 1997b; Gibbons et al, 1998; Morgan et al., 1998a; Spano et al., 1998a, 1998b; Sulaiman et al., 1998; Cacciò et al., 1999; McLauchlin et al., 1999; Pieniazek et al., 1999; Alves et al., 2000, 2001a; Guyot et al., 2001; Xiao et al., 2001a; Ong et al., 2002; Cama et al., 2003; Matos et al., 2004]. Com o objectivo de identificar as espécies de Cryptosporidium, responsáveis pela criptosporidiose numa população de infectados por VIH, em Portugal, os isolados detectados, por diagnóstico parasitológico, no decurso do presente trabalho, foram caracterizados por PCR, RFLP e/ou sequenciação de quatro loci genéticos COWP, DHFR, TRAP-C1 e SSUrRNA. No genoma de Cryptosporidium spp., existem cinco cópias deste último gene e uma cópia dos restantes três [Vásquez et al., 1996; Le Blancq et al., 1997; Spano et al., 1997a, 1998c]. Le Blancq et al. (1997) estudaram, num isolado bovino, pertencente à espécie C. parvum, a organização e a estrutura dos genes que codificam o rrna, tendo observado, nas cinco cópias do ácido desoxirribonucleico ribossómico ou rdna (sigla anglo-saxónica para ribosomal deoxyribonucleic acid ), a existência de duas sequências nucleotídicas distintas, que denominaram de A e B. Estes autores verificaram que, das cinco cópias do rdna, quatro 117

136 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. apresentavam a sequência nucleotídica A e uma a sequência B. A diferença nucleotídica entre as sequências A e B do rdna localiza-se, essencialmente, nas regiões ITS, embora tenham, também, sido identificadas pequenas dissemelhanças nos genes que codificam as subunidades grande (28S), pequena (18S) e 5.8S do rrna [Le Blancq et al., 1997]. Em C. parvum, as sequências das cópias A e B do gene que codifica a subunidade pequena (SSU) do rrna, diferem, entre si, por uma delecção de três nucleótidos e por duas substituições de um nucleótido [Xiao et al., 1999b]. Estas diferenças não alteram os perfis de restrição dos produtos de PCR, obtidos por hidrólise com as endonucleases SspI e VspI, que utilizámos na análise de RFLP. Em C. felis e em C. hominis, foram, também, identificadas sequências nucleotídicas distintas nas diferentes cópias do gene que codifica a SSU-rRNA. Em C. felis, na sequência da cópia B, foi observada, relativamente à da cópia A, uma inserção, uma delecção e uma substituição, todas elas, de um único nucleótido. A substituição nucleotídica que se verifica em C. felis, na cópia B do gene SSU-rRNA, resulta na criação de um local de restrição adicional para a endonuclease VspI, originando, assim, perfis de restrição distintos para os dois tipos de cópias deste gene [Xiao et al., 1999b]. Ao invés do descrito em C. parvum, nos isolados de C. felis, não foi observada a proporção de quatro cópias da sequência A para, apenas, uma da sequência B [Xiao, L., 2005, comunicação pessoal]. Em C. hominis, a diferença entre a sequência das cópias do gene que codifica a SSU-rRNA, consiste em duas substituições de um nucleótido e na variação do número de resíduos de timina (6T, 8T, 10T, 11T ou 12T), presentes numa região poli-t do gene. Ao contrário do que sucede em C. felis, estas diferenças não alteram os perfis de restrição dos fragmentos amplificados, que se obtêm com as endonucleases utilizadas na análise de RFLP, sendo detectadas, somente, por sequenciação dos produtos de PCR [Xiao et al., 1999b; Dalle et al., 2003]. Xiao et al. (1999b) alinharam as sequências das diferentes cópias do gene SSU-rRNA de C. parvum, C. hominis e C. felis, com as de outras espécies e genótipos de Cryptosporidium e verificaram, por análise filogenética do alinhamento de sequências resultante, que a relação existente, entre as várias espécies e genótipos do género Cryptosporidium, não é alterada pelas dissemelhanças na sequência nucleotídica das diversas cópias do gene que codifica a SSU-rRNA. 118

137 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 2. RESULTADOS No conjunto dos quatro loci genéticos estudados (SSU-rRNA, COWP, DHFR e TRAP- C1), foi possível amplificar, por PCR, o DNA genómico de 50 isolados de Cryptosporidium spp.. Deste grupo fazem parte seis dos 15 isolados, identificados entre Dezembro de 1994 e Agosto de 1997, que se encontravam conservados em MIF, todos os 26 isolados, identificados entre Setembro de 1997 e Maio de 2001, que se encontravam conservados em dicromato de potássio a 5% e todos os 18 isolados, identificados entre Junho de 2001 e Janeiro de 2005, que foram caracterizados, logo após a sua detecção. No quadro XVI, encontram-se resumidos, para cada locus estudado, os resultados da amplificação, por PCR, do DNA destes isolados de Cryptosporidium spp.. QUADRO XVI Resultados da amplificação, por PCR, do DNA dos isolados de Cryptosporidium spp. identificados numa população portuguesa com infecção por VIH ISOLADOS N.º DE ISOLADOS COM AMPLIFICAÇÃO POSITIVA (n.º estudado) SSU-rRNA COWP DHFR TRAP-C1 Dez.94-Ago.97 (MIF) (n = 15) (40,0%) (26,7%) (13,3%) (13,3%) Set.97-Mai.01 (K 2 Cr 2 O 7 ) (n = 26) (100%) (84,6%) (76,9%) (61,5%) Jun.01-Jan (n = 18) (100%) (72,2%) (72,2%) (61,1%) Total (n = 59) (84,7%) (66,1%) (59,3%) (49,2%) No quadro XVI é possível observar que, independentemente do gene alvo, a percentagem de amplificação do DNA dos isolados que se encontravam conservados em MIF, foi muito inferior à daqueles que se encontravam preservados em dicromato de potássio ou que foram caracterizados logo após a sua identificação. O método de PCR para o gene SSUrRNA, foi o que permitiu a amplificação do DNA de um maior número de parasitas, seguindo-se-lhe, por ordem decrescente, os genes COWP, DHFR e TRAP-C1. Se excluirmos os isolados que se encontravam preservados em MIF, a percentagem de amplificação para o 119

138 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. gene SSU-rRNA foi de 100% (44/44) e a dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 de 79,5% (35/44), 75% (33/44) e 61,4% (27/44), respectivamente. Em cada um dos quatro loci estudados, a comparação dos perfis de restrição descritos na literatura, com os obtidos após hidrólise dos produtos de PCR com endonucleases de restrição, permitiu identificar as espécies de Cryptosporidium, dos isolados detectados no diagnóstico parasitológico (figuras 9 a 11). Através da sequenciação dos produtos de PCR, em dois isolados representativos de cada espécie identificada e de cada locus estudado, obtiveram-se sequências nucleotídicas que, com recurso ao programa BLAST, foram comparadas com as depositadas no GenBank. Deste modo, foi possível encontrar sequências nucleotídicas iguais às que haviam sido determinadas e, assim, confirmar a identidade das espécies de Cryptosporidium feita por RFLP (vide números de acesso do Genbank no quadro XVII). Dos 50 isolados, cuja amplificação de DNA, por PCR, foi bem sucedida, 26 (52%) pertenciam à espécie C. parvum, 16 (32%) a C. hominis, cinco (10%) a C. felis e três (6%) a C. meleagridis (quadro XVII). 900 pb 800 pb a m Cp Ch Cm Cf m b Ch Cp Cm Cf m Ch Cp Cm 800 pb 200 pb SspI VspI FIGURA 9 Fotografias de géis de agarose, após electroforese (a) dos produtos de amplificação do gene SSU-rRNA e (b) dos fragmentos de restrição pelas endonucleases SspI e VspI. Cp C. parvum, Ch C. hominis, Cm C. meleagridis, Cf C. felis, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) 120

139 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 800 pb m Cf A Cf A Cf A Cf B Cf B 200 pb FIGURA 10 Fotografia de um gel de agarose, após electroforese dos produtos de restrição do fragmento do gene SSU-rRNA, de C. felis, com a endonuclease VspI. Cf A isolados de C. felis, com predomínio da cópia A do gene SSU-rRNA, Cf B isolados de C. felis, com predomínio da cópia B do gene SSU-rRNA, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) a Cp Ch Cm m Cp Ch Cm b m Cp Ch Cm m Cp Ch Cm m 600 pb 600 pb 200 pb 200 pb PCR RsaI PCR Bpu A1 c Cp Ch Cm m Cp Ch Cm 500 pb 100 pb PCR RsaI FIGURA 11 Fotografias de géis de agarose, após electroforese dos produtos de PCR e dos respectivos fragmentos de restrição, para os genes (a) COWP, (b) DHFR e (c) TRAP-C1. Cp C. parvum, Ch C. hominis, Cm C. meleagridis, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) 121

140 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. QUADRO XVII Resultados da identificação da espécie de Cryptosporidium spp., dos isolados estudados, e respectivos números de acesso do GenBank, para cada locus caracterizado GENE N.º DE ISOLADOS (N.º DO GENBANK) C. parvum C. hominis C. felis C. meleagridis SSU-rRNA 26 (AF093490) 16 (AF093492, AF159111) 5 (AF a, AF b ) 3 (AY166839) COWP 21 (AF248743) 14 (AF481960) 2 (AF266263) 2 (AY166840) DHFR 19 (U41365) 15 (U41366) a.a. 1 (AY391725) TRAP-C1 14 (AF248745) 13 (AF248744) a.a. 2 (AF248746) a cópia A do gene SSU-rRNA; b cópia B do gene SSU-rRNA; a.a. ausência de amplificação A análise das sequências nucleotídicas permitiu, ainda, identificar, com precisão, a dimensão dos fragmentos de restrição, visualizados em gel de agarose, cujos valores são apresentados no quadro XVIII. Quadro XVIII Dimensão dos fragmentos de restrição dos quatro loci amplificados, para as espécies de Cryptosporidium identificadas na população portuguesa estudada GENE / DIMENSÃO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO (pb) ENZIMA DE RESTRIÇÃO C. parvum C. hominis C. felis C. meleagridis SSU-rRNA / SspI 449, 254, 108, 12, , 254, 108, 12, 11 SSU-rRNA / VspI 628, 104, , 104, 102, , 391, 33, 14 a 449, 254, 108, 426, 390, 33, 15 b 11, , 104, 102 a 456, 171, 104, , 182, 104, 102 b COWP / RsaI 413, 106, , 140, , 86, , 147, 34 DHFR / BpuA1 210, , 118, 92 a.a. 408 * TRAP-C1 / RsaI 455, , 114, 51 a.a. 341, 114, 51 a cópia A do gene SSU-rRNA; b cópia B do gene SSU-rRNA; a.a. ausência de amplificação; * não se observou hidrólise do fragmento amplificado por PCR 122

141 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. Excluindo os isolados que se encontravam conservados em MIF e os que pertenciam à espécie C. felis, cujo DNA não foi amplificado pela PCR dos genes DHFR e TRAP-C1, observou-se maior insucesso de amplificação nos isolados provenientes de amostras fecais com carga parasitária baixa (nível I ou II), sobretudo no caso dos genes DHFR e TRAP-C1. Nas amostras fecais com carga parasitária de nível I ou II, a percentagem de não amplificação dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 foi de 15% (3/20), 20% (4/20) e 40% (8/20), respectivamente, enquanto que, nas fezes com carga parasitária de nível III ou IV, a percentagem de insucesso, para os mesmos genes, foi de 15,8% (3/19), 10,5% (2/19) e 21,1% (4/19). Entre os parasitas que registaram insucesso na amplificação do gene COWP, 50% (3/6) provinham de amostras fecais com carga parasitária de nível I ou II, valor que foi de 66,7% no caso dos genes DHFR (4/6) e TRAP-C1 (8/12). A PCR do locus SSU-rRNA, permitiu a amplificação do DNA dos isolados pertencentes às espécies C. parvum, C. hominis, C. felis e C. meleagridis (figura 9a). A hidrólise com a enzima de restrição SspI, permitiu diferenciar C. felis das restantes três espécies. A hidrólise com a endonuclease VspI, permitiu distinguir as espécies C. parvum, C. hominis e C. meleagridis e as cópias A e B do gene SSU-rRNA de C. felis (figuras 9b e 10, quadro XVIII). Nos dois isolados de C. hominis, cujos produtos de amplificação do gene que codifica a SSUrRNA foram sequenciados, as sequências nucleotídicas obtidas apresentavam, na região poli- T, seis e oito resíduos de timina. A amplificação do fragmento do gene COWP, seguida de hidrólise pela endonuclease RsaI, permitiu identificar as espécies C. parvum, C. hominis e C. meleagridis (figura 11a, quadro XVIII). No que respeita à espécie C. felis, a amplificação do DNA, por PCR, aconteceu, apenas, em dois dos cinco isolados, identificados pela PCR do locus SSU-rRNA. Para além disso, o rendimento da reacção de PCR foi muito baixo, o que se traduziu na observação, em gel de agarose, de um fragmento de DNA de fraca intensidade. Em consequência desta situação, não foi possível realizar, nestes dois parasitas, a análise de RFLP do fragmento amplificado, tendo a identificação da espécie sido realizada por sequenciação do produto de PCR e por comparação das sequências nucleotídicas obtidas, com as depositadas no GenBank, com recurso ao programa BLAST. O método de PCR, para o locus DHFR, permitiu a amplificação do DNA dos isolados pertencentes às espécies C. parvum, C. hominis e C. meleagridis, mas não a C. felis. A hidrólise dos produtos de PCR com a enzima de restrição BpuA1, permitiu obter perfis de 123

