JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE. Paula Freitas Monteiro de Castro Economista Residente em Gestão Hospitalar HU-UFJF/Ebserh
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1 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Paula Freitas Monteiro de Castro Economista Residente em Gestão Hospitalar HU-UFJF/Ebserh
2 Art. 196 da Constituição Federal A saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação
3 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE O que é? Acionamento do Poder Judiciário para o fornecimento de medicamentos, internações, cirurgias e demais tratamentos de saúde pelos entes públicos em virtude de decisões judiciais
4 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Entende-se como judicialização a atuação por parte do Poder Judiciário ao decidir questões que, a princípio, competiria aos Poderes Legislativo e Executivo. Neste sentido, o Poder Judiciário vem exercendo papel de grande relevância quanto à efetividade dos direitos sociais, que deveriam ser garantidos pelos Poderes Executivo e Legislativo por meio de políticas públicas, atos administrativos, etc. A Constituição, que estabelece princípios, regras e objetivos, adquire um caráter programático, vez que parte considerável do que por ela é exposto necessita, em contrapartida, de uma atuação legislativa a fim de que regulamente e garanta a aplicabilidade do que nela se encontra
5 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Motivos básicos que levaram ao crescimento da judicialização no Brasil: 1. Redemocratização do país: a constituição de 88 reavivou a cidadania e deu maior nível de consciência de direitos a amplos segmentos da população 2. Constitucionalização abrangente: trouxe para a Constituição novas matérias, antes abrangidas apenas por outros processos políticos 3. Sistema de controle de constitucionalidade: permite que qualquer juiz ou tribunal deixe de aplicar determinada lei que entenda ser incompatível com o conteúdo da Constituição
6 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE No caso do direito à saúde (direito fundamental constitucionalizado), é necessário considerar múltiplas variáveis complexas, tais como: disponibilidade de recursos financeiros alocados preventivamente, políticas públicas integradas em planos plurianuais e em diretrizes orçamentárias, medidas legislativas ordenadoras das receitas e despesas públicas, etc.
7 DIREITO À SAÚDE versus RESERVA DO POSSÍVEL Um dos princípios que são, de forma mais frequente, citado com oposição à judicialização da saúde é intitulado reserva do possível, que pode ser entendido como a possibilidade financeira do Estado em dispor de recursos materiais para o cumprimento de eventual condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutica. O argumento de que o Estado não possui recursos para o cumprimento da decisão judicial só deverá ser acolhido caso o Poder Público demonstre, suficientemente, que a decisão causará mais danos do que vantagens à efetivação dos direitos fundamentais.
8 DIREITO À SAÚDE versus RESERVA DO POSSÍVEL Os membros do Poder Judiciário não são eleitos, mas são recrutados através de critérios técnicos e devem adotar posição de imparcialidade. Como atribuir aos juízes e tribunais a decisão sobre matérias que, segundo o próprio texto constitucional, caberia aos outros Poderes?
9 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Materialização do direito constitucional, representando um avanço efetivo da cidadania Acarreta sérios problemas de gestão e em última instância, ingerência do Judiciário nas ações do Executivo
10 O SURGIMENTO No Brasil, o marco da Judicialização na área da saúde ocorreu no início da década de 1990, quando começaram a ser pleiteados judicialmente medicamentos antirretrovirais para HIV/AIDS. A partir de então, esse caminho tem sido utilizado como alternativa do cidadão para recebimento de tratamentos de saúde, mesmo antes da tentativa pela via administrativa
11 O SURGIMENTO O crescimento do número de demandas levou a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais a criar, em novembro de 2006, uma Coordenadoria Especializada em Direito Sanitário. Desde a criação do setor especializado em 2006 até o final do ano de 2012, foi verificado um aumento de 463% no número de ações. Fonte: MEDRATO, 2013
12 PRINCIPAIS ASPECTOS DA JUDICIALIZAÇÃO Provoca iniquidades com o acesso à justiça: Evita a negligência do Estado (+) Compromete a política social já existente (-) - Gastos fora do orçamento Aumenta distorções sociais (-) - Privilegia uma pequena parcela da população que possui informações e acesso ao Judiciário em detrimento dos que não possuem
13 ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO A maioria das ações foi impetrada por advogados privados AÇÕES JUDICIAIS PRESCRIÇÕES POR EMISSÃO LOCAIS DE MORADIA DOS PACIENTES 53% 47% Médicos Privados 25% Bairros de alta renda Médicos SUS 75% Outros Fonte: VICTORA, 2011
14 PRINCIPAIS ASPECTOS DA JUDICIALIZAÇÃO Decorre de deficiências do SUS e do próprio Judiciário: Deficiências e insuficiências do sistema de saúde e do sistema judiciário brasileiro para responder de forma satisfatória às novas e crescentes demandas de saúde Provoca um excesso de demandas no Poder Judiciário - Envolvendo inúmeros servidores do Estado, tanto do próprio Judiciário, quanto da Secretaria de Estado de Saúde e da Advocacia-Geral do Estado.
