Modelos de atuação (business models) no novo contexto do investimento social
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- Aníbal Chagas Borba
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1 Modelos de atuação (business models) no novo contexto do investimento social André Ribeiro Coutinho, sócio e agente de inovação pela Symnetics e professor da HSM Educação e Business School São Paulo. acoutinho@symnetics.com.br Wendeline Van Der Feltz, consultora da Symnetics e expert em estratégias para organizações que atuam com ISP. wendeline@symnetics.com.br Introdução O ecossistema do Investimento Social Privado (ISP) tem passado por importantes mudanças nos últimos anos e as organizações que atuam com o ISP têm percebido a necessidade de repensar seus modelos de relacionamento com stakeholders, de forma que se mantenham relevantes e gerando impacto social. Partindo de tendências identificadas junto aos principais atores no ISP no Brasil 1 pretendemos mostrar o quão vital é que as organizações estejam aptas a responder ao novo contexto do ISP repensando a maneira como se organizam para gerar valor à sociedade, ou seja, pelo seu modelo de atuação. Respostas pontuais serão sempre insuficientes, ameaçando a continuidade e coerência estratégica destas organizações junto aos seus púbicos. Institutos, fundações e outras entidades que procuram alinhar sua estratégia às exigências do contexto em que atuam aumentam a probabilidade de impacto de suas ações, sejam no campo da influência em políticas públicas, mobilização de diferentes atores, intervenções na educação, entre outras. Ofereceremos alguns exemplos e ainda um processo para (re)design do modelo de atuação. Tendências do ISP O conceito de Investimento Social Privado (ISP) tem suscitado calorosas discussões quando se tenta definir suas fronteiras. Devido à necessidade de clareza e transparência no setor, o esclarecimento conceitual deverá solucionar a batalha de irmãos entre o que o ISP e a Sustentabilidade almejam, clarificando origem e destino de recursos e evitando a canibalização entre as iniciativas das empresas. Um avanço nesse aspecto é a integração cada vez maior de indicadores ambientais e sociais, como pode ser observado nestes últimos anos nos relatórios de sustentabilidade e balanços sociais das empresas. 1 Gostaríamos de agradecer ao GIFE que organizou em janeiro/2014 um encontro com mais de 100 representantes do ISP brasileiro para reflexão e discussão das tendências que afetam o setor.
2 O cenário econômico e social complexo forma o pano de fundo do investimento social. O crescimento díspar entre as regiões impossibilitam uma leitura única do Brasil, obrigando a pensar no todo mas atentar às particularidades e realidades de cada região, antes de implementar qualquer intervenção de impacto. Por outro lado, o crescimento econômico baixo brasileiro não impediu que o ISP continuasse crescendo em torno de 8% nos últimos anos 2. De uma maneira geral se questiona como nunca a capacidade de execução e impacto gerado pelo ISP nas suas ações diretas e indiretas. Na execução e gestão desses investimentos é visível, por exemplo, as queixas frequentes da dimensão das intervenções (muitas locais, de baixo impacto), a baixa capacidade técnica dos agentes municipais locais e a dificuldade de acelerar a execução dos projetos de caráter público-privado. Por outro lado e mesmo diante das dificuldades, a sociedade civil já percebe uma mudança no papel das organizações que operam com ISP, antes vistas com papel de espelho do Governo e de construtor crítico de políticas sociais. Hoje ganham respeito e notoriedade da sociedade como organizações que produzem ações concretas de impacto e visíveis a todos. Presenciamos a entrada em cena de novas fontes de financiamento. Não só quem mas também como financiar o ISP toma formas interessantes: o crowdfunding, em que um grande número de pessoas doa um valor relativamente baixo (geralmente facilitado por um ambiente online) para um determinado programa, já é uma realidade. Isto significa que ser investidor social privado fica ao alcance de um novo segmento de pessoas de recursos financeiros abaixo do nível de investidor privado tradicional. Por outro lado assistimos a práticas como o payroll giving, que se baseia na folha de pagamento e isenções associadas. A cultura de doação e a sofisticação das ferramentas que a tornam possível estão aumentando e se fortalecendo, se bem que devemos conter o nosso entusiasmo, visto nenhuma destas ferramentas estar amplamente adotada ou difundida. Apesar das fontes de recursos privados (sejam eles organizações ou indivíduos) terem por si só a missão de realizar um impacto social positivo, a sua atuação ganha em escala e eficácia quando aliada às respectivas políticas públicas. Se por um lado o foco de atuação do ISP complementa ou substitui a atuação governamental nas diferentes áreas como educação, por outro lado encontra um aliado no governo para amplificar o seu impacto e continuidade. E é exatamente essa descontinuidade de alinhamento com políticas públicas que enfraquece o impacto do ISP, sendo que se deve buscar a colaboração em rede pública e privada. Por sua vez, o governo detém o papel vital de criar um ambiente propício para o amadurecimento do ISP, articulando uma agenda legislativa que minimize a incerteza diante dos marcos regulatórios pelo qual o setor anseia para realizar o seu potencial. Neste campo, a falta de aprovação de regulação entre o público e privado poderá levar a uma insegurança jurídica de efeito nefasto, pois potenciais (novos) atores se contêm no avanço 2 Censo GIFE
