Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em"

Transcrição

1

2 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário reconhecido através da excelência dos serviços prestados, dos seus elevados padrões éticos e da qualidade pessoal e profissional de seus egressos. Administração da Entidade Mantenedora (UCB) Administração Geral do Unasp Faculdade Adventista de Teologia Presidente: Domingos José de Souza Secretário: Udolcy Zukowski Tesoureiro: Élnio Álvares de Freitas Reitor: Euler Pereira Bahia Pró-Reitora Acadêmica: Tânia Denise Kuntz Pró-Reitor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Secretário Geral: Marcelo Franca Alves Diretor do Campus SP: Hélio Carnassale Diretor do Campus EC: José Paulo Martini Diretor: Emilson dos Reis Faculdade Adventista de Hortolândia Diretor da Faculdade: Euler Pereira Bahia Diretor Acadêmico: Ilson Tércio Caetano Imprensa Universitária Adventista Editor: Renato Groger Editor Associado: Rodrigo Follis Conselho Editorial: José Paulo Martini, Afonso Cardoso, Elizeu de Sousa, Emilson dos Reis, Wilson Paroschi, Amin A. Rodor A Unaspress está sediada no Unasp, campus Engenheiro Coelho.

3 EXPEDIENTE Acta Científica, Engenheiro Coelho-SP, volume 20, número 3, Setembro-Dezembro de ISSN: X (versão impressa) ISSN (versão online) Acta Científica é um periódico acadêmico de caráter interdisciplinar e publicação quadrimestral, sendo elaborada pela Pró-Reitoria Acadêmica do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Missão: Contribuir para a difusão de conhecimentos e reflexões pluralistas de maneira interdisciplinar. CONSELHO DE POLÍTICA EDITORIAL Afonso Cardoso, Tânia Kuntze, José Paulo Martini, Alacy Mendes Barbosa, Helio Carnassale, Ilson Tercio Caetano, Silvia Cristina de Oliveira Quadros e Renato Groger. COMITÊ EDITORIAL EDITOR Renato Groger EDITOR ASSOCIADO Rodrigo Follis Sistema de avaliação de trabalhos As contribuições são apreciadas, em primeiro lugar, pelo editor e editor associado, objetivando a verificação dos requisitos formais de apresentação de trabalhos. Uma vez aceitos em primeira instância, os textos, sem identificação de autoria, são submetidos a dois pareceristas, membros do Conselho Editorial Consultivo. Em caso de pareceres contrários, o texto é submetido a um terceiro avaliador. Os resultados são comunicados aos autores, tanto em caso de rejeição, como de aprovação ou aprovação com necessidade de ajuste. CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO Afonso L. Cardoso (Unasp, Engenheiro Coelho) Alberto R. Timm (DSA, Brasília) Elias Boaventura (Unimep, Piracicaba) Julian Melgosa (Adv. Univ. Philippines, Filipinas) Michael D. Pearson (Newbold College, Inglaterra) Paul Brantley (Andrews University, Estados Unidos) Valdemir C. Neri (Unisa, São Paulo) Víctor A. Korniejczuk (Univ. Montemorelos, México) William Green (Northern Caribbean University, Jamaica)

4 A Revista Acta Científica utiliza o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER), software desenvolvido para a construção e gestão de publicações periódicas eletrônicas, traduzido e customizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Esta revista se encontra sob a Licença Creative Commons Attribution 3.0. O Conselho Editorial não assume a responsabilidade pelo material publicado nesta revista. Os trabalhos publicados representam o pensamento dos autores. Revista indexada 1. Edubase (Faculdade de Educação/Unicamp-SP) 2. Sumários Correntes de Periódicos Online (Faculdade de Educação/Unicamp-SP) 3. CLASSE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (Universidad Nacional Autónoma de México) 4. INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Ministério da Educação) FICHA CATALOGRÁFICA A1882 Acta Científica Centro Universitário Adventista de São Paulo, v. 20, n. 3 (Setembro-Dezembro de 2011). Engenheiro Coelho: Imprensa Universitária Adventista, Quadrimestral ISSN: X (impressa) / (online) 1. Interdisciplinar 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Aplicadas UNASPRESS Revisão: Juliana Castro Programação visual: Pedro Valença, Flávio Luís Normatização: Giulia Pradela, Thiago Basílio Relações institucionais: Fernando Arthur Capa: Flávio Luís, Vinícius Alencar

5 engenheiro coelho - sp setembro-dezembro de 2011 volume 20, número 3 sumário editorial... 7 DOssIÊ - ReLIGIÃO e TRansFORMaÇÕes sociais O JOGO do POder religioso no cenário sociocultural brasileiro...11» carlos Flávio teixeira (universidade metodista, sp) moralidade, consumo e religião...27» rodrigo Follis (universidade metodista, sp) JOrnalistas adventistas e suas relações com a imprensa secular...38» ruben dargã holdorf (Puc-sP) a criação do santo não canônico motorista GreGÓriO...53» iury Parente aragão (universidade metodista, sp) a ética da responsabilidade na teologia de dietrich bonhoeffer...65» adriani milli rodrigues (andrews university, eua) a ética dos interesses em dale carnegie...75» Glauber souza araújo (unasp, engenheiro coelho) artigos tempo e espaço na civilização dromoimagética...85» renato Groger (cásper líbero, sp)

6 O movimento no canto coral: estética ou necessidade?...93»» Gisele Maria Schwartz (Unesp, SP) e Daniel Chris Amato (Unasp, Engenheiro Coelho) Resenha O Kant de Anthony Kenny: leitura e análise em busca dos problemas de Kant »» Klaudinei Luis Engelmann (PUC-SP) Normas para publicação

7 Por que estudar a religião? Renato Groger e Rodrigo Follis EDITORIAL Editores Há tempos se apregoa estar em andamento um rearranjo da civilização humana, o qual afetaria de forma incisiva o campo religioso. Os prognósticos ligados a essa concepção apontam para uma alteração substancial na forma de trabalho das organizações religiosas, com consequente fragmentação da antiga religião institucionalizada, que se tornaria uma questão de simples escolha de consumo para o praticante. Ao se fragmentar, a religião passaria a se traduzir apenas em atos individualizados, perdendo sua relevância social e comunitária. Embora não se possa negar algum grau de sensatez aos fundamentos de tal percepção, ela falha ao desconsiderar provavelmente em função da excessiva dependência do arsenal ideológico positivista uma asseveração histórica da Teologia: o ser humano possui predisposição natural para a experiência religiosa. O sociólogo Peter Beger (2001, p. 19), ao discutir o tópico, enfatiza que sempre existiu uma continuidade do impulso religioso, principalmente no contexto latino- -americano. Essa continuidade poderia indicar que a busca de um sentido, que transcenda o espaço limitado da existência empírica neste mundo, tem sido uma característica perene da humanidade (isto é uma afirmação antropológica, e não teológica um filósofo agnóstico ou mesmo ateu pode muito bem concordar com ela). Não poderíamos deixar de mencionar, como exemplo dessa afirmação, o caso abordado no artigo A criação do motorista Gregório, integrado ao dossiê preparado para esta edição de Acta Científica. Mesmo não debatendo diretamente aquelas questões, o artigo indica o aparecimento de novas manifestações religiosas. É certo que, como afirma Rivera (2010, p. 54), o argumento acerca do crescimento dos grupos religiosos na América-Latina não constitui um retorno à época da heteronomia da religião. Muito pelo contrário: o enfraquecimento das tradições traz como consequência a proliferação de opções religiosas e o declínio do compromisso religioso. A discussão sobre a nova ética trazida pelo capitalismo, empreendida no artigo A ética dos interesses em Dale Carnegie, também presente neste número, parece oferecer indícios de que a civilização realmente estaria nesse caminho. Outro artigo, Moralidade, consumo e religião, evoca os mesmos indicativos, mas o faz a partir de uma perspectiva culturalista. O ponto essencial levantado aqui é o de que parece existir uma sociedade ambígua, que ao mesmo tempo em que sofre uma secularização, também demonstra forte tendência à renovação dos sentimentos religiosos. Assim, ao menos na atualidade, sustentar nietzscheanamente a morte de Deus ou que o desaparecimento da religião seja algo certo e definitivo se afigura anticiência, já que, sem base empírica segura, tal proposição se coloca no campo abstrato do vaticínio. A observação simples do estágio atual da civilização desmente a tese da extinção social do impulso religioso.

8 EDITORES Durkheim, pioneiro da Sociologia, reconhece a religião, enquanto significação imaginária, como parte central da construção da sociedade. Para ele, a religião não é uma ilusão ou algo a ser superado; ao contrário, ela é a responsável pela coesão social. Rompendo com a tradição da época, que considerava os fenômenos religiosos como um tecido de superstições, das quais os homens se libertavam desenvolvendo seus conhecimentos, Durkheim mostra que o fato religioso, ao contrário, é uma das bases essenciais da socialidade (MAFFESOLI, 1989, p. 3). É com esse pensamento em mente que estendemos ao leitor o mais novo número da revista Acta Científica. Estamos preocupados em discutir e compreender, por meio do dossiê Religião e transformações sociais, quais são as influências, papéis e funções que a religião ainda exerce na sociedade. Está excluída, obviamente, qualquer pretensão de esgotar o assunto, o que é positivo no sentido de suscitar novas e inquietantes problemáticas a ser pesquisadas. Esperamos que a presente edição adicione à sua agenda a pergunta que dá título a este editorial: Por que estudar a religião? Que tal inquietação frutifique em múltiplos trabalhos sobre uma temática tão importante para a nova construção social que almejamos alcançar como civilização. Voltamos a lembrar que nosso site, contendo todas as edições anteriores, está à espera do seu acesso. Tome nota do endereço: Até breve e boas pesquisas. 8 Referências bibliográficas BERGER, P. A Dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: n. 21/1, p. 9-23, MAFFESSOLI, M. Prefácio. In: DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, RIVEIRA, P. B. Pluralismo religioso e secularização: pentecostais na periferia da cidade de São Bernardo do Campo no Brasil. Revista de Estudos da Religião. mar. p , Disponível em: < Acesso em: 09 out Errata: Diferentemente do que foi publicado na última edição impressa, o Professor Luís Martini é mestre pela Universidade de Marília e não pela Universidade Estadual Paulista. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

9 CHAMADA DE TRABALHOS 2012 A revista Acta Científica torna pública a chamada de trabalhos para os três próximos números, referentes ao volume 21, a serem publicados no ano de Aberta à interdisciplinaridade na exploração dos diversos fenômenos sociais, a revista conta com classificação Qualis/Capes, indexações em importantes bases de dados nacionais e internacionais e aceita contribuições para as seguintes seções: Dossiê (referente à temática específica relacionada abaixo), Artigos Originais e Resenhas de Livros (sobre qualquer temática dentro das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). Número 1 (janeiro a abril de 2012) Dossiê Linguagem e sociedade Dossiê Desafios da educação na contemporaneidade Prazo para submissões: as colaborações devem ser enviadas, via site, até 31 de janeiro de Número 2 (maio a agosto de 2012) Dossiê Interfaces socioculturais da mídia Dossiê Mídia e religião Prazo para envio: as colaborações devem ser enviadas, via site, até 31 de março de Número 3 (setembro a dezembro de 2012) Dossiê História e desenvolvimento social Dossiê Acessibilidade Prazo para envio: as colaborações devem ser enviadas, via site, até 31 de maio de Os interessados devem enviar contribuições rigorosamente de acordo com as Normas para publicação apresentadas na revista e também no site ( Os textos devem ser enviados unicamente através do site da revista Acta Científica, seguindo os seguintes passos: Acessar Caso tratar-se do primeiro acesso, preencher os dados pessoais no item cadastro. Se já estiver cadastrado, basta preencher nome e senha. Para submeter trabalhos, siga as demais instruções do próprio sistema. Obs.: O autor deverá acompanhar o andamento do trabalho submetido no próprio sistema on-line.

10 DOSSIÊ

11 o jogo do poder religioso no cenário sociocultural brasileiro Carlos Flávio Teixeira 1 Resumo: Este ensaio faz uma abordagem não exaustiva acerca do poder e suas relações enquanto fenômeno institucionalizado presente no âmbito da religiosidade brasileira. Observa o uso do poder religioso por parte das novas religiosidades que o manipulam na construção e manutenção dos poderes político e econômico, cuja engrenagem de poder daí resultante dá origem a um novo tipo de poder que se pode nominar de poder social religioso. Demonstra que tais religiosidades se valem do discurso religioso apenas como meio de inserção social e realização de suas pretensões político-econômicas, estabelecendo uma espécie de religião do poder, a qual representa sem dúvida um desafio ao equilíbrio necessário nas relações de religiosidade entre indivíduo, sociedade e o Estado. Palavras-chaves: Relações de poder; Poder religioso; Poder político; Poder econômico the game of the religous power in the Brazilian sociocultural setting Abstract: This essay is a non-exhaustive approach about the power and its relationship as a institutionalized phenomenon present in the Brazilian religiosity. It notes the use of religious power by the new religiosities that manipulate it in the construction and maintenance of political and economic powers, whose the results is a gea of power that gives rise to a new kind of power that can nominate social power of religion. Demonstrates that such religiousness uses the religious discourse only as a vehicle of social integration and realization of their political and economic aspirations, establishing a kind of religion of power, which clearly represents a challenge to the necessary balance in relations between religious individual, partnership and the state. Keywords: Relations of power; Religious power; Political power; Economic power A liberdade espiritual deveria se estender à esfera econômica? Os limites econômicos implicavam em restrições espirituais? Enfim, o que fazer com essas entidades econômico-espirituais? (GIUMBELLI, 2002, p. 256). O poder é um tema complexo cujo estudo pode abarcar um universo de abordagens e linhas teóricas argumentativas. Cada uma das abordagens possíveis de estudo pode resultar em construções distintas acerca da definição de poder e de seus desdobramentos práticos. Ao longo da história, inúmeros exames filosóficos e psicológicos argumentativos 1 Doutorando em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Mestre nas áreas de Teologia Pastoral e de Direito Constitucional. Pesquisador e Professor nos níveis de Graduação e Pós-Graduação do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). carlosflavioteixeira@gmail.com

12 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA 12 foram estabelecidos acerca do tema, cada qual pretendendo dar a palavra final sobre a essência e as formas como o mesmo se apresenta. Embora tal tentativa tenha ganhado destaque com as teorias de Max Weber e Michel Foucault, o tema se mostra ainda merecedor de estudos e debates, estando o mesmo ainda aberto para estudo e redefinição de sentidos. Com o cuidado acadêmico devido, ousa-se no presente estudo retomar a análise do tema a partir de suas implicações no âmbito religioso, no contexto sociocultural brasileiro dos dias hodiernos. A proposta é estudar o poder reconhecendo seus desdobramentos e relações no âmbito das relações sociais humanas, inclusive no âmbito da religião 2. Esta última, embora não seja um fenômeno de simples definição será tomada em seu sentido social 3, e assim entendida como combinação de crenças subjetivas e práticas objetivas que buscam o sagrado 4, e que por ser um fenômeno inerentemente humano, relacional e social torna-se sem dúvida um âmbito fértil de construção e manutenção do poder e seus desdobramentos. Partindo, assim, da abordagem geral não exaustiva acerca do poder e suas relações, dar-se-á ênfase na fenomenologia da institucionalização do mesmo no âmbito das novas religiosidades brasileiras. Será feita a observação primeiramente sob a perspectiva sistemática que o aponta como um fenômeno definido, caracterizado, articulado e instrumental. Secundariamente será analisado sob a ótica crítica que o aponta como um sistema de dominação e manipulação de interesses, cujas implicações ultrapassam as fronteiras do puramente religioso, projetando desdobramentos práticos no meio sóciocultural. Tal poder, cuidadosamente observado se mostra socialmente perigoso, uma vez que se utiliza do discurso religioso apenas como meio de inserção social e realização de suas pretensões político-econômicas, estabelecendo uma espécie de religião do poder, a qual representa sem dúvida um desafio ao equilíbrio necessário nas relações de religiosidade entre indivíduo, sociedade e o Estado. Com esses objetivos em mente é oportuno iniciar o estudo a partir da definição e identificação dos conceitos e formas nas quais o mesmo se materializa no plano das relações humanas. Identificando o poder e os poderes Observando o dicionário Houaiss (2009, p. 1513), o termo poder é definido a partir de inúmeras palavras cujos sentidos são os mais diversos. Dentre todos, registra-se os substantivos que dão sentido mais próprio e essencial ao termo, definindo-o como 2 A religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmos sagrado. Ou por outra, a religião é a cosmificação feita de maneira sagrada (BERGER, 1985, p. 38). 3 Afinal, de toda maneira, o conceito de religião (e outros que dele dependem), longe de evocar apenas um construto inocente e meramente intelectual, ganha a possibilidade de ser avaliado por suas aplicações e implicações na sociedade. (GIUMBELLI, 2002, p. 57). 4 Por sagrado entende-se aqui uma qualidade de poder misterioso e temeroso, distinto do homem e todavia relacionado com ele, que se acredita residir em certos objetos da experiência (BERGER, 1985, p. 38). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

13 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO 1º - Possibilidade, natural ou adquirida, de fazer determinadas coisas; capacidade, faculdade; 2º - Direito ou capacidade de decidir, agir e ter voz de mando; autoridade; 3º - Supremacia em dirigir e governar as ações de outrem pela imposição da obediência; domínio, influência (Numeração acrescida). DOSSIÊ Note-se o sentido tridimensional do termo que lhe permeia o conceito. Poder é ao mesmo tempo entendido como: a) prerrogativa e intencionalidade de ação; b) ação autoritária concreta; e c) resultado da ação praticada com domínio e/ou influência. Isso dá ao termo um sentido integral que o dota ao mesmo tempo de: significação apriorística de capacidade, significação pontual de determinação e significação última de intencionalidade e método. Na análise crítica feita pela filosofia e sociologia, talvez o teórico que mais tenha escrito a respeito do tema do poder tenha sido Foucault que trabalha o poder a partir da análise de suas relações 5, devendo por seu método desconstrutivista ser lido com cautelas. O referido autor assim se expressa: O que é o poder, ou melhor pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que eu não quero quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão variados? (FOUCAULT, 2006, p. 98). Foucault busca analisar o poder enquanto elemento que surge e se desenvolve, ganhando forma e desdobramentos no plano das relações humanas. Surge aí seu sentido básico, apriorístico, fundamental de poder de cuja compreensão registra que o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado (FOUCAULT, 2006, p. 98). Foucault via o poder em seu sentido estrutural e institucionalizado, manipulável, dominador e opressor, mapeando seu grau de prejudicialidade nas relações humanas. Na mesma linha, Romano pontua: Como, porém, os homens se comunicam entre si, como não existe o vácuo entre um e outro, surge a necessidade de regulamentar as relações mútuas (ROMANO, 1989, p. 18). Assim compreendido, o poder decorre da própria necessidade de se regulamentar as relações humanas essenciais do plano social, dando margem à existência e ao exercício necessário do mesmo. Nesse processo de relações e interações entre pessoas e instituições, necessidades e desejos, discursos e práticas, o poder ganha sentido e contornos que bem podem ser observados a partir da análise de sua fonte originária, a intencionalidade de sua manifestação, os meios utilizados por quem o exerce e os resultados de sua prática. Ou seja, o poder se mostrará benéfico ou maléfico para o ser humano enquanto indivíduo ou sociedade, de acordo com a forma como será articulado (fonte, objetivo, meio e resultados) Relação de poder, não relação de sentido (FOUCAULT, 2006, p. 6). Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

14 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA Em se tratando de articulação do poder procura-se chamar atenção do leitor para as recentes manipulações ocorrentes em tais relações, as quais têm cada vez mais ganhando espaço no contexto sóciocultural brasileiro, demonstrando a incidência de atos de manipulação do poder nas relações ditas religiosas, praticadas pelas novas religiosidades. Com objetivo de analisar tal fenômeno, passa-se ao estudo dos principais desdobramentos do poder. 14 O poder: naturezas, sentidos, formas O poder se apresenta com natureza, sentidos formas observáveis. E a compreensão de tal sistema é importante à vista da inevitabilidade de se classificar sua incidência e seu exercício em quaisquer relações que tomam a dimensão social. O poder enquanto termo deve ser compreendido em seu sentido integral como a prerrogativa consciente de se influenciar, dominar, controlar algo ou alguém. Apresenta-se com natureza divina (fonte em Deus) e/ou humana (fonte relacional humana), que tem como critério de definição as relações de quem o exerce e quem legitima de seu exercício. Este último, de natureza humana relacional, pode assumir dois sentidos: um sentido positivo, quando seu exercício se mostrar benéfico para o ser humano em termos de intencionalidade, ou negativo, quando, contrariamente, seu exercício se mostrar indiferente ou prejudicial ao ser humano em termos de intencionalidade. Pode ser instrumentalizado através de muitas formas, dentre as quais abordaremos neste trabalho as principais: poder religioso ou eclesiástico, poder econômico, poder político e poder social, cujo exercício poderá ou não se mostrar equilibrado, dependendo de seu resultado para a sociedade. Assim, quando se fala de poder, deve-se perguntar quanto ao mesmo: quem o exerce, por que o exerce, como o exerce e qual o resultado efetivo de seu exercício. Essa preocupação é pertinente em razão de duas realidades: a primeira é o fato de que nas relações humanas as relações de poder são inevitáveis; a segunda é o fato de que ultimamente as relações de poder no campo religioso estão se tornando cada vez mais desequilibradas, notadamente no âmbito das novas religiosidades que jogam com o mesmo. É sabido que quando o indivíduo religioso se encontra e se agrupa socialmente com seus pares para juntos compartilharem de uma mesma forma de religiosidade, inevitavelmente surge um grupo religioso cuja relação de coexistência mútua entre seus membros demanda o exercício do poder, que ocorre em um de seus sentidos e em uma ou mais de suas formas já citadas. O exercício do poder no grupo religioso passa a ser essencial para possibilitar a harmonia da comunhão, da fé e da servidão à divindade cultuada no plano comunitário, fato que por ser interpessoal demanda uma forma essencial de organização e coordenação para o qual o poder e seu exercício têm demanda necessária. A relação social de natureza religiosa evidencia a demanda humana pela satisfação de contingências que por sua vez serão mais bem atendidas a partir da instrumentalização de inúmeros mecanismos de satisfação individual e grupal, dentre eles o poder e suas relações inevitáveis. Assim, o poder se manifesta em um de seus sentidos e se instrumentaliza em uma ou mais de suas formas. Nesse sentido, afirma Houtart (2003, p. 54): Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

15 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO Todo grupo humano produz sua organização social e seu universo simbólico em função de suas relações com seu meio material. Essa é uma constante que se depreende com clareza dos estudos empíricos; não se trata de uma afirmação filosófica. É a experiência coletiva do grupo nos esforços que leva a cabo para viver e sobreviver, na qual se encontra a base da organização da produção material, das modalidades das relações sociais e do exercício do poder. DOSSIÊ Dessa relação de agregação e organização surge a institucionalização com seu discurso intencional. Embora surja inicialmente fundamentado na necessidade de articulação das forças, o poder assume distintos sentidos e formas como já explicado, a partir do lugar e do espaço em que se manifesta com intencionalidades peculiares aos mesmos, fazendo-se possível inclusive observar criticamente seus resultados. Assim, em sua busca de possibilitar a coexistência humana e organizar o convívio em macro e/ou microssociedades, dentre as quais as religiosidades, o poder se manifesta nas seguintes formas principais que interessam ao presente estudo: Poder religioso e poder eclesiástico: entendidos como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente religioso (fenômeno da crença) e/ou eclesiástico (fenômeno da institucionalização), e que tem por objetivo suprir as contingências metafísicas (espirituais) da existencialidade humana, promovendo sua comunhão experiencial com o sagrado; Poder político: compreendido em resumo como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente sócio-político-jurídica, e que tem por objetivo suprir as contingências organizacionais da coexistencialidade humana grupal; Poder econômico: percebido em síntese como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente financeira e patrimonial, e que tem por objetivo gerir e suprir a escassez material da existencialidade humana; Poder social: em suma é entendido como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente comunitária, e que tem por objetivo suprir as contingências de relacionamento e interação psíquica da existencialidade humana. 15 A partir das possíveis combinações de tais formas, o poder se apresenta alternativamente em relação de propriedade, manipulação e dominação. A relação de poder será considerada própria quando a articulação de uma de suas formas com outra(s) se mostrar necessária e comedida para o fim que se pretende alcançar e pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso precisa se articular com o poder econômico na medida em que possa atender as contingências do grupo religioso em sua regularidade exigida Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