15 PRINCIPAIS ASPECTOS DA JUDICIALIZAÇÃO Pode ser estimulada pelo marketing da indústria farmacêutica: O marketing comercial e/ou lobby exercido pela indústria e comércio farmacêutico, junto a segmentos sociais (pesquisadores, pacientes, médicos) e governamentais, para incorporação de seus produtos, poderia estar exercendo papel importante no sentido de estimular a demanda judicial para incorporação de novos medicamentos
16 5 DE MAIO - DIA NACIONAL DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS Criado para alertar a população sobre os riscos à saúde causados pela automedicação, também ressalta a importância que deve ser dada à dosagem prescrita ao paciente pelo profissional de saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o uso racional de medicamentos se dá quando pacientes recebem remédios apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade.
17 PRINCIPAIS ASPECTOS DA JUDICIALIZAÇÃO Grande influência econômica nos Estados exercida pela indústria farmacêutica. Forte dependência dos estados nacionais das indústrias farmacêuticas - No desenvolvimento das pesquisas clínicas - E em relação ao custo da incorporação das novas tecnologias nos sistemas de saúde
18 DESAFIOS PARA A GESTÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA Exigência de um tipo de atuação da gestão administrativa e judicialmente diferenciada no sentido de: - Responder às ordens judiciais; - Evitar o crescimento de novas demandas; - Preservar os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde. * Entretanto, deve haver um limite, principalmente tendo em vista que o mercado farmacêutico hoje conta com mais de quinze mil especialidades e só aumenta a cada ano
19 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Principais causas de determinados produtos de saúde não serem disponibilizados pelo SUS: Custo elevado; Ausência de comprovação científica de sua segurança e eficácia; Falta de autorização da Anvisa para a comercialização do mesmo no país.
20 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Aspecto positivo da Judicialização: contribuição para um aprimoramento da política já existente Em Minas Gerais, por exemplo, alguns medicamentos passaram a ser disponibilizados administrativamente após a constatação do grande número de ações judiciais que o pleiteavam, enquanto novos arranjos administrativos são realizados.
21 A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIOS Tornou-se praticamente unânime entre os magistrados que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos seria solidária entre os entes públicos. As partes dificilmente incluem apenas um ente no polo passivo das demandas e as decisões, em sua maioria, determinam o cumprimento por todos. O prazo fixado para o cumprimento é geralmente exíguo, sob pena de multa diária
22 A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIOS Superposição de esforços e de defesas Os entes acabam providenciando individualmente o cumprimento da decisão. Há um desperdício considerável de dinheiro público, pois além de os medicamentos possuírem prazo de validade muitas vezes reduzido, há casos em que a raridade da doença implica na falta de demanda posterior pela medicação. O Estado passa a responder aos anseios de uns em detrimento da coletividade
23 A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIOS Quanto mais réus em um processo, mais complexo e demorado ele se torna; - Efetivamente quem acaba por cumprir a decisão são os entes que detém os recursos materiais necessários ao cumprimento do direito demandado. Alguns juízes condenam todos os entes a fornecer tudo. Outros excluem o Município ou o Estado, não há padrão na decisão.
24 ESTUDO DE CASO EXEMPLO: MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Os juízes tendem a desconsiderar o impacto orçamentário de suas decisões no orçamento dos municípios; Levantamentos estatísticos apontam para uma taxa de sucesso do pleiteante contra o sistema público de saúde por volta de 85% no Judiciário paulista. Importante ressaltar que São Paulo, por ser o mais rico município da federação, talvez tenha melhores condições de absorver o impacto orçamentário gerado pelas decisões judiciais
25 ESTUDO DE CASO Gastos com saúde em São Paulo no ano de 2011 TOTAL GASTO COM FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E MATERIAL HOSPITALAR AMBULATORIAL E ODONTOLÓGICO 10% TOTAL GASTO COM POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA 6% 90% 94% Gasto com Judicialização Outros Gastos Gasto com Judizialização - MEDICAMENTOS Outros gastos Fonte: WANG et al., 2012
26 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Segundo o ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo, já houve casos em que, para o cumprimento de apenas uma decisão judicial, o orçamento municipal em saúde foi comprometido em 20% dos recursos previstos. 80% 20% Gasto com um caso de judicialização Outros gastos Fonte: WANG, et al., 2012
27 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Como São Paulo reduziu o impacto? - Realização de licitações por SRP para a compra daqueles medicamentos mais demandados judicialmente. CUSTOS Competitividade Preços 25% mais baratos -> resolução n 4 de 2006 da CEMED
28 Ranking dos produtos mais judicializados no município de São Paulo em 2010 PRODUTO NÚMERO DE AÇÕES Tira reagente 30 Lanceta 26 Insulina Glargina (Lantus) 25 Agulhas para caneta de insulina 21 Glicosímetro 18 Insulina Lispro (Humalog) 18 Insulina Aspart 14 Bomba de infusão de insulina 13 Fraldas descartáveis 13 Insulina Detemir (Levemir) 8 Insulina NPH 8 Fonte: Site do Tribunal da Justiça de São Paulo
29 IMPACTOS DA JUDICIALIZAÇÃO -> $ Impacto no orçamento público: impacto provocado nos cofres públicos consequente da decisão tomada Impacto social por afetar toda a coletividade devido ao desvio de verbas e recursos públicos e também impacta os princípios das políticas públicas por ser um conjunto de ações voltadas a todos os cidadãos Tendência de o estado ter maiores gastos com o fornecimento de medicamentos em decorrência de sentenças judiciais a situações individuais em comparação com o fornecimento de remédios distribuídos para a coletividade
30 EXEMPLO Em programas de atendimentos integrais em que quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos, frequentemente o Governo retira o fármaco do programa, que consequentemente: -> Compromete a eficiência administrativa no atendimento ao cidadão; -> Dificulta o planejamento administrativo para a demanda * Reflexão: Quando o direito de um indivíduo é mais importante que o de outro ou até mesmo do que o da coletividade?