3 com atividades de investimento social. A discussão de incentivos fiscais para pessoas físicas e a entrada em vigor da lei anticorrupção são sinais esperançosos de consolidação e desenvolvimento do setor neste campo. O alinhamento do ISP não é só importante no âmbito de políticas públicas mas também no contexto das atividades de marketing e promoção das empresas privadas. Assim observamos um investimento social cada vez mais vinculado à cadeia de valor das empresas, mas fica o alerta para reflexão sobre as estratégias utilizadas e a efetividade deste processo. A fim de poder avaliar o impacto e eficácia das suas atividades de investimento social, são principalmente as empresas que atribuem um alto valor à importância de métricas de avaliação e impacto. Entende-se que a uniformização de métricas e a profissionalização na sua aplicação apóiam o movimento de cada vez mais empresas e organizações direcionarem os seus recursos privados para o bem público. Desta forma, o profissionalismo e pragmatismo do setor privado ganham espaço nos investimentos sociais. Um caso promissor é a IRIS, que se refere ao conjunto de métricas aplicadas a investimentos de impacto social, e que prova ser uma referência na decisão de investidores de Wall Street na avaliação de oportunidades de negócio de impacto social 3. No Brasil, o setor anseia por um desenvolvimento semelhante. É também visível o impacto e influência crescente de novas tecnologias digitais está possibilitando e ainda irá possibilitar as organizações que atuam com ISP. De acordo com o jornalista Robert Scoble 4 forças vão modificar a atuação das organizações nos próximos anos: mobilidade, mídias sociais, dados (big data, analytics) e sensores. 4 Entram em cena novos atores, por exemplo jovens empreendedores sociais que com um modo de pensar diferente apostam neste tipo de empreendimento como carreira. Modelos de atuação para o ISP Desde cedo aprendemos que existem 4 movimentos possíveis de quem quer fazer algo diferente: 1. jogar melhor o jogo ; 2. adaptar-se às novas regras do jogo ; 3. mudar as regras do jogo ; 4. criar um novo jogo. O jogo do qual estamos falando é o do Investimento Social Privado e as regras do jogo, o contexto (de tendências) em que ele está inserido. Ao (re)pensar a estratégia e o papel das 3 Global Impact Investment Network IRIS, < 4 The Age of Contexto, de Robert Scoble e Shel Israel, Patrik Brewster Press, 2014
4 organizações que atuam com ISP exercem na sociedade, a pergunta que lideranças e gestores destas organizações devem fazer é se a maneira como estão arquitetadas para gerar valor aos stakeholders (o modelo de atuação ou business model) é o mais efetivo. 1. é o caminho estratégico trilhado pela maioria das organizações, sobretudo aquelas que têm histórico de sucesso, mas não necessariamente o futuro é uma continuidade (para melhor) do passado, sobretudo se mudou o contexto; 2. é uma decisão sensata, para continuar no novo jogo, estar em linha com as tendências (sociais, econômicas, tecnológicas, ambientes ou políticas-regulatórias) e no mínimo dar uma resposta satisfatória aos stakeholders; 3. é em geral difícil pois envolve alterações de políticas ou regimentos que impactam e razão de ser das organizações; ou demanda uma nova governança, algo que compete aos conselhos de administração (ou de curadores) resolver; 4. é tarefa de no máximo 5% das organizações, são elas as verdadeiras inovadoras pois desafiam o paradigma e o modo de pensar vigente e ainda alteram completamente o patamar de desempenho dos stakeholders e impacto gerado pelas suas inovações no ISP. A seguir listamos algumas mudanças percebidas nos últimos anos em alguns modelos de atuação de organizações sociais, não necessariamente vinculadas ao ISP, mas com forte propósito de gerar ações de impacto junto à sociedade: Observatório Acompanhamento dos movimentos, tendências, indicadores e práticas. Novos modelos de atuação: consideram os múltiplos canais existentes hoje (físicos e virtuais) e as diferentes mídias para potencializar o impacto das ações. Operam de forma cocriativa com a sociedade, mobilizando diferentes atores online e offline e fazem uma gestão ativa dos vários stakeholders. Referência: Transparency International, Agenda 2020 Rio Grande do Sul e Nossa São Paulo. Formação Educação para aprendizagem de profissionais. Novos modelos de atuação: consideram tecnologias digitais de ensino à distância e para self learning. Procuram incorporar métodos efetivos para uma aprendizagem significativa. Referências: mooc.org e Incubadora ou aceleradora de projetos Articuladora de projetos de coinvestimento em áreas estratégicas. Novos modelos de atuação: consideram a entrada de empreendedores sociais e startups. Articulam parceiras público-privadas com o governo na efetiva implementação de políticas públicas. Referências: e Advocacy Atuação pela defesa de interesses em questões legislativas e regulatórias.