16 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA 16 pelo poder político (por exemplo a relação necessária para observância das normas fiscais e tributárias de natureza trabalhista). A relação de poder será considerada manipuladora quando a articulação de uma de suas formas com outra(s), embora se mostre necessária para o fim que se pretende alcançar, não se mostre comedida e nem pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Tal discurso se torna um engodo ideológico nem sempre perceptível às massas por ele manipuladas. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso embora se articule com os poderes político e econômico com intenção primária de atender às exigências formais e contingenciais às quais está sujeito, vai além de tal perspectiva, a partir da intenção secundária de ele mesmo, o poder religioso, interferir e manipular os próprios poderes político e econômico (por exemplo eleições de parlamentares religiosos a partir de manipulação de votos de massas religiosas, sendo tais parlamentares, depois de eleitos, também manipulados em sua atividade política pelo mesmo grupo que manipulou os votos que os elegeu). A relação de poder será considerada dominadora quando a articulação de uma de suas formas com outra(s), não se mostra necessária para o fim que se pretende alcançar, tampouco se mostra comedida e nem ainda pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Tal discurso se torna uma trama ideológica imperceptível às massas por ele manipuladas. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso que necessariamente tem que se articular com os poderes político e econômico em seu processo de inserção social, o faz de maneira ilimitada, invertendo valores e buscando assim controlar os próprios poderes político e econômico em função de suas pretensões nada religiosas (por exemplo a tentativa de controlar a opinião pública através da mídia e/ou a tentativa de acumular grandes fortunas através de exploração econômica e controle político). Conforme se percebe, deve-se atentar para o sentido e a forma de articulação a partir da qual esse poder se apresenta sob o manto do discurso religioso, já que poderá ser usado, como o tem sido no caso de algumas das novas religiosidades, maldosamente para exercer seu controle explorador e dominador nos âmbitos de manifestação individual e social (família, igreja, sociedade, estrutura político-jurídica). Características do poder O simbólico vs. o real O poder se apresenta com características de simbologia ou realidade. Será simbólico quando construído e legitimado a partir de um discurso cuja base fundamental seja uma ou mais expectativas ideais, em razão das quais o poder se justifique. Será real quando construído e legitimado a partir de um discurso cuja base fundamental seja uma ou mais situações concretas, em razão das quais o poder se explique. Em algumas circunstâncias poderá se mostrar ambiguamente com ambas as características. O natural vs. o institucional Entende-se por natural o tipo e o nível de poder ao qual o indivíduo, enquanto ser pessoal, se sujeita em suas relações interativas intrapessoais. É o poder que o impele em suas Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

17 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO relações necessárias. E por institucional compreende-se o tipo e o nível de poder ao qual o indivíduo, enquanto ser social, se sujeita em suas relações interativas interpessoais. É o poder que o impele em suas relações de interação social, seja em micro ou macrossociedades. Ferramentas do poder religioso Conforme já abordado, ao se articular em suas diversas formas o poder será positivo se for próprio, mas poderá ser negativo em menor ou maior grau, caso se apresente como manipulador ou dominador. Nas duas últimas hipóteses citadas, o problema decorre do fato de que o âmbito inicial de sua origem e razão de ser é suprimido, passando a intencionalidade de quem o exerce a primar por outro âmbito do poder, antes secundário, mas continua tomando o primeiro como fundamento para o discurso manipulador ou dominador. Quando o fundamento do discurso legitimador do poder não se compatibiliza com a intencionalidade e práxis de quem o exerce, resta caracterizado o que se chama de manipulação e dominação. Ambas operam junto às massas, sobretudo religiosas, sendo nitidamente facilitadas pelos seguintes instrumentais: DOSSIÊ O ambiente pós-moderno Muitos personagens que surgiram nas últimas quatro décadas no cenário pluralista e sincretista da religiosidade brasileira se aproveitaram dos mecanismos ideológicos do pensamento pós moderno, inculcados nas massas através das artes (cinema, música etc.), da literatura, da mídia, usando-os como meio fértil para plantarem suas ideias que demonstram uso de poder para domínio das relações e uso de relações para construção de mais poder. Como afirmou Ferrari (2007, p. 34), 17 com a pós-modernidade criou-se uma época paradoxal, difusa e marcada por contradições: opulência-miséria, intelectualidade-ignorância, tecnológicorudimentar, global-local, evolução-riscos catastróficos, criação-destruição, inovação-descartável, coletivo-individual, tradição-transitório, crença-descrença, pós-moderno e pré-moderno. Nessa relatividade de tempo e espaço, os conceitos, valores e projetos tornaram-se ambivalentes. O abismo criado por tal ambivalência é agora alargado e preenchido pelo discurso religioso materialista, a partir do qual o poder religioso tem sido exercido por alguns grupos de forma manipuladora, dominadora e exploradora das humanidades situadas no pólo de maior fragilização das ambiguidades sociais. Nesse sentido, Ferrari (2007, p. 40) pontua: A dicotomia é clara. Enquanto a modernidade tentou, através de grandes relatos oriundos das filosofias iluministas (positivismo, freudismo, marxismo ), negar a noção da existência de Deus, a pós-modernidade nos surpreende. Pois faz uso das noções de sagrado guardadas nas dobras do senso comum da cultura popular em suas variadas instituições religiosas. Torna-se cada vez mais claro o uso da religião com suas múltiplas expressões, como meio de legitimação do grande mercado de trocas materiais e também simbólicas. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

18 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA Dito de outra forma, a pós-modernidade aperfeiçoou o ambiente propício para o surgimento de práticas ditas religiosas, mas de intenção puramente mercadológica e político-ideológicas. O resultado é a aberração que alguns convencionaram chamar de mercado religioso: De um lado padres-cantores celebram showmissas para milhares de pessoas, líderes evangélicos estufam seus templos e suas contas bancárias, centros espíritas, terreiros e outros espaços sagrados abrem com frequência, revistas laicas dedicam páginas às possibilidades da utilização de Deus como agente de negócios e lojas faturam vendendo florais de Bach, runas e duendes. Mas, por outro lado, ninguém mais pauta sua vida exclusivamente pela religião, pressionado pelos compromissos sempre crescentes na sociedade atual (MARTINO, 2003, p. 46). E na base de tal sistema podem ser identificados nitidamente inúmeros discursos ideológicos que ainda se mostram um fato a mais de preocupação por favorecerem a manipulação, dominação e exploração do religioso em favor do econômico, político e midiático buscado pelos grupos de poder que se escondem por trás do pretensamente religioso. 18 O discurso ideológico O discurso observado é dito ideológico por que não é coerente com os valores religiosos construídos por três fundamentos importantes para a cristandade: a história (incluindo aqui o relato e literalidade do texto bíblico sagrado), os valores humanos e o equilíbrio social. Falta-lhe adequação aos fundamentos da antropologia e da sociologia humana. Quando cuidadosamente analisado, o discurso demonstra por si a real intencionalidade do emissor ao construir e propagar uma mensagem valendo-se de determinado veículo e maneira de expressão, no caso os significantes e significados. Com o poder religioso não seria diferente. O conteúdo e a prática religiosa discursiva do presente tempo evidenciam e muitas vezes demonstram claramente qual a real intenção (nada espiritual) de alguns personagens do argumento midiático da mídia televisiva. Nas palavras de Pierucci e Prandi (1996, p. 270), a prosperidade está aberta a todos, mas em troca é preciso que se dê o que se tem para a igreja, quanto mais melhor, de preferência tudo. Quanto mais se dá para Deus, mas se recebe, e isso não é mera retórica. São inúmeras as estratégias e os jogos operados pelos pastores nos cultos para extração de dinheiro. O ato de dar o dinheiro, com a certeza de que ele vai voltar, acrescido, é um gesto de investidor [e não de gratidão e fidelidade]. [Uma tal] Religião muda expectativas, modela comportamentos, altera desejos e frustrações. O jogo é alimentado por falsas promessas e criativas metáforas usadas para estimular no ouvinte o desejo e a necessidade cada vez maior de ser parte da sociedade de consumo na qual supostamente poderá se realizar existencialmente, oferecendo-lhes a seguir determinado produto dito religioso como meio certo de se potencializar e concretizar tais empreendimentos de desejo. Em tais discursos não há diferença entre desejos e Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

19 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO necessidades. Ao contrário, os templos são transformados em verdadeiras universidades do desejo, onde os acadêmicos nunca se formam e cuja diretriz é manter os aprendizes num eterno ciclo de desejo e consumo que já ultrapassa em muito o plano do simbólico. Fabrica-se o desejo e mantêm-se como meio de satisfação do mesmo. E nesse truque da linguagem de poder não está em jogo apenas o uso de termos já existentes no meio religioso, mas sobretudo sua ressignificação com sentido empresarial carregando-os de intensa carga material que beira o antagonismo em relação aos valores fundantes da significação antes dada aos mesmos pela cristandade. Por exemplo, tem-se o termo dízimo, que até pouco tempo não encontrava qualquer resistência no meio social, mas que tornou-se há certo tempo sinônimo da ganância e do engodo de certos líderes religiosos. Tal postura ressignificante modula os novos conteúdos do discurso, fazendo-o a partir de manipulações de sentido determinadas pelo uso do próprio aparato tecnológico de propriedade dos manipuladores, o que nada mais é do que uma forma de abuso de poder. Peña-Alfaro (2007, p. 105), por exemplo, pontua que DOSSIÊ o uso de elementos publicitários no contexto discursivo iurdiano nos parece um abuso de poder, para usar a expressão de Van Dijk, por parte de um grupo poderoso e hegemônico que tem a força comunicacional de seus próprios meios: televisão, rádio e jornal para veicular e reforçar sua mensagem. A credibilidade da mensagem apoiase no meio. Aos olhos da população isso é importante, pois da credibilidade do meio depende também a eficácia persuasiva desta mensagem religiosa. 19 Para emplacar tal discurso finalístico, materialista e mercadológico, estabelece-se uma falsa e inquestionável validade dos meios utilizados, os quais nada mais são do que aparatos manipulados para se concretizar os fins nada religiosos das instituições e grupos que o controlam. Forma-se um ciclo vicioso do qual as massas não têm condições de escapar: os fins justificam os meios, que são, ao mesmo tempo, validadores dos fins. E é assim que se estabelecem as relações de poder e dominação por grupos econômicos ou ideológicos que utilizam a linguagem como formas de controle social, por meio de várias formas de práticas discursivas. Entre essas formas encontramos a retórica e a persuasão (PEÑA-ALFARO, 2007, p. 104). São ações superficiais, sem reflexão de sentido e clara intenção de resultados empresariais, sem relação necessária para uma religiosidade essencial. E tal ideologia, embora construída em termos de discurso a partir de metáforas, se vale na prática de técnicas já há muito conhecidas, porém utilizadas de forma a controlar o consciente e o inconsciente do adepto, dentre elas a publicidade de mercado. Relações entre poderes A articulação e a manipulação dos poderes O poder é articulado quando as relações em que ocorrem suas diversas formas são legítimas humanamente falando. Por legitimidade há que se entender o respeito à vontade consciente do indivíduo em sua pessoalidade e relação social. Somente o poder que se exerce Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

20 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA de forma assim respeitosa poderá ser considerado legítimo e, portanto, uma articulação, postura diversa da praticada pelas novas religiosidades que mais se caracteriza como manipulação. Já a manipulação resta caracterizada quando o poder é exercido a partir de relações cuja articulação, ao ser instrumentalizada, não atende ao mínimo necessário de respeito à vontade consciente do indivíduo. A manipulação pode ocorrer tanto nos casos em que não se procura formar uma consciência crítica no indivíduo até então inconsciente, quanto nos casos em que se procura formar nele uma ideologia que sustenta uma falsa religião, assim considerada quando o poder usado no discurso não se coaduna com as intenções e os resultados buscados por quem o exerce. Tanto a articulação quanto a manipulação se valem de todas as prerrogativas, características e ferramentas inerentes já estudadas, no objetivo de alcançar e afetar diretamente a vida e ações de indivíduos e sociedades. Nesse sentido, Ferrari (2007, p ) pontua: O poder abrange não só a habilidade de comandar, exigindo obediência às ordens de alguém, mas também o tomar decisões e exercer influências sobre o que foi definido, afetando direta ou indiretamente a vida e as ações dos outros e a si próprio. O exercício do poder envolve uma interação de interesses, valores e atitudes. 20 A distinção mais nítida, porém, entre articulação e manipulação, está no fato de que na articulação tanto a intencionalidade, quanto os meios utilizados e os resultados alcançados visam a beneficiar o ser humano, quer pessoalmente quer em sociedade, ocupando-se com os âmbitos físico, mental e espiritual. Já quanto à manipulação, conforme o sentido do próprio termo define, os motivos, os meios e os fins não intencionam, nem de longe, contribuir para o benefício pessoal ou coletivo dos que são submetidos. Enquanto a articulação equilibrada procura a contribuição, a manipulação desequilibrada procura o domínio, a exploração e o controle egoísta. E quando se abandona o ideal de uma articulação equilibrada entre as formas de poder para se exercer a manipulação e dominação, forma-se uma espécie de engrenagem de poder. A construção dos poderes institucional, político e econômico a partir do discurso religioso A partir do desequilíbrio nas relações de poder, forma-se uma engrenagem de na qual é nítida uma inversão de preeminência na intencionalidade, nos meios, na forma e nos resultados buscados com o exercício do poder utilizado, passando a religião para um plano secundário, no qual é condenada a servir apenas de discurso legitimador de um sem número de práticas dominadoras e exploradoras cujo objetivo é na verdade o status econômico, político e/ou social. Assim surgem, desenvolvem-se e absolutizam-se: Poder eclesiástico religioso ou chamado institucionalismo religioso, entendido como o excesso de absolutização da religião enquanto instituição em detrimento da mesma enquanto prática de fé. Tal poder superdimensiona a instituição religiosa como infalível (absolutização positiva) ou legítima socialmente (absolutização negativa), embora suas práticas não guardem compatibilidade com o pa- Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

21 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO drão de legitimação religiosa aceito socialmente. Normalmente representa uma tentativa de reagir à críticas que recebe por suas práticas desumanas e antissociais, que são frequentemente defendidas com críticas a outras instituições, bem como recorrendo ao discurso religioso como fonte de legitimação de tais práticas. Poder político religioso ou chamado de politismo religioso, entendido como o a busca prioritária do político em detrimento da prática da fé religiosa, embora o faça a partir de argumentos e práticas espiritualizantes. Tal poder superdimensiona a necessidade de que a religião se projete no cenário político, ora sob o argumento positivo de que a fé precisa ser ativa no controle do social, ora sob o argumento negativo de que a fé precisa de defender com armas políticas para não perder espaço de expressão no meio social. Poder econômico religioso economismo religioso, entendido como a busca prioritária do financeiro, do patrimonial em detrimento da prática da experiência religiosa com o sagrado, embora o faça absolutamente a partir de argumentos e práticas religiosas. Tal poder superdimensiona a necessidade de que a religião seja beneficiada pelos recursos econômicos, ora sob o argumento positivo de que a fé abre-se a uma prosperidade material ilimitada e desejada, ora sob o argumento negativo de que a fé se não provada financeiramente não possibilitará meios de expansão de sua expressão e manutenção no meio social. Poder social religioso socialismo religioso, entendido como a busca prioritária de determinado status social que prioriza o reconhecimento institucional a partir da força de poder econômico e político, em detrimento do reconhecimento social de uma prática da fé religiosa. Tal status, embora sustentado por outros poderes, tem no argumento e na prática dita religiosa sua força motriz. Tal poder superdimensiona a necessidade de que a religião se projete no cenário social a partir dos poderes político e econômico que garanta sua existência, reconhecimento e respeitabilidade. Cria-se uma nova divindade chamada status social, a qual substitui a Deus na garantia de sucesso de uma suposta fé que passa a ter no dinheiro e na influência política seus principais garantidores. DOSSIÊ 21 Esse tipo de poder social religioso referido é a base sobre a qual as chamadas megarreligiões se sustentam. Instituições onde estão os grupos de poder que almejam o máximo de controle econômico e político no âmbito social. Campos (2002, p ) pontua algumas práticas que se observam nessas megarreligiões e que se sustentam do poder social religioso. Dentre elas destacam-se: Líderes que se impõem como figuras absolutas de carisma, autoridade e referência para os seguidores, sendo suas decisões e ordens indiscutíveis e obrigatórias; Atitudes absolutistas e totalitárias quando à instituição, seus colaboradores (empregados) e seus adeptos; Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

22 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA Exigência de obediência inquestionável por parte do adepto e do corpo organizacional; Extremo controle pessoal e direto de funcionários e adeptos; Uso privativo dos bens patrimoniais da organização, inclusive com ocorrência da chamada confusão patrimonial, na qual se fundem na prática os patrimônios pessoais e empresariais; Profissionalização das técnicas de manipulação e dominação ideológicas; Todas essas práticas são destinadas a controlar primeiramente a informação (CAM- POS, 2002, p. 105), depois o pensamento (estímulos e motivações), a seguir a ocupação do tempo do indivíduo, até se tornar para ele um estilo de vida submisso ao padrão estabelecido pelo grupo dominador. São atitudes nitidamente destinadas a condicionar a mente para uma manipulação sem resistência e um domínio conformado quase imperceptível para quem é submetido. Campos afirma que são técnicas preparadas para ser implementadas nos processos de reforma do pensamento e de controle do comportamento (CAMPOS, 2002, p. 104). E isso se dá principalmente a partir das práticas seguintes: 22 Manipulação de textos considerados sagrados, a partir de sua interpretação descontextualizada e distorcida, com linguagem simplista que estimula a superficialidade perceptiva e apreensiva de seu significado e aplicação prática; Apelação e estímulo permanente e exclusivo ao emocional e supressão do racional nas atividades de adoração e interação ritual e simbólica; Imposição de mudanças comportamentais sob pena de desligamento do adepto; Assim, a engrenagem se forma e o chamado poder social religioso que daí surge demonstra uma completa mudança e dissimulação da real e essencial religiosidade. Mudança no foco O poder social religioso na forma estudada é essencialmente eclesiástico, político e econômico, apresentando-se a partir de legitimação discursiva nitidamente religiosa. Não é essencialmente religioso com desdobramento eclesiástico, político e econômico. Mudou-se o foco primário de motivação e intencionalidade do poder. O objetivo prioritário, conforme já demonstrado, é a manipulação, controle, dominação e exploração das massas, embora, lógico, jamais se admitirá tal intencionalidade. E, conforme já disse Foucault, por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade (FOUCAULT, 2006, p. 102). Não se trata de uma dominação esdrúxula, aberta, clara, mas de atitudes sutis de manipulação a muitos imperceptíveis em razão de virem sob o manto da argumentação religiosa. É por isso que se considera que as relações de poder estão talvez entre as coisas mais escondidas no corpo social (FOUCAULT, 2006, p. 133). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

23 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO O novo sistema Pode-se esquematizar da seguinte forma o novo sistema dito religioso que surge no cenário pós-moderno brasileiro, no âmbito das novas religiosidades, a partir do poder social religioso: Poder religioso + Poder econômico = Mercado religioso e Religião econômica DOSSIÊ Essa é a equação básica de nossos dias, que dá origem a uma espécie de mercado onde as relações de demanda e oferta de símbolos religiosos é responsável pelo surgimento de uma religião econômica, onde a preeminência do valor material suprime e praticamente elimina o valor imaterial das pessoas que são envolvidas no jogo. Poder religioso + Poder político = Política eclesiástica e Religião política No tocante a tal equação, Ari Pedro Oro já pontuou que, quer seja em razão do carisma de função, quer seja em razão do que chama de carisma pessoal privado, seja como for, os fatos aqui abordados revelam que em nossos países do Cone-Sul o político, malgrado o seu caráter secular, continua a se articular com o religioso e que a relação entre o político e o religioso pode ocorrer por ângulos variados, e até inesperados (ORO; STEIL, 1997, p ). Poder religioso + Poder econômico + Poder político = Poder social religioso 23 Essa é a equação social destrutiva de nosso tempo. Como registra Freston (1994, p. 14), vemos que a religião evangélica está chegando a uma série de instâncias sociais nas quais antes tinha presença tímida ou inexistente. O exemplo mais conhecido é o da televisão, a qual será tratada à parte por causa de seu vínculo íntimo com a política. Tal realidade se torna problemática à vista da impropriedade de se usar o discurso religioso na busca prioritária do econômico e do político. As massas fragilizadas não têm discernimento necessário para perceber tal engodo e dar à histórica e equilibrada religiosidade a isenção que lhe cabe, vez que esta última, assim como a sociedade, tem sido vítima dos manipuladores que se valem do discurso religioso apenas para suas pretensões e aventuras socais. Falando do desgaste que essa situação causa à religiosidade equilibrada, Freston (1994, p. 15) pontua que estamos vivendo esse momento em que a religião evangélica chega despreparada a novos níveis de visibilidade social e se torna religião de massas [e que tal fato] tem sido altamente desgastante para a imagem pública. Os resultados mais evidentes, que dentre tantos outros levam a essa imagem social negativa da religião, podem ser exemplificados no fato de que a ideia de membro foi substituída pela de adepto por essas ditas igrejas, demonstrando uma completa dessacralização da pertença religiosa simbólica e institucional. Além disso, a ideia de sacerdócio foi substituída pela ideia de empregados, demonstrando também a dessacralização do próprio ofício dos símbolos religiosos cristãos. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

24 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA Sem a primazia do sagrado 6 no âmbito da espiritualidade, o religioso se torna mero discurso de legitimação social da manipulação e dominação dos poderes econômico e político. E tal situação deve ser um alerta que inclusive já deixou seu recado gravado na história do próprio cristianismo, em episódios sangrentos como as cruzadas, a inquisição e o facismo. Considerações finais Diante do fenômeno analisado no presente trabalho, o Estado está sem dúvida desafiado a algumas urgentes reflexões e atitudes acerca da realidade preocupante das relações de poder no âmbito das novas religiosidades no cenário sociocultural brasileiro dos dias hodiernos. O Estado tem o dever de atentar aos: 24 Desafios de percepção: perceber a dominação e exploração ideológica que está acontecendo no meio social, sob o manto do discurso religioso; Desafios de informação: informar-se adequadamente acerca de tal fenômeno e dele dar publicidade para informar preventivamente os indivíduos e a sociedade sob sua tutela; Desafios de formulação de estratégias: estabelecer estratégias equilibradas para prevenir que tal anomalia social continue ocorrendo; Desafios de enfrentamento: tomar providências práticas no sentido de enfrentar o problema dos excessos de religiosidade em território brasileiro, cuidando para que as liberdades religiosas equilibradas se mantenham plenamente garantidas; Desafios de monitoramento: monitorar com o cuidado devido a articulação entre poder religioso e poderes econômico e político, com vistas a uma projeção social do religioso que seja sempre benéfica às humanidades sob sua tutela; O maior desafio de todos: manter ações equilibradas no tocante à religiosidade, não reduzindo seu potencial expressivo, e por outro lado não descuidando da atenção e limites necessários nas suas articulações de poder. No tocante ao tema examinado, Estado, igrejas e religiosos devem reconhecer que o equilíbrio continua sendo o caminho mais acertado para enfrentamento da questão. Não se pretende afirmar que a Igreja deva se isolar de qualquer contato com os mundos do político e do econômico, pois tal postura radical representaria a própria impossibilidade de sua institucionalização, formalidade jurídica-política necessária para seu reconhecimento como religião legalizada e consequente funcionamento regular de acordo com o estabelecido no ordenamento jurídico vigente. O que se quer dizer é que a essência dos atos da Igreja deve se pautar exclusivamente pelo religioso, pelo transcendente, pelo sagrado em seu elemento 6 Ocorre quando o sagrado e o espiritual deixam de ser a intenção primária do fazer religioso. Sagradas são as experiências, profano é o experiente, o propagandista, o marqueteiro, o vendedor de ilusões aqui estão inseridos os sacerdotes e empresários da mídia de um modo geral. Profana é a realidade virtual, as alienações, as ideologias, a adulteração do original (BONOME, 2006, p. 88). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

25 O JOGO DO PODER RELIGIOSO NO CENÁRIO SOCIOCULTURAL BRASILEIRO da fé, embora secundariamente possa se relacionar de forma equilibrada com elementos dos âmbitos político e econômico. Esta proposta é diametralmente oposta ao quadro que se tem visto no cenário midiático, político e religioso brasileiro, no qual alguns grupos têm agido de maneira essencialmente política e econômica e usado a fé religiosa popular apenas como roupagem para suas intencionalidades nada religiosas. Nesse sentido, talvez seja pertinente pontuar a realidade extraída das palavras de Sung (1998, p. 130): DOSSIÊ Dizer que a missão da Igreja é religiosa não significa dizer que a Igreja e os cristãos não devem se intrometer nas questões como as econômicas, sociais e políticas. Se assim fosse, nós seríamos testemunhas de um Deus totalmente insensível aos sofrimentos de seres humanos, isto é, de um Deus totalmente insensível e cínico. O contrário de Deus que é amor e misericórdia. Significa somente que a ação e os pronunciamentos das igrejas cristãs, enquanto instituições, devem manter a sua especificidade religiosa, isto é, agir e falar a partir de nossa experiência da fé. Mesmo numa sociedade moderna, que se crê secularizada, e até mesmo dentro dos parâmetros da razão crítica moderna há uma tarefa fundamental para as religiões: anunciar a transcendência de Deus para que os seres humanos não se esqueçam da sua condição humana e para que não se absolutize nenhuma instituição social. Que o Estado enquanto guardião da dignidade humana, da ordem pública e da paz social, crie urgentemente mecanismos que regulem equilibradamente o exercício do poder no que tange à articulação necessária entre seus âmbitos de religiosidade, política e economia, viabilizando sempre a expressão do poder religioso social dado o seu caráter positivo e construtivo, mas ao mesmo tempo combatendo a manipulação que dá margem à expressão do poder social religioso, dado o seu caráter negativo e notoriamente destrutivo da dignidade das humanidades, e consequentemente, ameaçador à própria ordem pública e da paz social. Para tanto, que se perceba o perigo do poder que está sempre por trás dos Poderes. Um poder social religioso que procura a todo custo se absolutizar no cenário sociocultural brasileiro, no qual se percebe o uso da religiosidade como mero instrumento de construção e manutenção dos interesses político e econômico. Que ao se perceber seus riscos para o indivíduo, para a sociedade e para o próprio Estado, que este último reaja equilibradamente no sentido de proteger a dignidade de seus tutelados, ao mesmo tempo em que zele pela ordem pública e a paz social. E assim finaliza-se voltando à questão levantada preliminarmente por este trabalho nas palavras de Giumbelli (2002, p. 256): A liberdade espiritual deveria se estender à esfera econômica? Os limites econômicos implicavam em restrições espirituais? Enfim, o que fazer com essas entidades econômico-espirituais?. O mesmo autor responde: a liberdade religiosa garantida pela Constituição não pode estar em desarmonia com interesses que [ela mesma a Constituição] atribui indistintamente ao Estado, à Nação e à ordem civil (GIUMBELLI, 2002, p. 257). É urgente não somente reconhecer, mas também combater o exercício de poder que se mostra religioso apenas no discurso e que se vale da manipulação, dominação, 25 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