31 MINAS GERAIS 2011 CUSTO DO PROCESSO O CUSTO MÉDIO DE ABRIR UM PROCESSO É DE R$9.500,00 Condenação mínima em honorário advogatícios + Perícia + Multa cominatória (média de atraso de 15 dias e o valor padrão de multa diária fixado judicialmente Exclui-se do cálculo a remuneração dos servidores, transporte, despesas administrativas como fotocópias, além da condenação principal (medicamentos, tratamentos e internações). Fonte: MEDRATO, 2013
32 MINAS GERAIS 2011 CUSTO DO PROCESSO Atentando para o percentual de Ações ajuizadas no Estado sucumbência do Estado em tais ações, que em regra corresponde a 85% do 15% total de ações ajuizadas, a projeção de gastos em um ano com processos judiciais chega a R$ ,00 85% Com sucesso Sem sucesso
33 MINAS GERAIS 2011 CUSTO DO PROCESSO Algumas vezes, segundo informações junto a servidores da Producadoria de Obrigações da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, todo esse valor é gasto para uma ação em que o pedido é um medicamento cujo custo mensal não passa de R$30,00 R$ 9.500,00 Valor médio só pela aprovação da ação R$ 30,00 O Custo do medicamento pode ser tão baixo quanto R$30,00
34 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE A partir de pesquisas realizadas com profissionais de saúde, tem-se que: Apesar do mandado judicial proporcionar início à assistência ao paciente que mediante as dificuldades para ter suas necessidades atendidas recorreram ao judiciário, destacam a injustiça que emerge desta ação do judiciário, uma vez que pessoas deixam de ser atendidas em função da prioridade obrigatória de atendimento dos pacientes via mandado judicial Fonte: RAMOS, 2014
35 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE Gastos com medicamentos por determinação judicial 4,4 135, Gastos com medicamentos em milhões Gasto do Ministério da Saúde com medicamentos cuja provisão for a determinada por ordem judicial subiu 5.000% Os dados apontam então: 1. existem cada vez mais ações contra o sistema público de saúde pedindo tratamentos médicos; 2. o impacto do judiciário no orçamento público de saúde está longe de ser insignificante
36 CONCLUSÃO Necessidade de avanço nos campos de divulgação dos critérios das escolhas, tanto do Legislativo quanto do Executivo - Para isso é fundamental que se amplie a participação dos cidadãos A saúde é um direito garantido constitucionalmente, mas o caminho para sua efetividade não pode ser definido pela via judicial - Aprimorar a distribuição de medicamentos pela via administrativa
37 CONCLUSÃO Há necessidade de atualização das listas de medicamentos do SUS com maior frequência; É fundamental que o Poder Judiciário possua um apoio técnico que lhe permita analisar cada caso Cada ente precisa passar a ser responsabilizado conforme a política padronizada do SUS Enfim, combater os excessos da Judicialização da saúde e aprimorar a qualidade das políticas e dos gastos públicos devem ser prioridades de todos os governos
38 RECOMENDAÇÃO Vídeo: Teoria reserva do possível efetivação do direito à saúde Link:
39 REFERÊNCIAS MESDRATO, Raquel Guedes et al. SOS SUS: Muita Justiça, Pouca Gestão? Estudo sobre a Judicialização da Saúde. Enanpad: XXVII Encontro do ANPAD, Rio de Janeiro, p.1-16, Disponível em:<http//docplayer.com.br/ sos-sus-muita-justica-pouca-gestao-estudo-sobre-a-judicializacao-dasaude.html > RAMOS, R.S.; GOMES, A. M. T. A judicialização da saúde pública no Brasil: um estudo de representações sociais. Cuidarte, Udes, v.5, n.2, p , Disponível em: < > VICTORA, C. G. et al. Condições de saúde e inovações nas políticas de saúde no Brasil: o caminho a percorrer. Tha Lancet, Brasil, n.6, p , Disponível em WANG, D. W. L. et al. Impactos da judicialização da saúde no orçamento público: o caso do município de São Paulo. ABrES: Associação Brasileira de economia da saúde, Brasília, p1-14, 2012.
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