5 Novos modelos de atuação: valendo-se do know how de redes (inteligentes), de forma rapida e eficientemente articulam posicionamentos das partes interessadas e mobilizam atores em defesa de determinados pleitos. Referências: European Women s Lobby e Confederação Nacional da Indústria (CNI). Think tank Produção e disseminação de conhecimento orientado a produzir posicionamentos e recomendações de políticas. Novos modelos de atuação: incorporam cada vez mais conhecimento cocriado com especialistas e com diferentes stakeholders partir de redes de conhecimento nacionais e internacionais. Referências: Carnegie Endowment for International Peace e International Center for Climate Governance. Crowdfunding Financiamento de iniciativas com a colaboração da sociedade por meio de microfinanciamentos ou microdoações. Novos modelos de atuação: utilizam o canal digital Referências: donorschoose.org e Rede de profissionais e organizações Construção de rede de relacionamento e articulação para a troca de conhecimentos, experiências e networking. Novos modelos de atuação: incorporam redes sociais digitais; contam com ferramentas de análise (big data; analytics) para conhecer o perfil, ativar e influenciar seus membros. Referências: The Water Network e The Guardian Professional Networks Atuação direta em projetos Operação com projetos finalísticos de impacto no público alvo. Novos modelos de atuação: para algumas empresas o investimento social se tornou o 5 o P do marketing. Por exemplo, na Europa em % dos consumidores utilizaram o propósito social como critério de compra dos produtos. Segundo estudo da AKATU de 2012, o brasileiro pagaria mais por produtos com Propósito Social. A questão passa a ser de estratégia: como conectar o ISP de maneira ética e responsável à estratégia do negócio? As empresas vêm procurando conhecer melhor seus clientes e a relevância que os mesmos atribuem ao investimento social das empresas, como é o caso do estudo feito na Alemanha pela GFK 5. Referência: edutopia.org e catalyst-academy.org. 5 GFK Corporate Responsibility Study de 2009.
6 Princípios e processo para (re)design dos modelos de atuação (business model) O que seria então fazer o (re)design do modelo de atuação? O modo de pensar do design é diferente daquele normalmente empregado na gestão empresarial convencional. Eles não substituem a gestão empresarial mas propõem um novo enfoque para a resolução de problemas e desafios estratégicos: 1. Estar aberto para o novo Designers olham para frente em busca de novas possibilidades e não atrás para dados e informações do passado. A essência da inovação no modelo de atuação é que não se sabe de antemão o que ela será, portanto, no início de qualquer desafio, reconhecemos que não sabemos a resposta e ficamos abertos a novas ideias que ainda não estão nem mesmo na estrutura do nosso pensamento atual. Isto contrasta com a gestão convencional, em que as decisões se baseiam numa análise cuidadosa de dados e informações conhecidas, são elaborados planos para prever o futuro e as operações são controladas para seguir o plano. Preparar para a inovação é um grande desafio no nível dos executivos da organização, normalmente treinados e recompensados por sua capacidade de controlar, gerar segurança e confiabilidade e alcançar aquilo que foi previsto. A abordagem de design requer que a organização se comprometa com uma jornada cujo destino desconhece. Os designers aceitam esse pulo no desconhecido, na complexidade: para eles é confortável usar processos abdutivos em que a criação precede a análise. O trabalho do designer em um mundo complexo passa a ser de criar ou ajustar conexões entre coisas que antes eram desconexas. 2. Mostrar empatia com suas partes interessadas Os designers procuram a inspiração nos clientes, influenciadores e outras partes interessadas e não na orientação de especialistas. Para um designer, a inspiração vem de ver ou ouvir as pessoas. Vamos estudá-los como se fôssemos antropólogos ou sociólogos aprendendo acerca de uma tribo recém-descoberta. Guiamo-nos mais pelo modo como eles vêem o mundo e menos como os especialistas vêem o mundo. Desenvolvendo empatia com as pessoas, somos capazes de criar a partir do ponto de vista delas. 3. Focar na experiência Os designers criam de fora para dentro. Eles não começam pelas restrições: começam projetando a experiência ideal para os clientes e stakeholders para depois encontrar formas criativas de materializar esta experiência. Mas experiências vão além dos produtos e serviços e dizem respeito à subjetividade e emoção das pessoas. As experiências são multidimensionais e requerem uma equipe multi-disciplinar para o design. É comum em equipes de design pessoas com formações tão distintas como biologia, filosofia, engenharia, física e administração. Em especial, uma boa equipe é formada por pessoas que entendem as restrições e possam trabalhar dentro delas, mas também por pessoas que simplesmente não veem restrições e trabalham fora delas.