26 CARLOS FLÁVIO TEIXEIRA exploração e controle: o poder social religioso hodiernamente presente no contexto sociocultural brasileiro. A religião, as religiosidades e os religiosos que se mantêm no âmbito adequado da fenomenologia espiritual clamam pelo socorro estatal! Referências bibliográficas BERGER, P. L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, BONOME, J. R. Religião: entre a verdade e a veracidade. Goiânia: UCG, CAMPOS, L. S. As mutações do campo religioso. Caminhando. São Bernardo do Campo, v. 7, n. 9, FERRARI, O. A. Bispo S/A: a Igreja Universal do Reino de Deus e o exercício do poder. São Paulo: Ave-Maria, FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, (Biblioteca de filosofia e história das ciências). FRESTON, P. Evangélicos na política brasileira: história ambígua e desafio ético. Curitiba: Encontrão, GIUMBELLI, E. O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França. São Paulo: Attar Editorial, ORO, A. P.; STEIL, C. A. (Orgs.) Globalização e religião. Petrópolis: Vozes, HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, HOUTART, F. Mercado e religião. São Paulo: Cortez, MARTINO, L. M. Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso. São Paulo: Paulus, PEÑA-ALFARO, A. A metáfora no discurso religioso da Igreja Universal do Reino de Deus. Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, v. 21, n. 32, jun PIERUCCI, A. F.; PRANDI, R. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, ROMANO, E. Sobre o poder eclesiástico. Petrópolis: Vozes, (Clássicos do pensamento político, 7). SUNG, J. M. Desejo, mercado e religião. Petrópolis: Vozes, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

27 Moralidade, consumo e religião Rodrigo Follis 1 Resumo: A comunidade acadêmica tem voltado atenção para questões acerca da importância da publicidade e de como ela é utilizada visando à criação de mecanismos para a construção social através dos produtos anunciados, os quais muitas vezes são acusados de terem uma aura encantada (porque não dizer mágica?), fruto da necessidade humana de estar dentro de construções simbólicas que dão sentido à vida. Na busca por compreender, ainda que de forma embrionária, as relações existentes nas construções históricas entre a moralidade, o consumo e a religião, este artigo se debruça sobre uma pesquisa histórico-social, na qual se objetiva descrever e entender diversos encontros e desencontros da religião e do pensamento capitalista, e como estes podem ser pensados em sua relação com a cultura. Palavras-chaves: Moralidade; Consumo; Religião; Publicidade; Comunicação Morality, consumption and religion Abstract: The academic community has focused attention to questions about the importance of advertising and how it is used in order to create mechanisms for the social construction through the products announced, which are often accused of an enchanted aura (why not say, magic aura? ), fruit of the human need to be inside the symbolic buildings that give meaning to life. In seeking to understand it even in embryonic form, the relationship between the historic buildings in morality, religion and consumption, this article focuses on a social-historical research, which will aim to describe and understand diverse agreements and divergences among religion and captalist thinking and also discuss what can be inferred within both and the relationship with culture. Keyword: Morality; Consumption; Religion; Advertising; Communication A maior utilização dos meios de comunicação e a frequente importância do modelo capitalista, ambos servindo cada vez mais como formas de mediação das relações humanas, parecem corroborar com a ideia de que a publicidade adquiriu apenas recentemente uma força simbólica a qual serviria para encantar a vida humana. Tal pensamento básico parte da noção de que o ser humano, como ser intrinsecamente simbólico, teria no passado a religião como base simbólica para a existência, a qual acabou sendo, por assim dizer, destronada de sua posição de encantar a vida humana, passando tal papel à publicidade (SILVA, 2008; FONSECA, 2003). Visando a compreender, ainda que de forma embrionária, as relações existentes nas construções históricas entre a moralidade, o consumo e a religião, é preciso buscar uma breve descrição histórico-sociológica acerca do desenvolvimento do capitalismo e de como a religião esteve ali presente. Mas, antes de tudo, seria ideal apresentar uma breve 1 Mestrando na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Professor auxiliar no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Bolsista CNPq. rodrigo.follis@unasp.edu.br

28 RODRIGO FOLLIS 28 descrição daquilo que este trabalho entende como uma boa definição do termo capitalismo (boa, embora não completa, diga-se de passagem). Capitalismo é o nome do sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e na venda dos produtos dali derivados, visando ao lucro. O capitalismo não é apenas sobre geração de lucros em curto prazo, mas sobre reinvestimento com objetivo de garantir uma longa fonte de lucros. Para que o capitalismo tenha o êxito descrito acima é preciso existir o consumo dos bens produzidos (e dos que serão produzidos, logicamente). Quanto ao pensamento sobre uma boa definição de consumo, espera-se que no decorrer deste trabalho ela possa ser vislumbrada, mas para isso será preciso discutir alguns processos histórico- -sociológicos que auxiliaram a desenvolver em especial esta última categoria. Do ponto de vista empírico, toda e qualquer sociedade faz (e fez) uso dos materiais existentes na natureza com objetivo de reprodução física e/ou social (aqui não cabe distinguir quais são tais desenvolvimentos, ou mesmo se são bons ou ruins, apenas enfatizar que sempre estiveram presentes no desenvolvimento humano, durante praticamente todas as eras que se pode contabilizar dentro do conhecimento histórico). Esses objetos, bens e/ou serviços, sempre atuaram basicamente na função de matar a fome biológica, dar abrigo ao ser humano, saciar a sede ou fornecer soluções para outras necessidades físicas e biológicas. Tais produtos parecem possuir uma característica histórica de sempre ser utilizados (ou consumidos) no sentido de esgotamento (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 21). Embora se possa perceber tais atos sempre dentro das mais diversas sociedades em todos os tempos, só recentemente eles foram denominados de consumo/ capitalismo. O que levanta algumas perguntas, mas a principal delas pode se resumir na questão acerca do porque o consumo (e logo o capitalismo) foi considerado como criado há tão pouco tempo atrás, tendo o início associado de forma frequente à Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra. Para se pensar os porquês dessa predominância teórica, é preciso analisar o contexto histórico do desenvolvimento do capitalismo moderno. Breve notas sobre o desenvolvimento histórico-social do capitalismo O desenvolvimento histórico da humanidade descreve que ainda nos primórdios do feudalismo, a posse de terras se constituía como sendo a maior fonte de riqueza do ser humano. O acúmulo dessas posses era o pilar da tradição que servia como manutenção do poder vigente, pois indicava o poder que tal proprietário detinha, não porque podia comprá-las, mas por tê-las recebido como herança. A partir da expansão do comércio mercantilista, aparece na cena histórica um novo tipo de riqueza: o dinheiro. Se durante a era feudal as posses eram inativas, fixas e pouco móveis (por serem herdadas), o dinheiro, mesmo já existindo, também acabava por seguir tal lógica. A grande modificação ocorrida com a valorização dos recursos monetários em detrimento das posses de terra é que o primeiro passou, a partir de tal revolução, a se comportar de forma ativa, viva e fluida. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

29 MORALIDADE, CONSUMO E RELIGIÃO Se no início da era feudal os sacerdotes, guerreiros e grandes proprietários de terras situavam-se num dos extremos da escala social, vivendo do trabalho dos servos, encontrados no outro extremo, agora, um novo grupo surgia, a classe média, vivendo de uma forma diferente, da compra e da venda. No período feudal, a posse da terra, a única fonte de riqueza, implicava o poder de governar para o clero e a nobreza. Agora, a posse do dinheiro, uma nova fonte de riqueza, trouxera consigo a partilha no governo (HUBERMAN, 1986, p. 33). O livro de McKendrick, intitulado The Birth of a Consumer Society [O Nascimento da Sociedade de Consumo] trata de forma inovadora os dados apresentados acima. O autor parte em busca daquilo que ele acredita ser uma importante parte da história da transformação social, mas que acabou por ser negligenciada. É certo que a Inglaterra do século XVIII 2 sofreu grande influência da chamada Revolução Industrial, a qual se constitui em uma elevada produção de bens materiais antes não existente. O ponto em que McKendrick (1982) insiste é que através dessa abordagem tradicional dessa transformação, será fornecido apenas um quadro, no mínimo, incompleto. Ele argumenta que historicamente as pesquisas têm fornecido grande ênfase à Revolução Industrial em detrimento de outros desenvolvimentos igualmente importantes, como a revolução do consumo. Essa última é tão importante e necessária quanto a primeira. Uma mudança nos meios e fins produtivos [ ] não pode ter ocorrido sem uma mudança comensurável nos gostos e preferências dos consumidores. Não obstante, os acadêmicos da História enfatizaram, nesta transformação, o lado da oferta, ignorando o da demanda (MCCRACKEN, 2003, p. 23). Embora alguns pontos da obra de McKendrick possam ser questionados (MC- CRACKEN, 2003, p. 26), o ponto de principal contribuição acadêmica se encontra na abertura do consumo como parte importante para o entendimento da formação do capitalismo e, portanto, da publicidade. Muitos autores acreditam que as razões para a existência de um predomínio no estudo da produção em detrimento ao consumo, ênfase que ficou denominada de bias produtivista, são provenientes de uma abordagem moralista e moralizante presente no olhar ocidental acerca do consumo e dos bens materiais. Lívia Barbosa e Colin Campbeel (2009) enfatizam que as questões políticas internas ao campo das ciências sociais foram importantes, mas em certa medida são também resultado de uma perspectiva que sempre considerou o trabalho e a produção hierarquicamente superiores ao consumo em termos morais. Até mesmo autores como Adam Smith, ainda no século XVIII, Marx no século XIX e Hannah Arendt no século XX viam o consumo apenas como o destino de toda produção. Nunca deixando de acreditar que o consumo continha possíveis efeitos maléficos, ameaçadores e/ou desestruturantes (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 33 e BACCEGA, 2008). DOSSIÊ 29 2 Tal processo está longe de ter ocorrido apenas na Inglaterra. É possível afirmar que outros importantes países europeus, tais como a França, passaram (na mesma época) por um processo semelhante de industrialização. Em resumo, é mais coerente pensar tal revolução como tendo sido geral e fragmentada. Para uma boa introdução a tal tema, ver Vianna (2008). Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

30 RODRIGO FOLLIS Muitas vezes tal realidade ambígua e mútua é pouco notada, em detrimento do status que o capitalismo ganhou dentro da sociedade, explicação devidamente registrada na seguinte citação (que embora trate da situação atual do capitalismo, dentro da chamada era pós-industrial, serve para demostrar que a mesma preocupação apresentada acima não possui apenas aplicações para o passado): 30 Em verdade, esta legitimação é importante aspecto do contemporâneo como marcaconfigurativa, encarnada na dimensão do campo simbólico que estrutura o cotidiano como seu referencial básico e permite entender a prática cultural do consumo. Todos os valores dominantes e até mesmo o estilo de vida contemporâneo, para atender as condicionantes de seu caráter massivo, urbano e pós-industrial, são apresentados como naturais, uma consequência irrecusável das características e lógicas humanas e não como construção social, contextualizada em um ambiente socioeconômico. A construção social de conceitos e valores, mais do que em qualquer outro momento da história, transforma-se em renovação repetitiva e circular necessária à produção, ao consumo, à consolidação e ao exercício da hegemonia. A legitimação da práxis social das democracias liberais proporciona um início de século com o capitalismo como cultura e estilo de vida irrefutáveis, fortalecido pela sua globalização mercantil e financeira. A constante renovação dos preceitos, mesmo que secundários, condiciona a vida à circularidade cotidiana e dá guarida à pretensão de identificar, neste, um novo momento histórico, uma pós-modernidade ou hipermodernidade. Esta seria marcada pela fragmentação e indeterminação, sem possibilidade de qualquer discurso universalizante, pondo em xeque a própria historicidade da construção social (NOVA, 2007, p. 61). Para fugir da acentuada ênfase nos meios produtivos é importante entender que existe um caráter simbólico e comunicativo em todos os objetos produzidos. O fato tão comentado de que o capitalismo moderno surgiu na Idade Média, embora em parte verdadeiro, pode provocar alguns desentendimentos teóricos. Parece ser mais coerente dizer que nessa época o capitalismo tenha ganhado forças entre a maior parte dos representantes sociais e com isso se estabelecido como a principal lógica de regimento social desde então. Com isso, podemos ver resguardada a estrutura social que já era existente e possibilitou tal ênfase social, e é nessa direção que este trabalho passará a caminhar (embora com algumas importantes ressalvas quanto à definição de cultura ). Sobre o consumo e a função da publicidade Nesse momento é importante introduzir uma pergunta, que poderá nos levar ao foco desta pesquisa: ao contrário do que é feito (a publicidade atual tende para o lúdico e o simbólico), os anunciantes de produtos materiais não anunciam simplesmente aos consumidores informações acerca da disponibilidade e do preço da mercadoria, deixando-os resolver se devem ou não comprar tal produto? A resposta poderá ser entendida quando analisada as condições sociais que tornaram a propaganda possível, as mesmas que serviram de pano de fundo para a consolidação do consumo. Por mais que pareça ser um fato definido, a necessidade da existência de um completo aparelho de produção para que determinada sociedade possa então desenvolver o capi- Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

31 MORALIDADE, CONSUMO E RELIGIÃO talismo, não deve ser considerada como único ponto importante. É certo que se não existir um sistema suficientemente desenvolvido para satisfazer mais que as meras necessidades materiais de sua população [ ] não haverá lugar para a propaganda. Ao menos um segmento da população terá que viver acima do nível da subsistência, para que somente depois de tal ocorrência, os produtores de bens materialmente desnecessários possam realizar algo para que as pessoas queiram adquirí-los (VESTERGAARD; SCHFORDER, 2004, p. 4-5). Mas aqui cabe uma pergunta importante: o que seria um bem material desnecessário? Toda essa discussão acerca do consumo possui grande complexidade, afinal sempre criamos (note que a afirmação é que isso ocorre sempre e não apenas recentemente) critérios de legitimidade e de retórica para justificar o que, quando e por que consumimos. Um dos exemplos históricos fornecidos por McCracken (2003, p ), e que ilustram tal realidade, é quanto à utilização da pátina. Esta era utilizada como agregador de status daquele que possuía o objeto de prata com maior quantidade de pátina, pois assim demostrava que este era tradicional (o dono), pois detinha um objeto tradicional (antigo). O ponto principal dentro dessa lógica não era a durabilidade da prataria possuída e nem mesmo a quantidade de pátina em si, mas o impacto que este último objeto produzia sobre as relações sociais vigentes na época (e note-se que não existiam nessa época os modernos instrumentos do fazer publicitário, para se definir quais seriam os símbolos de distinção de classes e status). As modificações ocorridas no período elisabetano, na Inglaterra do século XVII, por questões sociais (diga-se de passagem, externas aos rearranjos de produção de bens, sendo mais ligadas a questões políticas, como bem enfatiza Mccracken [2003]) acabaram por estabelecer novas divisões sociais que antes cabiam à pátina. É interessante notar que no caso da posse da terra (no período feudal) parece conter o mesmo valor intrínseco que a pátina e a acumulação de dinheiro viriam a ter posteriormente. Com isso é possível arriscar que não são os produtos em si (nem mesmo a publicidade a qual nem existia nesse período) que detêm o poder de simbologia determinante para a categorização simbólica que se formará sobre eles. O ponto é que a distinção social não é algo novo trazido pela revolução industrial (mesmo à luz da revolução do consumo). Também não é possível afirmar que tal simbologia venha, exclusivamente, daqueles que produzem tais produtos, quanto mais estes podem se aproveitar de tal realidade para vender mais produtos. Outro ponto importante é destacado por Vestergaard e Schforder. Eles enfatizam que na Inglaterra do século XVIII existiu o surgimento de uma classe média relativamente grande, alfabetizada, a qual teria proporcionado as precondições para a existência da propaganda no sentido moderno. Nota-se aqui já uma abertura para um entendimento social mais complexo sobre como consumo, sociedade e publicidade se inter-relacionam. Esses autores comentam que a maior parte dos anúncios dessa época eram dirigidos aos fregueses dos cafés, onde se liam revistas e jornais, o que é significativo, pois os produtos anunciados eram considerados supérfluos, como café, chá, livros, perucas, poções, cosméticos, espetáculos e concertos, bem como bilhetes de loteria (VESTERGAARD; SCHFORDER, 2004, p. 5). DOSSIÊ 31 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

32 RODRIGO FOLLIS Outro dado significativo que contraria as tradicionais visões sobre o tema diz respeito à natureza da revolução do consumo. Esta não se caracteriza pelo consumo de necessidades e bens de capital, mas de supérfluos. Com Mukerji muito bem descreve: [as casas dos comerciantes holandeses] começaram a se encher de retratos, tapetes orientais, serviço de chá, poltronas; nos terrenos em torno de suas casas brotaram jardins com intricados desenhos, terraços cheios de árvores frutíferas e canteiros de flores plantados com sementes de outros lugares e importados para a Europa. Esses bens de consumo disseminaram-se rapidamente, tornando-se tão comuns que mesmo antes do século XVII eles já eram encontrados nas casas de camponeses e trabalhadores; estas pessoas pobres deliciavam-se com frivolidades como alfinetes, rendas e gravuras. (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 33) 32 A publicidade deve ser vista como um processo condicionado dentro de uma estrutura social, o qual está dentro da história, mas, ao mesmo tempo, é um possível sistema de articulação das práticas cotidianas dos sujeitos. Sendo assim, entenderemos que a política, a economia, a cultura/simbologia e também a religião, entre outras, são formas válidas de entender a realidade social que nos cerca (assim como entender a própria publicidade). Assim tem sido desde à sua origem heterogênica. Não é a origem histórica de um produto que dá legitimidade ao seu uso, nem é o seu uso pelas sociedades que não o produziram que as faz menos autênticas. Neste sentido, tais bens se tornam meios de expressão, transformação e mesmo inovação de ideias culturais existentes (MCCRA- CKEN, 2003, p ). Esses bens podem (e de fato o são) utilizados para medir as relações sociais, conferindo status, identidades e estabelecendo fronteiras entre grupos e pessoas. Esses objetos auxiliam nas descobertas ou na constituição de nossa subjetividade e identidade (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 21). É preciso se posicionar contra a ideia de um paraíso perdido onde só se fazia uso das dimensões funcionais e utilitárias dos objetos (não existem evidências que mostrem que tal realidade algum dia tenha existido e muito menos que ele tenha sido um mundo mais autêntico e moralmente melhor ). Pensamentos sobre capitalismo, consumo e religião Na visão de Leo Huberman, (1986, p ), um dos maiores entraves ao crescimento do comércio durante a Idade Média, principalmente no que tange ao lucro necessariamente intrínseco a tal tipo de negócio, se dava em detrimento das doutrinas da Igreja Católica. O autor não poupa críticas à Igreja Católica e à forma como esta se viu pressionada pelos novos comerciantes a modificar suas crenças para se adaptar às novas realidades sociais. Quando ocorreu a revolução dos modos de produção e troca, que denominamos de modificação do feudalismo para o capitalismo, o que aconteceu a velha ciência, à velha religião? Também se modificaram. Tinham de modificar-se. O direito do ano 1800 era totalmente diferente do direito do ano O mesmo ocorreu com o ensino religioso. O mundo dominado pelos comerciantes, fabricantes, banqueiros, exigiu um conjunto de preceitos religiosos diferentes dos do mundo dominado pelos sacerdotes e guerreiros. Numa sociedade em que o objeto do trabalho era apenas conseguir um sustento adequado Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

33 MORALIDADE, CONSUMO E RELIGIÃO para si e para a família, a Igreja podia denunciar aproveitadores. Mas numa sociedade em que o principal objetivo do trabalho era o lucro, a Igreja tinha de adotar uma linguagem diferente. E se a Igreja Católica, engrenada numa economia feudal e manual, em que o artesão trabalhava simplesmente para viver, não podia modificar seus ensinamentos de forma bastante rápida para enquadrar-se na economia capitalista interessado nos bens materiais podia encontrar consolo. Tomemos, por exemplo, os puritanos. Enquanto os legisladores católicos advertiam que o caminho da riqueza podia ser a estrada do inferno, o puritano Baxter dizia a seus seguidores que se não aproveitassem as oportunidades de fazer fortuna, não estariam servindo a Deus (HUBERMAN, 1986, p ). DOSSIÊ Embora certas verdades históricas tenham sido preservadas, é difícil não perceber que houve uma transição de valores e realidades na sociedade. O grande problema da visão de Huberman é o de colocar toda a revolução (seja a industrial ou a do consumo, quando esta é brevemente mencionada) como provinda de decisões e hábitos quase que exclusivamente das classes econômicas diretamente envolvidas, sendo que todo o restante da sociedade acaba sendo listado apanas como mero seguidor das tendências determinadas por tais classes dominante. Mesmo quando ele fala acerca da Reforma Protestante (HUBERMAN, 1986, p. 74), toda a ótica de sua interpretação está calcada em uma avaliação de que ela só poderia ocorrer através da nova elite econômica em ascensão. Aqui o que mais deve ser colocado em xeque não é tanto o ceticismo levantado quanto a alguma intervenção transcendente nos acontecimentos daquela época, a qual não pode nem ser provada nem refutada (por isso deve estar fora da argumentação proposta). O ponto a ser questionado é a falta de uma interpretação mais ampla, que leve em consideração que grandes transformações não são feitas apenas por intermédio das novas configurações provenientes da produção industrial, mas antes por um arranjo social, que permitiria que os novos fatores econômicos pudessem enfim atuar. O protestantismo, ou mesmo o catolicismo, não surgem necessariamente ou unicamente de uma necessidade econômica. As diferenças entre ambos são também de cunho ontológico e epistemológico (ou se poderia dizer cultural?). Essas diferenças proporcionam uma nova efervescência social, permitindo-os seguir caminhos opostos no tocante a diversas concepções de mundo, incluindo aí comércio, lucro e capitalismo. Quando a Igreja Católica começou a perder a aparente posição de ponto de partida de todas as crenças, foi demonstrado mais claramente as complexas práticas sociais existentes. Essas práticas, pelo menos em possibilidade, provêm de diversas fontes de interesses lutando por predominância na construção da realidade, e não apenas de representações de uma elite. Os estudos sobre a expressão cultura empreendidos por Raymond Williams (1979) já mostrava que a compreensão desse conceito se constitui seguindo toda a realidade do contexto sócio-histórico, e não apenas em detrimento de uma realidade econômica. Edward Thompson, no livro A formação da classe operária inglesa (1968), faz um importante adendo crítico quanto à ênfase ao conceito de cultura fornecido por Williams. A grande dificuldade vista por Thompson é quanto à ideia de se pensar o termo no singular, enquanto a realidade parece indicar que a história seja construída pelas lutas, 33 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