142 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. restrição distintos para C. parvum e C. hominis. No caso de C. meleagridis, não se verificou hidrólise do fragmento amplificado por PCR, devido à inexistência de locais de restrição da endonuclease BpuA1 (figura 11b, quadro XVIII). A reacção de PCR, para o gene TRAP-C1, possibilitou a amplificação do DNA das espécies C. parvum, C. hominis e C. meleagridis, mas não o de C. felis. A análise de RFLP, após a hidrólise com RsaI, permitiu a identificação dos isolados pertencentes à espécie C. parvum, mas não a distinção entre C. hominis e C. meleagridis, uma vez que os perfis de restrição dos fragmentos amplificados, para estas duas espécies, eram indistinguíveis (figura 11c, quadro XVIII). Por este motivo, a distinção entre C. hominis e C. meleagridis, no locus TRAP-C1, foi feita por comparação das sequências nucleotídicas, obtidas por sequenciação, com as depositadas no GenBank, através do programa BLAST. Os resultados da identificação das espécies de Cryptosporidium, obtidos por PCR, RFLP e/ou sequenciação do DNA dos isolados, foram concordantes para os quatro loci genéticos estudados. Apenas em C. parvum, C. hominis e C. meleagridis se verificou a amplificação do DNA dos quatro genes estudados. Sempre que possível, foram recolhidos dados clínicos e epidemiológicos dos doentes com diagnóstico de criptosporidiose. Esses dados encontram-se descritos no quadro XIX, para todos os doentes em que a espécie de Cryptosporidium spp., responsável pela infecção, foi identificada. Da observação do quadro XIX, é possível constatar que todos os doentes parasitados com as espécies C. felis ou C. meleagridis apresentavam amostras fecais com carga parasitária baixa (nível I ou II), enquanto que aqueles com carga parasitária elevada (nível III ou IV) se encontravam infectados, apenas, por C. parvum ou por C. hominis. Entre os infectados por C. parvum 46,2% (12/26) apresentavam carga parasitária de nível III ou IV, valor que, no caso de infecções por C. hominis, foi de 50% (8/16). Dez dos doentes com criptosporidiose faleceram, tendo esta infecção, em três deles, sido considerada como a causa da morte. Dois destes doentes encontravam-se parasitados por C. meleagridis e, o outro, por C. parvum. Para alguns doentes, não foi possível obter todos os dados clínicos, nem informação epidemiológica sobre o estilo de vida ou determinados comportamentos, que possam ser associados à transmissão da criptosporidiose (contacto com gado doméstico ou animais de companhia; utilização de água de recreio; tipo de água, habitualmente, consumida; contacto com pessoas com diarreia; deslocações recentes ao estrangeiro). 124

143 QUADRO XIX Dados demográficos, clínicos, laboratoriais e epidemiológicos dos doentes com criptosporidiose, cujos isolados foram caracterizados no presente trabalho ISOLADO DATA IDADE SEXO RAÇA TRANSMISSÃO VIH LINFÓCITOS CD4 + (céls/µl) CARGA PARASITÁRIA DIARREIA OUTROS PARASITAS INTESTINAIS EVOLUÇÃO CLÍNICA CT.2 Jan M 100 I S N Faleceu C. parvum CT.4 Mai-05 >18 F Caucasiana IV S N Melhorou C. parvum CT.9 Fev M Homo I S N Faleceu de C. meleagridis criptosporidiose CT.13 Jun M Caucasiana I S N Melhorou C. parvum CT.14 Ago-96 >18 M Caucasiana Hetero 20 I S N C. meleagridis CT.15 Jan-97 >18 M Caucasiana I S N C. parvum CH.1 Set M Caucasiana Homo 22 IV S N C. hominis CH.5 Out M Caucasiana Hetero 27 I S N C. parvum CH.10 Out M Caucasiana Toxico <50 IV S Microsporidia Faleceu (1998) C. hominis CH.22 Nov M Toxico III S N C. parvum CH.23 Nov F Toxico 35 II S N Melhorou C. felis CH.29 Jan F Caucasiana Toxico 40 I S Microsporidia Faleceu C. parvum CH.34 Jan M Caucasiana Toxico III S N C. hominis CH.36 Jan F Toxico IV S N C. parvum CH.52 Mai M Toxico I S Microsporidia Melhorou C. parvum CH.54 Mai F Toxico III S N C. parvum CH.57 Dez M Toxico 13 III S N Melhorou C. hominis CH.58 Jan M Toxico 20 I S N Melhorou C. hominis CH.60 Jun-99 >18 M Negra I S Microsporidia Melhorou C. parvum CH.61 Jun F Toxico 19 I S N Melhorou C. parvum CH.62 Out M Negra Hetero 61 II S N C. felis CH.64 Mar F Negra 39 I S N Faleceu Estadia em Angola C. parvum CH.70 Abr-00 7 F Caucasiana Vertical 250 IV S N Melhorou C. parvum CH.71 Mai-00 >18 M Negra II S N Melhorou Regresso de Angola, dois C. hominis meses antes CH.72 Mai M Tóxico 15 IV S N Faleceu C. parvum CH.73 Mai M Negra 7 II S N Regresso da Guiné-Bissau, C. hominis (crónica) três meses antes CH.76 Jun F IV S (crónica) N C. parvum doente seronegativo para VIH; M: masculino, F: feminino; : informação desconhecida; Homo: homossexual; Hetero: heterossexual; Tóxico: toxicodependente; S: sim; N: não OUTROS ESPÉCIE

144 QUADRO XIX Dados demográficos, clínicos, laboratoriais e epidemiológicos dos doentes com criptosporidiose, cujos isolados foram caracterizados no presente trabalho (continuação) ISOLADO DATA IDADE SEXO RAÇA TRANSMISSÃO VIH LINFÓCITOS CD4 + (céls/µl) CARGA PARASITÁRIA DIARREIA OUTROS PARASITAS INTESTINAIS CH.84 Out M Homo 20 II S Giardia spp. (oito meses de evolução), Microsporidia EVOLUÇÃO CLÍNICA Faleceu de criptosporidiose (2001) OUTROS ESPÉCIE C. meleagridis CH.86 Nov M Tóxico 19 II S N Melhorou C. parvum CH.87 Dez M Caucasiana Tóxico 3 II S Microsporidia Faleceu de C. parvum criptosporidiose CH.88 Jan F Negra Hetero 22 I S N Melhorou C. felis CH.96 Mai M Caucasiana Hetero 16 IV S N Melhorou C. parvum CH.104 Jan F Cigana Tóxico 17 II S N C. hominis CH.105 Jan M Negra Vertical <15% (39) I N Giardia spp. (um mês antes), Microsporidia Melhorou C. hominis CH.108 Mar F Negra Hetero 13 IV S N Faleceu C. hominis CH.113 Mai F Negra Hetero 6 III S N Melhorou Residente em Angola C. hominis CH.128 Out M Caucasiana Tóxico 7 IV S Microsporidia Melhorou C. parvum CH.129 Out M Caucasiana Hetero 23 II S Microsporidia Melhorou C. parvum CH.130 Out-02 7 M Caucasiana Vertical 19% (213) I S Microsporidia Melhorou Contacto com gatos no C. felis (crónica) ambiente doméstico CH.151 Mai M Caucasiana Tóxico III S N Melhorou C. hominis CH.170 Nov M Caucasiana Tóxico 0 IV S N Faleceu C. hominis CH.176 Jan M Caucasiana Hetero 37 II S Microsporidia C. parvum (crónica) CH.182 Mai M Caucasiana Homo 42 IV S N C. parvum CH.183 Mai M Caucasiana Hetero 57 III S Microsporidia C. parvum (crónica) (quatro meses antes) CH.187 Mai M Caucasiana Hetero 7 I S Microsporidia Residente em Angola C. felis CH.190 Mai M Negra Hetero 24 I S N C. hominis CH.191 Jun M Negra Hetero 7 II S N C. hominis CH.198 Jul M Caucasiana Tóxico 20 I S N C..hominis CH.201 Nov M Caucasiana Hetero 125 IV S Giardia spp. C. parvum CH.203 Jan-05 >18 M Negra Tóxico II S N Melhorou C. parvum M: masculino, F: feminino; : informação desconhecida; Homo: homossexual; Hetero: heterossexual; Tóxico: toxicodependente; S: sim; N: não

145 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. Tendo por base todos os casos de criptosporidiose humana identificados por diagnóstico parasitológico, na Unidade de Protozoários Oportunistas/VIH e Outras Protozooses, no período compreendido entre Janeiro de 1995 e Janeiro de 2005, foi elaborado o gráfico da figura 12, onde se pode observar a distribuição do número de casos de criptosporidiose em função dos meses do ano. Os resultados representados neste gráfico mostram que, para a totalidade dos anos considerados, os meses de Janeiro e Maio foram aqueles em que se verificou maior número casos de criptosporidiose, seguindo-se-lhe os meses de Junho, Outubro e Novembro; o menor número de infecções foi registado nos meses de Abril e de Setembro. No gráfico da figura 13, é apresentada, para o mesmo período, a distribuição do total mensal de casos de criptosporidiose, em função da espécie causadora da infecção, nos casos em que a sua identificação foi possível. Esta representação gráfica mostra que, para o período considerado, as infecções por C. hominis ocorreram ao longo de todo o ano, à excepção dos meses de Fevereiro, Abril e Agosto, tendo apresentado picos em Janeiro e Maio. Por seu lado, os casos de criptosporidiose devidos a C. parvum concentraram-se entre os meses de Outubro e Junho, exceptuando o mês de Fevereiro, tendo sido verificados picos nos meses de Janeiro, Maio, Junho, Outubro e Novembro. Nos meses de Fevereiro e de Agosto, apesar de não terem sido observados casos de criptosporidiose devido a C. hominis ou a C. parvum, foram registadas infecções por C. meleagridis. N.º de casos de criptosporidiose Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez FIGURA 12 Representação gráfica do número de casos de criptosporidiose, diagnosticados entre Janeiro de 1995 e Janeiro de 2005, em função dos meses do ano 127

146 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. N.º de casos de criptosporidiose C. parvum C. hominis C. felis C. meleagridis 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez FIGURA 13 Representação gráfica do total de casos de criptosporidiose, por mês, diagnosticados entre Janeiro de 1995 e Janeiro de 2005, em função da espécie de Cryptosporidium spp. Em virtude do reduzido número de casos anuais de criptosporidiose estudados, não se verificaram as condições necessárias para a realização de qualquer inferência estatística, que permitisse avaliar a eventual variação sazonal da infecção humana pelas diversas espécies de Cryptosporidium. Por fim, encontra-se descrita no quadro XX a dimensão média dos oocistos de cada espécie de Cryptosporidium spp., de acordo com os dados obtidos por microscopia óptica. QUADRO XX Dimensão dos oocistos pertencentes às espécies de Cryptosporidium, identificadas na população humana estudada ESPÉCIE DIMENSÃO MÉDIA DOS OOCISTOS (µm) C. parvum 4,97 4,42 C. hominis 4,91 4,36 C. felis 4,13 3,81 C. meleagridis 4,72 4,52 128