7 4. Fazer um protótipo e aperfeiçoar Os designers fazem protótipos para aprender, aperfeiçoar e depois implantar: o protótipo é a linguagem da experiência. Quando a gente se depara com a incerteza, muitas vezes é mais rápido e barato construir um protótipo e executar o experimento para descobrir. Quando se está aperfeiçoando uma inovação é mais rápido e mais barato construir algo que é imperfeito, para aprender o que é necessário para aperfeiçoá-lo. E quando chega a hora do lançamento e é preciso implementar a ideia na organização, um protótipo é a maneira mais convincente de comunicar o que precisa ser feito. Um protótipo é o modo como se capta corretamente a ideia e como se ajuda uma organização a entender o que vai ser feito, para conseguir o apoio necessário. A seguir apresentamos um processo (geral) de redesign do modelo de atuação. Figura 1: Processo de (Re)Design do Modelo de Atuação das Organizações que atuam com ISP A Exploração (re)formula o desafio estratégico, mapeia o contexto de atuação da organização, quem são os stakeholders, projeta cenários possíveis, prováveis ou desejáveis (a partir de tendências) e encontra novas conexões; interliga os stakeholders por meio de diálogos (cocriativos) ou entrevistas em profundidade, revelando necessidade (não atendidas) preocupações, aspirações e valores humanos e sociais (ou seja, aquilo que é relevante para as pessoas), utilizando esta compreensão como fonte de inspiração. A Análise cria sentido das pesquisas e das informações; constrói alguns frames para
8 melhor visualização dos achados e formula insights para o novo modelo, gerando possibilidades e oportunidades. A Síntese gera conceitos, ideias e novos significados, que vão modificar a experiência dos stakeholders. E traduz tudo em um modelo de atuação, que considera, entre outros elementos, a linha de produtos, serviços e programas; a proposta de valor; o perfil dos públicos; os canais de comunicação e relacionamento com os públicos; quem serão os parceiros; como será a fonte de receita, entre outros (vide abaixo a representação do modelo de atuação). Além disso, prototipa, testa, valida (com os próprios stakeholders) e refina o modelo. A fase de Realização articula as ideias em modelos de atuação, planeja a implementação e a inicia como se fosse startup, ou seja, experimentando, iterando e colhendo feedback, modificando e ajustando continuando a proposta original do novo modelo. Figura 2: Frame do Modelo de Atuação, adaptado do business model canvas de Alex Osterwalder. Referências para aprofundar os conceitos e métodos apresentados neste artigo Business Design livros Design de Negócios de Roger Martin (editora Elsevier), Design para Negócios de Heather Frase (editora Elsevier) e Business Model Generation de Alex Osterwalder. Cocriação livro O Paradigma da Cocriação de Venkat Ramaswamy, com lançamento previsto em julho/2014 pela editora Atlas e A Empresa Cocriativa, de Venkat Ramaswamy e Francis Gouillart (editora Elsevier).
9 Gestão da Complexidade - livro Pensando Diferente e Sustentabilidade e Complexidade de Humberto Mariotti (ambos da editora Atlas) Integrative Thinking livro Integração de Ideias de Roger Martin (editora Elsevier) Tendências: trendwatching.com, revista Monocle e revista The Alpine Review.
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