34 RODRIGO FOLLIS pelas tensões e pelos conflitos entre culturas e modos de vida das diversas classes de interesses sociais (CUNHA, 2004, p. 35). No final, a inferência lógica é a de não se pensar consumo 3 como oposição à produção, de compras em oposição a trabalho, de variáveis sociais em oposição a culturais e simbólicas, mas em como todos esses fatores se relacionam no contexto do mundo contemporâneo, assim como o relacionava na época da efervescência inicial. 4 Dessa maneira, a simples aquisição de um bem através da compra não constitui mais um elemento diacrítico para se definir determinado comportamento social como consumo [ou não o deveria constituir e/ou ser pensado de tal maneira] (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 25; ver CAMPBEEL, 1989). Mas e como fica a relação da igreja (e, principalmente, da religião) em relação a todo esse processo? Com uma visão mais ampla de como a sociedade se formula (ou se formulou/está se formulando), a igreja não estará isenta das responsabilidades (tanto as boas quanto as ruins) que lhe couberam nos processos de desenvolvimento da atual sociedade capitalista. Pelo contrário, se perceberá que ela foi apenas uma das diversas influências ocorridas durante tal desenvolvimento Moralidade e consumo Parece não ser errado afirmar que as representações negativas do consumo são instauradas pelo olhar ocidental sobre o assunto (incluindo aqui, muito especialmente, a relação que a religião possui com tais assuntos). Mas antes de focar no papel dispensado pela religião em relação ao entendimento acerca do consumo (e, consequentemente, do capitalismo e da publicidade), é valido levantar que não apenas ela (a religião) dispensou um olhar negativo quanto ao assunto. Um exemplo comumente citado é o de filósofos como Sócrates e Platão, os quais ao discutir as necessidades humanas básicas e fixas, acabaram por definir que existiam 3 Embora o consumo possa e deva ser entendido como parte de uma das diversas culturas que moldam e determinam a sociedade atual, cabe aqui a seguinte ressalva: A importância atribuída ao consumo, na sociedade contemporânea, por um grande número de teóricos deve ser vista com extrema cautela e, não, tomada como uma verdade auto evidente, por vários motivos. Primeiro, cidadania, filiação religiosa, tradição, desempenho individual, entre outros, continuam sendo, a despeito dos que declaram o fim do social, importantes na demarcação de fronteiras entre grupos e na construção de identidades. (BARBOSA; CAMPBELL, p. 24). 4 Como bem observa Cunha (2004, p. 33), as análises decorrentes da ampla investigação de Willians o levaram a um rompimento com a noção elitista de cultura. Seguindo a linha iniciada pelo grupo que fundaria mais tarde o CCCS, a cultura passou a ser interpretada como parte determinante e não só com a parte determinada da atividade social. Cultura é, portanto, compreendida como o processo social geral de dar e assimilar sentidos comuns daí a expressão cunhada por Raymond Willians: Culture is ordinary. 5 A compreensão de cultura como uma produção sócio-histórica, que trabalha os sentidos comuns a partir das relações dos grupos sociais em si, dificulta a afirmação de que existam subculturas de uma cultura global. O que se toma por subculturas seriam culturas inteiras, sentidos construídos por um determinado grupo social que no processo de relação com outros grupos produzem sentidos comuns que formam o modo de vida de uma sociedade. Portanto esse trabalho quer afirmar [ ]: as sociedades são pluriculturais. Esta pluralidade se manifesta por meio dos focos culturais de naturezas que, em atividades, se entrecruzam e produzem cultura (CUNHA, 2004, p. 35). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

35 MORALIDADE, CONSUMO E RELIGIÃO alguns males advindos do consumo de bens supérfluos. Consideravam que o consumo além do razoável afetava o caráter do homem 6. Já os romanos pouco se diferenciaram dos gregos acerca dos malefícios do consumo excessivo e luxuoso, o qual podia tornar o ser humano covarde (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p ). Tal pensamento negativo ligado ao consumo acabou por ter uma grande influência na sociedade, sendo encontrado da Idade Média até os tempos atuais. Uma das maiores diferenças nesse cenário (embora pareça que tenha ocorrido de forma superficial, não modificando diretamente os resultados finais de tal pensamento) ocorreu com a conversão do consumo de vício para uma concepção de pecado, mudança introduzida pelo cristianismo católico, em particular, por Santo Agostinho. Alguma mudança (vista, nesse caso, como um processo para uma não condenação ao ato de consumo) pode ser acusada a partir dos séculos VXII a XVIII, quando houve uma série de debates por parte de economistas da época, os quais começaram a investir no entendimento das estreitas relações entre produção e consumo e nas implicações deste para o crescimento econômico e a riqueza das nações (BARBOSA; CAMPBEEL, 2009, p. 33). Em outras palavras, o consumo passou a ser aceito como um mal necessário para aqueles que visavam a uma melhoria de vida. Na época em que uma sociedade de consumo parecida com a que se conhece hoje já se encontrava estabelecida na França (meados do século XIX), o luxo e a vontade de consumir eram as preocupações dos moralistas e políticos. Estes últimos se justificavam através da autoridade científica da teoria da evolução, que equiparava os progressos moral e material à culpa derivada dos ensinamentos religiosos e filosófos, os quais afirmavam a importância da austeridade. Isso criou o cenário para que, no século XX, o sociólogo Max Weber (1967) descrevesse o consumo como uma ameaça à ética capitalista protestante. Durkheim, por sua vez, identificou o consumo com uma ameaçadora anomia social, dada a propensão individualista que este possuía. A clássica definição fornecida em o Curso de filosofia positivista por Augusto Comte anunciou o fim de um período da humanidade no qual a religião ainda seria necessária. Em outras palavras, ocorreria um processo de secularização. Após tal etapa, denominada de teológica, viria uma fase intermediária metafísica que abriria terreno para a última fase, a positivista, que seria dominada não mais pela teologia (religião), nem pela metafísica (filosofia), mas pelas ciências empíricas, que trariam uma definição verdadeira da realidade (GUIZZARDI; STELLA, 1990, p. 208). A teoria positivista pode ter ajudado no fortalecimento da ideia de que o capitalismo se reduz à venda de produtos encantados e mágicos, os quais não importam tanto pela utilidade, pois o que está sendo pago é a imagem midiática criada acerca de tais produtos. Em outras palavras, o consumo poderia ser equiparado a uma prática religiosa, sendo por isso necessário combatê-lo. Podemos associar esta interpretação acerca da falta de escrúpulos sociais do sistema capitalista, e consequentemente da publicidade, a uma DOSSIÊ 35 6 Aqui homem deve ser entendido mais especificamente como gênero, devido à secundariedade do papel da mulher naquela época. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

36 RODRIGO FOLLIS continuidade (ou pelo menos à não resolução) do sentimento positivista de que ainda não passamos da segunda fase proposta por Comte. O ponto é que, em geral, sempre existiu uma forte associação entre consumo, capitalismo, hedonismo e individualismo (termos na maioria das vezes considerados socialmente pejorativos). E mesmo que realidade venha a ser encontrada dentro de sistemas religiosos difundidos socialmente, está longe de ser exclusividade de tais grupos. O repúdio moral e intelectual que permeia o olhar ocidental sobre o consumo é revelador de uma visão que acaba por ser ingênua e idealizada, que encara a sociedade como sendo apenas fruto de relações sociais, como se estas pudessem existir em separado das relações provindas dos fenômenos materiais (e mesmo naturais). Outro problema é que as pessoas podem acabar acreditando que a importância dos bens materiais é um fenômeno recente (sendo mais recente ainda o uso para fins de distinção social), e isso não parece fazer muito sentido histórico. A contribuição dos bens de consumo para o advento daquilo que pode ser chamado de contemporaneidade ocidental parece estar mais intimidante ligada com a capacidade expressiva, criativa e inventiva de uma esfera de significação cultural. Toda essa incompleta ideia de que os produtos têm em si um poder mágico de associação e distinção social, pode ter sido gerada pela noção de que seja possível prescindir das relações com os objetos, assim ignorando que estes sempre mediaram as relações dos seres humanos com o mundo. 36 Considerações finais O ponto é que a distinção social não é algo novo. Também não é possível afirmar que tal simbologia venha, exclusivamente, daqueles que produzem produtos (seja eles materiais ou publicitários). É certo que não se pode duvidar da grande influência obtida pela mídia e pelo capitalismo/consumo nas últimas décadas. Mas é preciso pensar a publicidade/capitalismo (assim como toda a mídia) como um processo comunicativo constitutivo de práticas culturais. Se tanto a religião como a publicidade (e o capitalismo) são partes de uma construção social, não nos é permitido fazer uma separação tão brusca entre eles. É possível que a publicidade e a religião sejam consideradas como culturas separadas e bem delimitadas, mas ainda assim é provável que também haja um embate entre elas. Muitas vezes, tal realidade ambígua e mútua é pouco notada, em detrimento do status que ganha o capitalismo dentro da sociedade atual. Com isso é possível perceber as verdadeiras relações existentes entre a igreja (e principalmente, a religião), o consumo e a moralidade. Em uma visão mais ampla de como a sociedade se formula (ou se formulou/está se formulando), todos esses agentes não vão se isentar das responsabilidades (tanto as boas quanto as ruins), mas será possível pensar a existência de influências provindas de diversas fontes culturais para a formação do desenvolvimento histórico-social atual. Não deveríamos ser taxativos em colocar a religião ou qualquer outra estrutura cultural como fonte secundária a tal desenvolvimento, mas sim como coautora de toda a realidade social. Referências bibliográficas BACCEGA, M. A. Comunicação e culturas do consumo. São Paulo: Editora Atlas, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

37 MORALIDADE, CONSUMO E RELIGIÃO BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. (Orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV Editora, CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, DOSSIÊ CUNHA, M. N. Vinho novo em odres velhos. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário evangélico no Brasil. São Paulo, Tese (Doutorado em Comunicação Social) Escola de Comunicação e Artes ECA, Universidade de São Paulo, São Paulo, FONSECA, A. B. Evangélicos e mídia no Brasil. Bragança Paulista-SP: EDUSF, GUIZZARDI, G.; STELLA, R. Teorias da secularização. In: FERRAROTTI, F. et al. Sociologia da religião. São Paulo: Paulinas, HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC, MCCRACKEN, G. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003 MCKENDRICK, N. et al. The birth of a consumer society: the commercialization of eighteenth-century England. Londres: Europa Publications, NOVA, L. H. S. Da Cultura como Mercadoria, ao Consumo como Prática Cultural. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras, vol. 1, n. 1, < Acesso em: 14/04/ SILVA, D. P. A comunicação publicitária como reencantamento: a relação entre publicidade e religião no Brasil e na América Latina In: < DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=118867> Acesso em: 14/05/2010. THOMPSON, E. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, VESTERGARD; SCHFODER. A linguagem da propaganda. São Paulo: Martins Fontes, VIANNA. Alexander Martins. Revolução Industrial: um breve ensaio crítico. Revista Espaço Acadêmico, nº 90, Novembro de Acessado em: br/090/90vianna.pdf no dia 20/02/2011. WEBER, M. Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Editora Pioneira, WILLIAMS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Zahar, Drama from Ibsen to Brecht. Londres, The Hogarth Press, 1968.n: Inquiry Press, Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

38 Jornalistas adventistas e suas relações com a imprensa secular Ruben Dargã Holdorf 1 Resumo: Este artigo desponta de uma pesquisa desenvolvida para o VII Simpósio da Memória Adventista em 2004, cujos resultados são muito mais amplos. Para tanto, o autor levantou dados e apurou os fatos relacionados à história dos pioneiros jornalistas da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil e seus vínculos com a mídia impressa secular. Além do papel desempenhado pelos líderes eclesiásticos e comunicadores na igreja, sublinhou-se a relevância de se conhecer como os raros profissionais adventistas de imprensa se relacionaram com a mídia secular, que dificuldades enfrentaram diante da crescente secularização da sociedade, de que forma a Igreja reagiu à presença desses profissionais e como eles analisam a comunicação na Igreja hoje. Ademais, este artigo se trata de um resumo do livro publicado em versão eletrônica numa parceria com o Centro de Pesquisas Ellen G.White do Brasil. Palavras-chave: Jornalistas; História; Adventistas; Roberto Azevedo; Elon Garcia Adventist jornalists and their relation with a secular press Abstract: This article emerges from a survey developed for the VII Symposium of Adventist Memory in 2004, whose results are much broader. To this end, the author collected data and found the facts related to the history of the pioneers of journalists of the Seventh-day Adventist Church in Brazil and its links with the secular print media. Besides the role played by church leaders and communicators in the church, it was emphasized the importance of knowing how the rare Adventist media professionals were related to the secular media, which difficulties they have faced in the face of growing secularization of society, how the Church reacted the presence of these professionals and how they analyze the communication in the Church today. Furthermore, this article is a summary of the book published in electronic version in partnership with the Research Center Ellen G. White in Brazil. Keywords: Newspapermen; history; adventists; Roberto Azevedo; Elon Garcia A história dos pioneiros jornalistas adventistas se mescla com um período de transformações sociais, políticas e econômicas da própria nação. Os relatos deste artigo se baseiam, em geral, na história oral e dependem da lembrança de cada entrevistado, às vezes imprecisa, ou contraditória. Exemplo disso é o pastor Roberto Doehnert (informação verbal) 2, que descreve o dia em que sua família virou notícia em um jornal paulistano. Todavia, nem ele nem sua mulher lembram o nome do jornal e a data da publicação. Mas outros fatos eles 1 Doutorando em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Tem dois mestrados, um em Comunicação, Educação e Administração (Unimarco) e outro em Educação (Unasp). Professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). ruben.holdorf@unasp.edu.br 2 Roberto Doehnert em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 7 de agosto de 2004.

39 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR conseguem decodificar dos arquivos da memória. Doehnert se entusiasma ao citar os artigos de Arthur Valle publicados aos domingos na Gazeta do Povo de Curitiba quando este respondia pelo Departamento de Relações Públicas da antiga sede paranaense da Igreja Adventista. Este trabalho resulta de um esforço muito mais de jornalismo investigativo do que de uma pesquisa científica, apesar dos complementos teóricos presentes ao longo do texto. Para tanto, foram entrevistadas 40 pessoas, in loco, por telefone ou . A história completa foi publicada no e-book História da comunicação adventista no Brasil (HOLDORF, 2009), no qual se acrescentaram outros nomes de pioneiros e dados complementares aos deste texto. Dentre todos os nomes pesquisados, três deles se tornaram unanimidades no conceito da maioria dos comunicadores e jornalistas: Roberto Azevedo, como o pioneiro desbravador das redações na mídia secular; Arthur Valle, o primeiro adventista diplomado em Comunicação Social/Jornalismo; e Elon Garcia, o mais experiente profissional ainda em atividade, com 59 anos de trânsito nas redações, em agências de publicidade e de colaboração com a Igreja. DOSSIÊ Pressupostos históricos Não há como comparar a mídia impressa brasileira atual com aquilo que se entende como imprensa durante a fase final da colônia, o período imperial e a primeira metade do século passado. Apesar do vantajoso privilégio desfrutado pela mídia brasileira de liberdade de consciência e expressão quando comparada a outros países vizinhos, a pressão contra os profissionais do jornalismo aqui parece crescer a cada ano. A Lei de Imprensa e a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional viraram pó sob a alegação de serem normas elaboradas pelo regime militar. Todavia, ninguém questiona que outras profissões e leis ainda vigentes também tiveram origem e regulamentação durante o período ditatorial. Analisando a história brasileira e as tendências legislativas no Congresso Nacional, surge o alerta de que esse estado de aparente liberdade corre o risco de ser passageiro. De acordo com Sodré (1999), a cultura das forças políticas dominantes atuais sente dificuldade de se desenlaçar das raízes da opressão originadas durante o regime colonial. Em meados do século XVIII, o marquês de Pombal criou a Real Mesa Censória, proibindo a publicação e a leitura de livros, jornais e a comercialização de papel, cuja prática se dava somente com autorização do Santo Ofício da Inquisição, da Cúria romana e dos desembargadores. O ato era estendido ao Brasil e demais colônias lusitanas na África e Ásia. Até mesmo a existência de bibliotecas nas casas poderia levar alguém ao tribunal e suas consequências: prisão, multas pesadas, degredo, humilhação e morte. Livros eram privilégio de clérigos. Devido a essa situação de ignorância social, Braga rotula o Brasil de desgraçado país, marasmado pela imbecilidade (apud SODRÉ, 1999 p. 266). Pelo fato de a Igreja Católica considerar a imprensa, em particular, um sacrilégio, o estabelecimento de outras instituições também se viu prejudicado, motivo que se somaria ao atraso no desenvolvimento do País, mesmo independente. 3 O Estado brasileiro, cuja elite tomava a Europa 39 3 A doutora em História Social pela Universidade de Sorbonne (Paris IV), Márcia Graff, ex-professora da UFPR, relata que, por ocasião da independência, o número de alfabetizados no Brasil alcançava a ridícula cifra de 0,25% da população. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

40 RUBEN DARGÃ HOLDORF como referencial, se fundamentava no seguinte tripé: positivismo de Augusto Comte, darwinismo social de Herbert Spencer e predomínio cultural-religioso do catolicismo. O ideal positivista de ordem e progresso se converteu no artigo de fé das novas classes dominantes, explicam Pakkasvirta e Teivainen (1997, p , tradução livre), enquanto o darwinismo estimulava o direito do mais forte e a existência de raças superiores e inferiores, deixando à Igreja Católica o monopólio espiritual, educacional e moral. Essa configuração do pensamento nativo quanto ao papel da imprensa se enraizará no preconceito contra aqueles que se identificavam com o exercício jornalístico. Preocupada com a vertiginosa ascensão de correntes positivistas, dos movimentos anarquistas, do sindicalismo, da filosofia marxista e do proselitismo protestante, a partir da segunda década do século passado a Igreja Católica começa a tecer estratégias em duas frentes: na educação e na comunicação. Na educação, os concílios planejam a criação das universidades (futuras PUCs). Na comunicação, os católicos estimulam um reavivamento religioso e condenam os protestantes. Analisando a propaganda religiosa na imprensa, Barreto (apud SODRÉ, p. 338) critica 40 o culto à brasilidade que ela (Igreja Católica) prega e seu apego à herança do passado, de respeito não só à religião, mas também à riqueza e às regras sociais vigentes, daí a aliança da jovem fortuna, representada pelos improvisados ricaços de Petrópolis, com a Igreja Católica. Mas tal culto tende a excomungar as ideias estrangeiras (dos imigrantes protestantes) de reivindicações sociais. O jeca deve continuar jeca. 4 E, de acordo com Jorge (2008, p. 28): O ódio e a fúria dos mandões contra a imprensa brasileira, desde a época do império até os dias atuais, quase sempre assumiram o aspecto de violências do Estado aristoplutocrático. Violências algo idênticas a uma orquestração ampla do poder, do establishment, contra a liberdade de opinião, de crítica, da expressão de pensamento, embora certas definições exijam muita cautela [ ] pois são termos aplicados às tendências políticas de um país consoante se declarem, respectivamente, extremistas ou moderados em relação às posições existentes num determinado momento histórico. Mas os golpes contra os impressos não vieram somente da Igreja Católica. Na República, o catolicismo perdeu força para o laicismo. Os reveses sofridos pela imprensa escrita tiveram origem nas novas mídias. O próprio Sodré (1999) despreza a força dos impressos ao afirmar que jornais e revistas não são de massa no contexto brasileiro, face o analfabetismo literal e funcional, e o baixo poder aquisitivo da população. A luta iniciada pela Igreja Católica no primeiro quarto do século XX pelo predomínio nas comunicações continua mais viva do que muitos podem imaginar. Pessinatti (1998, p. 4 Em 23/4/1921, Lima Barreto critica o posicionamento tendencioso dos jornalistas Alcebíades da Gama, em O Nacionalista, e Jackson de Figueiredo, em A Ordem. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

41 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR 311) sinaliza que a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação gerou e alimentou o grande debate sobre a democratização da comunicação. A descentralização e a reversão do monopólio da comunicação é uma luta mais do que atual e necessária. Apesar de a Igreja Católica se preocupar há mais de oitenta anos em discutir os destinos da comunicação, os pioneiros no evangelismo via mídia são os adventistas do sétimo dia. Só a partir da década de 1960 os católicos justificam sua apologia aos meios massivos como instrumentos de desenvolvimento; a partir de 1970, eles valorizam os meios não massivos na evangelização e estruturam a Pastoral da Comunicação; hoje eles entendem a comunicação como comunhão e reconhecem a importância de qualificação profissional (PESSINATTI,1998). DOSSIÊ Pioneirismo na mídia secular Sem uma política de comunicação definida, sem profissionais qualificados, mas contando apenas com a vontade de pioneiros e personagens de talento, a Igreja Adventista iniciou de forma amadora sua aventura de relacionamento junto à mídia impressa secular. A vontade de superar a falta de critérios, adicionada à indiferença quanto ao preconceito contra elementos ligados à comunicação, transformou figuras como os pastores Roberto Rodrigues de Azevedo, Arthur de Souza Valle, Kiyotaka Shirai, Alcides Campolongo, Anísio Chagas e Assad Bechara, e os jornalistas Elon Garcia, Ivan Schmidt e Odailson Spada em referenciais da comunicação. Ao mergulhar nas redações, eles se abasteceram do conhecimento e das técnicas, abrindo caminho e desbravando novas fronteiras. Outra constatação desta pesquisa faz alusão ao preconceito contra os jornalistas. Lopes (1989) explica que, antes da criação dos primeiros cursos de Jornalismo no país, já havia muita resistência contra a formação superior de profissionais para a imprensa, pois era grande o medo da qualificação e valorização destes pela sociedade. O ex-presidente da Igreja Adventista para a América do Sul, pastor João Wolff, (informação verbal) 5 recorda que o preconceito não se direcionava apenas aos jornalistas, mas contra os universitários em geral. A natureza do preconceito contra os profissionais da imprensa também é justificada por McLuhan (1964, p. 234): Aqueles que deploram a frivolidade da imprensa e sua forma natural de exibição grupal e lavagem de roupa comunitária, simplesmente ignoram a natureza desse meio. Mencionando Max Weber, Kunczik (2001, p. 59) realça o jornalista pertencendo a uma espécie de casta de párias que na sociedade sempre é julgada com base nos seus representantes eticamente inferiores. É por isso que existem, sobre os jornalistas e seu trabalho, ideias estranhas e amplamente difundidas. Visualizando esse período de transformações, Knight (2000) comenta as dificuldades de os professores das faculdades adventistas obterem titulação mais avançada devido à resistência da igreja. Ao avaliar as mudanças mundiais decorrentes das duas grandes guerras, Knight (2000) alerta para o perigo de uma cultura rumando em direção da secularização. Este é um risco evidente na formação acadêmica de jornalistas em instituições não adventistas. Kovach e Rosenstiel (2003, p. 33) evidenciam que cada geração cria seu próprio jornalismo João Wolff em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 9 de agosto de Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

42 RUBEN DARGÃ HOLDORF 42 Patriarca das comunicações Um patrulhense abriu passagem nas redações de jornais e revistas mostrando a Igreja Adventista e sua missão evangelizadora ao país. Roberto Rodrigues de Azevedo nasceu em 3/3/1916, em Santo Antônio da Patrulha. Graduado em Teologia na turma de 1940, no Colégio Adventista Brasileiro, hoje Unasp, Campus São Paulo, Azevedo assumiu o pastorado em Pelotas. Seu filho, Paulo Azevedo ratifica o gosto do pai pela comunicação desde o início de seu trabalho no Sudeste gaúcho. Erlo Köhler confirma que o primeiro contato de Azevedo com a mídia impressa ocorreu em 22/12/1942, no jornal O Rio Grande, da cidade do mesmo nome. Nele, Azevedo escreveu um artigo de cunho religioso. O pastor Azevedo não teve formação jornalística, mas aproveitou uma oportunidade para cursar um intensivo oferecido pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, na segunda metade da década de 1950, em São Paulo. No início da década seguinte, o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo aprovou o registro profissional de Azevedo. Ele assimilava e dominava as técnicas jornalísticas. Azevedo distribuía releases 6 de visitas de presidentes mundiais da Igreja para a imprensa e fazia os ganchos, transformando os fatos em notícia. Fotógrafo e cinegrafista, ele selecionava as melhores imagens para inseri-las na mídia ou apresentá-las nos eventos da Igreja. A adoção de técnicas inovadoras nas áreas da comunicação e dos transportes também facilitou a expansão do adventismo (KNIGHT, 2000, p. 135). Köhler sintetiza que o princípio de Azevedo era mostrar a Igreja Adventista. Ele conduzia os jornalistas para os pontos altos da Igreja. Estrategista eficaz e atualizado, ele dava ênfase a assuntos que interessavam ao grande público, acrescenta Köhler (informação verbal) 7. Temas como assistência social, lanchas na Amazônia e índios do Araguaia tinham espaço garantido nos jornais. Desse modo, ele alimentava os contatos com autoridades e com a imprensa a fim de falar sobre quem eram, o que faziam e o que pensavam os adventistas. Amizades e relacionamentos eram fundamentais na sua atividade, corrobora seu filho Paulo (informação verbal) 8. Na sequência, ele apresentava o material usado na campanha de donativos. Um mês antes da campanha, Azevedo abordava as atividades de interesse da comunidade. Depois divulgava as instituições da igreja. Sua experiência o motivou a criar o departamento de relações públicas da igreja em São Paulo, local em que nasceria uma grande amizade com o pastor Kiyotaka Shirai, seu parceiro no Estado. Ao ocupar o mesmo setor na sede para São Paulo e o Sul do Brasil, na capital bandeirante, ele passou a se relacionar com outro expoente das comunicações, Arthur Valle. Azevedo revelava dificuldades para escrever. Ele gostava mesmo de registrar imagens. Quando conheceu Valle, estava preparado o caminho para a primeira dupla de repórteres da Igreja Adventista. Os textos eram de Valle e as fotos de Azevedo. Em São Paulo, ele trocava, deixando as fotos para Shirai. E, no Rio, os textos ficavam sob a responsabilidade de Anísio Chagas. 6 Ou press-releases, notícias distribuídas à imprensa pelas assessorias. 7 Erlo Köhler em entrevista a Ruben Holdorf, por telefone, em 13 e 14 de setembro de Paulo César de Azevedo em entrevista a Ruben Holdorf, no Unasp, em 14 de dezembro de Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