147 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 3. DISCUSSÃO No conjunto dos quatro loci estudados (SSU-rRNA, COWP, DHFR e TRAP-C1), foi possível caracterizar, geneticamente, 84,7% dos isolados de Cryptosporidium spp. de origem humana (quadro XVI). Esta percentagem é, no entanto, um valor global, que não reflecte as assimetrias observadas, quer entre diferentes grupos de isolados, quer entre os diversos loci. Conforme se observa no quadro XVI, a percentagem de sucesso da PCR, no grupo de parasitas que se encontrava conservado em MIF, foi, no mínimo, duas vezes e meia inferior à observada no grupo dos que foram preservados em dicromato de potássio ou daqueles cuja caracterização molecular foi realizada logo após a sua identificação parasitológica. Esta situação está, com certeza, relacionada com o facto de os oocistos pertencentes ao primeiro grupo terem sido conservados, durante longo tempo, num meio contendo formaldeído (MIF). O formaldeído é um composto orgânico, amplamente utilizado na conservação de tecidos e seus componentes. No entanto, estudos realizados sobre as reacções químicas que ocorrem entre este composto e os ácidos nucleicos, revelaram que o formaldeído não só provoca a degradação das cadeias de DNA, através da formação de ligações cruzadas por pontes de metileno, da formação de nucleótidos apurínicos e apirimidínicos e da cisão da ligação fosfodiester da cadeia nucleotídica, como inibe a sua reparação [Grafstrom et al., 1983; Douglas e Rogers, 1998; Srinivasan et al., 2002]. Como consequência destas reacções, o DNA extraído de tecidos preservados em formaldeído, encontra-se muito fragmentado e apresenta um peso molecular muito baixo, o que compromete, seriamente, a sua amplificação por PCR [Douglas e Rogers, 1998; Srinivasan et al., 2002]. Gillespie et al. (2002), compararam, por PCR, a qualidade do DNA extraído de amostras de tecido humano preservadas em formaldeído e noutro tipo de conservantes, tendo, no último caso, observado maior facilidade de amplificação do DNA do que no primeiro. Resultados idênticos foram obtidos por Douglas e Rogers (1998), que descreveram o insucesso da PCR em amostras de tecidos vegetais tratadas com formaldeído, ao contrário do que aconteceu na amplificação do DNA de amostras idênticas não tratadas. No que respeita à amplificação dos quatro loci, a PCR do locus SSU-rRNA foi a que permitiu amplificar o DNA de um maior número de isolados, seguindo-se-lhe, por ordem decrescente, as dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 (quadro XVI). Para os isolados que não se encontravam conservados em MIF, as taxas de amplificação dos genes SSU-rRNA, COWP, DHFR e TRAP-C1, foram de 100% (44/44), 79,5% (35/44), 75% (33/44) e 61,4% 129

148 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. (27/44), respectivamente. Sulaiman et al. (1999) compararam os mesmos quatro métodos de PCR, tendo identificado como mais sensíveis os que amplificaram os genes SSU-rRNA e DHFR, seguidos, por ordem decrescente, pelos dos loci COWP e TRAP-C1. McLauchlin et al. (1999) observaram, para as mesmas PCR S dos genes TRAP-C1 e COWP e para outra, dirigida para o locus SSU-rRNA, mas com oligonucleótidos iniciadores diferentes dos utilizados no presente trabalho, sensibilidades de 66% (139/211), 91% (191/211) e 97% (204/211), respectivamente, valores não muito díspares dos obtidos no presente trabalho. Resultados idênticos foram obtidos, ainda, por Pedraza-Díaz et al. (2001b), para estes mesmos métodos. A maior sensibilidade, exibida pela amplificação do gene SSU-rRNA, não será alheia à existência, no genoma de Cryptosporidium spp., de cinco cópias deste gene contra, apenas, uma dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 [Vásquez et al., 1996; Le Blancq et al., 1997; Spano et al., 1997a, 1998c]. Deste modo, no início da PCR, para um mesmo número de oocistos, o número de cadeias alvo do gene SSU-rRNA disponível é cinco vezes superior ao do presente para os restantes genes, o que se traduz no aumento da sensibilidade da sua amplificação. A sensibilidade da PCR é, também, determinada pelo tipo de reacção de amplificação realizada, na medida em que as PCR S nested apresentam, regra geral, maior sensibilidade do que as simples. O método de PCR nested, para amplificação do gene SSUrRNA, apresentou sensibilidade superior à dos métodos de PCR simples, responsáveis pela amplificação dos genes COWP e TRAP-C1. Contrariamente ao esperado e aos resultados obtidos nos isolados de bovinos e de ruminantes do Jardim Zoológico de Lisboa (vide capítulo VI, quadro XXI), e, ainda, aos descritos por Sulaiman et al. (1999), nos isolados humanos, a percentagem de sucesso de amplificação do gene DHFR, por um método de PCR nested, foi inferior à observada para a PCR simples do gene COWP. Contudo, esta situação pode, em parte, ser explicada, pelo facto da PCR do gene COWP ter amplificado o DNA de alguns parasitas da espécie C. felis, o que não sucedeu com a PCR do gene DHFR. O número de criptosporídeos presentes nas amostras fecais constituiu outro dos factores com influência no sucesso dos métodos de PCR, em particular, nos dos genes DHFR e TRAP-C1. Nestes dois loci, a percentagem de insucesso da PCR, observada nas amostras fecais com carga parasitária baixa (nível I e II), foi cerca de duas vezes superior (20% e 40%, respectivamente) à da obtida nas fezes com carga parasitária de nível III e IV (10,5% e 21,1%, respectivamente), facto que, contudo, não se verificou na amplificação do locus COWP. A influência da carga parasitária fecal, no sucesso da PCR, foi, igualmente, descrita por McLauchlin et al. (1999), que 130

149 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. observaram, na amplificação dos genes COWP e TRAP-C1, o aumento da sensibilidade da reacção, proporcional ao número de oocistos presentes nas amostras fecais. O sucesso de cada método de PCR é, também, medido em função da sua capacidade de amplificação do DNA das diferentes espécies de Cryptosporidium, o que depende, fundamentalmente, da escolha dos oligonucleótidos iniciadores. Para que o DNA de todas as espécies e genótipos de Cryptosporidium seja amplificado, é essencial a ausência de polimorfismos do DNA alvo, na região de ligação dos oligonucleótidos iniciadores. No presente trabalho, apenas os métodos de amplificação dos genes SSU-rRNA e COWP permitiram amplificar o DNA das quatro espécies identificadas na população estudada (quadros XVII e XVIII). Porém, no caso do gene COWP, não só a amplificação do DNA de C. felis ocorreu em, apenas, 40% (2/5) dos isolados, como o rendimento da reacção foi muito baixo. Jiang e Xiao (2003) compararam diferentes métodos de PCR-RFLP (SSU-rRNA, COWP, DHFR, TRAP-C1, TRAP-C2, HSP70), no sentido de avaliar a sua capacidade de identificar as sete espécies de Cryptosporidium infectantes para o Homem, tendo verificado que, apenas, dois métodos, ambos baseados na amplificação de um fragmento do gene SSU-rRNA, permitiam a sua detecção e/ou diferenciação. Xiao et al., (2000b) conseguiram amplificar, com o método de PCR do locus COWP, desenvolvido por Spano et al. (1997b), o DNA de C. felis o que, no entanto, aconteceu com baixo rendimento e, apenas, em oocistos purificados. Estes autores determinaram a sequência nucleotídica do gene COWP em várias espécies de Cryptosporidium, tendo observado grande variabilidade entre sequências de diferentes espécies, em particular, na região de ligação dos oligonucleótidos iniciadores, sendo esta a razão da grande dificuldade da amplificação do gene COWP, em espécies como C. felis, C. canis, C. muris ou C. andersoni. Xiao et al. (2000b) conseguiram amplificar o gene COWP destas espécies, somente, com DNA isolado a partir de um número superior a 100 oocistos purificados. Tanto o método de amplificação do gene COWP, como o dos genes TRAP-C1 e DHFR, foram desenvolvidos com base na sequência nucleotídica das espécies C. hominis e C. parvum. Assim, a amplificação do DNA de espécies cuja sequência nucleotídica, na zona de ligação dos oligonucleótidos iniciadores, seja distinta da daquelas espécies, fica comprometida [Morgan et al., 2000a; Xiao et al., 2000b]. Por fim, há, ainda, a referir o caso do gene TRAP-C1, no qual, apesar de se ter verificado a amplificação do DNA dos isolados pertencentes à espécie C. meleagridis, a reduzida variabilidade da região amplificada, não possibilitou a distinção entre estes parasitas e os pertencentes à espécie C. hominis. Perante o 131

150 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. exposto, a utilidade dos métodos de amplificação dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1, na identificação das espécies de Cryptosporidium que causam infecção humana e daquelas presentes em amostras ambientais, encontra-se limitada, não só pela baixa sensibilidade da reacção, como, também, pelo facto de não permitirem a amplificação ou a diferenciação do DNA das várias espécies e genótipos deste parasita. Em todos os isolados pertencentes à espécie C. felis, identificados no presente trabalho, a visualização, em gel de agarose, dos fragmentos de restrição do gene SSU-rRNA, obtidos por hidrólise com a endonuclease VspI, permitiu identificar a presença dos dois tipos de cópias deste gene. Em três isolados, foi observado o predomínio do perfil de restrição correspondente à cópia A do gene que codifica a SSU-rRNA, enquanto que, noutros dois, o perfil dominante dizia respeito à cópia B daquele gene. Nestes cinco isolados, a diferença de intensidade, observada nos fragmentos de restrição, correspondentes aos dois tipos de cópia do gene SSUrRNA, sugere a existência de variabilidade na proporção do número de cópias A e B, presentes em cada um (figura 10). Considerando os doentes com criptosporidiose nos quais foi identificada a espécie responsável pela infecção, 52% (26/50) encontravam-se parasitados por C. parvum, 32% (16/50) por C. hominis, 10% (5/50) por C. felis e 6% (3/50) por C. meleagridis (quadro XVII). Estes números põem em evidência o facto de mais de metade dos doentes se encontrarem infectados por C. parvum. O predomínio da infecção humana por esta espécie tem, também, sido observado em diversos países do Continente Europeu. Estudos realizados em França, no Reino Unido, na Irlanda do Norte e na Suíça, dão conta de percentagens de infecção humana, devidas a C. parvum, de 47,8% (22/46), 61,5% (1.049/1.075), 89,7% (35/39) e 53,8% (7/133), respectivamente, contra valores de 30,4% (14/46), 37,8% (645/1.075), 10,3% (4/39) e 15,4% (2/13), para a infecção por C. hominis [McLauchlin et al., 2000; Morgan et al., 2000a; Guyot et al., 2001; Lowery et al., 2002]. Pelo contrário, noutros Continentes, observa-se maior número de infecções devidas a C. hominis. Em dois estudos epidemiológicos, realizados no Peru, um em crianças e outro em adultos infectados por VIH, as percentagens de infecção por C. hominis foram de 78,8% (67/85) e 66,9% (204/302), respectivamente, contra valores de 9,4% (8/85) e 11,2% (34/302) para a infecção por C. parvum [Xiao et al., 2001a; Cama et al., 2003]. Nos Estados Unidos da América, a caracterização molecular de isolados de Cryptosporidium spp., identificados em casos esporádicos e em surtos, revelou percentagens de infecção por C. hominis e C. parvum de 79,5% (35/44) e 132

151 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 20,5% (9/44), respectivamente [Sulaiman et al., 1998]. No Malawi, no Uganda e na Tailândia, a percentagem de casos de criptosporidiose humana, atribuída à espécie C. hominis, foi de 95,3% (41/43), 73,4% (326/444) e 50% (17/34), respectivamente, enquanto que, para a infecção por C. parvum, foi de 4,6% (2/43), 19,1% (85/444) e 14,7% (5/34) [Gatei et al., 2002b; Peng et al., 2003a; Tumwine et al., 2003]. No que respeita à infecção pelas espécies C. felis e C. meleagridis, as percentagens de infecção, encontradas na população portuguesa estudada, de 10% (5/50) e de 6% (3/50), respectivamente, são idênticas às de 13% (6/46) e de 6,5% (3/46) encontradas, em França, por Guyot et al. (2001), para as mesmas espécies. No Reino Unido, McLauchlin et al. (2000) encontraram uma percentagem de casos de criptosporidiose humana devidos a C. meleagridis de 0,46% (5/1705). Num estudo realizado, em crianças, no Uganda, a percentagem de infecção por C. meleagridis, registada por Tumwine et al. (2003), foi de 1,1% (5/444). Nas investigações realizadas nestes dois últimos países, não foram identificadas infecções devidas a C. felis. No entanto, a caracterização genética dos isolados foi efectuada pela técnica de PCR-RFLP, aplicada ao gene COWP, que, como já foi referido, não permite a detecção do DNA de todos os parasitas pertencentes a esta espécie. Contrariamente ao observado nos estudos acima descritos, noutros países, o número de casos de infecção por C. meleagridis foi mais elevado. No Peru, em doentes infectados por VIH, as percentagens de criptosporidiose, devidas a C. meleagridis e a C. felis, foram de 12,6% (38/302) e 3,3% (10/302), respectivamente [Cama et al., 2003]. Na Tailândia, numa população semelhante, os valores encontrados, para estas duas espécies, foram de 20,6% (7/34) e 8,8% (3/34), respectivamente [Gatei et al., 2002b]. Para além das quatro espécies já referidas, diversos autores descreveram, ainda, infecções humanas causadas pelas espécies C. muris, C. canis e C. suis e por Cryptosporidium genótipo cervo [Pieniazek et al., 1999; Guyot et al., 2001; Xiao et al., 2001a; Gatei et al., 2002a; Ong et al., 2002; Cama et al., 2003; Gatei et al., 2003]. Estas espécies e genótipo não foram, porém, encontradas na população portuguesa estudada. O significado epidemiológico da diferente distribuição das várias espécies de Cryptosporidium responsáveis pela infecção humana, em diversas zonas geográficas, é, ainda, desconhecido, embora se pense que possa estar relacionado com a existência de variadas fontes de infecção e/ou ser o reflexo de diferenças na contribuição de cada modo de transmissão, para a epidemiologia da criptosporidiose, numa dada região. A ocorrência, nos países europeus, de um maior número de infecções por C. parvum, leva a supor a existência, não só de um elevado reservatório zoonótico desta espécie, como de um predomínio da transmissão zoonótica, sobre a 133

