R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO:

Transcrição

1 (20GÞN08Þ) R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO: O Ministério Público Federal ajuizou, perante a Subseção Judiciária de Uberlândia (MG), ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal (CEF) e a União, mediante a qual pretende afastar a exigência de que os alunos selecionados para o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) apresentem idoneidade cadastral e fiador para que possam firmar os contratos ou aditá-los. Em longas razões, o autor procura demonstrar, preliminarmente, sua legitimação ativa para a causa, a legitimação passiva das demandadas, assim como a competência da Justiça Federal para o seu julgamento. No mérito, defende a incompatibilidade da exigência com os postulados constitucionais de que a educação é direito de todos e dever do estado, devendo ser garantido o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um, o que estaria sendo obstado pela exigência contida no inciso VI do art. 5º da Lei n /2001, cuja declaração de inconstitucionalidade postula. Deferida a medida liminar (fls ), a União apresentou contestação, às fls , e a CEF, às fls A sentença (fls ) julgou procedente o pedido, para declarar a ilegalidade da exigência contida no inciso VI, do artigo 5º da Lei /01 e nos normativos internos da CEF, bem como para determinar às rés que se abstenham de negar crédito vinculado ao FIES por esse motivo (fl. 367). Inconformadas, apelam as rés. A CEF, com razões às fls , alegando, em preliminar, a incompetência absoluta do juízo, ao argumento de que a ação civil pública não é o instrumento processual adequado para declarar a inconstitucionalidade de lei federal, competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade. fls.1/5 (D92BZ) - Nº Lote: _1 - - TR170903

2 Ainda em preliminar, afirma a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, já que não se cuida de direito coletivo, e sim, de direito patrimonial disponível. Aduz, também, a sua ilegitimidade passiva, no entendimento de que, pretendendo o autor da ação a declaração de inconstitucionalidade de lei, o polo passivo deveria ser composto exclusivamente pela União, arguindo, ainda, a litispendência deste feito em relação a outra ação civil pública (processo n ). No mérito, defende a constitucionalidade da exigência de comprovação de idoneidade cadastral, pleiteando, ao final, a reforma da sentença para que seja julgado improcedente o pedido. O Ministério Público Federal ofereceu contrarrazões ao recurso da CEF (fls ). A União, por sua vez, nas razões de inconformidade que se encontram às fls , com outros fundamentos, defende a regularidade e legalidade da exigência, tal como a Caixa Econômica Federal em seu recurso de apelação. Contrarrazões ao recurso da União, às fls É o relatório. Des. Federal DANIEL PAES RIBEIRO Relator fls.2/5 (D92BZ) - Nº Lote: _1 - - TR170903

3 V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO: Aprecio a preliminar suscitada por ambas as apelantes, no sentido da incompetência absoluta do juízo para declarar a inconstitucionalidade de lei federal no bojo de ação civil pública, com petência que estaria afeta, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal. Da petição inicial consta como pedido principal (fls ): 7.2.2) o julgamento da procedência do pedido, confirmando -se em sentença de mérito a liminar, no sentido de reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da exigência contida no inciso VI, do artigo 5º da Lei nº /01 e nos normativos internos da Caixa Econômica Federal, por ofensa aos princípios constitucionais já alinhavados, obrigando as Requeridas (obrigação de fazer) a deferirem as solicitações de financiamento ao FIES e a formalizarem os respectivos contratos e eventuais aditamentos, sem a imposição de qualquer restrição cadastral e sem a necessidade dos estudantes comprovarem idoneidade cadastral própria ou dos seus representantes legais. Da leitura da inicial e do pedido, acima transcrito, resta incon teste que a pretensão do autor é a declaração, incidenter tantum, de inconstitucionalidade de lei federal, por meio de ação civil pública, com efeitos erga omnes (art. 16 da Lei n /1985). A ação civil pública, todavia, não se presta a esse fim, como se vê dos seguintes julgados: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM TESE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Ação civil pública não pode ser convolada em ação declaratória de inconstitucionalidade de lei em tese, porque esta é prerrogativa processual ínsita na competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 3. Extinção do processo, de ofício, sem julgamento do mérito. (AC n /PA Relator Des embargador Federal Jo sé Amilcar Machado DJ de , p. 231) CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL DISPONÍVEL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER fls.3/5 (D92BZ) - Nº Lote: _1 - - TR170903

4 TANTUM (LEI Nº 9.250/95) - IMPOSSIBILIDADE JURÍDI CA DO PEDIDO. 1. O Ministério Público Federal não está legitimado a propor ação civil pública em defesa dos contribuintes, em se tratando de direito individual disponível que não se enquadra nas relações de consumo. 2. A ação civil pública não se presta a substituir ação direta de inconstitucionalidade, acarretando, outrossim, a impossibilidade jurídica do pedido. 3. Hipótese em que se pede a declaração de inconstitucionalidade. 4. Precedentes deste Tribunal e do STJ. 5. Apelação improvida. (AC n /BA Relatora Juíza Daniele Maranhão Costa Calixto (Convocada) DJ de , p. 392) Do Superior Tribunal de Justiça podem ser citados, dentre outros, os seguintes julgados: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE PEDIDO PRINCIPAL IMPOSSIBILIDADE. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julga mento da lide. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, em tese, é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como p edido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público. 3. Hipótese em que a matéria constitucional no presente feito não é simples causa de pedir ou questão incidental, mas pedido principal. 4. Recurso especial não provido. (REsp n /MG Relatora Ministra Eliana Calmon DJe de ) Arnold Wald, atualizando a obra de Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública e Ação Declaratória de Constitucionalidade, anota que a ação civil pública não é forma paralela de declaração de inconstitucionalidade, aduzindo: Acresce que, em várias oportunidades, a ação civil pública tem sido utilizada como verdadeiro substituto da ação direta de inconstitucionalidade, com a diferença de ser a competência para o seu julgamento do juiz singular, e não do STF, como manda a Constituição Federal. fls.4/5 (D92BZ) - Nº Lote: _1 - - TR170903

5 Ora, conhecemos no Direito brasileiro os controles abstrato e concreto. O abstrato é da competência exclusiva do STF e o concreto só se aplica em casos específicos ou de modo incidental. Como a decisão da ação civil pública tem efeitos erga omnes, não pode ensejar o controle de constitucionalidade da lei por via disfarçada, com usurpação da competência do STF. Essa impossibilidade decorre da inviabilidade das duas conseqüências alternativas: a) ou a inconstitucionalidade é declarada localmente, tão-somente na área de competência do juiz, e, aplicando -se erga omnes, cria um Direito Substantivo estadual diferente do nacional e viola a Constituição, que estabelece a unidade do Direito Substantivo, havendo até a possibilidade de se criar um Direito específico aplicável em determinada localidade, e não em todo o Estado, quando a área de jurisdição do juiz federal é inferior à do Estado, situação que ocorre no Estado do Paraná; b) ou a inconstitucionalidade é declarada, pelo magistrado de primeira instância, para ter efeitos n plano nacional e há usurpação, pelo juiz, da função do STF. Entendo, assim, que a hipótese não é apenas de incompetência do juízo, mas, também, de inadequação da via processual eleita, o que conduz, em qualquer das hipóteses, à extinção do processo, sem resolução de mérito. Do exposto, dou provimento às apelações, para dec larar extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. É o meu voto. Des. Federal DANIEL PAES RIBEIRO Relator fls.5/5 (D92BZ) - Nº Lote: _1 - - TR170903