43 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR Outro método usado por Azevedo para cevar amizades na mídia impressa era a entrega de presentes, principalmente produtos da Superbom. Ele mandava brindes da Superbom para as redações. A Superbom abria caminho. Ele mandava pacotes da Superbom em fim de ano, datas especiais e aniversários. Ele mantinha contato, relembra Wolff (informação verbal). 9 Uma deficiência cardíaca o levou à morte em 10/5/1980, no Hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo, conforme relato de seu filho mais velho, Julio César de Azevedo (Informação verbal) 10. Silencia o incansável divulgador da obra adventista foi o título da Revista Adventista anunciando seu falecimento. Flosi (1999, p. 60) orienta que o jornalista que leva a sério a sua profissão tem que estar permanentemente de plantão, disposto a interromper o dia de folga ou o mês de férias. Durante o sepultamento de Azevedo, Shirai defendeu o amigo, citando que ele não exigia salas especiais com secretárias ou máquinas de escrever para exercitar suas funções, cujas atividades nem sempre eram reconhecidas de modo devido. Ele fez muitos sacrifícios para contar sempre com o melhor equipamento. Um dos oradores, não mencionado pela Revista Adventista, o chamou de patriarca das comunicações da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil. Wolff (informação verbal) 11 o chama de pai na América do Sul do assunto de comunicação. Chagas o rotula de apóstolo do jornalismo no Brasil (informação verbal). 12 Doehnert considera Azevedo um sertanista, um Villas-Bôas adventista. Uma reportagem publicada no Diário do Paraná de 23/7/67, chamava Azevedo de sertanista. Primeiro diplomado Torna-se uma tarefa muito difícil analisar a vida de Azevedo isolada da companhia de Arthur de Souza Valle. Graduado em Teologia na mesma turma de Wolff, em 1955, aos 28 anos de idade, Valle iniciou seu trabalho na sede paulista, permanecendo aí até 1961, quando o transferiram para Florianópolis. Na capital catarinense, mal começou a trabalhar e recebeu novas funções à frente do Departamento de Relações Públicas, Temperança e Rádio e TV da sede paranaense, onde permaneceu até Neste intermédio, Valle aproveitou a oportunidade e cursou Comunicação Social na Universidade Católica do Paraná, habilitando-se em Jornalismo na turma de Portanto, o primeiro adventista graduado em Comunicação no Brasil. Pela mesma trilha ainda passariam os pastores Enéas Simon e Assad Bechara, Irlan da Costa e Silva e Patrícia Reichert. 13 DOSSIÊ 43 9 João Wolff em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 9 de agosto de Julio César de Azevedo em entrevista a Ruben Holdorf, em 9 de junho de João Wolff em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 9 de agosto de Anísio Rocha Chagas em entrevista a Ruben Holdorf, em São José (SC), em 10 de agosto de O pastor E. W. Thoman iniciou o trabalho com comunicação na Argentina em 1933, mas não obteve a abrangência e repercussão da obra de Roberto R. Azevedo. 13 Bechara concluiu o curso no Rio de Janeiro; Costa e Silva cursou apenas o primeiro ano na PUC-PR e se transferiu para Nova York, onde faleceu num acidente de motocicleta; e Patrícia se graduou em 2003 entre os melhores alunos, chegando a estagiar na Gazeta do Povo. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

44 RUBEN DARGÃ HOLDORF 44 De 1968 a 1974, Valle assumiu o Departamento de Comunicação da sede sul-brasileira, passando em seguida para o mesmo setor na sede sul-americana, onde se empenhou até sua morte abrupta em 25/1/1983, aos 56 anos, num acidente automobilístico próximo a Curitiba. A Revista Adventista de março de 1983 concedeu pequeno espaço para noticiar seu falecimento, sob o título Divisão perde líder de comunicação. Encerrava-se aqui um longo período de pioneirismo da Igreja Adventista se relacionando com a mídia impressa secular. As mortes de Azevedo e Valle criaram um vazio na área de comunicação. A igreja voltava olhares para as mídias eletrônicas. Wolff (informação verbal) 14 alega que essa postura diferente da igreja impediu que se continuasse crescendo nisso que eles lançaram. Pelo contrário, houve um declínio nesse aspecto. Ivan Schmidt (informação verbal) 15 frisa que o grande iniciador desse trabalho de relações públicas e contatos com a imprensa foi Roberto Azevedo. Schmidt acha que as ações desenvolvidas naquele tempo por Azevedo, sozinho, nunca mais a Igreja Adventista fez com todo mundo que por um acaso estivesse trabalhando na área de relações públicas. Nem todos os exemplos desta pesquisa são exclusivos de uma cidade, Estado ou região do Brasil. As matérias eram publicadas quase ao mesmo tempo nos principais jornais do País. Em 1966, Valle e Azevedo fizeram uma série de reportagens sobre as riquezas da Amazônia. O terceiro caderno do Diário do Paraná de 4/9/1966 apresentava o título Guaraná: riqueza da amazônia ; e na edição de 18/9 saía a manchete Vitória régia: presente de Deus à selva amazônica. O crédito a Arthur de Souza Valle indica que ele cursava Jornalismo na Universidade Católica. Desbravando as redações Antes de citar os profissionais que atuaram na imprensa secular, seria inconveniente desprezar o papel do núcleo de jornalistas de Curitiba, caso único no País, onde nove jornalistas 16 conseguiram penetrar nas redações num espaço de 59 anos. E foi na capital do Paraná que os pastores conectados ao setor se graduaram e transformaram a região num autêntico laboratório de comunicação. Transitaram por lá dois líderes de comunicação (Arthur Valle e Assad Bechara), dois futuros presidentes para a igreja na América do Sul (Enoch de Oliveira e João Wolff) e dois gerentes da Casa Publicadora Brasileira (CPB), Emílio Doehnert e Bernardo Schünemann. Todos aprenderam a valorizar, estimular e oportunizar meios para o desenvolvimento da comunicação. Eu sei que a coisa começou aqui. Eu acho que o núcleo de comunicação adventista de Curitiba foi muito forte e influenciou bastante, acredita Spada (informação verbal) 17. Spada tenta encontrar uma explicação para o fato, mas ele não tem certeza se foi por uma coincidência ou a liderança da igreja estava preparada para assimilar essa realida- 14 João Wolff em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 9 de agosto de Ivan Schmidt em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 7 de agosto de Elon Garcia (desde 1952), Ivan Schmidt (desde 1972), Pirajá Ferreira (desde 1969-?), Odailson Spada (desde 1973), Marcos Garcia Tosi (desde 1989), Ruben Holdorf (desde 1990), Chiarello (desde 1994-?), Sara Viana (desde 2000), Patrícia Reichert e Eduardo Teixeira (desde 2003), Guilherme Oro (desde 2004) e Edson Calixto Jr. 17 Odailson Elmar Spada em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 6 de agosto de Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

45 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR de. Curitiba apresentava duas características fora da igreja que talvez influenciaram muito. Primeiro: Na época era o grande centro da educação superior no Brasil. O Colégio Estadual do Paraná era modelo para o Brasil de escola pública. Não é mais. Havia também o Cefet, hoje a única universidade tecnológica do país. Segundo: a comunicação, se bem que não tenha sido de ponta no Brasil, tornou Curitiba um celeiro de jornalistas para o país inteiro. Talvez isso também fomentasse o interesse, inclusive da Igreja. A primeira universidade brasileira surgiu em Curitiba, em 1912, a Universidade do Paraná, futura UFPR. O governo da República Velha não admitia a capital federal em segundo plano diante de uma cidade com características provincianas e se negou a reconhecer a existência de uma instituição de ensino superior em Curitiba. Descrevendo a Curitiba do início da República, Stein Jr. (apud VIEIRA, 1995, p. 149) narra que ela já era naquele tempo o que podemos chamar quase uma cidade universitária, com grandes colégios. Schmidt (informação verbal) 18, 43 anos de profissão, tem outra opinião a respeito do núcleo curitibano e sugere: DOSSIÊ De fato, nós temos um bom grupo de profissionais atuantes e até fazendo um trabalho que é reconhecido. Mas eu diria que, provavelmente, o que influenciou foi a qualidade dos profissionais. Se não tivessem sido bons profissionais, não teriam se colocado no mercado. Se o profissional não tem qualidade, não importa se ele é dessa crença ou de outra, ele não tem chance, não tem oportunidade. Comunicador convicto Ao ser instigado a indicar o grande nome adventista no jornalismo, Spada se refere a Elon Garcia como o líder da comunicação. Garcia se mostrava frio e competente, como publicitário e como radialista, e com uma visão bastante apurada e convicta do que é comunicação. Talvez seja uma pessoa que não tenha tido um curso de Jornalismo, mas ele soube aproveitar a sua experiência e traduzir isso num excelente nível de comunicação, confirma Spada (informação verbal) 19. Elon da Silva Garcia nasceu em 26/2/1935. Sua voz grave abriu portas e provocou sua ascensão profissional. No início dos anos de 1950 havia muito preconceito contra radialistas. Garcia (informação verbal) 20 acredita que isso resultava da falta de compreensão de alguns membros e líderes da igreja. Em 1952, a Rádio Guairacá, de propriedade do governador Moysés Lupion, lançou um concurso para radialista e Garcia encarou o desafio. Ele participou do teste, por curiosidade, para sentir como era o rádio. Venceu o teste e quase morreu de medo, por causa da reação da Igreja e da família. Chefiava a mesa examinadora o jornalista José Wanderley Dias. Concorreram 66 candidatos, muitos já profissionais. Garcia ostentava seu amadorismo. Ele só sabia falar na igreja e no colégio. A seleção aconteceu Em entrevista no dia 7 de agosto de Autor dos livros A ilusão das drogas, José Amador dos Reis e Edgar Allan Poe nunca estive realmente louco, e tradutor de História da redenção, de Ellen G. White. 19 Odailson Elmar Spada em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 6 de agosto de Elon da Silva Garcia em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 11 de agosto de Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

46 RUBEN DARGÃ HOLDORF 46 numa quinta-feira à tarde. Primeiramente fizeram um teste de locução de voz, depois chamaram todos numa sala e deram a relação dos 15 classificados. Seu nome estava incluído. A respeito desse dia, Garcia relembra que a segunda etapa seria sábado, às dez horas da manhã. Ele levantou a mão e disse ao Wanderley que sábado não iria porque tinha compromisso, agradecendo e pedindo o declínio do seu nome. O jornalista saiu com ele ao corredor e perguntou: Por que você não pode vir sábado? Eu sou adventista e sábado eu não trabalho, respondeu Garcia. Ele voltou à sala e disse: O teste ficou transferido para terça-feira, às 21 horas. Os testes eram divididos em conhecimentos gerais, de línguas e depois, o último, um teste de improviso, no qual o candidato recebia um assunto e falava cinco minutos ininterruptos para ver se apresentava condições de enfrentar o microfone. Foram dois à final e Garcia venceu. O assunto foi sobre o café. Em 1953 seria o Ano Internacional do Café. Curitiba era o grande celeiro exportador. Havia muitas exposições e matérias em todos os jornais. Ele ganhou por isso. Da Guairacá, Garcia se transferiu para a Rádio Clube Paranaense. Depois recebeu convite para fundar e se tornar diretor comercial da Rádio Independência do Paraná. Sua única ingerência na mídia impressa ocorreu entre 1958 e 1959 no Correio do Paraná, no qual manteve uma coluna de marketing, rádio e televisão, fazendo com que entrasse para a história como a primeira imagem e voz da TV Paranaense. Nagib Chede, primeiro empresário de televisão no Paraná, confirmou este fato em entrevista ao jornalista João Féder, em sua coluna no jornal O Estado do Paraná. Na sala de reuniões da agência de publicidade que Garcia preside, há uma placa com a seguinte inscrição: 20/10/1960 Pioneiro da TV no Paraná. Na recepção da agência de Garcia há outro quadro, no qual se lê: Elon Garcia Publicidade representa confiança e prosperidade. Ele demonstra em todos os instantes plena convicção nas tarefas que realiza, nas funções que desempenha e na fé que testemunha. E a sociedade percebeu isso e lhe prestou homenagem. Por iniciativa do vereador Celso Torquato, a Câmara Municipal lhe concedeu o título de Vulto Emérito de Curitiba em 27/3/2000. Na moção registrada nos anais da casa legislativa, lê-se que Garcia é criativo, pensador e idealizador. Religioso efetivo, atua como membro efetivo da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Além das Reflexões ao Entardecer nas tardes de sexta-feira e sábado, na Rádio Novo Tempo de Curitiba, Garcia continua escrevendo, a pedido, uma pequena meditação para a revista dos Alcoólicos Anônimos. Assessor no palácio Notado e admirado pelas pessoas que o rodeavam, Ivan Schmidt transitou em redações e assessorias de governo. Desde a adolescência Schmidt almejava publicar notícias na Revista Adventista. No final dos anos 1950, saíram três pequenas notícias da Igreja catarinense, enviadas por ele. O inusitado ficou por conta de um artigo na revista O Atalaia, editada por Carlos Trezza. Seu namoro com a CPB era antigo. Graduado em Teologia na turma de 1966, Schmidt carregava na bagagem a experiência de ser editor do Colegial e de O Seminarista. Após dois anos exercendo o pastorado, ele recebeu um convite da CPB para substituir Rafael de Azambuja Butler, recém-falecido, em 1968, quando assumiu como editor do Nosso Amiguinho até sua saída da CPB em Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

47 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR Ainda na CPB, Schmidt (informação verbal) conseguiu o registro profissional de jornalista. Paralelamente, era editor do jornal O Evangélico, de Wilson Rossi. Tentou entrar na Folha de S.Paulo, mas Perseu Abramo, irmão de Cláudio, barrou sua admissão por motivos religiosos. Como a família de sua mulher era de Curitiba, eles resolveram mudar de domicílio. Em O Estado do Paraná, ele permaneceu menos de um ano. Atuou como repórter, editor e substituiu nas férias os secretários de redação de O Estado e da Tribuna do Paraná. DOSSIÊ Foi um bom aprendizado porque, na época, o diretor de redação, Mussa José Assis, me convidou para assumir a chefia de reportagem do jornal O Estado do Paraná. E as coisas estavam bem-encaminhadas. Realmente, eu seria o chefe de reportagem, quando o próprio Mussa me disse: Olha, houve uma reformulação aí nos planos da casa e você vai ser o chefe de reportagem do Canal 4, TV Iguaçu. Então eu mudei de redação. Fui trabalhar na redação do Departamento de Notícias da TV Iguaçu. Fiquei lá de 1973 a 1975, onde eu pude fazer um trabalho muito bom. Na época, a TV Iguaçu tinha um contrato com a Rede Globo para retransmissão da programação. Antes de o presidente Ernesto Geisel retirar o direito de retransmissão da programação da Globo, Schmidt aceitou nova proposta de trabalho e se transferiu para a Assessoria de Imprensa da Secretaria da Agricultura do Estado, na qual desenvolveu o restante da carreira. Na fase derradeira do jornal Correio de Notícias, Schmidt chegou a ser colunista. Sua passagem pelas assessorias do governo Álvaro Dias, de 1986 a 1989, e Secretarias da Agricultura e do Planejamento, qualificaram-no para a dura tarefa diária. No governo de Roberto Requião, entre 1990 e 1993, Schmidt exerceu a chefia da Assessoria de Imprensa do Palácio Iguaçu. Ele sempre foi um observador da política, espectador de lances políticos do Paraná, porque teve o privilégio e a oportunidade de estar ao lado dos governadores em momentos importantes. Schmidt ia se abastecendo de informações, de todos os fatos e muito disso, claro, ele abordou em sua coluna. A respeito dessas oportunidades abertas pela imprensa, Schmidt 21 lamenta que a Igreja nunca teve uma política agressiva de comunicação. Ele acha que a Igreja perdeu oportunidades extraordinárias de se mostrar à coletividade, de ser notícia (no jargão jornalístico) e contar até hoje com um respeito muito maior da população. No início de 2005, Assis convidou Schmidt para assumir a redação dos editoriais de O Estado do Paraná, atuando menos de um ano como articulista, quando se aposentou. 47 Vencendo preconceitos Ao chegar à Igreja Central de Curitiba, o acadêmico da UFPR, Odailson Elmar Spada, recebeu de um dos líderes da congregação uma proposta em dinheiro para montar um escritório de contabilidade e abandonar o curso de Jornalismo. Isso não é profissão para adventista, fuzilou o administrador daquela congregação. Em 1969, ainda estavam 21 Em entrevista no dia 7 de agosto de Autor dos livros A ilusão das drogas, José Amador dos Reis e Edgar Allan Poe nunca estive realmente louco, e tradutor de História da redenção, de Ellen G. White. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

48 RUBEN DARGÃ HOLDORF 48 bem frescos os resultados de manifestações estudantis no País e no exterior, principalmente na França. O preconceito contra o jornalismo transformava o curso no vilão do ensino superior. Existia muito aquela ideia de que certas profissões não eram compatíveis com a norma do cristão, exprime Spada, com certa mágoa. A aprovação do pastor da igreja, Assad Bechara, no vestibular do curso de Comunicação Social da Universidade Católica silenciou os críticos e ninguém mais abordou o assunto. Graduado na turma de 1973, no ano seguinte Spada iniciou como repórter policial da Tribuna do Paraná, jornal do mesmo grupo de O Estado do Paraná e TV Iguaçu. Em 1978, ele foi contratado pelo Correio de Notícias na mesma editoria e, em 1979, aportou na redação do Indústria & Comércio, de propriedade de Odone Fortes. Aqui, Spada se identificou com a área de economia. A comunidade acadêmica conhecia o jornal de Fortes como a segunda universidade, face à qualidade do material impresso e a eficaz orientação e garimpagem de talentos conduzida por Aroldo Murá Haygert, diretor de redação. Por outro lado, admitia muitos estudantes a fim de evitar contratar profissionais, cujos salários atrasavam frequentemente. Atendendo à necessidade da sede paranaense de projetar a igreja na mídia, Spada concordou em ser assessor de imprensa do Departamento de Comunicação, auxiliando o pastor Arlindo Rossi. Com a transferência de Rossi, a direção desativou o setor. Assim, Spada voltou em 1983 ao Indústria & Comércio, onde permaneceu até 1987, mudando- -se para a Assessoria de Imprensa da Secretaria da Agricultura do Estado. Dois anos depois, deslocou-se para Guarapuava, dirigindo o jornalismo da Fundação Pioneira de Radiodifusão do Paraná e editando o jornal da Cooperativa Agrária de Entre Rios. Nestes locais, desenvolveu matérias sobre bolsa de valores, agronegócios e pecuária, nas quais se especializou. Meia década se passou e Spada retorna a Curitiba, onde atuou no Colégio Curitibano Adventista como conselheiro de divulgação e professor de Editoração Eletrônica, de 1994 a Paralelamente às atividades nesta instituição, Spada não abandonou o ofício jornalístico e continuou assumindo trabalhos de free lance22 para políticos. Inquirido sobre as matérias lançadas na imprensa, Spada recorda que enviou muitos releases à imprensa e alguns destes se transformaram em pautas 23 e matérias nos jornais. A mais viva lembrança de Spada se reporta à primeira greve mundial contra o tabagismo. No primeiro semestre de 1980, a Agência de Publicidade P.A.Z., de Curitiba, e a Secretaria Estadual da Saúde resolveram estreitar parceria numa campanha contra o vício do fumo. Porém, eles não tinham o know-how para trabalhar com a questão. Então, alguém do setor de criação da agência aludiu que havia um pessoal experiente na Igreja da Carlos de Carvalho, que fazia milagres, orientando os viciados a deixarem de fumar em cinco dias. Diante disso, a Igreja Adventista aceitou o convite para coordenar a campanha, chamada de Greve do Fumo, com data agendada para 29/8/ Free lance: jornalista autônomo, sem vínculo empregatício, contratado para a produção de reportagens, artigos, fotos, revisão, edição, diagramação, etc. Também conhecido como frila. 23 Orientação minuciosa entregue ao repórter para o desenvolvimento de uma matéria ou artigo. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

49 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR Cartazes, camisetas com inscrições contra o cigarro, Clube de Desbravadores, Jovens Adventistas, Escolas Adventistas, universitários, todos unidos e mobilizados com mais 38 entidades da sociedade paranaense se prepararam para a campanha e anunciaram na mídia o Manifesto grevista : DOSSIÊ Povo de Curitiba! Os fabricantes de cigarros têm interesses óbvios em induzir a juventude ao vício. Mas é nossa obrigação defender a saúde de nossos filhos. Fumar não é um hábito normal ou elegante como sugere a propaganda. Ao contrário, é um vício antissocial e anti-higiênico. Fumar só faz bem aos que lucram com a venda de cigarros. Está na hora, portanto, de dar uma resposta aos que pensam que a população será eternamente passiva. Está na hora de fazer um protesto coletivo contra o fumo. Faça a greve do fumo! Paraná, um estado de alerta contra o fumo. Com certeza, esta foi a primeira, única e, talvez, última vez na história, que a Igreja Adventista promoveu uma greve. As redações relutaram em ceder espaço aos grevistas. Na manhã de 29/8, o jornal O Estado do Paraná noticiava a campanha nacional contra o fumo, extravasando o projeto para além das divisas estaduais. A matéria Pobres são os que mais fumam encorajava as pessoas a não fumarem das 10 as 11 horas daquela manhã de sexta-feira. Vinte anos antes, uma campanha semelhante, mas não tão abrangente, havia se desenvolvido no Rio Grande do Sul. Comunicação e comunhão Apontando os cânones de Jornalismo da Sociedade Norte-Americana dos Redatores de Jornais, Kunczik (2001, p. 109) define que 49 A principal função dos jornais é comunicar à raça humana o que seus membros fazem, sentem e pensam. Por isso o jornalismo exige de todos os profissionais o âmbito mais amplo de inteligência, conhecimento e experiência, assim como poderes de observação inatos e adquiridos. Nos últimos anos, a igreja multiplicou sua ação em todas as mídias. Mesmo assim, os profissionais não concordam que houve aperfeiçoamento da qualidade na comunicação. De um modo geral, a inserção da igreja na mídia é muito pobre. E hoje eu diria que ela nem existe mais. Praticamente não se vê mais nada da igreja como instituição nos espaços da notícia. A igreja é muito fechada, avalia Schmidt (informação verbal) 24. Ele é favorável à Igreja ocupar os espaços na mídia como qualquer organização, não necessariamente religiosa. O âncora da CBN Curitiba, Marcos Garcia Tosi (informação verbal), 25 acrescenta não haver percebido uma melhora no nível da comunicação. Segundo Tosi, a comu- 24 Em entrevista no dia 7 de agosto de Autor dos livros A ilusão das drogas, José Amador dos Reis e Edgar Allan Poe nunca estive realmente louco, e tradutor de História da redenção, de Ellen G. White. 25 Marcos Garcia Tosi em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 9 de agosto de Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

50 RUBEN DARGÃ HOLDORF nicação ainda parece muito oficialesca, da instituição, muitas vezes contagiada por um certo ufanismo. Ele explica que as informações são subjetivas, pautadas num clima de constante celebração, quando deveriam ser mais objetivas. Com autoridade, Tosi desconsidera jornalista aquele que apenas tem um diploma. Ele prioriza a vivência, a experiência, e se você tirar um diploma só para justificar um cargo sem passar pelos meandros da vida dessa profissão, não vai acabar contribuindo muito para elevar o nível do veículo de comunicação que você vai gerenciar. Erbolato (1991, p. 18) entende. que, embora teórica e praticamente haja muito a aprender, nas faculdades e escolas de Jornalismo, o universitário deve, ainda, ter vocação e fazer estágio em qualquer matutino ou vespertino. Sem sentir o cheiro da tinta, ouvir o ruído das impressoras e o tilintar dos telefones nas redações, ninguém pode ter a vaidade de considerar-se jornalista. Fallows (1997, p ) aponta o estrelismo daqueles que trabalham com a mídia como um elemento dissonante no processo de comunicação: 50 O problema é que esse novo sucesso pessoal envolve um terrível compromisso. Quanto mais importante se torna uma estrela jornalística, mais ela é forçada a abrir mão da essência do verdadeiro jornalismo, que se resume na busca da informação a serviço do interesse público. O segundo defeito dos profissionais da imprensa indicado por Fallows debate a tendência de a mídia tratar a vida como um espetáculo, destacando apenas aspectos negativos: Cada vez mais, a imprensa apresenta sobretudo a vida política atual como um espetáculo deprimente, em vez de apresentá-lo como uma atividade vital, na qual os cidadãos poderiam e deveriam estar engajados. Borges (informação verbal) 26 detecta uma afinação maior dos novos jornalistas com a mídia secular e salienta: Algumas matérias publicadas no passado, por adventistas, jamais o seriam hoje. A mídia está muito mais seletiva e preconceituosa quando o assunto é Bíblia e religião. Os jornalistas têm percebido essa dificuldade e sido mais prudentes em suas abordagens, aproveitando melhor as oportunidades de inserção nos diversos meios de comunicação. Mais pessimista, Schmidt compara a Igreja aos movimentos do coração: A história da comunicação da Igreja no Brasil tem sístoles e diástoles, aberturas e fechamentos, que dependeram sempre das pessoas indicadas para fazer aquele tipo de trabalho. Transparente na crítica, Schmidt (informação verbal) 27 frisa que 26 Michelson Borges em entrevista a Ruben Holdorf, por , em 28 de novembro de Ivan Schmidt em entrevista a Ruben Holdorf, em Curitiba, em 7 de agosto de Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