152 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. antroponótica [Xiao et al., 2000c; Thompson, 2003]. Estudos epidemiológicos, conduzidos no Reino Unido, mostraram que os casos esporádicos, devidos a C. parvum, se encontram associados, sobretudo, ao contacto com gado doméstico e ao consumo de água da rede de abastecimento não fervida, enquanto que os devidos a C. hominis são mais frequentes em indivíduos que viajaram para fora do País ou que estiveram em contacto directo com pessoas parasitadas [McLauchlin et al., 2000; Pedraza-Díaz et al., 2001b; Goh et al., 2004]. Num estudo casocontrolo, sobre a criptosporidiose esporádica em Inglaterra e no País de Gales, Hunter et al. (2004) encontraram uma associação, estatisticamente significativa, entre a infecção por C. hominis e a deslocação recente ao estrangeiro ou o proceder à muda de fraldas em crianças com idade inferior a cinco anos. Os mesmos autores encontraram, ainda, o mesmo tipo de associação, entre a infecção por C. parvum e o contacto com gado doméstico. O facto de as medidas adoptadas, no Reino Unido, para o controlo da epidemia de febre aftosa, em 2001, terem tido como consequência um decréscimo do número de casos de criptosporidiose humana por C. parvum, sustenta a hipótese da importância da transmissão zoonótica naquele País [Smerdon et al., 2003; Xiao e Ryan, 2004]. Num estudo realizado na Suíça, em crianças com diarreia, Glaeser et al. (2004) observaram que a infecção por C. hominis era responsável por 90% (9/10) dos casos de criptosporidiose associados a viagens para fora do País. Os dados epidemiológicos recolhidos, ao longo do presente trabalho, não foram suficientes para permitir a associação entre a infecção por determinada espécie de Cryptosporidium spp. e os factores de risco que se sabe poderem favorecer a sua transmissão. A informação sobre a permanência no estrangeiro, nos meses que antecederam o diagnóstico, apenas foi disponibilizada para cinco doentes. Destes, três infectados por C. hominis, um por C. parvum e outro por C. felis, quatro haviam regressado de Angola (dois deles eram residentes neste País) e um da Guiné-Bissau (quadro XIX). Nos dois doentes, que se sabia residirem em Angola, a criptosporidiose não pode, contudo, ser considerada como infecção do viajante. Quanto aos restantes três doentes, todos eles africanos, desconhece-se se teriam residência em Angola e na Guiné-Bissau ou se a chegada a Portugal se terá verificado na sequência da deslocação àqueles países. No que se refere ao contacto com gado doméstico ou com animais de companhia, apenas foi conseguida a informação de que um dos doentes, com infecção por C. felis, tinha contacto com gatos, no seu ambiente doméstico. Contudo, não foi possível realizar um exame parasitológico às fezes desses animais, para averiguar se estariam a excretar oocistos. 134

153 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. A variação sazonal, do número de casos de criptosporidiose humana encontra-se bem descrita em países, como os EUA ou o Reino Unido. Nos EUA, verifica-se que o número de casos de criptosporidiose notificados regista um aumento entre os meses de Junho e Outubro, o que os epidemiologistas associam à prática de actividades ao ar livre, particularmente à utilização de água de recreio (rios, lagos, piscinas) [Dietz et al., 2000; Hlavsa et al., 2005]. No Reino Unido, McLauchlin et al. (2000) e Pedraza-Díaz et al. (2001b), observaram a existência de dois picos de ocorrência da criptosporidiose, um durante a Primavera, que se encontra associado à infecção por C. parvum, devido ao aumento dos casos de criptosporidiose no gado doméstico na época do parto e, outro, no fim do Verão e início do Outono, associado à infecção por C. hominis e a deslocações para fora do País. No que respeita ao presente trabalho, a observação das figuras 12 e 13 revela a existência de picos do número de casos de criptosporidiose, sobretudo, nos meses de Janeiro e Maio, mas, também, nos de Junho, Outubro e Novembro. Enquanto que as infecções devidas a C. hominis foram registadas em todas as estações do ano, o mesmo não se verificou com as causadas por C. parvum, que não foram observadas durante os meses de Verão (entre Julho e Setembro). Ainda, enquanto que a criptosporidiose por C. hominis evidencia uma transmissão mais ou menos constante, destacando-se, somente, dois picos de infecção, um em Janeiro e outro em Maio, os casos devidos a C. parvum parecem registar maior número anual de picos de infecção (Janeiro, Maio, Junho, Outubro e Novembro). Dado que o número de casos anuais de criptosporidiose estudado foi muito reduzido, desconhece-se se estas observações constituem, ou não, o reflexo da realidade epidemiológica do nosso País. Para além disso, também não dispomos de dados epidemiológicos suficientes que nos permitam interpretar e fundamentar as variações na distribuição temporal dos casos de criptosporidiose, acima descritas. A análise dos resultados da identificação das espécies de Cryptosporidium, em função da carga parasitária excretada pelos doentes, mostrou que todos aqueles com infecção por C. felis ou C. meleagridis exibiam cargas parasitárias de nível I ou II, enquanto que os doentes que excretavam maior número de oocistos (nível III ou IV) se encontravam parasitados por C. hominis ou por C. parvum (quadro XIX). A comparação dos casos de infecção devidos a estas duas últimas espécies revelou, ainda, que a percentagem de infectados por C. hominis e com elevada carga parasitária (nível III ou IV) 50% (8/16) foi ligeiramente superior à dos parasitados por C. parvum 46,2% (12/26). No Reino Unido, McLauchlin et al. (1999) verificaram que 52,7% (39/74) dos infectados por C. hominis exibiam carga parasitária 135

154 V CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS HUMANOS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. elevada, contra, apenas, 36,7% (44/120) dos parasitados por C. parvum. Também no Peru, Xiao et al., (2001a) observaram que o número de oocistos, presentes nas fezes de crianças infectadas por C. hominis, era superior ao daquelas que se encontravam parasitadas por C. parvum, C. meleagridis, C. felis ou C. canis. Os mesmos autores descreveram, ainda, que a duração do período de excreção de oocistos foi, significativamente, superior no caso das infecções causadas por C. hominis. As espécies C. felis e C. meleagridis, apesar de responsáveis por um número de infecções humanas inferior ao originado por C. hominis e C. parvum, e de provocarem cargas parasitárias mais baixas são, todavia, capazes de causar infecção sintomática no hospedeiro humano. Conforme se verifica pelo descrito no quadro XIX, todos os infectados por C. felis e por C. meleagridis apresentavam diarreia e, alguns, diarreia crónica. Para além disso, a espécie C. meleagridis foi identificada em dois dos três doentes que faleceram de criptosporidiose [Matos et al., 2004]. A determinação da dimensão dos oocistos de cada espécie de Cryptosporidium spp., efectuada pela sua observação em microscopia óptica, revelou valores idênticos aos descritos por outros autores, para as mesmas espécies [Fayer et al., 2000; Egyed et al., 2002; Fall et al., 2003; Xiao et al., 2004a]. Estes resultados colocam em evidência o facto da semelhança morfométrica, observada entre os oocistos das diferentes espécies de Cryptosporidium, não permitir a sua diferenciação por microscopia óptica e demonstram a necessidade da utilização de técnicas de biologia molecular para a sua identificação. Os resultados da caracterização molecular dos isolados de Cryptosporidium spp., responsáveis pela criptosporidiose na população humana estudada, apontam para a existência de infecções com espécies potencialmente zoonóticas. Assim, se existirem reservatórios zoonóticos destas espécies e condições epidemiológicas favoráveis, podem criar-se condições para a sua transmissão zoonótica ao Homem, quer directa, quer indirectamente, através da água ou de alimentos contaminados. No entanto, a possibilidade da transmissão de espécies zoonóticas se processar pela via antroponótica, sobretudo em meio urbano, não pode ser esquecida. O desconhecimento da epidemiologia da criptosporidiose, não só em Portugal, como noutras zonas geográficas, sublinha a necessidade de se realizarem investigações epidemiológicas mais abrangentes e aprofundadas que, à semelhança do que acontece, por exemplo, no Reino Unido, permitam compreender a importância dos diversos modos de transmissão em cada região. 136

155 Capítulo VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 137

156 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 1. INTRODUÇÃO O número de espécies animais susceptíveis à infecção por organismos do género Cryptosporidium ascende a mais de 240, entre mamíferos, répteis e aves [O Donoghue, 1995; Fayer et al., 1997; Fayer, 2004]. Todavia, a maioria das infecções, provocadas por estes parasitas, tem sido descrita em gado doméstico de importância económica (bovino, ovino e caprino) e em alguns animais silváticos (Cervídeos e pequenos mamíferos). Enquanto que o gado doméstico se encontra associado a diversas actividades humanas, os pequenos mamíferos (roedores e insectívoros) são ubíquos, tanto em meio urbano, como em meio rural. Os Cervídeos são animais que habitam parques naturais e florestas, locais de lazer, habitualmente, frequentados por crianças e adultos. Desde que ocorra partilha de habitats e susceptibilidade às mesmas espécies de Cryptosporidium, não só os animais silváticos podem constituir possíveis reservatórios de Cryptosporidium spp. para o gado doméstico, como estes últimos podem ser fonte destes parasitas para os primeiros [Sturdee et al., 1999; Perz e Le Blancq, 2001; Fayer, 2004; Olson et al., 2004]. Estudos recentes mostraram que isolados de C. parvum de vitelos e de ratos das margens (Clethrionomys glareolus), naturalmente infectados, foram capazes de produzir infecção, em laboratório, em ratos do campo (Microtus arvalis) [Donskow et al., 2005]. Estes autores pretenderam demonstrar a possibilidade da transmissão natural de C. parvum, entre bovinos e roedores, em situações de partilha do habitat. A criptosporidiose em gado doméstico e em animais silváticos, pode constituir risco para a saúde pública, uma vez que existe a possibilidade de transmissão da infecção ao Homem, não só por contacto directo, mas, também, por contaminação do ambiente, dos recursos hídricos e de alimentos [Fayer, 2004; Olson et al., 2004]. Para além da possibilidade do gado doméstico e de alguns animais silváticos poderem constituir fontes de infecção para o Homem, a hipótese de o mesmo poder acontecer com os animais de companhia, nomeadamente cães e gatos, não se encontra, ainda, excluída [Juranek, 1995; Glaser et al., 1998]. Em muitos dos casos de criptosporidiose que se encontram documentados, tanto em gado doméstico, como em animais silváticos, a causa da infecção tem sido atribuída à espécie C. parvum, com base, unicamente, nas características morfométricas dos oocistos [Chalmers et al., 1997; Olson et al., 1997a; Sturdee et al., 1999; Torres et al., 2000; Bajer et al., 2002; Castro-Hermida et al., 2002; Causapé et al., 2002; Sturdee et al., 2003; Dall Olio et al., 2004]. Nestes casos, dada a ausência de 138

157 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. informação molecular sobre os isolados, desconhece-se quantos deles pertencem, realmente, a C. parvum [Fayer, 2004]. Sendo C. parvum, a espécie responsável por cerca de metade das infecções humanas em Portugal e, tendo em conta, também, aquelas causadas pelas espécies C. felis e C. meleagridis [Alves et al., 2001b, 2003b; Matos et al., 2004], é essencial que sejam identificadas as espécies responsáveis pela infecção nos animais que se encontram em maior proximidade com o Homem, para que se possa conhecer o seu potencial zoonótico e o risco que constituem, para a saúde pública. 2. RESULTADOS No conjunto dos quatro loci genéticos estudados (SSU-rRNA, COWP, DHFR e TRAP- C1), foi possível amplificar, por PCR, o DNA genómico de 98 dos 140 isolados de Cryptosporidium spp. de origem animal que foram identificados, por diagnóstico parasitológico, quer no decorrer do presente trabalho, quer em estudos epidemiológicos anteriores (vide capítulos II e IV). No quadro XXI, encontram-se descritos os resultados da amplificação, por PCR, do DNA de todos os isolados animais, para cada um dos quatro genes em estudo. A PCR do gene SSU-rRNA, foi a que permitiu amplificar o DNA de um maior número de isolados (70%), seguindo-se-lhe, por ordem decrescente, as reacções de amplificação dos loci DHFR (43,6%), COWP (32,1%) e TRAP-C1 (16,4%). O método de PCR do locus SSUrRNA amplificou o DNA dos isolados pertencentes a todos os grupos de hospedeiros, enquanto que, os dos restantes três loci, amplificaram, somente, o DNA dos isolados de gado bovino e ovino e dos Bovídeos do Jardim Zoológico estudados em 1996 e em Sempre que a amplificação dos genes COWP, DHFR e/ou TRAP-C1 foi positiva, o mesmo aconteceu, também, com a amplificação do gene SSU-rRNA. A amplificação do DNA dos isolados pertencentes aos gamos da Tapada Nacional de Mafra foi a que registou maior percentagem de insucesso (75% 9/12). A carga parasitária observada nas fezes destes animais era muito baixa (nível I). No gado bovino, 87,5% (28/32), 77,2% (44/57), 76,1% (54/71) e 72,7% (64/88), respectivamente, dos casos de insucesso nas PCR S dos genes SSU-rRNA, DHFR, COWP e TRAP-C1 correspondiam a amostras fecais 139

158 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. com carga parasitária baixa (nível I ou II). Entre os Bovídeos do Jardim Zoológico de Lisboa, estudados em 1996 e em , apenas o DNA de um isolado detectado num elande não foi amplificado por nenhum dos quatro métodos de PCR. Neste animal, o número de oocistos presentes nas fezes era muito baixo (nível I). Quanto aos restantes isolados encontrados neste grupo de animais, 50% daqueles cujo DNA não foi amplificado pela PCR dos genes DHFR (2/4) e COWP (3/6) pertenciam a amostras fecais com carga parasitária de nível II, tendo o mesmo acontecido em 66,7% (6/9) dos isolados em que não ocorreu amplificação do gene TRAP-C1. QUADRO XXI Resultados da amplificação, por PCR, do DNA dos isolados de Cryptosporidium spp. de origem animal HOSPEDEIROS N.º DE ISOLADOS COM AMPLIFICAÇÃO POSITIVA (n.º estudado) SSU-rRNA DHFR COWP TRAP-C1 TOTAL AMPLIFICADO Gatos (n = 2) 2 (100%) (100%) Bovinos (n = 110) (70,9%) (48,2%) (35,5%) (20,0%) (70,9%) Ovinos (n = 2) 2 (100%) 2 (100%) 2 (100%) 0 2 (100%) Gamos (n = 12) 3 (25,0%) (25,0%) Bovídeos Zoo (1996, ) (n = 11) (90,9%) (54,5%) (36,4%) (9,1%) (90,9%) Bovídeos Zoo (presente estudo) (n = 2) 2 (100%) (100%) Répteis Zoo (n = 1) 1 (100%) (100%) Total (n = 140) 98 (70,0%) 61 (43,6%) 45 (32,1%) 23 (16,4%) 98 (70,0%) A análise dos perfis de restrição, obtidos por hidrólise dos produtos de PCR com determinadas endonucleases, permitiu, por comparação com os descritos na literatura, identificar algumas das espécies dos isolados em estudo (figuras 14 a 16). 140

159 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. Nos isolados detectados nos dois gatos, a hidrólise do fragmento do gene SSU-rRNA, com as endonucleases SspI e VspI, mostrou ser C. felis a espécie responsável pela infecção naqueles animais. Ambos os isolados exibiam um predomínio da cópia A do gene SSU-rRNA (figura 14). 900 pb 800 pb a m Cf Cf b Cf Cf m Cf Cf 700 pb 400 pb SspI VspI FIGURA 14 Fotografias de géis de agarose, após electroforese (a) dos produtos de amplificação do gene SSU-rRNA e (b) dos respectivos fragmentos de restrição, pelas endonucleases SspI e VspI, dos isolados detectados em gatos. Cf C. felis, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) a m Cp Cp b m Cp Cp a m Cp Cp b m Cp Cp 600 pb 500 pb 500 pb 400 pb 400 pb 300 pb 300 pb 200 pb a m Cp Cp b m Cp Cp 600 pb 400 pb 500 pb 400 pb FIGURA 15 Fotografias de géis de agarose, após electroforese (a) dos produtos de PCR e (b) dos respectivos fragmentos de restrição, para os genes COWP ( ), DHFR ( ) e TRAP-C1 ( ). Cp C. parvum, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) 141

160 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. Todos os criptosporídeos de ruminantes (gado bovino e ovino, gamos e Bovídeos do Jardim Zoológico, estudados retrospectivamente) com amplificação positiva para os genes COWP, DHFR e TRAP-C1 foram, após análise de RFLP dos respectivos produtos de PCR, identificados como pertencendo à espécie C. parvum (figura 15). A hidrólise do fragmento do gene SSU-rRNA amplificado, com as endonucleases SspI e VspI, permitiu identificar a espécie C. parvum em todos os isolados de ovinos, dos gamos e dos Bovídeos do Jardim Zoológico (estudados em 1996 e em ). Nos isolados de bovinos, foram identificadas, por RFLP, as espécies C. parvum e C. andersoni (figura 16). Ainda, neste último grupo de parasitas, a sequenciação do fragmento SSU-rRNA amplificado permitiu identificar, também, a espécie C. bovis (GenBank AF120911) e o genótipo semelhante ao do gamo (do inglês, deer-like ) (GenBank AY587166). Os resultados da sequenciação permitiram, ainda, confirmar a identificação de C. parvum (GenBank AF093490) e de C. andersoni (GenBank AF093496), feita por RFLP. Conforme se observa na figura 16, os perfis de restrição de C. parvum, C. bovis e Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo são, praticamente, indistinguíveis. Apenas nos isolados de C. parvum se verificou a amplificação do DNA dos quatro genes estudados. Os resultados da identificação desta espécie, obtidos por PCR, RFLP e/ou sequenciação dos fragmentos amplificados, foram concordantes para os quatro loci genéticos em estudo. 900 pb 700 pb a m Cg Cb Cp Ca m b m Cg Cb Cp Ca m Cg Cb Cp Ca m 900 pb 500 pb 200 pb SspI VspI FIGURA 16 Fotografias de géis de agarose após electroforese (a) dos produtos de amplificação do gene SSU-rRNA e (b) dos respectivos fragmentos de restrição pelas endonucleases SspI e VspI de isolados de bovinos. Cg Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo, Cb C. bovis, Cp C. parvum, Ca C. andersoni, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) 142

161 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. No quadro XXII, encontram-se descritas as dimensões dos fragmentos de restrição, que se obtêm por RFLP, em cada locus caracterizado, para cada espécie ou genótipo identificado nos isolados de origem animal. QUADRO XXII Dimensão dos fragmentos de restrição obtidos para as espécies e genótipos de Cryptosporidium identificadas em animais GENE / ENZIMA DE DIMENSÃO DOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO (pb) RESTRIÇÃO C. felis C. parvum C. andersoni C. bovis Genótipo deer-like SSU-rRNA / SspI 426, 391, 33, 14 a 449, 254, 108, 12, , , 254, 119, 9 432, 250, 103, 33 SSU-rRNA / VspI 658, 104, 102 a 628, 104, , , 104, , 104, 98 COWP / RsaI a.a. 413, 106, 34 a.a. a.a. a.a. DHFR / BpuA1 a.a. 210, 198 a.a. a.a. a.a. TRAP-C1 / RsaI a.a. 455, 51 a.a. a.a. a.a. a cópia A do gene SSU-rRNA; a.a. ausência de amplificação No que respeita aos isolados dos três animais do Jardim Zoológico, encontrados parasitados no presente trabalho, a intensidade do fragmento do gene SSU-rRNA amplificado, observada em gel de agarose, foi muito reduzida, pelo que não se realizou a análise de RFLP e se procedeu, apenas, à sua sequenciação. A comparação da sequência nucleotídica daquele fragmento, com as depositadas no GenBank, permitiu identificar os isolados pertencentes à tartaruga estrela indiana e ao bisonte americano como Cryptosporidium genótipo tartaruga (AY120914) e Cryptosporidium genótipo rato (AF112571), respectivamente. A sequência nucleotídica do fragmento do gene SSU-rRNA do parasita detectado no gnu de cauda branca, apresentava diferenças significativas relativamente às de outros isolados animais existentes no GenBank tendo, por isso, sido considerada como um novo genótipo de Cryptosporidium spp. em animais. Esta sequência foi depositada no GenBank, com o número de acesso AY [Alves et al., 2005]. A árvore filogenética, apresentada na figura 17, mostra que este novo genótipo se encontra agrupado com outras espécies (C. parvum, C. hominis, C. wrairi, C. suis, C. canis, C. felis, C. meleagridis e C. saurophilum) e genótipos (coelho, cavalo, furão, rato, toirão americano, cervo, gamo-rato, raposa, esquilo, gambá I e II, urso e rato-almiscareiro I e II) de parasitas intestinais, com um valor de confiança de 87%, determinado por análise de bootstrap. 143

162 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. 67 Genótipo macaco 64 C. hominis Genótipo coelho C. parvum 56 Genótipo cavalo C. wrairi 0.05 substituições de nucleótidos/posição 53 C. meleagridis Genótipo furão 99 Genótipo rato Sequência do bisonte americano Genótipo toirão americano 99 Genótipo gambá I Genótipo marsupial I C. suis 51 Genótipo marsupial II Genótipo rato-almiscareiro II Genótipo cervo Genótipo raposa Genótipo esquilo Genótipo gamo-rato Genótipo gambá II Genótipo rato-almiscareiro I 63 Genótipo urso 99 C. canis genótipo coiote 90 C. canis genótipo cão C. canis genótipo raposa 87 C. saurophilum C. felis 59 Sequência do gnu de cauda branca 96 Genótipo ganso I 91 Genótipo ganso II 83 Genótipo pato Genótipo porco II 92 C. bovis 80 Genótipo gamo Genótipo semelhante ao do gamo Genótipo cobra C. baileyi Genótipo tartaruga 98 Genótipo galinhola C. serpentis- like C. serpentis 92 C. andersoni C. muris Genótipo tentilhão C. galli C. molnari genótipo guppy Genótipo W21 (água de tempestade) E. tenella Figura 17 Relação filogenética entre os genótipos identificados nos animais do Jardim Zoológico de Lisboa e outras espécies e genótipos de Cryptosporidium, inferida pela análise de sequências do gene SSU-rRNA através do método neighbor joining, tendo por base distâncias genéticas calculadas pelo modelo de dois parâmetros de Kimura. A árvore foi construída utilizando como grupo externo a sequência AF de Eimeria tenella. Os números sobre os ramos indicam os valores de confiança, determinados por análise de bootstrap com réplicas 144

163 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. O novo genótipo, encontrado no presente trabalho, apresenta elevada semelhança com o genótipo W5 (GenBank AY737594), descrito por Jiang et al. (2005), numa amostra de água de tempestade, recolhida numa região de floresta, no Estado de Nova Iorque, nos EUA. A diferença entre a sequência do novo genótipo, encontrado no gnu de cauda branca, e a do genótipo W5 reside na substituição de uma guanina por uma adenina. No quadro XXIII, encontram-se resumidos os resultados da caracterização molecular de todos os isolados de origem animal estudados. QUADRO XXIII Espécies e genótipos identificados nos isolados de Cryptosporidium spp. de origem animal HOSPEDEIROS N.º DE ISOLADOS C. felis C. parvum C. andersoni C. bovis Genótipo deer-like Outro genótipo Gatos Bovinos Ovinos Gamos Bovídeos Zoo (1996, ) Bisonte americano rato Gnu de cauda branca novo Tartaruga estrela indiana tartaruga O vitelo que se encontrava parasitado com Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo ( deer-like ) tinha 29 dias de vida. Entre os animais infectados por C. bovis, um tinha 30 dias de vida, desconhecendo-se a idade do outro vitelo. Um dos vitelos parasitados por C. andersoni tinha quatro meses, sendo desconhecida a idade do outro animal infectado por esta espécie. Entre os bovinos, com infecção por C. parvum e idade conhecida, 97,9% (46/47) tinham menos de 38 dias de vida e 2,1% (1/47) tinham 80 dias. Desconhece-se a idade de 26 dos bovinos, parasitados por C. parvum. Do grupo de cinco bovinos infectados por parasitas que não pertencem à espécie C. parvum, um dos parasitados por C. bovis pertencia a uma exploração leiteira, em São Miguel, nos Açores, enquanto que os restantes quatro eram provenientes de explorações do Concelho de Montemor-o-Novo. 145