51 JORNALISTAS ADVENTISTAS E SUAS RELAÇÕES COM A IMPRENSA SECULAR estamos num período de fechamento total. Eu acho que nós estamos vivendo atualmente (me desculpe a expressão, ela pode ser chocante, meio escandalosa) a idade escura da comunicação adventista no Brasil, porque não se comunica nada. Considerações finais A comunicação cresceu para o comércio, para a indústria, para a política, para as artes e a igreja foi recuando. Todo mundo usava a comunicação e a Igreja utilizava o mínimo. Apesar das críticas ao sistema de comunicação contidas neste artigo, não se pode olvidar as mudanças ocorridas na última década. Seis fenômenos contribuíram decisivamente para uma nova perspectiva da política de comunicação da Igreja Adventista no Brasil: 1) Criação das graduações em Jornalismo e Publicidade e Propaganda, e da Especialização em Comunicação Corporativa no Unasp; 2) Batismo de profissionais com experiência na mídia secular; 3) Desenvolvimento da rede Novo Tempo e da mídia online; 4) Estabelecimento das assessorias de comunicação em diversas instituições da Igreja, principalmente na sede sul-americana em Brasília; 5) Eleição de um brasileiro para dirigir a comunicação na sede mundial da Igreja; 6) Aperfeiçoamento e titulação de profissionais e professores da área, fator que os insere no campo da pesquisa científica, avaliando os efeitos da comunicação na sociedade e como desenvolver os recursos midiáticos para o cumprimento da missão eclesiástica. Para analisar os efeitos destes itens na comunicação adventista brasileira, será necessário mais um artigo. Por outro lado, a queda da obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício profissional causa preocupação, pois alguns setores se aproveitam da situação para contratar pessoas não qualificadas para a área. Isso denigre até mesmo o fato de a igreja conservar uma escola superior de Jornalismo. Não se trata de aproveitar a inexistência de lei regulamentadora, mas se trata a partir de agora de uma questão de natureza moral e ética, cuja essência deve continuar sendo a bandeira de um jornalista adventista. Nada de radicalismo, intolerância ou preconceito. O jornalismo existe para responder perguntas, para servir e defender as liberdades, entre elas as de expressão e de consciência. DOSSIÊ 51 Referências bibliográficas AZEVEDO, J. C.: Respostas a entrevista. mensagem recebida por: <ruben.darga@unasp.edu. br> em 30 de mar DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba: [s. n], DIÁRIO DO PARANÁ. Curitiba: [s. n], ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo: Ática, FALLOWS, J. Detonando a notícia: como a mídia corrói a democracia americana. Rio: Civilização Brasileira, FLOSI, E. Por trás da notícia. Anuário de Jornalismo. São Paulo: Faculdade de Comunicação ocial Cásper Líbero, ano 1, n. 1, Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

52 RUBEN DARGÃ HOLDORF HOLDORF, R. D. (Org.). História da comunicação adventista no Brasil. Engenheiro Coelho: Unaspress, Disponível em: Hist%C3%B3ria%20da%20Comunica%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 28/08/2006. JORGE, F. Cale a boca, jornalista!: o ódio e a fúria dos mandões contra a imprensa brasileira. Osasco: Novo Século, KNIGHT, G. R. Uma igreja mundial: breve histórico dos adventistas do sétimo dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, KUNCZIK, M. Conceitos de jornalismo: norte e sul. São Paulo: Edusp, LOPES, D. F. Jornal-laboratório: do exercício escolar ao compromisso com o público leitor. São Paulo: Summus, MCLUHAN, H. M. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, PASKKARVITA, J; TEIVAINEN, T. La crisis de las utopias nacionales en América Latina. In: Iberoamericana. Nordic Journal of Latin American Studies. Stockholm, v. 7, n. 1-2, PESSINATTI, N. L. Políticas de comunicação da Igreja Católica no Brasil. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Unisal, REVISTA ADVENTISTA. Santo André: Casa Publicadora Brasileira, SODRÉ, N. W. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, VIEIRA, R. Vida e obra de Guilherme Stein Jr. Tatuí: CPB, Press, 1968.n: Inquiry Press, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

53 A criação do santo não canônico Motorista Gregório Iury Parente Aragão 1 Resumo: Este artigo analisa a relação entre os discursos dos devotos do santo não canônico piauiense Motorista Gregório e os jornais impressos de Teresina. O objetivo é verificar quais são os discursos formadores da imagem de santo do motorista Gregório e as táticas utilizadas pelos devotos e pela grande mídia. A ideia de imaginário proveniente de Maffesoli e a noção de fundo arcaico foram as linhas teóricas seguidas para a análise. Como metodologia, foi necessário realizar pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevista não estruturada. Os resultados apontam para uma relação dialética entre a mídia impressa e os devotos, com a construção de inúmeros imaginários, mas todos ligados a uma ideia central, que é a do martírio capaz de santificar. Palavras-chave: Imaginário; Fundo Arcaico; Motorista Gregório; Mídia; Devotos The creation of the non-canonical saint Motorista Gregório Abstract: This article analyses the relationship between the speeches of the devotees of the non-canonical saint Driver Gregório and printed newspapers from Teresina. The objective is to verify which are the speeches that form the image of the Driver Gregório as a saint and the tactics used by the devotees and by the great media. The idea of imaginary originated from Maffesoli and the notion of archaic background were the theoretical base followed by this analysis. As methodology, it was necessary to do bibliographical research, documental research and unstructered interview. The results point to a dialect connection between the print media and the devotees, with the building of infinite imaginaries, all connected to a central idea, which is the martyrdom capable of sanctifying. Keywords: Imaginary; Archaic Background; Driver Gregório; Media; Devotees É inegável o sincretismo religioso que existe no Brasil. A colonização do país foi um dos principais aspectos que ajudaram a mesclar as mais diferentes crenças. Os portugueses, quando para cá vieram, no século XVI, trouxeram o catolicismo como a religião detentora dos preceitos morais, os quais deveriam ser seguidos pela população. A união entre o Estado e a igreja deu-se rapidamente, pois o rei se considerava católico e via na irmandade com a religião uma forma de manter a unidade política e os súditos coesos através da fé. Mas o catolicismo vindo de Portugal tinha certa brandura e tolerância, o que refletiu no compor- 1 Mestrando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Bolsista CNPq. iparagao@yahoo.com.br

54 IURY PARENTE ARAGÃO tamento da população, que, mesmo sendo obrigada a participar das missas aos domingos e festas de preceito, confissão e comunhão anual na época da páscoa, via a existência de elementos de bondade nas diversas religiões, através das quais se podia expressar o sentimento de dependência do mundo sobrenatural. Os colonos portugueses aceitavam tranquilamente a influência religiosa do ambiente em que viviam, negando-se na prática a enfatizar a radical oposição apregoada pela hierarquia católica: de um lado Deus, na fé católica, e de outro a presença dos demônios, nas outras religiões (AZZI, 1978, p. 52). 54 As obrigações do povo para com o Estado/igreja ajudaram na difusão do catolicismo, mas a família também se fez um ambiente de propagação de valores, com os pais passando para seus filhos as crenças familiares, pois eram comuns oratórios domésticos, nos quais os santos, padroeiros das cidades ou protetores das lavouras, eram adorados, o que fugia do calendário oficial da Igreja e das prescrições litúrgicas (AFONSO DE TAU- NAY apud AZZI, 1978, p ). Ao lado dos santos oficiais havia os populares, que eram considerados da família e, embora irregulares canonicamente, ajudavam seus próximos, pois estão na obrigação de defender e ajudar seus patrocinadores porque os conhece. O Piauí é o estado brasileiro com maior percentual de católicos, com 90,03% da sua população, segundo dados do IBGE através do Censo Os santos não canônicos piauienses existem em larga escala, tendo como exemplos Nossa Senhora da Cabeça, Finada Alda e Motorista Gregório, os quais ganham patamares de entidades pela fama de ajudar a população, de diminuir as angústias e as mazelas de um povo sofredor. Nessa relação entre fiéis e milagreiros são criados símbolos, histórias, ex-votos etc., os quais enriquecem e ajudam na manutenção e recriação do imaginário existente sobre os santos não canônicos. O objeto de estudo deste artigo será o santo popular Motorista Gregório, o qual tem monumento construído em sua homenagem pela prefeitura de Teresina (PI), conta com devotos, com ex-votos, com romaria, com a atenção da imprensa, com causos criados e recriados pelos fiéis e pela mídia. São diversos os aspectos formadores de um imaginário, de uma aura santificadora, fazendo-se necessária, dessa forma, a realização de um estudo para compreender qual é a atuação dos discursos dos devotos e da grande mídia na construção da imagem desse santo não canônico. A metodologia empregada consistiu em pesquisa bibliográfica, com a leitura de materiais já elaborados, como livros e artigos científicos que tiveram como tema o santo popular objeto deste estudo, além de pesquisa documental no Arquivo Público de Teresina: nos jornais existentes no período de outubro, novembro e dezembro de 1927 (período próximo da morte do Motorista Gregório); nos jornais O Estado e O Dia no mês de setembro 1975 (período em que houve a entrevista do perito criminal Delfino Vital da Cunha Araújo com Florentino Cardoso) e nos anos de 1982, 1983 e 1984 (período próximo da inauguração do monumento ao Motorista Gregório); nas matérias, depoimentos, fotos, cordéis e demais documentos pertencentes ao arquivo sobre o Motorista Gregório mantido por Vital Araújo. Para entender a rotina, os interesses e as aspirações do grupo foi necessário o contato com os devotos, sendo o dia Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

55 A CRIAÇÃO DO SANTO NÃO CANÔNICO MOTORISTA GREGÓRIO de Finados o período escolhido, pois é a época de maior movimento no monumento levantado em homenagem ao santo popular. Histórico do santo popular Motorista Gregório O Motorista Gregório tornou-se milagreiro no imaginário popular após a sua morte. Ele não obteve nenhum grande reconhecimento em vida, era apenas um garoto que trabalhava como motorista, na paróquia da cidade de Barras (PI), para o padre Lindolfo Uchôa. O veículo foi adquirido com a finalidade de o pároco visitar as localidades mais distantes e, assim, ter acesso a um número maior de pessoas. Embora tenha sido reconhecido como tal no Piauí, não era piauiense, sendo sua naturalidade desconhecida até hoje. Muitos cogitam que o seu nascimento ocorreu na Paraíba, pois foi nesse estado que ele foi contratado e levado à cidade de Barras pelo comerciante Jaime Teodomiro. Gregório Pereira dos Santos, o Motorista Gregório, era um garoto que morava na Paraíba e aos dezenove anos foi residir em Barras do Marathaoan (PI) a convite do comerciante Jaime Teodomiro. Este foi à Paraíba com o intuito de comprar um carro, o Ford T, para circular na cidade piauiense. Ao adquirir o veículo, o comerciante contratou Gregório para ser o motorista. Após pouco tempo, Jaime passou o carro para a paróquia do padre Lindolfo Uchôa. A história da morte e da santificação popular de Gregório começou no dia 14 de outubro de A cidade em questão estava em festa porque o bispo Dom Severino Vieira de Melo iria visitar a paróquia de Barras. Por ser uma visita rara, a população inteira se preparou, conforme explica Barros (informação oral) 2 : DOSSIÊ 55 A visita de Dom Severino deve ter sido uma visita muito rara, porque fizeram uma festa muito grande. Eu conversei com algumas pessoas que eram crianças na época e me disseram que a cidade mudou completamente. Fizeram um jantar muito grande para ele na diocese, tinha banda de música, que ficou montada uma tarde inteira esperando, e ele nunca apareceu. Nesse dia atípico, em que as ruas estavam enfeitadas e a população esperava a visita de Dom Severino, Gregório, dirigindo o Ford T, levava o juiz de Direito José de Arimathéa Tito, o coronel Otávio de Castro Melo e o padre Lindolfo Uchôa para receber Dom Severino na entrada de Barras. Ao passar pela rua Grande, uma criança com 4 anos de idade, chamada Manoel Cardoso de Vasconcelos, saiu de dentro da sua casa e cruzou a frente do carro, sendo atropelado. Tendo o pneu passado por cima do seu peito, causou-se um traumatismo na região torácica, o que a levou à morte. A população local afirmava que foi uma fatalidade e que Gregório não teria como evitar o atropelamento. 2 Eneas Barros, autor do livro Parabélum, o qual é um romance baseado na história do motorista Gregório. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

56 IURY PARENTE ARAGÃO 56 Manoel era filho de Florentino Cardoso, inspetor de veículos e delegado da cidade. Florentino, ao saber que seu filho fora atropelado, prendeu Gregório, torturando-o e deixando-o sem comida e sem água. O juiz de Direito José de Arimathéa Tito, que estava dentro do carro no momento do acidente, ficou sabendo da prisão do motorista e expediu um Habeas Corpus para a liberação de Gregório. Florentino Cardoso já era conhecido por torturar presos e já o cercava, segundo a imprensa do tempo, a fama de praticar prisões arbitrárias e espaldeirar presos. Era repressor, tirano, sabido por todos ser homem temperamental e cioso da importância do cargo com que o brindara o então governador do Estado, seu protetor (DIAS; ARAÚJO, 2005, p. 37). O delegado disse ao juiz que iria cumprir a ordem, mas foi para Teresina levando o Motorista Gregório acorrentado pelo pescoço. O delegado ordenou que João Fernandes, apelidado Peba, guiasse um caminhão até Teresina, com Guiomar (esposa do delegado), o caixão com o corpo de Manoel, o delegado, dois soldados e todos os pertences da família. Gregório viajou na boleia, acorrentado pelo pescoço. Por causa da péssima condição da estrada, a viagem foi demorada, durando toda a noite até chegarem ao porto do Porenquanto, localizado na cidade de Teresina, capital piauiense, onde tiveram que descarregar o caminhão para ter condição de descer a ribanceira. Quando a carga foi descida, inclusive o caixão com o corpo de Manoel, Florentino, ao ver o féretro no chão, puxou a Parabélum e disparou um tiro na cabeça de Gregório. O laudo do exame cadavérico aponta como ocorreu a morte: Aos 17 do mês de outubro de 1927, procedeu o Perito Médico Legista, Doutor Benjamim de Moura Baptista, o exame no cadáver de José Gregório, ao cabo do qual respondeu que houve lesões corporais produzidas por cordas nos punhos, chicotadas no rosto e nas costas e marcas de corrente no pescoço, tendo sido empregado meio cruel e tortura. Informa que a vítima apresentou ventre escavado e costelas à mostra e uma perfuração produzida por arma de fogo no ouvido direito, que produziu morte instantânea (BARROS, 2008, p. 174) O atestado de óbito de Motorista Gregório, registrado no livro nº. 18 do 1º cartório de registro civil da cidade de Teresina (PI), corrobora com o laudo médico, o qual aponta como a causa da morte um ferimento por arma de fogo na cabeça: Aos dezoito dias do mês de outubro de mil novecentos de vinte e sete, nesta cidade de Theresina capital do Piahuy em meu cartório compareceu o senhor Antonio José de Sousa, com um atestado do doutor Benjamim de Moura Baptista declarou o seguinte: que faleceu hoje, as sete horas, victima de ferimento por arma de fogo na região cerebral o chauffeurt de nome José Gregório, de vinte anos de idade, presumíveis, piauhyense, morador na cidade de Barras; cujo corpo vae ser sepultado no cemitério público. E para constar eu, Antonio Pereira Vieira, official do registro cível lavrar este termo que comigo assina o declarante. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

57 A CRIAÇÃO DO SANTO NÃO CANÔNICO MOTORISTA GREGÓRIO A construção do santo popular motorista Gregório A história contada acima será considerada, para este estudo, como a mais próxima dos fatos acontecidos na morte do Motorista Gregório, pois está fundamentada em entrevistas com pessoas que estudaram o caso e em diversos documentos. Este tópico trará a relação entre os fiéis e a mídia, os quais ajudam a promover a construção da imagem de santo de Gregório. Em Teresina (PI) há um monumento ao Motorista Gregório, um local de adoração e de grande visitação, uma área onde os devotos se reúnem para colocarem ex-votos, rezarem, acenderem velas, conversarem, enfim, um espaço para agradecer e pedir ajuda. O monumento ao motorista Gregório surgiu em 1983 na gestão do prefeito Freitas Neto, que sucedeu Jesus Elias Tajra, no mesmo ano. A construção é em formato de gota para representar a morte por sede e foi feita no local onde o santo popular foi assassinado, na Av. Marechal Castelo Branco. Antes de existir a avenida, surgida apenas na gestão do prefeito de Teresina Joel da Silva Ribeiro ( ), o lugar já era ponto de visitação dos devotos, que procuravam a região para rezar, pedir ajuda e/ou agradecer. O monumento possibilita que os fiéis se encontrem, conversem e contem as graças recebidas, criando e recriando crenças, fortalecendo alguns aspectos e relegando outros, ajudando a cristalizar a imagem do martírio e da boa alma (assim o veem) que é o Motorista Gregório. Esse encontro origina um ambiente único marcado de características próprias, o que corrobora com a ideia de praça pública de Bakhtin, que, nas palavras de Martín-Barbero (2009, p ) é um espaço não segmentado, aberto à cotidianidade e ao teatro, mas um teatro sem distinção de atores e espectadores. Caracteriza a praça, sobretudo uma linguagem; ou melhor: a praça é uma linguagem, um tipo particular de comunicação, configurado a partir da ausência das construções que especializam as linguagens oficiais, seja a da igreja, a da corte ou a dos tribunais. DOSSIÊ 57 Nesse ambiente a oralidade entra como uma maneira poderosa de difusão de mensagens, pois é um meio simples por requerer apenas o contato entre uma pessoa e outra, ora um sendo emissor, ora outro sendo receptor. É um processo dialético, onde ideias são expostas e discutidas, num complexo e rico nascer de teses e antíteses. Algumas vezes um acordo de opiniões surge, noutras a conversa não termina em consenso, mas sempre há o enriquecimento dos participantes. As formas da morte do motorista Gregório são as mais variadas, segundo os depoimentos dos fiéis, com cada devoto acreditando na sua e, numa conversa qualquer, difundindo a sua versão. Um dos devotos entrevistados foi o devoto A 3, o qual acredita que a morte do milagreiro ocorreu da seguinte forma: Seu Jurandir me disse que foi naquela árvore. Ele passou, parece, que ele passou sete dias e sete noites. Ele veio arrastado lá de Barras para cá. Veio arrastado num Jipe, um Jipe da 3 Serão usadas letras em vez do nome para garantir o sigilo do entrevistado. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

58 IURY PARENTE ARAGÃO polícia. Aí, trouxeram ele pra cá e amarraram. Parece que ele matou, atropelou um filho de um Coronel. Ele chegou a falecer, não é? Ele veio de Barras pra cá arrastado! Chegaram aí e amarraram e ele passou, se não me engano, sete dias e sete noites. Sem beber e sem nada! Igual Cristo! Terminaram executando ele. Deram um tiro na testa. Ele morreu, primeiro, agonizando. Ele já estava morto, ai pegaram e executaram. Ficou esse martírio. Ele foi amarrado de frente para o rio, pra olhar pra água, pra dar sede e ele não beber. 58 Pode-se perceber que o fato não condiz com o registrado em livros e em documentos. A mensagem passou por um processo de interpretação, natural nas histórias narradas por meio da oralidade. A crença numa morte mais dolorosa é importante para manter e expandir a imagem do martírio, favorecendo a representação de mártir. Devoto A, em seu depoimento, mostra que a característica da morte por sede em frente ao rio é mais forte do que um assassinato por tiro. O discurso manifesta várias facetas. Quando ele afirma que deram um tiro na testa, revela o seu conhecimento de que Gregório havia morrido por causa de um tiro na cabeça, mas continua e tenta mostrar que o suplício foi a causa mortis, dizendo que o motorista morreu, primeiro, agonizando e que depois de morto ele foi executado. O devoto cria duas mortes, a do martírio e a do tiro quando afirma que ele já estava morto, aí pegaram e executaram. Outra parte de destaque no discurso é quando ele profere: Chegaram aí e amarraram e ele passou, se não me engano, sete dias e sete noites. Sem beber e sem nada! Igual Cristo!. É simbólica essa comparação entre o santo popular e Jesus, a figura central do cristianismo. Cristo passou 40 dias e 40 noites em jejum, e Gregório também passou pela privação de comida e água. Há a comparação que santifica o motorista Gregório, tornando-o semelhante a Jesus. A imagem da morte de sede em frente a um rio mostra-se poderoso no imaginário popular. A ideia de alguém não ter acesso à água quando se está olhando para o Rio Poti é um dos aspectos fundamentais para reforçar o sofrimento e, assim, a santificação. Os jornais da capital do Piauí colaboram para a estruturação dessa representação, se assemelhando muito com os fiéis no papel de recriador das histórias das sevicias sofridas pelo Motorista Gregório: Amarrado durante 15 dias com os pés para cima, com alimentação e água racionadas, olhando para a correnteza do rio Poti, no bairro Primavera, zona norte de Teresina, Gregório Pereira dos Santos, o motorista Gregório, se transformou num símbolo de fé e completa na próxima sexta-feira 70 anos de morte uma das mais violentas do século na capital. Os milagres conseguidos em nome de Gregório fazem do local de sua morte um verdadeiro ponto de romaria e ainda hoje tem quem chore pela crueldade praticada pelo assassino, capitão PM Florentino de Araújo, o Capitão Flores. [ ] A história da morte de Gregório começa quando ele era motorista do Padre Lindolfo Uchôa, na década de 20. No volante de um caminhão Chevrolet 20, no município de Barras (126 quilômetros de Teresina), Gregório foi dar uma ré e atropelou um menino de dois anos que era filho do Capitão Flores. A criança foi levada em estado grave para o hospital, enquanto o motorista era preso e amarrado ao tentar prestar socorro. Ele foi colocado com a cabeça para baixo em um pé de jatobá, na Primavera. O local era deserto e o Capitão Flores disse que se a criança morresse ele voltaria para matar o motorista, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

59 A CRIAÇÃO DO SANTO NÃO CANÔNICO MOTORISTA GREGÓRIO se ela escapasse voltava para soltá-lo. Mas para evitar que alguém o soltasse, dois policiais ficaram de plantão no local. Gregório gritava pedindo água e comida, mas os soldados levavam água no rumo da sua boca e quando chegava perto jogavam no rosto, conta a aposentada Sebastiana Morais. [ ] Depois de muita sede e fome, Gregório foi eliminado a balas na presença da mulher e dos filhos. Como a criança atropelada morreu, Capitão Flores pegou a família do motorista e seus móveis e alugou um caminhão, que foi levado ao local, onde ele agonizava (SÍMBOLO, 1997) DOSSIÊ A distorção da história é evidente, com o jornalista tendo misturado personagens, passagens, laços familiares, a maneira do assassinato etc. A história ocorreu no município de Barras, mas o jornalista já traz a história para Teresina, num lapso espaço-temporal, dando a entender que Primavera (bairro teresinense) está localizada na cidade de Barras. Os soldados que estavam no carro quando Gregório foi transportado do interior à capital aparecem como torturadores debochados. Por fim, o jornal dá ao milagreiro esposa e filhos, os quais assistiram a execução, pois Florentino pegou a família do motorista e seus móveis e alugou um caminhão, que foi levado ao local, onde ele agonizava. É uma história desconexa, com elementos que dão mais dramaticidade ao caso, excitando o leitor com o calculismo e a frieza do Capitão. Amarrado durante 15 dias com os pés para cima, com alimentação e água racionadas, olhando para a correnteza do rio Poti. Já pelo início da matéria tornam-se nítidas quais imagens fazem do Motorista Gregório santo popular. Toda a história pode mudar, como a maneira da tortura, o cargo do assassino (ser do Poder Público é relevante), a forma como ocorreu o atropelamento etc. Nesta passagem fica claro que o cerne do causo é o sofrimento e a sede estando à beira de um rio, com toda a história de fundo sendo maleável, alegorias que dão cor, mas que não são tão importantes. Porém, quanto mais sofrimento, melhor. As matérias dos jornais, muitas vezes, são baseadas nos depoimentos dos fiéis, que, ao se apropriarem dessas falas, tomam para si o discurso, sendo um meio de difusão do imaginário do grupo. O fenômeno cultural dos santos não canônicos tem sua legitimação feita pelos devotos, não sendo de fundamental importância a apropriação dos meios de comunicação de massa para que a cultura popular seja considerada válida ou que seja vista como algo capaz de gerar manifestações. Mas a imprensa participa desse fenômeno tendo uma função importante, pois se apropria das crenças do povo para publicá-las em suas páginas, sendo lida tanto por quem não tem interesse na ação do grupo como também por devotos. Os leitores podem passar por um processo de mudança, seja reforçando a visão de santo do motorista ou dando mais intensidade à não-crença. Dessa forma, existe a visibilidade da cultura do povo na grande mídia, assim como há o enraizamento dos media na realidade popular, dando ao caso um sentido mediático: 59 o sentido mediático do fenômeno cultural acontece na sua transposição do espaço privado para o espaço público, através de um processo de instauração que começa no instante preciso em que deixa de ser um simples acontecimento da experiência cotidiana de um grupo ou comunidade para ser visibilizado pelos meios de comunicação e legitimado como parte de uma experiência coletiva. Um sentido proposto pelo processo de interação e visibilidade dos fenômenos culturais nos Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