164 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. A dimensão média dos oocistos pertencentes às espécies e genótipos, identificados nos animais estudados, encontra-se descrita no quadro XXIV. QUADRO XXIV Dimensão dos oocistos, pertencentes às espécies e genótipos de Cryptosporidium, identificados na população animal estudada ESPÉCIE OU GENÓTIPO DIMENSÃO MÉDIA DOS OOCISTOS (µm) C. parvum 5,08 4,34 C. andersoni 6,25 5,29 C. bovis 4,97 4,41 Genótipo semelhante ao do gamo 5,04 4,38 C. felis 4,15 3,78 Genótipo rato 4,82 4,35 Genótipo novo (gnu de cauda branca) 4,89 4,45 Genótipo tartaruga 4,93 4,51 3. DISCUSSÃO A caracterização molecular dos isolados de Cryptosporidium spp. de origem animal, permitiu identificar a espécie de 70% (98/140) dos parasitas em estudo. Nos restantes 30% (42/140), tal não foi possível, devido ao insucesso da PCR na amplificação do DNA genómico dos parasitas (quadro XXI). De modo semelhante ao registado nos isolados humanos, também nos de origem animal, as PCR S que exibiram maior e menor percentagem de amplificação foram, respectivamente, as do loci SSU-rRNA (70%) e TRAP-C1 (16,4%). No entanto, ao invés do sucedido nos parasitas humanos, o número de isolados animais com amplificação positiva para o gene COWP (32,1%) foi inferior ao daqueles em que se verificou a amplificação do gene DHFR (43,6%). Estes resultados encontram-se de acordo com o esperado, uma vez que, sendo ambos genes de cópia única, a PCR nested do gene DHFR deverá apresentar sensibilidade superior à da PCR simples do gene COWP. Em cada um dos quatro loci genéticos estudados, a percentagem de amplificação do DNA, observada nos parasitas animais (quadro XXI), foi inferior à registada nos de origem humana (vide capítulo V, quadro XVI). 146

165 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. As diferenças verificadas entre a amplificação do locus SSU-rRNA e a dos restantes três genes podem encontrar justificação nos seguintes factos, já desenvolvidos no capítulo anterior: i) no genoma de Cryptosporidium spp. existem cinco cópias do gene SSU-rRNA e, apenas, uma dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1, o que diminui a sensibilidade da amplificação destes três últimos, sobretudo, em situações de carga parasitária baixa; ii) a amplificação do locus SSU-rRNA foi realizada através de um método de PCR nested, tendo o mesmo acontecido com a PCR do gene DHFR, mas não com as dos genes COWP e TRAP- C1, o que justifica a maior sensibilidade observada nas duas primeiras reacções; iii) as reacções de PCR dos loci COWP, DHFR e TRAP-C1 amplificam, essencialmente, o DNA de C. parvum e de C. hominis, mas não o de C. felis, C. andersoni, C. bovis ou dos genótipos semelhante ao do gamo, rato, tartaruga e o identificado no gnu de cauda branca. O baixo número de parasitas presente nas fezes dos animais estudados pode ser apontado como possível causa do insucesso da PCR que, em maior ou menor grau, se verificou em todos os loci. De facto, a maioria das amostras onde não ocorreu amplificação do DNA, apresentava carga parasitária baixa. Este factor parece ter sido mais acentuado nas amostras dos gamos da Tapada Nacional de Mafra, cujo número de oocistos nas fezes era muito reduzido e onde se observou uma percentagem de amplificação de, apenas, 25% (quadro XXI). Para além da carga parasitária, a presença de compostos de origem fecal, inibidores da PCR, pode, também, ter tido um papel determinante no insucesso daquela reacção, nos isolados de ruminantes domésticos e silváticos. Segundo Wilson (1997), a acção inibidora destes compostos sobre a PCR, pode resultar do sequestro ou da degradação do DNA, tornando-o, assim, indisponível para a amplificação, ou da inibição da actividade da enzima polimerase do DNA. Entre os inibidores da PCR mais comuns, encontram-se componentes de fluidos corporais, normalmente, encontrados em amostras clínicas e forenses (hemoglobina, sais biliares, ureia e heparina), constituintes de origem alimentar (compostos orgânicos e fenólicos, lípidos, glicogénio, polissacáridos e ião cálcio) e compostos de origem ambiental (ácidos húmicos, metais pesados e compostos fenólicos) [Monteiro et al., 1997; Wilson, 1997]. As amostras fecais, sendo um material biológico de composição complexa, colocam, com frequência, algumas dificuldades à realização da PCR [Widjojoatmodjo et al., 1992; Monteiro et al., 1997]. No caso particular das fezes dos ruminantes, não só a presença de determinados compostos inibidores da PCR é elevada (ácido fítico e polissacáridos), como a sua acção inibidora é muito acentuada [Thornton e Passen, 2004]. O ácido fítico ou fitato é a principal forma 147

166 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. sob a qual o fósforo se encontra armazenado nas plantas, sendo um constituinte das forragens (entre 1 a 7,5%), rações e outros alimentos de origem vegetal, que fazem parte da dieta dos ruminantes [Plaami, 1997; Thornton e Passen, 2004]. Este composto não é completamente digerido, durante a fermentação microbiana no rúmen destes animais, pelo que a sua presença nas fezes é inevitável [Thornton e Passen, 2004]. Thornton e Passen (2004) demonstraram que, em concentrações superiores a 0,4 mm, o fitato inibe, completamente, a reacção de PCR. Esta inibição pode ocorrer, quer por ligação ao ião magnésio, fazendo diminuir a sua disponibilidade em solução para níveis abaixo do necessário à actividade da polimerase do DNA, quer por alteração da composição iónica da reacção, quando presente sob a forma de sais de cálcio, magnésio, potássio ou sódio [Thornton e Passen, 2004]. Também, alguns polissacáridos têm efeito inibidor da PCR. Estes são os principais componentes das plantas, tendo uma função estrutural, enquanto constituintes da parede celular das células vegetais (pectina, hemicelulose e celulose), e de reserva energética, que é acumulada nas respectivas sementes e raízes (amido). Em virtude da dieta rica em fibras vegetais, característica dos ruminantes, os polissacáridos encontram-se, também, presentes nas suas fezes. Devido à sua carga negativa, estas macromoléculas apresentam comportamento semelhante ao dos ácidos nucleicos, sendo co-purificados com o DNA durante o seu processo de extracção. A inibição da PCR, por alguns polissacáridos, acontece porque estas macromoléculas, ao competirem com o DNA alvo, impedem a acção da enzima polimerase do DNA [Shioda e Murakami- Murofushi, 1987; Demeke e Adams, 1992; Monteiro et al., 1997]. A presença dos inibidores acima referidos, nas fezes de gado doméstico e de ruminantes silváticos, poderá justificar a diferença observada nas percentagens de amplificação dos quatro loci, entre os isolados humanos e os daqueles animais. A caracterização molecular dos isolados detectados nos dois gatos, revelou que ambos se encontravam parasitados por C. felis (figura 14, quadro XXIII), a mesma espécie que foi, também, encontrada em cinco doentes com infecção por VIH. Em ambos os isolados foi observado um predomínio da cópia A do gene SSU-rRNA (quadro XXII), tal como sucedeu em três dos cinco isolados humanos. O facto da espécie C. felis se encontrar associada, tanto à infecção em humanos, como em gatos domésticos, se, por um lado, não prova que o hospedeiro felino seja a fonte da infecção humana, por outro, também, não permite excluir a possibilidade de uma eventual transmissão zoonótica da infecção ao Homem, caso se verifiquem condições epidemiológicas favoráveis à transmissão. Apesar de se encontrarem 148

167 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. documentados alguns estudos epidemiológicos sobre a infecção por parasitas do género Cryptosporidium em animais de companhia, poucos são aqueles em que, através da utilização de técnicas de biologia molecular, foi identificada a espécie responsável pela infecção. Na Austrália, Sargent et al. (1998) caracterizaram, por sequenciação de um fragmento do gene SSU-rRNA, dois isolados de Cryptosporidium spp., detectados em dois gatos domésticos, tendo observado que a sua sequência nucleotídica exibia 8,1% de divergência em relação às sequências de isolados de origem humana e animal. Heitman et al. (2002) identificaram, por PCR-RFLP da região ITS1 do gene rrna, a espécie C. felis como a responsável pela infecção de um gato, numa zona rural do Canadá. A caracterização molecular dos isolados responsáveis pela infecção nos gamos da Tapada Nacional de Mafra, permitiu identificá-los como pertencendo à espécie C. parvum (figura 15, quadros XXII e XXIII). Dadas as características orográficas da Tapada, a eliminação para o solo de fezes contaminadas com oocistos de C. parvum, conduz à dispersão dos parasitas no ambiente. A orografia da Tapada Nacional de Mafra apresenta declives entre 80 e 358 m, o que, quando ocorre precipitação, favorece o aparecimento de águas de escorrência, que confluem para a Ribeira de Safarujo. Para além de ser utilizada como local de abeberamento pelos animais da Reserva Nacional, a Ribeira de Safarujo atravessa a Tapada, percorre os campos agrícolas do Concelho de Mafra, indo, por fim, desaguar na Praia de São Lourenço, entre a Ericeira e Ribamar. A elevada humidade relativa do solo (70-83%) e o seu teor argiloso constituem factores favoráveis à manutenção da viabilidade dos oocistos [Lourenço et al., 2000]. Estes factores propiciam a dispersão dos oocistos no ambiente e a transmissão da infecção a outros animais. Uma vez que a espécie C. parvum é, também, a responsável por um elevado número de infecções humanas, os resultados da caracterização molecular destes isolados evidenciam o potencial zoonótico da infecção nestes animais silváticos de vida livre e o risco que ela pode constituir para a saúde pública. Apesar de se encontrarem na literatura alguns estudos epidemiológicos sobre a criptosporidiose em Cervídeos, muito poucos são aqueles em que foi determinada a espécie causadora da infecção. Nos Estados Unidos da América, Deng e Cliver (1999) e Perz e Le Blancq (2001), identificaram a espécie C. parvum como a responsável por infecções assintomáticas em Cervídeos adultos, nos Estados da Califórnia e de Nova Iorque, respectivamente. A mesma espécie foi, ainda, descrita por Siefker et al. (2002), numa cria de veado com uma semana de vida, num Parque Natural do Estado da Virgínia, também nos EUA. 149

168 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. A espécie C. parvum foi, também, identificada como a responsável pela infecção nos Bovídeos do Jardim Zoológico de Lisboa estudados em 1996 e em (figura 15, quadros XXII e XXIII). Esta situação chama a atenção para o risco que a infecção por C. parvum constitui para aqueles que contactam, directamente, com estes animais, como é o caso dos seus tratadores. Uma eventual infecção, nestes trabalhadores, acarreta, ainda, o risco de transmissão secundária, no ambiente doméstico, a crianças ou a outros familiares. Por outro lado, através de águas de escorrência ou de fomites (botas dos tratadores, mangueiras, utensílios de limpeza dos recintos, rodas dos tractores) pode, ainda, ocorrer dispersão dos oocistos no ambiente. Sendo o Jardim Zoológico um local de lazer, que recebe muitos visitantes, em particular, crianças, a presença de animais infectados por C. parvum exige a adopção medidas que impeçam a transmissão desta parasitose ao Homem. No entanto, estes isolados de C. parvum correspondem a animais com diagnóstico parasitológico de criptosporidiose realizado em estudos epidemiológicos anteriores ao ano No que se refere ao estudo que efectuámos entre 2002 e 2003, não só não foi encontrado nenhum animal com infecção por C. parvum, como nenhum dos genótipos identificados, nos dois mamíferos e no réptil parasitados, foi, até à data, encontrado em infecções humanas (quadro XXIII). Deste modo, à luz dos conhecimentos actuais, nenhum dos parasitas encontrados, em animais do Jardim Zoológico de Lisboa, no período de 2002 a 2003, constitui risco para a saúde pública. A identificação de Cryptosporidium genótipo rato no bisonte americano (figura 17), constitui a primeira descrição deste genótipo num ruminante. Gómez et al. (2000) e Gracenea et al. (2002) também observaram oocistos de Cryptosporidium spp., nas fezes de bisontes americanos, no Zoo de Barcelona, mas não realizaram a caracterização molecular dos parasitas, pelo que se desconhece a sua identidade. O genótipo rato é muito comum em roedores, tendo sido associado a infecções em Apodemus flavicollis, Clethrionomys glareolus, Microtus arvalis e Mus musculus na Austrália, no Reino Unido, em Espanha e na Polónia [Morgan et al., 1999c; Bajer et al., 2003]. Dada a ausência de sintomas gastrintestinais, o baixo número de oocistos encontrado nas fezes e o facto de a sua detecção ter acontecido uma única vez (numa colheita de fezes posterior não foram encontrados oocistos), desconhece-se se o bisonte estaria, realmente, infectado pelo genótipo rato (infecção assintomática) ou, apenas, a excretar oocistos, de passagem pelo tracto gastrintestinal, após a sua ingestão, em alimentos e/ou água contaminados com fezes de roedores. Em estudos anteriores, de caracterização 150

169 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. molecular de isolados de répteis, Xiao et al. (2004b) identificaram, em três tartarugas estrela indianas do Zoo de Saint Louis, nos EUA, o genótipo tartaruga. Este foi, também, o genótipo encontrado na tartaruga estrela indiana, no Jardim Zoológico de Lisboa, sendo provável que este animal seja um hospedeiro natural dos parasitas com este genótipo. A infecção por Cryptosporidium spp. em gnus de cauda branca foi descrita, pela primeira vez, no Parque Nacional de Mikumi, na Tanzânia [Mtambo et al., 1997]. Contudo, os autores não efectuaram a caracterização molecular dos parasitas, pelo que se desconhece a espécie ou genótipo a que pertencem. Parasitas do género Cryptosporidium foram, também, observados nas fezes de um gnu azul (Connochaetes taurinus taurinus), no Zoo de Barcelona [Gómez et al. 2000], tendo a sua caracterização molecular permitido identificá-los como pertencendo à espécie C. parvum [Morgan et al. 1999c]. No presente estudo, a caracterização molecular dos oocistos excretados pelo gnu de cauda branca mostrou tratarem-se de parasitas pertencentes a um novo genótipo (figura 17). Devido à elevada semelhança da sua sequência nucleotídica com a do genótipo W5, identificado numa amostra de água de tempestade no Estado de Nova Iorque [Jiang et al., 2005], e, também, ao facto de os gnus não fazerem parte da fauna daquela região, é provável que o novo genótipo não seja específico deste hospedeiro Africano, mas, sim, de outro animal presente, tanto no Jardim Zoológico de Lisboa, como na região onde foi recolhida a amostra W5. O facto de a infecção neste animal ser assintomática, do número de oocistos excretados ser reduzido e de, em colheitas fecais posteriores, não terem sido identificados mais parasitas, advoga a favor desta hipótese. Entre os isolados de gado bovino e ovino, cuja caracterização molecular foi bem sucedida, 93,8% (75/80) pertenciam à espécie C. parvum. Apenas cinco parasitas de origem bovina foram identificados como pertencendo a outras espécies ou genótipos: dois a C. andersoni, dois a C. bovis e um a Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo (quadro XXIII). Uma vez que os perfis de restrição do fragmento do gene SSU-rRNA de C. parvum, C. bovis e Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo são indistinguíveis (figura 16, quadro XXII), a sua diferenciação foi efectuada, por sequenciação do produto amplificado por PCR, em todos os isolados de vitelos com idade desconhecida ou superior a 15 dias e em que não ocorreu amplificação dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1. A escolha deste critério, para selecção dos parasitas que iriam ser submetidos a sequenciação, assenta no facto de as PCR S dos genes COWP, DHFR e TRAP-C1 permitirem a identificação do DNA de C. parvum, mas não de C. bovis ou de Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo e de, a partir das 151

170 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. duas semanas de vida, alguns vitelos já se encontrarem infectados por estes dois parasitas [Santín et al., 2004]. A caracterização, por PCR-RFLP e/ou sequenciação dos produtos de amplificação dos genes SSU-rRNA, DHFR, COWP e/ou TRAP-C1, mostrou que todos os vitelos, cuja idade se sabia ser inferior a duas semanas, se encontravam parasitados por C. parvum, enquanto que os infectados por C. bovis, Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo e C. andersoni tinham, respectivamente, 30 e 29 dias e quatro meses de vida. Estes resultados são coincidentes com os descritos por Santín et al. (2004) que, em animais de 15 explorações leiteiras, distribuídas por sete Estados Norte Americanos, identificaram C. bovis e Cryptosporidium genótipo semelhante ao do gamo em alguns vitelos com mais de duas semanas de vida e C. andersoni em animais com idade superior a três meses. Os mesmos autores observaram que a percentagem de infecção por C. parvum, em animais não desmamados (idade inferior a 3 meses) e desmamados (idade superior a 3 meses), era de 85% e 1%, respectivamente, enquanto que C. bovis era a espécie mais prevalente nestes últimos (55%), apresentando uma prevalência de, apenas, 9% nos vitelos não desmamados. O genótipo semelhante ao do gamo, também, se encontrava associado, principalmente, à infecção em animais desmamados, tendo os valores de prevalência, observados em vitelos antes e depois do desmame, sido de 5% e 31%, respectivamente. No que respeita à infecção por C. andersoni, aqueles autores descreveram prevalências de 1% e 13%, em animais antes e depois do desmame, respectivamente. Na República Checa, Kváč e Vítovec (2003) observaram a excreção de oocistos de C. andersoni, em vitelos a partir dos 63 dias de vida. Estes autores descreveram, ainda, em vitelos até aos nove meses, prevalências de infecção por C. andersoni que, consoante a idade dos animais, variaram entre 11,1% e 92,9%. A prevalência da infecção por esta espécie foi mais acentuada nos vitelos com idade superior a 14 semanas. Na Dinamarca, Enemark et al. (2002b) documentaram percentagens de infecção, por C. parvum e C. andersoni, em novilhos entre os dois e os 24 meses de vida, de 3,0% (4/133) e 21,1% (28/133), respectivamente. Na Irlanda do Norte, Moriarty et al. (2005) encontraram, em fezes de bovinos, entre os 12 e os 24 meses de idade, recolhidas do recto dos animais, após o seu abate num matadouro, prevalências de C. parvum e C. andersoni de 45,5% e 54,5%, respectivamente. Num estudo efectuado no Japão, a infecção por C. parvum foi identificada em vitelos, entre os oito dias e os dois meses, enquanto que a espécie C. andersoni foi associada à infecção em animais, entre os oito e os 21 meses de idade [Sakai et al., 2003]. No presente trabalho foi encontrado claro predomínio da infecção por C. parvum 152

171 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. (quadro XXIII), a que não será alheio o facto de, a maioria dos animais estudados, ser muito jovem. Na realidade, dos 66 animais cuja idade era conhecida, 93,9% (62/66) tinham menos de 38 dias e 4,5% (3/66) menos de três meses de vida; apenas um vitelo tinha quatro meses de idade. Todos os animais infectados por C. parvum e com idade conhecida tinham menos de três meses e, destes, 97,9% (46/47) tinham menos de 38 dias de vida. Infelizmente, não foi possível conhecer a idade dos restantes 26 vitelos infectados por C. parvum. Em virtude de, no presente trabalho, terem sido estudados, essencialmente, vitelos não desmamados, desconhece-se qual a percentagem de infecção por C. parvum, C. bovis, C. andersoni e pelo genótipo semelhante ao do gamo em vitelos desmamados e em gado adulto. O facto dos parasitas pertencentes à espécie C. bovis terem sido encontrados, tanto em Portugal Continental como nos Açores, leva-nos a supor que esta espécie possa apresentar ampla distribuição geográfica, à semelhança do descrito por Santín et al. (2004) que, nos EUA, observaram a presença de C. bovis em bovinos de diversas explorações pecuárias, dispersas ao longo de uma extensão superior a km. Para confirmar esta hipótese seria necessário estudar um maior número de animais desmamados e adultos, provenientes de diversas regiões de Portugal Continental e Insular. Alguns estudos de caracterização molecular de isolados bovinos, realizados no Reino Unido, dão conta, apenas, da infecção por C. parvum [Patel et al., 1998; McLauchlin et al., 2000]. Contudo, essa caracterização foi efectuada por amplificação do locus COWP que, em algumas espécies de Cryptosporidium, entre as quais C. andersoni, só se verifica em condições de elevada pureza e concentração de oocistos [Xiao et al., 2000b]. No Reino Unido, a primeira descrição de infecção por C. andersoni, em bovinos, foi feita em 2005, por Daniel et al., numa vaca leiteira adulta com diarreia. Neste caso, a identificação do isolado foi efectuada por caracterização do locus SSU-rRNA. Para além dos trabalhos aqui descritos, encontram-se documentados vários estudos epidemiológicos sobre a criptosporidiose bovina. No entanto, os seus autores não realizaram a caracterização molecular dos parasitas detectados, pelo que se desconhece a sua identidade [Olson et al., 1997b; Wade et al., 2000; Castro-Hermida et al., 2002]. Os isolados de origem ovina, caracterizados no presente trabalho, pertenciam, ambos, à espécie C. parvum. No Reino Unido, Chalmers et al. (2002) caracterizaram, por PCR-RFLP e sequenciação do gene COWP, isolados de ovinos, tendo encontrado, em alguns deles, a espécie C. parvum e, noutros, um genótipo distinto, não identificado. Em ovinos adultos, na Austrália, foram encontrados, por caracterização do gene SSU-rRNA, parasitas pertencentes às espécies C. bovis e C. andersoni, a Cryptosporidium 153

172 VI CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DOS ISOLADOS ANIMAIS DE CRYPTOSPORIDIUM SPP. genótipo cervo e a um novo genótipo [Ryan et al., 2005]. Uma vez que a caracterização dos isolados ovinos com o genótipo desconhecido, realizada por Chalmers et al. (2002), no Reino Unido, compreendeu, apenas, a amplificação do gene COWP, desconhece-se se aqueles parasitas pertenceriam a alguma das espécies ou genótipos identificados por Ryan et al. (2005), na Austrália. A caracterização molecular de isolados, em loci como o COWP, tem um alcance limitado, na medida em que, dada a impossibilidade de amplificar o DNA de todas as espécies e genótipos de Cryptosporidium, são poucos os isolados que se encontram caracterizados para este gene, facto que dificulta a identificação daqueles com sequências nucleotídicas distintas das já conhecidas. Deste modo, é preferível a caracterização do locus SSU-rRNA, que, para além de permitir a amplificação do DNA de todos os parasitas pertencentes ao género Cryptosporidium, se encontra muito bem caracterizado, para um grande número de isolados, das mais diversas origens. A dimensão dos oocistos de C. parvum e de C. felis de origem animal foi idêntica à da determinada para os parasitas da mesma espécie, identificados em humanos (vide capítulo V, quadro XX). De entre os criptosporídeos identificados em gado bovino, apenas os oocistos de C. andersoni se distinguem dos das restantes espécies, em virtude da sua maior dimensão (quadro XXIV). À semelhança do sucedido nos isolados de origem humana, estes resultados mostram a impossibilidade de identificar a espécie ou genótipo responsável pela infecção, tanto em gado doméstico, como em animais silváticos, tendo por base, unicamente, as características morfométricas dos oocistos. Os resultados da caracterização molecular dos isolados de origem animal evidenciam o elevado número de infecções por C. parvum observado, tanto em gado doméstico, como em animais silváticos. A espécie C. parvum é, também, a responsável por grande parte dos casos de criptosporidiose humana em Portugal. Deste modo, a infecção naqueles animais apresenta um potencial zoonótico de transmissão ao Homem, quer por contacto directo, quer indirecto, através da contaminação de recursos hídricos ou de alimentos. Para além de C. parvum, foram, também, identificadas, em gado doméstico e em animais silváticos, espécies e genótipos que, com base no conhecimento actualmente disponível, não se encontram associados a infecções humanas, mas cujos oocistos são morfologicamente indistinguíveis. Estes resultados demonstram como a identificação molecular das espécies e dos genótipos dos parasitas responsáveis pela criptosporidiose, em animais, é fundamental para a determinação do seu potencial zoonótico e do risco da sua transmissão zoonótica ao Homem. 154

173 Capítulo VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM 155

174 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM 1. INTRODUÇÃO Estudos recentes de alguns autores têm documentado a existência de polimorfismos intra-específicos em isolados de C. hominis e de C. parvum. A avaliação desta heterogeneidade intra-específica tem sido efectuada, sobretudo, através da análise de microssatélites e da sequenciação e análise filogenética do gene GP60 [Aiello et al., 1999; Cacciò et al., 2000, 2001; Feng et al., 2000; Strong et al., 2000; Peng et al., 2001; Sulaiman et al., 2001; Enemark et al., 2002a; Glaberman et al., 2002; Leav et al., 2002; Alves et al., 2003a, 2003b; Mallon et al., 2003b]. Os microssatélites, pela sua natureza polimórfica e pela abundância nos genomas eucariotas, constituem marcadores genéticos muito informativos. Num estudo de caracterização parcial do genoma de C. parvum, Liu et al. (1999) identificaram, em cerca de 2,5% do genoma do parasita, 57 microssatélites, compostos por repetições dinucleotídicas e trinucleotídicas. O estudo de loci de microssatélites exige a determinação exacta do número de pares de bases de um fragmento de DNA amplificado, o que pode ser conseguido através da técnica de análise de fragmentos por metodologia fluorescente. Em virtude da incorporação de um fluorocromo na extremidade 5 de um dos oligonucleótidos iniciadores, os produtos amplificados por PCR encontram-se, também, marcados. A cada produto de PCR a analisar é adicionado um padrão interno, constituído por fragmentos de dimensão conhecida, marcados com um fluorocromo diferente daquele que se encontra incorporado no fragmento amplificado. A mistura da amostra é, posteriormente, submetida a electroforese em gel de poliacrilamida, em condições desnaturantes, num sequenciador automático que detecta a fluorescência emitida pelos fluorocromos da amostra e do padrão interno e a transmite para um computador. A informação recolhida, durante a electroforese, é processada através de software específico que, com base nas dimensões dos fragmentos do padrão interno, constrói uma curva de calibração, utilizada para calcular a dimensão do fragmento em estudo. Os resultados são apresentados sob a forma de electroforetograma, no qual se observam os picos correspondentes a cada fragmento do padrão interno e, a cor diferente, ao fragmento em análise. Esta metodologia permite obter resultados de fácil interpretação e que não necessitam de processamentos adicionais. Dada a sua elevada precisão e reprodutibilidade, esta técnica tem sido descrita como uma alternativa rápida e barata à sequenciação de loci de microssatélites [Enemark et al., 2002a]. 156