60 IURY PARENTE ARAGÃO media, permitindo uma variabilidade de significados e interpretações num mesmo tecido social (MARQUES, 2000, p. 66). Além do martírio, os milagres realizados por Gregório ajudam na construção da imagem de santo. devoto B acredita nas graças e relata um dos supostos milagres realizados pelo santo não canônico: Eu não sei se foi o militar que fez tudo isso com ele que cegou. E depois que ele já tinha matado o Gregório, que mataram assim de sede e de fome, e parece que deram um tiro nele ainda, aí ele cegou e se pegou com a alma dele e ficou bom. Ficou cego e ainda ficou bom! [ ] O homem lá em Barras cegou e se pegou com a alma do finado Gregório e ficou bom da vista. Por isso ele é santo, ele é santo, o Gregório! Não é muita gente que sabe disso não, mas eu sei porque eu moro perto do cemitério São José. 60 O devoto B não sabe ao certo quem ficou cego, embora transpareça querer acreditar que foi o assassino (militar). Ele começa dizendo que não sabe se foi o militar quem cegou, mas na continuidade da história demonstra acreditar que foi Florentino ao afirmar que parece que deram um tiro nele ainda, aí ele cegou e se pegou com a alma dele e ficou bom. Ele não tem certeza da identidade de quem recebeu o milagre, com seu discurso indo e vindo entre ter sido e não ter sido Florentino, pois começa dizendo não saber se foi ele o curado, depois, pelo desenvolvimento da fala, deixa claro que foi, para, noutro trecho, dizer simplesmente que o homem lá em Barras cegou e se pegou com a alma do finado Gregório e ficou bom da vista. É contada a história de alguém que ficou cego e foi curado pelo milagreiro, mas, para o devoto, é melhor acreditar que quem recebeu a graça foi o assassino do Motorista Gregório. A história da cegueira remete a São Longuinho, que tinha uma grave doença ocular. Este, ao perfurar o corpo de Jesus com uma lança, foi atingido nos olhos por respingos do sangue de Cristo, o que lhe curou. O vilão na história do motorista Gregório também foi agraciado pelo milagre de ter a visão restabelecida. São duas pessoas ligadas ao lado do mal que foram curadas pelos torturados e injustiçados. Assim como devoto A associa o jejum de Gregório ao de Cristo, o devoto B também relembra a história de Jesus ao assemelhar os milagres de curar o assassino cego, mostrando o perdão e o poder milagroso que são recorrentes nos santos. A estória da vida dos santos populares são processadas no imaginário popular, dando margem ao surgimento de várias lendas, a exemplo do caso de São Longuinho, um santo pertencente ao devocionário nordestino. Vale a pena ressaltar que o vocábulo longino é proveniente do latim e significa alto, longo. Segundo a lenda, Longino foi o centurião que transpassou o coração de Jesus com sua lança. Como era cego, ele não percebeu os respingos de sangue que lhe caíram nos olhos. E, quando isto ocorreu, deu-se um verdadeiro milagre: Longino voltou a enxergar. A partir daí, dizem que ele se converteu ao cristianismo: ficou conhecido como São Longuinho, considerado como o santo dos objetos perdidos, e seu dia ficou sendo o 15 de março. [ ] Ao longo do tempo, os milagres exaltados pelos santos não-canônicos foram sendo destacados Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

61 A CRIAÇÃO DO SANTO NÃO CANÔNICO MOTORISTA GREGÓRIO e memorizados. Com o acontecimento dos milagres, concedidos por aqueles santos, o interesse de outros fiéis foram sendo despertados, tornando-se eles, por sua vez, seguidores desses santos (LÓSSIO, 2010, p. 4-5). O jornal O Dia de 07 de setembro de 1975 compara a história de outro santo com a do motorista Gregório. Há estabelecimento de semelhança entre o milagreiro piauiense e São Sebastião, como também existe o castigo da cegueira sofrido pelo assassino. E, por fim, o martírio ganha atenção especial, principalmente a enorme sede pela qual passou o santo não canônico. DOSSIÊ Gregório e não interessa o sobrenome é para todos os piauienses um mártir com uma diferença de São Sebastião: enquanto este morreu perfurado de flechas por um crime que não cometeu, o outro morreu de sede e à bala, com uma indagação permanente: tem água para eu beber?. No próximo dia 17 será mais um aniversário da sua morte na beira do rio, no tronco de um pau d água onde ele ficou agarrado a uma corrente para ser executado por um tenente da Polícia, de nome Florentino, que hoje está cego e paralítico em Crateús, Ceará. [ ] O finado como justifica para os mortos a linguagem dos vivos passou a ser um verdadeiro santo em Teresina. Até o bairro onde ele foi executado pelo seu amigo tenente Florentino recebeu o nome de Porenquanto. E isso criou uma lenda até: o nome surgiu porque o preso reclamava água e o tenente dizia porenquanto tome água de sal. Consta do depoimento do acusado que ele atropelou o filho do tenente sem culpa. Mas Florentino decidiu agir com as próprias mãos e as duas fotos acima testemunham até o episódio da rede que Gregório pediu que lhe dessem, a fim de que não visse a sua própria morte. Ele colocou a rede na cara e depois dos tiros caiu sangrando, como vítima inocente que não teve a menor defesa. E além disso, como cão acorrentado, que não cometera qualquer crime. [ ] O tenente, que talvez tenha executado-o sem o conhecimento da central da Polícia, nesse tempo, está hoje cego e paralítico na cidade de Crateús, enquanto Gregório tem flores e visitas constantes no seu túmulo, principalmente por parte daqueles devotos que atribuem milagres. A festa do dia 17 terá sempre as mesmas garrafas d água que os devotos colocam no túmulo de Gregório e as mesmas flores como respeito e crédito à sua inocência. Isto não custará nada para repetir uma história que todos os anos acontece, que relembra exclusivamente a alma mansa de um povo que nunca deu os braços à violência nem à injustiça (MATADOR, 1975). 61 Nessa notícia do jornal O Dia se encontram vários elementos que corroboram com a visão do martírio, da injustiça, da ação de alguém da polícia como o algoz, da sede, do castigo, dos milagres e da força do povo que nunca deu os braços à violência nem à injustiça. A busca de santos que sejam referenciais para comprovar o Motorista Gregório como consagrado a Deus também existe na imprensa. O jornal O Dia achou na história de São Sebastião o modelo de alma santificada. Em relação a este, tentaram executá-lo com flechas e depois o lançaram num rio. Mas ele não falecera. Mais tarde, o Imperador Diocleciano, ao saber que São Sebastião continuava vivo, mandou que o santo fosse espancado até a morte. Mas ele não morreu. Por fim, para que a ordem imperial fosse cumprida, transpassaram o coração do julgado com uma lança. A semelhança, segundo o Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

62 IURY PARENTE ARAGÃO 62 jornal, entre São Sebastião e Gregório se dá pelo sofrimento e por terem sido injustiçados, porque foram punidos por crimes não cometidos: enquanto este (São Sebastião) morreu perfurado de flechas por um crime que não cometeu, o outro morreu de sede e à bala. O suplício pelo qual o motorista Gregório passou é contado, sendo a sede tendo um rio à frente, o principal sofrimento. Fica evidente a força simbólica que há na falta de água como fator relevante na formação de santo do Motorista Gregório. A matéria elenca símbolos que se ligam à água. Segundo o periódico, o santo popular teresinense morreu com uma indagação permanente: tem água para eu beber?, assim como morreu amarrado no tronco de um pau d água. Por fim, a passagem dramática, a qual dá nome ao bairro do Porenquanto, onde ele foi executado, mostra o aspecto mais sórdido do vilão Florentino Cardoso: Até o bairro onde ele foi executado pelo seu amigo tenente Florentino recebeu o nome de Porenquanto. E isso criou uma lenda até: o nome surgiu porque o preso reclamava água e o tenente dizia porenquanto tome água de sal (suor). A questão do nome do bairro também foi contada pelos fiéis, mas houve outros que disseram que o nome surgiu porque as pessoas esperavam o barco para realizar a travessia do rio Poti e diziam uns aos outros: o barco vai já chegar, espera aí por enquanto. Por fim, o assassino é castigado ainda em vida, ficando cego e paralítico. Já o torturado é amado pela população: A festa do dia 17 terá sempre as mesmas garrafas d água que os devotos colocam no túmulo de Gregório e as mesmas flores como respeito e crédito à sua inocência. Essa matéria foi desmentida pelo jornal O Estado, o qual entrevistou Florentino Cardoso, publicando um texto rebatendo as afirmações feitas por jornal O Dia. Abaixo está uma foto do delegado, mostrando que nem a cegueira e nem a paralisia faziam parte da realidade dele. À esquerda está Florentino Cardoso e à direita Vital Araújo, investigador que fez a reportagem rebatendo as declarações de O Dia. Fonte: Arquivo pessoal de Araújo. Pode-se perceber que Jesus Cristo, considerado o santo maior, o filho de Deus, tem na sua história o fundo arcaico formador da história do santo não canônico motorista Gre- Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

63 A CRIAÇÃO DO SANTO NÃO CANÔNICO MOTORISTA GREGÓRIO gório. É habitual os fiéis procurarem semelhanças entre as mortes, como também entre os castigos sofridos pelos pecadores. Muitos santos têm uma história de sofrimento em vida, assim como o motorista Gregório teve, como pode ser notado na comparação feita pelo jornal O Dia. O padecimento pelo qual Gregório passou, segundo o jornal, e as curas realizadas pelo milagreiro de Teresina é proveniente da história estruturadora do Cristianismo. DOSSIÊ A cultura remete sempre a um princípio constitutivo único que tem a ver com a própria existência arquetípica do homem e que se revela no fundo arcaico, ou seja, um conjunto de estratos subterrâneos, resultado de um imaginário mítico primitivo e fundador, constante na história humana, independente de qualquer circunstância temporal ou espacial (MARQUES, 2000, p. 63). E essa estrutura formadora de personagens míticos é comumente usada para a criação de novas figuras. Um exemplo encontrado é na Inconfidência Mineira, com Tiradentes. Existe a presença do Judas, que é Silvério dos Reis, pois delatou os inconfidentes em troca de dinheiro. O papel de Jesus foi ocupado por Tiradentes, tendo na divulgação da sua imagem um rosto com cabelos e barba similares à da imagem de Cristo. Mas, na verdade, não se sabe qual era a fisionomia de Tiradentes; o que se sabe é que ele morreu sem barba e careca, já que para ser enforcado ele deveria ter o rosto limpo (sem pelos no rosto e cabelos) para ser visto ao ser executado. A imagem do santo não-canônico motorista Gregório não é construída por uma ou duas pessoas, mas por inúmeras interferências tanto dos fiéis quanto da grande imprensa. É uma história em constante modificação, recebendo novas informações, novas comparações e novos modelos sacros que estimulam a imaginação de quem lê ou ouve sobre as manifestações dos devotos ou sobre a história do sofrimento de um homem do povo injustiçado por um homem do governo. Todas essas informações se unem numa só estrutura que tem contornos maleáveis. Há a manutenção de uma base principal de quem foi/é o motorista Gregório, que é cercada por uma nuvem de imaginários construída pela soma das ações de pessoas que tenham qualquer tipo atuação sobre o santo em questão. Os contornos maleáveis são imaginários individuais, mas que estão subordinados a um imaginário coletivo: o sofrimento de um injustiçado que morreu de sede olhando para um rio. 63 Pode-se falar do imaginário de uma ou de outra pessoa, mas sempre está inserido no imaginário de um grupo. Pode-se falar em meu ou teu imaginário, mas, quando se examina a situação de quem fala assim, vê-se que o seu imaginário corresponde ao imaginário de um grupo no qual se encontra inserido. O imaginário é o estado de espírito de um grupo, de um país, de um estado-nação, de uma comunidade etc. O imaginário estabelece vínculo. É o cimento social. Logo, se o imaginário liga, une numa mesma atmosfera, não pode ser individual (MAFFESOLI, 2001, p. 76). Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

64 IURY PARENTE ARAGÃO Considerações finais O motorista Gregório, enquanto vivo, não teve grandes realizações e nem ficou gravado por ser uma figura marcante. Era um garoto que se mudou provavelmente da Paraíba, para Barras (PI) no intuito de exercer o ofício de motorista. Depois de prestar serviços ao comerciante Jaime Teodomiro, foi trabalhar, ainda como motorista, para a paróquia local. O que marcou sua vida a maneira como ele morreu. Gregório tem em sua história inúmeros elementos que podem alimentar sua fama de santo, mas ficou explícito, pelos discursos analisados nesse artigo, que os devotos deixam à margem muitos desses elementos com potencial de serem utilizados para criarem ou recriarem a história. Os fiéis não se importam muito com os detalhes da morte, bastando, para que a crença permaneça, a ideia do martírio (das sevícias), da injustiça feita por um homem do poder contra um homem do povo e dos milagres realizados. Trabalhar para a igreja, ser pacato ou qualquer outra característica é relegada. Os pormenores não precisam ter um caráter real/verdadeiro, cada devoto cria seus detalhes. A imagem de virtuoso é o resultado da soma das crenças individuais, estas sempre estando subordinadas a uma ideia coletiva dos porquês que transformaram em milagreiro o motorista. Num rápido olhar, não é possível enxergar as justificativas e os motivos da crença, mas na análise dos discursos pôde ser percebida a ação do fundo arcaico fundamentando o imaginário, ajudando a transformar um simples motorista em santo. 64 Referências bibliográficas AZZI, R. Formação histórica do catolicismo popular brasileiro. A religião do povo. São Paulo: Edições Paulinas, BARROS, E. Parabélum. Teresina: [s.n.], DIAS, W. P.; ARAÚJO, D. V. Motorista Gregório: mártir ou santo? Teresina: Editora Gráfica Expansão, LÓSSIO, R. O belo da fé: a sociologia da aparência na cultura popular. Museu de Arte Popular, Recife, abr Seção Artigos. Disponível em: com/2010/04/texto-de-rubia-lossio.pdf MAFFESOLI, M. O imaginário é uma realidade. Famecos: mí dia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v.1, n. 15, Seção Documentos. Disponível em: index.php/famecos/article/viewarticle/285. MARQUES, F. As interações entre os media e a cultura: a produção do fundo arcaico e as variações de sentido. In: FAUSTO NETTO, A. et al (Orgs.). Comunicação e corporeidades. João Pessoa, Editora UFPB, MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, MATADOR de Gregório não está arrependido. O Dia, set., SÍMBOLO de fé, Gregório faz 70 anos de mito. Jornal Meio Norte, out., Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

65 A ética da responsabilidade na teologia de Dietrich Bonhoeffer Adriani Milli Rodrigues 1 Resumo: Dietrich Bonhoeffer é o principal teólogo moderno que discute a ética cristã em termos de ética da responsabilidade. Sua discussão ética se baseia especialmente em seus conceitos teológicos e suas experiências com o nazismo alemão. Nesse sentido, este artigo objetiva descrever a ética da responsabilidade no pensamento bonhoefferiano, indicando brevemente seus pressupostos e implicações. De forma geral, do ponto de vista conceitual, a ética bonhoefferiana rechaça a metafísica filosófica em favor da revelação divina, enquanto do ponto de vista prático ela abre possibilidades de atitude cristã frente a situações extremas de ameaça à vida. Palavras-chave: Bonhoeffer; Ética; Teologia moderna; Ética da responsabilidade The ethics of responsibility in the theology of Dietrich Bonhoeffer Abstract: Dietrich Bonhoeffer is the main modern theologian who discusses christian ethics in terms of ethics of responsibility. His ethical discussion is particularly based on his theological concepts and his experience with german nazism. In this sense, this article aims to describe the ethics of responsibility in the Bonhoefferian thought, by indicating its presuppositions and implications. Overall, from a conceptual perspective, Bonhoefferian ethics denies philosophical metaphysics in favor of divine revelation, while from a practical perspective it opens possibilities of christian attitude in face of extreme situations of threat to life. Keywords: Bonhoeffer; Ethics; Modern theology; Ethics of responsibility Embora o conceito de responsabilidade tenha um lugar firme desde as primeiras tradições da moral filosófica e também na ética teológica, Max Weber foi o primeiro autor que formulou a tarefa ética em termos de uma ética da responsabilidade (HUBER, 1993, p. 579). Nesse sentido, Weber estendia a necessidade de responsabilidade para os futuros efeitos das ações presentes. Em seu ensaio A política como vocação, Weber diferencia os dois tipos opostos de condutas eticamente orientadas: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Enquanto no primeiro caso, a pessoa decide seguir suas convicções básicas sem considerar os efeitos e resultados no mundo real, a ética da responsabilidade leva em conta os resultados e consequências das ações, bem como seu caráter decisivo no mundo real. 1 Doutorando em Teologia Sistemática pela Andrews University, EUA. Mestre em Ciência da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Professor de Teologia no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). adriani.milli@unasp.edu.br

66 ADRIANI MILLI RODRIGUES Weber (1982, p. 144) chega a relacionar o pensamento religioso com a ética da convicção. Segundo essa visão, quando o cristão afirma fazer o bem, deixando os resultados para o Senhor, há uma clara indicação de conduta que não quer prestar conta dos resultados previsíveis dos atos cometidos. Nesse caso, se uma ação de boa intenção leva a maus resultados, então, aos olhos do agente, não ele, mas o mundo, ou a estupidez dos outros homens, ou a vontade de Deus que assim os fez, é responsável pelo mal. Mas um homem que acredita numa ética da responsabilidade [ ] não se sente em condições de onerar terceiros com os resultados de suas próprias ações, na medida em que as pôde prever. Dirá: esses resultados são atribuídos à minha ação (WEBER, 1982, p ). 66 A discussão teológica moderna acerca do papel da ética da responsabilidade compreende tanto uma extensão como uma reação à iniciativa de Weber. Dietrich Bonhoeffer, que talvez tenha sido o teólogo que aplicou com maior ênfase a noção de ética da responsabilidade, tanto em seus escritos como em sua própria vida, parece ter ampliado e reagido ao pensamento de Weber. Em seus escritos sobre ética, Bonhoeffer (2005, p. 124) afirmou formular um conceito de responsabilidade que carregava maior plenitude de sentido que as reflexões de Weber. Ao contrário do exemplo dado por Weber, que colocava o cristão na categoria da ética da convicção, Bonhoeffer discute a ética da responsabilidade enquanto postura cristã. Nesse sentido, o presente artigo pretende descrever a ética da responsabilidade no pensamento bonhoefferiano, discutindo inicialmente sua compreensão ética enquanto ampliação de sua teologia do seguimento e, a seguir, apresentando a ética da responsabilidade de acordo com os escritos da Ética. O pensamento ético de Bonhoeffer como ampliação da teologia do seguimento A ética assume um papel preponderante no pensamento de Bonhoeffer. Para Gibellini (2002, p. 111), a teologia de Bonhoeffer é mais uma teologia ética que uma teologia dogmática. No prefácio de 1948 da primeira edição de Ética, Bethge explica que o teólogo alemão projetava a obra sobre ética como a grande obra de sua vida. Bonhoeffer (2003, p ) fala com tristeza acerca do fracasso desse projeto em Resistência e submissão. Ao assumir a proximidade da morte, ele confessa: Às vezes, penso que já deixei a minha vida mais ou menos para trás e que somente me faltaria ainda concluir a Ética. O contexto de redação dos manuscritos que formam a atual Ética abrange desde a conspiração contra o estado nazista (1939/1940) à sua prisão em abril de Gibellini (2002, p. 111) explica que esses escritos constituem uma ampliação progressiva da teologia do seguimento (delineada principalmente na obra Discipulado, a qual publicada em alemão em 1937 sob o título de Nachfolge, que literalmente significa seguimento ) para o ambiente do mundo secular, isto é, há uma ênfase maior no mundo como sendo domínio de Jesus Cristo e, portanto, campo de atuação de seus seguidores. Um exemplo desse enfoque é a descrição da postura de Lutero. Em Discipulado, Bonhoeffer (2004, p. 13) ressalta que Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

67 A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE NA TEOLOGIA DE DIETRICH BONHOEFFER Lutero teve que abandonar o convento e regressar ao mundo, não porque este, em si, fosse bom e santo, mas sim porque também o convento nada mais era do que mundo. [ ] o discipulado de Jesus passaria a ser vivido no seio do mundo [ ]. A obediência perfeita ao mandamento de Cristo deveria acontecer na vida profissional de todos os dias. DOSSIÊ Na Ética, Bonhoeffer (2005, p. 142) interpreta tal postura de Lutero em termos de responsabilidade: Em seu retorno para o mundo, Lutero visava à responsabilidade integral diante do chamado de Cristo. No contexto de sua conhecida distinção entre graça barata e graça preciosa, que constitui o ponto de partida da teologia do seguimento em Discipulado, Bonhoeffer insere as noções opostas de obediência e conflito ético. Ele salienta que a fé somente é fé no ato da obediência (BONHOEFFER, 2004, p. 25). Nesse sentido, deixar de obedecer ao mandamento simples e claro de Deus significa deslocar-se para o terreno humano da dúvida e do conflito ético. Nesse terreno a ação é substituída pelo julgamento e pela racionalização, onde o próprio ser humano precisa decidir acerca do que é bom, apoiado em seu conhecimento do bem e do mal segundo os ditames de sua consciência. Por isso, o apelo ao conflito ético nada mais é do que a recusa da obediência (BONHOEFFER, 2004, p. 33). Esses conceitos são amplamente retomados em Ética, especialmente a ênfase da ação em detrimento da abstração; o enfoque de que o ser humano não deve buscar o conhecimento do bem e do mal e a importância da obediência direta ao chamado e a vontade de Deus. Tais conceitos são fundamentais para a contextualização e a discussão da ética da responsabilidade em Bonhoeffer. 67 A ética da responsabilidade em Ética Na estrutura criada por Bethge para a compilação dos escritos éticos de Bonhoeffer, a discussão acerca da ética da responsabilidade aparece de forma bem específica na seção intitulada A história e o bem. Contudo, existem alusões à ação responsável, assim como conceitos que apresentam direta conexão com suas noções acerca da ética da responsabilidade, em outras seções. Assim, pode-se destacar algumas ideias que estão presentes, principalmente nas seguintes seções: O amor de Deus e a decadência do mundo, Ética como formação, As últimas e as penúltimas coisas e Cristo, a realidade e o bem. Em O amor de Deus e a decadência do mundo, Bonhoeffer (2005, p. 15) abre sua discussão ressaltando que a reflexão ética em geral objetiva trabalhar com as noções e distinções do bem e do mal. Por isso, a primeira tarefa da ética cristã consiste em suspender este saber. Ao relembrar o relato da queda do ser humano, ele enfatiza que o conhecimento do bem e do mal constitui, em realidade, uma separação e oposição daquele em relação a Deus: Trazendo em si o conhecimento do bem e do mal, o ser humano se tornou juiz de Deus e dos seres humanos (BONHOEFFER, 2005, p. 19). Desse modo, faz-se necessário seguir o exemplo deixado por Jesus. Em sua vida terrestre ele não agiu a partir de qualquer conhecimento do bem e do mal, antes sua ação foi uma resposta à vontade de Deus. A obediência simples de Jesus se contrapõe ao julgamento do conflito ético (do bem e do mal) que nunca chega à ação. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

68 ADRIANI MILLI RODRIGUES 68 Velasquez Filho (1977, p. 48) identifica nessas noções de Bonhoeffer uma explícita ligação com as ideias de Karl Barth. Tanto em Carta aos Romanos como na Church Dogmatics, Barth expressa o fracasso da ética como ciência independente. Esse fracasso ocorre em virtude da impossibilidade de se resolver o problema do conflito entre o bem e o mal. A tentativa de penetração nesse conflito representa o esforço do ser humano de se apropriar de algo (o conhecimento do bem e do mal) que exclusivamente pertence a Deus. Logo, a origem ética coincide com o pecado do primeiro homem. Tanto Barth quanto Bonhoeffer entendem que a melhor postura do ser humano é a obediência incondicional à vontade de Deus, isenta do conflito ético. Mas ao refletir sobre a vontade de Deus, Bonhoeffer (2005, p. 26) reconhece que esta pode se ocultar profundamente sob muitas possibilidades que aparecem. Novamente aqui, o discernimento da vontade de Deus também não parte do ser humano, pois isso significaria basear-se no próprio saber do bem e do mal. O reconhecimento da vontade de Deus depende exclusivamente da atuação da graça divina na mente humana. Nesse ponto, Bonhoeffer segue basicamente a tradição da Reforma, a saber, a adoção da revelação de Deus (especificamente em Jesus Cristo) como ponto de partida de sua teologia e reflexão ética (WEISSBACH, 1967, p ). Ele recusa começar com quaisquer premissas humanas. Essa posição já estava evidente em sua obra Act and Being: De Deus para a realidade e não da realidade para Deus, este é o caminho da teologia (BONHOE- FFER, 1961, p. 89). Na Ética essa posição também é bastante explícita: É preciso superar o raciocínio que parte dos problemas humanos e que de lá pergunta por soluções; ele não é bíblico. O caminho de Jesus Cristo, e com isso o caminho de todo raciocínio cristão, não vai do mundo a Deus, mas de Deus ao mundo (BONHOEFFER, 2005, p. 198). Na seção intitulada Ética como formação, Bonhoeffer (2005, p. 43) acrescenta mais um motivo para a impossibilidade humana de conhecer o bem e o mal: estamos em meio à perversão, confusão e distorção dos conceitos. Assim, a atitude mais sensata é manter os olhos voltados apenas para a simples verdade de Deus. Tal postura resulta de um comprometimento com o amor de Deus, não um comprometimento com meros princípios. Isso liberta o ser humano do conflito da decisão ética. Nesse caso, fica bem claro que Bonhoeffer (2005, p. 53) considera a ética de princípios como uma ética abstrata. Ao invés dela, ele aponta para a importância de uma ética concreta: A questão não é poder e ter que dizer o que é bom de uma vez para sempre, mas como Cristo ganha forma entre nós hoje e aqui. A tentativa de definir o que seria bom para todos os tempos sempre fracassou por si mesma. Bethge (2000, p. 118) salienta que a ética bonhoefferiana não consiste em um sistema de princípios gerais de aplicação universal, mas em uma formulação histórica. Portanto, a ética difere de acordo com cada nação. Especificamente na Alemanha, ela não pode ser considerada de maneira isolada da experiência da guerra e da revolução. Livre de uma percepção casuística e abstrata, a ética como formação se arrisca a falar do processo pelo qual Jesus Cristo ganha forma no mundo. Mas para entender melhor essa asserção é necessário ter uma compreensão mais clara e concreta de Cristo: Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