175 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM Durante a fase assexuada do desenvolvimento de Cryptosporidium spp., o gene GP60, também chamado gp 15/45/60, é transcrito e traduzido nas formas intracelulares do parasita, originando uma glicoproteína precursora de 60-kDa. Após a sua síntese, esta proteína sofre uma clivagem proteolítica, dando origem a duas glicoproteínas, uma de 15-kDa e outra de 40- kda. A glicoproteína de 15-kDa localiza-se por toda a superfície dos merozoítos e dos esporozoítos e é libertada durante o movimento destes últimos. A glicoproteína de 40-kDa localiza-se na superfície da região apical dos esporozoítos e por toda a superfície dos merozoítos. Admite-se que estas duas glicoproteínas estejam envolvidas no processo de ligação e/ou de invasão dos enterócitos [Cevallos et al., 2000; Strong et al., 2000]. Strong et al. (2000) observaram que o gene GP60 apresentava um elevado número de polimorfismos, principalmente entre isolados de C. hominis, tendo identificado, não só quatro famílias de subtipos, como, também, diferenças na sequência nucleotídica, entre isolados da mesma família. A este trabalho, seguiram-se outros, de vários autores, que procederam à caracterização do gene GP60 em isolados de diferentes regiões do Mundo, tendo observado, a par da grande variabilidade existente entre isolados de C. hominis, também, vasta diversidade genética nos parasitas que pertencem à espécie C. parvum. Assim, até à data, encontram-se identificadas cinco famílias de subtipos em C. hominis Ia, Ib, Id, Ie e If e seis em C. parvum IIa, IIb, IIc, IId, IIe e IIf. Na sua maioria, as várias famílias contêm mais do que um subtipo e, algumas delas (Ia, Id e IIa), mais de dez [Peng et al., 2001; Sulaiman et al., 2001; Leav et al., 2002; Alves et al., 2003b; Peng et al., 2003a, 2003b; Wu et al., 2003; Zhou et al., 2003; Sulaiman et al., 2005; Xiao, L., 2005, comunicação pessoal]. As diversas famílias de subtipos diferem, entre si, por variações na sequência nucleotídica ao longo de todo o locus GP60. Os subtipos existentes em cada família diferem, entre si, pelo número de repetições das unidades trinucleotídicas (TCA), (TCG) e/ou (TCT) presentes num STR existente neste gene. O elevado número de polimorfismos encontrados no gene GP60 confere à sua caracterização grande resolução, tornando os resultados, assim obtidos, muito informativos e de grande utilidade em estudos epidemiológicos, contribuindo, não só para clarificar a dinâmica da transmissão da criptosporidiose, em zonas endémicas, como, também, para identificar fontes de infecção, em situações de surtos hídricos e alimentares. No presente trabalho, procedeu-se à caracterização dos loci ML2 e GP60, em todos os isolados de C. parvum e de C. hominis, a fim de se determinar a sua variabilidade intraespecífica e avaliar a importância dos diversos modos de transmissão da criptosporidiose 157

176 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM humana em Portugal e o papel desempenhado, sobretudo pelo gado doméstico, nessa mesma transmissão. 2. RESULTADOS 2.1 ANÁLISE DE MICROSSATÉLITES No presente trabalho, foram submetidos à caracterização do locus ML2, 32 isolados humanos, pertencentes às espécies C. hominis (n = 11) e C. parvum (n = 21), 46 isolados de C. parvum de origem bovina e 11 isolados de C. parvum provenientes dos Bovídeos do Jardim Zoológico de Lisboa (estudados em 1996 e em ). Na figura 18 podem observar-se os produtos de PCR do locus ML2 e, no quadro XXV, os resultados da amplificação, por PCR, do DNA destas duas espécies, em todos os isolados estudados. m Cp Ch Cp Cp Cp Cp m 300 pb 200 pb FIGURA 18 Fotografia de um gel de agarose, após electroforese dos produtos de amplificação do locus ML2. Cp C. parvum, Ch C. hominis, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) QUADRO XXV Amplificação, por PCR, do locus ML2 em isolados de C. parvum e de C. hominis HOSPEDEIROS N.º DE ISOLADOS (n.º estudado) PCR POSITIVA PCR NEGATIVA Humanos (n = 32) 27 (84,4%) 5 (15,6%) Bovinos (n = 46) 23 (50,0 %) 23 (50,0%) Bovídeos Zoo (n = 11) 6 (54,5%) 5 (45,5%) Total (n = 89) 56 (62,9%) 33 (37,1%) A percentagem de amplificação do locus ML2, nos isolados de gado bovino e dos Bovídeos do Jardim Zoológico foi semelhante entre si, mas bastante inferior à verificada nos de origem humana. Oitenta por cento (4/5) dos isolados humanos com PCR negativo eram 158

177 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM provenientes de amostras fecais com carga parasitária de nível I. No caso dos isolados de gado bovino e dos Bovídeos do Jardim Zoológico, 67,9% (19/28) daqueles em que não se obteve amplificação provinham de fezes com carga parasitária de nível I e II. Através da técnica de análise de fragmentos por metodologia fluorescente, foi possível determinar a dimensão de alguns dos produtos de PCR do locus ML2 e identificar os alelos presentes nos respectivos isolados (figura 19, vide página seguinte). De acordo com o proposto por Cacciò et al. (2001), a designação de cada alelo baseia-se na dimensão do fragmento amplificado por PCR, que, por sua vez, depende do número de repetições AG nele presentes (figura 20). Todos os isolados de C. hominis apresentaram o alelo ML2-179 ([AG] 3 ). Este alelo não havia sido descrito por outros autores, pelo que foi depositado no GenBank, com o número de acesso AY [Alves et al., 2003a]. Em alguns isolados de C. parvum de origem humana, foram identificados os alelos ML2-176 ([AG] 4 ) e ML2-191 ([AG] 13 ). O alelo ML2-191 já havia sido descrito, anteriormente, por Cacciò et al. (2001), enquanto que o ML2-176 foi descrito, pela primeira vez, no presente trabalho, e depositado no GenBank com o número de acesso AY [Alves et al., 2003a]. A determinação da sequência nucleotídica do fragmento do locus ML2, em dois isolados representativos de cada alelo identificado, permitiu confirmar o resultado obtido pela análise de fragmentos. Na figura 20, podem observar-se as diferenças entre as sequências nucleotídicas dos três alelos identificados no presente trabalho. O número de repetições AG, nos alelos ML2-191, ML2-176 e ML2-179, foi de 13, quatro e três, respectivamente. ML2-191 CAATGTAAGTTTACTTATGATTATTAAGATAATAAGCCTATTTATTGAGGTAGGG AG AG AG AG 63 ML AT ML AT ML2-191 AG AG AG AG AG AG AG AG AG GAAGAAAAAGGAAGAAGCATGATAGGCTTGGAAAATGATC 121 ML GT.. G A...T ML GT.. G GG.....A...T ML2-191 TTAATAAGAATTTTAACATTTCAAAATTGATTAACTTTTTA--TATTTTTTCTTCTCTCATCTTTAT 186 ML A...A.C.TTT...TA ML G...G.T.AAC...TAA ML2-191 AGTCG 191 ML ML FIGURA 20 Comparação da sequência nucleotídica de cada um dos três alelos do locus ML2, identificados no presente trabalho. As repetições (AG) n encontram-se assinaladas a negrito. Os pontos indicam identidade nucleotídica, relativamente ao alelo ML2-191 e, os traços, delecções 159

178 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM a b c FIGURA 19 Electroforetogramas resultantes da análise de fragmentos do locus de microssatélites ML2. (a) alelo ML2-179, (b) alelo ML2-176, (c) alelo ML Picos a preto fragmento ML2 amplificado. Picos a vermelho padrão interno, nt nucleótidos 160

179 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM Em alguns isolados humanos de C. parvum e em todos os dos outros animais, não foi possível a identificação dos alelos ML2, em consequência dos electroforetogramas apresentarem vários picos, que diferiam entre si, por um ou dois nucleótidos (figura 21). No conjunto de todos os isolados em que esta situação se verificou, os fragmentos correspondentes aos diversos picos observados apresentavam dimensões entre 187 e 239 nucleótidos. A sequenciação de alguns destes produtos de PCR, confirmou a existência de vários fragmentos. FIGURA 21 Electroforetogramas de isolados de C. parvum, ilustrativos da presença de múltiplos picos. Picos a preto fragmentos ML2 amplificados. Picos a vermelho padrão interno, nt nucleótidos 161

180 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM Com o objectivo de eliminar os picos que não correspondiam ao alelo correcto, foram introduzidas algumas modificações à reacção de PCR, nomeadamente: i) adição de DMSO à mistura reaccional, em concentrações de 1%, 2,5%, 5% e 7,5%; ii) alteração da temperatura de ligação para 54ºC e 56ºC; iii) utilização de uma enzima de outro fabricante (Taq DNA Polymerase, Promega). Em três isolados humanos, o problema foi solucionado através da adição de DMSO e da alteração da temperatura de ligação permitindo, assim, identificar, em todos eles, o alelo ML No entanto, noutros isolados humanos e em todos os de gado bovino e dos Bovídeos do Jardim Zoológico, a eliminação dos múltiplos picos não foi conseguida. Nos isolados em que este problema foi solucionado, a dimensão dos fragmentos correspondentes a cada pico variava entre 187 e 193 nucleótidos; naqueles em que o problema persistiu, os fragmentos apresentavam dimensões entre 199 e 239 nucleótidos. No quadro XXVI encontram-se resumidos os resultados da caracterização do locus ML2, pela técnica de análise de fragmentos por metodologia fluorescente, em todos os isolados de C. hominis e C. parvum estudados. QUADRO XXVI Resultados da análise de fragmentos por metodologia fluorescente, aplicada ao locus ML2, em isolados de C. parvum e de C. hominis ESPÉCIE HOSPEDEIRO N.º DE ISOLADOS COM O ALELO ML2-176 ML2-179 ML2-191 MÚLTIPLOS PICOS C. hominis Humano C. parvum Humano C. parvum Bovino C. parvum Bovídeos Zoo CARACTERIZAÇÃO DO GENE GP60 Todos os isolados de C. parvum, C. hominis e aqueles em que a identificação da espécie, pela amplificação dos loci SSU-rRNA, DHFR, COWP e TRAP-C1, não foi conseguida, foram submetidos à amplificação do gene GP60. Assim, foram sujeitos a caracterização deste locus, um total de 181 isolados, sendo 51 de humanos, dois de ovinos, 105 de bovinos, 12 de gamos da Tapada Nacional de Mafra e 11 de Bovídeos do Jardim Zoológico de Lisboa. O procedimento de PCR GP60 1 foi aplicado a todos estes parasitas, tendo sido bem sucedido em 162

181 VII CARACTERIZAÇÃO INTRA-ESPECÍFICA DE C. HOMINIS E C. PARVUM 109 dos mesmos. Naqueles em que a amplificação GP60 1 foi negativa, o procedimento de PCR GP60 2 permitiu a amplificação do DNA, em mais 15 isolados (figura 22). a m Cp Cp Ch Ch Ch m b m Ch Cp Cp Cp 900 pb 700 pb 400 pb 300 pb FIGURA 22 Fotografias de géis de agarose, após electroforese dos produtos de amplificação do locus GP60, pelo procedimento (a) GP60 1 e (b) GP60 2. Cp C. parvum, Ch C. hominis, m marcador de pesos moleculares ( 100 bp ladder ) Os resultados totais da amplificação do gene GP60, pelos dois procedimentos de PCR GP60 1 e GP60 2 encontram-se resumidos no quadro XXVII. QUADRO XXVII Resultados da amplificação, por PCR, do locus GP60 em isolados de C. parvum e de C. hominis HOSPEDEIROS (n.º estudado) PCR POSITIVA N.º DE ISOLADOS PCR NEGATIVA Humanos (n = 51) 40 (78,4%) 11 (21,6%) Bovinos (n = 105) 72 (68,6%) 33 (31,4%) Ovinos (n = 2) 2 (100%) 0 (0%) Gamos (n = 12) 1 (8,3%) 11 (91,7%) Bovídeos Zoo (n = 11) 9 (81,8%) 2 (18,2%) Total (n = 181) 124 (68,5%) 57 (31,5%) A percentagem de amplificação do gene GP60, nos isolados pertencentes aos hospedeiros humanos, apresentada no quadro XXVII, diz respeito à totalidade dos parasitas de origem humana. Contudo, a sua estratificação em dois grupos, aqueles que se encontravam preservados em MIF e os que foram conservados em dicromato de potássio ou estudados logo 163

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