69 A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE NA TEOLOGIA DE DIETRICH BONHOEFFER Cristo não é um princípio de acordo com o qual todo o mundo devesse ser estruturado. Cristo não é arauto de um sistema daquilo que fosse bom hoje, aqui e em todos os tempos. Não ensina uma ética abstrata que devesse ser imposta a qualquer preço. [ ] Cristo não amava, como o especialista em ética, uma teoria sobre o bem; amava, isto sim, o ser humano real. Seu interesse não se voltava, como o do filósofo, às coisas de validade universal, mas àquilo que serve ao ser humano real e concreto. [ ] Não se lê que Deus se fez ideia, princípio, programa, validade universal, lei, mas que Deus se fez ser humano (BONHOEFFER, 2005, p. 52). DOSSIÊ Segundo essa compreensão, a ética cristã nunca é abstrata, mas concreta. Cristo toma forma entre nós aqui e agora na esfera de nossas decisões e encontros, na esfera dos problemas concretos, tarefas e responsabilidades (GODSEY, 1960, p. 206). Outra seção importante no pensamento ético de Bonhoeffer é a sua compreensão sobre As últimas e as penúltimas coisas. O cristianismo tradicional costuma dividir a realidade em duas esferas ou compartimentos. Para retratar essa dicotomia são utilizados binômios tais como sobrenatural-natural, sagrado-profano, cristão-secular. Em lugar dessa terminologia, Bonhoeffer prefere adotar o par último-penúltimo. Na sua perspectiva, o uso dos pares tradicionais reflete uma compreensão dicotomizada do mundo que resulta em duas possibilidades extremas: conflito ou autonomia entre eles. Ele prefere o par último-penúltimo porque esses termos estabelecem uma relação adequada desses dois elementos da realidade. Não há o extremo do conflito nem da autonomia. O penúltimo só é penúltimo por causa da existência do último. É dele que o penúltimo ganha consistência (BONHOEFFER, 2005, p. 75). Logo, Bonhoeffer atribui ao penúltimo, isto é, ao mundo, ao ser humano, às realidades terrestres, uma consistência que tem seu fundamento e sua justificação apenas no último (MONDIN, 1987, p. 181). As três seções analisadas até aqui fornecem alguns elementos básicos para a construção da ética da responsabilidade bonhoefferiana. Dentre eles pode-se destacar: (1) o ponto de partida teológico da revelação divina e não da racionalidade humana ( O amor de Deus e a decadência do mundo ); (2) a ênfase em uma ética concreta que tenha direta relação com a realidade histórica ( Ética como formação ); e (3) a compreensão não dicotomizada da realidade, conforme a estrutura de pensamento de ( As últimas e as penúltimas coisas ). 69 Na seção Cristo, a realidade e o bem, esses elementos são retomados e recebem contornos adicionais. Bonhoeffer afirma a inadequação das perguntas Como tornarei bom? e Como farei algo bom?, que normalmente levam alguém a se ocupar com os problemas éticos. A real pergunta que precisa ser feita é a pergunta pela vontade divina. Essa asserção se sustenta por dois motivos. Primeiramente, mais importante que melhorar a situação do mundo ou tornar-me bom é a busca por manifestar a realidade de Deus em toda parte como realidade última, pois o problema da ética cristã é a concretização da realidade reveladora de Deus em Cristo entre suas criaturas (BONHOEFFER, 2005, p. 108). Além disso, devido à complexidade da realidade concreta, todas as coisas aparecem distorcidas quando não são vistas e entendidas em Deus. É nesse ponto sobre a importância do reconhecimento de Deus como realidade última que Bonhoeffer (2002, p. 110) demonstra que, ao criticar a ética abstrata do idealismo, ele não cai em um utilitarismo empírico-positivista. Ele também critica esta última forma ao asseverar que essa posição Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

70 ADRIANI MILLI RODRIGUES procura eliminar por completo da ética o conceito de normas, por ver nele unicamente a idealização de formas de comportamento de fato existentes e funcionais para a vida: o bem, no fundo, nada mais é do que aquilo que é funcional, útil e serve à realidade. [ ] não há um bem de validade universal, mas só um bem infinitamente variado, determinado sempre a partir da realidade. Enquanto a vantagem da posição empírico-positivista em relação à concepção idealista está na indiscutível proximidade maior da realidade, ela apresenta a deficiência de renunciar a qualquer fundamento da realidade última de Deus, estabelecendo uma total dependência ética do momento, do acaso e da utilidade momentânea, por não reconhecer esta realidade (BONHOEFFER, 2002, p. 110). Moltmann (1967, p. 67) entende que a busca da superação do idealismo e do empirismo positivista constitui o principal alvo da Ética de Bonhoeffer: Em sua doutrina da realidade, Bonhoeffer esforça-se para encontrar uma penetração além do que deveria ser e o que é, além do idealismo e positivismo, além de uma ética de normas e uma ética social, além da lei natural e a doutrina positivista da lei. 70 A estrutura da ética da responsabilidade A estrutura básica da ética da responsabilidade de Bonhoeffer se encontra na seção A história e o bem da Ética. Green (1999, p. 311) salienta que, nesse capítulo, as referências ao contexto político claramente saltam das páginas. No prefácio da sexta edição (1962) Bethge declara que esse capítulo foi escrito no auge das atividades conspirativas de Bonhoeffer. Há aqui uma direta relação entre fazer a vontade de Deus e o plano da conspiração e do tiranicídio. Além disso, para Pangritz (2000, p. 62), este capítulo foi de certo modo influenciado pela leitura de Barth, particularmente o volume II/2 da Church Dogmatics, que continha algumas seções sobre ética. Bonhoeffer (2005, p. 120) inicia este texto reafirmando que não se deve indagar pelo bem em si, mas pelo que ele é nas circunstâncias da vida. Portanto, a pergunta pelo bem é formulada e respondida em meio a situações definidas e ao mesmo tempo inacabadas da nossa vida, únicas e ao mesmo tempo transitórias, em meio a ligações vivas com pessoas, coisas, instituições, poderes. Ele também reafirma a superação da abstração de uma ética idealista: Já superamos [ ] uma abstração que domina ainda boa parte da reflexão ética: a abstração do indivíduo isolado que deve decidir, de acordo com um parâmetro absoluto de um bem em si, constante e exclusivamente entre este bem claramente reconhecido e o mal reconhecido com igual clareza. Não existe indivíduo isolado, tampouco temos à nossa disposição aquele parâmetro absoluto de um bem em si, e, finalmente, nem o bem, nem o mal se manifestam em suas formas puras na história (BONHOEFFER, 2005, p. 120). A principal fraqueza da ética abstrata idealista consiste em seu formato metafísico que não se relaciona essencialmente com a vida. Por isso, Bonhoeffer procura delinear sua noção ética em conexão com a estrutura da vida responsável. Essa estrutura é composta por dois pilares principais: 1) a vinculação da vida ao semelhante e a Deus; 2) a liberdade da própria vida. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

71 A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE NA TEOLOGIA DE DIETRICH BONHOEFFER A vinculação da vida ao semelhante e a Deus A primeira maneira de vincular a vida ao semelhante e a Deus se dá através da representação. Existem muitos exemplos de pessoas que agem em lugar dos outros na sociedade, que ilustram a responsabilidade que se baseia na representação. Um pai, por exemplo, age em lugar de seus filhos. Ele trabalha, cuida, defende, luta e sofre por eles. Ele assume o lugar deles, pois não é um indivíduo isolado, mas que reúne em si o eu de várias pessoas. Qualquer tentativa de viver como se sozinho estivesse, é uma negação do caráter fatual de sua responsabilidade (BONHOEFFER, 2005, p. 125). A ação representativa também envolve ação responsável de pessoas para com suas comunidades e nações. Green (1999, p. 314) entende que isso inclui Dietrich Bonhoeffer (e os membros de sua família e colegas no movimento de resistência) agindo em responsabilidade para com a Alemanha. Em realidade, ninguém pode se esquivar totalmente da responsabilidade da representatividade. Jesus, enquanto Filho de Deus que se tornou ser humano, viveu de forma representativa por todos nós. Destarte, toda a sua vida, ação e morte foi representação. Nele se cumpre o que os seres humanos deviam viver, fazer e sofrer. Dessa forma, a representação e, por conseguinte, responsabilidade, só existem na dedicação integral da própria vida ao semelhante. Só o abnegado vive responsavelmente (BONHOEFFER, 2005, p. 126). A segunda forma de vincular a vida ao semelhante e a Deus ocorre através da conformidade com a realidade. Aqui Bonhoeffer retoma sua noção de realidade concreta. O comportamento de um indivíduo responsável surge em uma situação concreta, ele não está definido por um princípio universal de uma definição apriorística. É por isso que uma pessoa responsável não impõe à realidade uma lei alienígena. Novamente Jesus Cristo é modelo, agora para a conformidade com a realidade: DOSSIÊ 71 Jesus Cristo não se defronta com a realidade como alguém alheio a ela. É ele somente que carregou e experimentou no próprio corpo a essência da realidade, que falou a partir do real como nenhum outro ser humano na terra, o único que não sucumbiu a uma ideologia (BONHOEFFER, 2005, p. 128). A liberdade da própria vida Embora estabeleça o ponto de partida de sua teologia na revelação de Deus, Bonhoeffer não deixa de reconhecer a importância do conhecimento humano. Antes, ele introduz critérios que servem como verificação sobre o que é tomado pelo ser humano como a vontade de Deus. Aqui se insere a questão do autoexame da vida e da ação (HOLBROOK, 1969, p. 37). Bonhoeffer (2005, p. 130) relaciona algumas atividades racionais do ser humano que são importantes nessa questão: É preciso observar, ponderar, avaliar e decidir na situação concreta, mas tudo isso deve ser feito dentro do reconhecimento dos limites do conhecimento humano. Portanto, apesar da importância do autoexame ele não gera um resultado definitivo ou estabelecido. A ação responsável não deixa de ser um risco. Mas além da necessidade de correr o risco de olhar para o futuro próximo, é preciso também considerar com seriedade as consequências da ação, e examinar os próprios motivos do coração. Apesar da ação responsável ser arriscada, ela não pode ocorrer cegamente. Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

72 ADRIANI MILLI RODRIGUES Talvez o ponto que seja mais comentado por Bonhoeffer acerca da ação responsável é o risco assumido pela decisão concreta. O risco está presente porque o indivíduo responsável desconhece o bem e o mal, dependendo totalmente da graça. Quem age com base numa ideologia vê sua justificação na ideia que defende; a pessoa responsável coloca sua ação nas mãos de Deus e vive de sua graça e bondade (BONHOEFFER, 2005, p. 131). Ele também enfatiza a existência de casos extremos que confrontam o ser humano com a questão do último recurso, que, por sua vez, está além das leis da razão. É uma ação irracional. Essa necessidade extraordinária apela à liberdade das pessoas responsáveis. Neste sentido, é necessário assumir o livre risco, entregando a própria decisão e ação à condução divina da história (BONHOEFFER, 2005, p. 133). Bonhoeffer complementa dizendo que essa ação não deve ser julgada, pois o juízo cabe a Deus e ninguém pode julgar as ações do outro. Ali onde a observância da lei formal dum Estado, duma empresa, duma família ou duma descoberta científica [ ] se choca com as necessidades básicas dos seres humanos, a ação responsável e objetiva sai do âmbito dos princípios e leis, do normal, do comum, para a situação excepcional de necessidades últimas, situação essa que não pode mais ser regulamentada por leis (BONHOEFFER, 2005, p. 133). 72 A partir de sua forte compreensão cristológica, Bonhoeffer também considera que o risco assumido pela decisão concreta da ação responsável inclui a disposição para se assumir a culpa. Jesus, por exemplo, na qualidade de quem age responsavelmente na existência histórica humana, entra na culpa dos seres humanos e a assume (BONHOEFFER, 2002, p. 134). O desconhecimento do bem e do mal, a disposição de se assumir a culpa estão diretamente ligados à noção de que a ação responsável não pode ser justificada ou necessariamente aprovada. Não há cobertura por parte de princípios, circunstâncias e seres humanos. Em realidade, a ação responsável ocorre na liberdade do próprio eu. Destarte, a maior prova de sua liberdade está no fato de que nada pode defendê-lo, a não ser o seu próprio ato livre. Portanto, a ação responsável acontece totalmente no âmbito total da relatividade, na penumbra que a situação histórica espalha sobre bem e mal (BONHOEFFER, 2005, p. 139). A ação responsável é [ ] uma aventura livre, sem justificação por lei alguma [ ] na renúncia a seu conhecimento último e válido de bem e mal. O bem, na qualidade daquilo que é responsável, acontece no descobrimento do bem, na entrega da ação necessária, e mesmo assim (ou justamente assim!) livre, a Deus, que vê o coração, pesa o ato e guia a história (BONHOEFFER, 2005, p. 139). Tais conceitos parecem colocar a ética da responsabilidade em uma total subjetividade e relatividade. Todavia, algumas qualificações são necessárias aqui. Primeiramente, não se pode confundir as tendências naturais com o chamado concreto de Jesus para a ação responsável. Há certa dificuldade ou impossibilidade de avaliar essa questão em um caso concreto. Novamente, é importante ter em mente alguns parâmetros de autoexame, mas com o reconhecimento de que eles não conduzem a uma plena certeza nesse sentido. Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

73 A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE NA TEOLOGIA DE DIETRICH BONHOEFFER É preciso diferenciar a ação responsável de uma ação entusiástica, ou a limitação da responsabilidade com a insegurança pessoal (BONHOEFFER, 2005, p. 144). Além disso, há uma aproximação entre obediência e liberdade, para que não fique a impressão de que responsabilidade seja necessariamente sinônimo de desobediência às leis estabelecidas no mundo. Para Bonhoeffer (2005, p. 140), a obediência sem liberdade é escravidão, liberdade sem obediência é arbitrariedade. A obediência disciplina a liberdade, a liberdade enobrece a obediência. Assim, a ação responsável carrega em si uma tensão, pois nela ocorrem tanto a obediência quanto a liberdade. Qualquer autonomia de uma contra a outra seria o fim da responsabilidade. Ação responsável é, ao mesmo tempo, comprometida e criativa. DOSSIÊ Considerações finais Uma análise mais profunda da ética da responsabilidade bonhoefferiana extrapola o escopo deste artigo, que se limita a um estudo essencialmente descritivo. No entanto, os pressupostos e implicações básicos desta ética podem ser brevemente delineados, servindo como sugestão para estudos posteriores. De maneira geral, a ética da responsabilidade exposta por Bonhoeffer mescla conceitos teológicos com situações históricas do nazismo alemão no contexto da Segunda Guerra Mundial. É provável que a realidade do nazismo provocou em Bonhoeffer uma profunda reflexão ética que exigia uma atitude prática de responsabilidade (reação ao nazismo) e também uma fundamentação conceitual dessa atitude (embasamento teológico). No que diz respeito à fundamentação conceitual, Bonhoeffer rechaçou o tradicional embasamento filosófico para a ética, constituído de princípios metafísicos absolutos. Tais princípios possuem dois problemas básicos: 1) eles se originam na racionalidade humana; 2) por serem abstratos e absolutos, eles não se adaptam à dinâmica da realidade histórica concreta. Nesse sentido, Bonhoeffer adianta parte da crítica pós-moderna à ética metafísica. Como novo fundamento para a ética, o teólogo alemão propõe a revelação de Deus, que não indica princípios abstratos, mas atitudes específicas de acordo com o contexto histórico. Como resultado, criam-se possibilidades para que sua conspiração contra o nazismo possa ser teologicamente legitimada. O fato de que as ações de Bonhoeffer se deram no contexto extremo de guerra e genocídio faz com que nosso julgamento de suas decisões éticas seja bastante cauteloso. Todavia, em termos de fundamentação teológica, existem pontos positivos e negativos que podem ser ressaltados. Positivamente, Bonhoeffer propõe a revelação de Deus como fonte para as noções de bem e mal, ao invés da racionalidade humana (embasamento ético via metafísica). Contudo, seguindo a noção barthiana, o teólogo alemão não entende a revelação divina no sentido proposicional, isto é, em termos de informações comunicadas por Deus registradas nas Escrituras. Desse modo, Bohoeffer equivocadamente conclui que a revelação divina não comunica princípios éticos gerais. Antes, sua noção de revelação é entendida cristologicamente: Cristo é a única forma de revelação divina. É por isso que a cristologia é o pano de fundo de toda a sua discussão ética. Em última instância, uma ética da responsabilidade baseada na revelação de Deus unicamente em Cristo envolve apenas uma imitação ou seguimento do exemplo de Cristo (ironicamente, Cristo só é conhecido através das informações contidas nas Escritu- 73 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

74 ADRIANI MILLI RODRIGUES ras), com a confiança de que Deus está guiando a mente do crente em todo esse processo. A implicação básica desse tipo de fundamentação para uma ética da responsabilidade é a de que existem poucos critérios para nortear as decisões e ações éticas. Desse modo, a subjetividade e o relativismo ético parecem inevitáveis. De fato, embora Bonhoeffer tenha corretamente indicado a revelação divina como fundamento para a ética, ele acabou distorcendo e reduzindo esse fundamento, ao desconsiderar os importantes e ricos conceitos registrados nas Escrituras que certamente podem embasar a ética da responsabilidade. Referências bibliográficas BETHGE, E. Dietrich Bonhoeffer: a biography. Minneapolis: Fortress, BONHOEFFER, D. Act and being. New York: Harper & Row, Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, Ética. São Leopoldo: Sinodal, Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal, GIBELLINI, R. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, GODSEY, J. D. The theology of Dietrich Bonhoeffer. London: SCM, GREEN, C. J. Bonhoeffer: a theology of sociality. Grand Rapids: Eerdmans, HOLBROOK, C. A. The problem of authority in christian ethics. Journal of the american academy of religion, Oxford University Press, v. 37, n. 1, HUBER, W. Toward an ethics of responsibility. The journal of religion, University of Chicago Press, v. 73, n. 4, MOLTMANN, J. The Lordship of Christ and Human Society. In: Two studies in the theology of Bonhoeffer. New York: Charles Scribner s Sons, MONDIN, B. Os grandes teólogos do século vinte: os teólogos protestantes e ortodoxos. São Paulo: Paulinas, PANGRITZ, A. Karl Barth in the theology of Dietrich Bonhoeffer. Grand Rapids: Eerdmans, VELASQUES FILHO, P. Uma ética para nossos dias: origem e evolução do pensamento ético de Dietrich Bonhoeffer. São Bernardo do Campo: Editeo, WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, WEISSBACH, J. Christology and ethics. In: Two studies in the theology of Bonhoeffer. New York: Charles Scribner s Sons, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

75 A ética dos interesses em Dale Carnegie Glauber Souza Araújo 1 Resumo: O presente artigo pretende fazer uma análise da obra de Dale Carnegie, tendo em mente a ética dos interesses. Uma breve revisão histórica do mercado é apresentada mostrando as mudanças que ocorreram no campo da ética e suas motivações. Diante do novo paradigma, a obra Como fazer amigos e influenciar pessoas é analisada mostrando a ética motora das ideias ali encontradas. Palavras-chave: Ética; Interesses; Dale Carnegie; Mercado The ethic of interest in Dale Carnegie Abstract: This article seeks to present an analisis of Dale Carnegie s work, having in mind the ethic of interests. A brief historical review of the market history is presented showing the changed that occured over time in the field of ethics and its motivations. Through this shift of paradigms, How to make friends and influence people is analized showing it s underlining ethic and motivation. Keywords: Ethics; Interests; Dale Carnegie; Market Durante a Idade Média, acreditava-se que o homem possuía três paixões ou pecados principais: a ânsia pelo dinheiro, o desejo sexual e a busca pelo poder. Tais paixões eram consideradas como vis e deveriam ser abolidas da natureza humana. Qualquer ética deveria ser utilizada para eliminar tais paixões. Qualquer trabalho ou comércio deveria ser desenvolvido com amor ao próximo. Tal atitude deveria render glória a Deus e não produzir benefícios para a carne (WEBER, 2000, p. 75). Essa ética seria, durante os séculos XVI e XVII, mudada de uma forma que a sociedade e a economia nunca antes haviam visto. Com o crescimento do mercado e o surgimento do capitalismo, novas ideias, paradigmas precisavam ser promovidos. A sociedade, até então, se encontrava regida por ideias religiosas centradas na igreja, nas quais eram banidos o individualismo, a tecnologia e novos pensamentos, como o pluralismo de universos. Mudanças na ética da economia e mercado Para que essa nova fase de mercado se concretizasse, alguns pressupostos fundamentais deveriam ocorrer: 1) a centralidade do indivíduo; 2) a afirmação do secular e da autonomia das realidades temporais; 3) a pluralidade de universos; 4) a ideologia, com pretensão de explicação e legitimação universal; 5) a realimentação mútua entre ciência e tecnologia; 6) o uso da matemática como linguagem comum entre as diferentes ciências; e 7) uma concepção de história aberta e dinâmica (LIMA, 2001, p ). 1 Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Professor de Estudos em Religião no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). glauber.araujo@unasp.edu.br

76 GLAUBER SOUZA ARAÚJO Até então, a centralidade da ética se encontrava na comunidade ; mas esta, passou a ser individualista. Um dos fatores que contribuiu para a transição ao individualismo foi o protestantismo. A doutrina protestante da justificação pela fé realçava o papel individual da salvação: Todo homem tinha que indagar a si mesmo se seus atos se originavam de um coração puro e da fé em Deus; todo homem tinha que se julgar a si próprio (HUNT, 1981, p. 52). A sociedade como um todo passou a se preocupar com seus próprios interesses, sonhos, preocupações e destinos. Cada um era responsável pelo que lhe acontecia. A economia capitalista se aproveitou dessa nova ética para propulsionar seu crescimento. A economia de mercado capitalista, que se estava ampliando significativamente em áreas muito importantes da produção e do comércio, precisava de um comportamento baseado na iniciativa individual, aquisitivo, para funcionar bem. Neste contexto, começaram a aparecer novas teorias sobre o comportamento humano. Autores começaram a afirmar que os motivos pessoais e egoístas eram os motivos básicos quando não os únicos que le,vavam o homem a agir (HUNT, 1981, p. 50). 76 Entre esses autores, se encontra Thomas Hobbes, criador da obra Leviathan. Ele acreditava que os motivos de todas as pessoas até mesmo a compaixão eram meramente diversos tipos de autointeresse disfarçado (HUNT, 1981, p. 50). Alguns poderiam levantar a tese de que houve um abandono da religião para que tal fenômeno acontecesse, mas a história mostra exatamente o contrário. Quando o empresário de Genebra, Amsterdã ou Londres, dos séculos XVI e XVII, olhava para o íntimo de seu coração, verificava que Deus lhe tinha incutido um profundo respeito pelo princípio da propriedade privada [ ]. Estes homens achavam sincera e decididamente que suas práticas econômicas, embora pudessem entrar em conflito com a lei tradicional da antiga igreja, não ofendiam a Deus. Pelo contrário, glorificavam-no (HUNT,1981, p. 52). O ser humano não era mais visto como um ser que deveria ser mudado, transformado, mas alguém cujas paixões poderiam ser utilizadas para o crescimento da sociedade As paixões são fogo celeste que vivifica o mundo moral, são a causa das descobertas na ciências e nas artes e é por elas que a alma se eleva. Se também são causa de vícios e muitas chagas, isto de modo algum dá direito aos moralistas de condená-las e considerá-las loucura. A virtude e a sabedoria iluminada são resultados muito belos de tal loucura (LIMA, 2001, p. 193). Atos bons e dignos de louvor também eram entendidos como movidos pelo interesse próprio. Um exemplo seria a da abolição da escravatura. Sob o regime de escravidão, tais escravos teriam apenas um interesse: comer o mais que pudesse e trabalhar o mínimo possível. Se estes se tornassem livres, teriam que adquirir propriedades, segurança e trabalho. Este novo regime colaboraria com o sistema de trabalho e mercado (HUNT, 1981, p. 67). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

77 A ÉTICA DOS INTERESSES EM DALE CARNEGIE Em resumo, os interesses, ambições e paixões que antes eram tidos como pecaminosos e vis, eram tidos agora como vantajosos. Hirschman (1979, p ). mostra que uma percepção antropológica dos interesses e paixões pode levar a três propostas: 1) coerção: reprimir as manifestações e consequências mais perigosas das paixões; 2) mobilização das paixões: transformá- -las para benefício público; 3) contraposição de paixões: controlar uma paixão usando outra. Muitos se convenceram de que era impossível controlar as paixões destrutivas inerentes à natureza humana pela exortação moral ou ameaça de condenação eterna. Ao invés de reprimir, passaram a mobilizar as paixões. Paixões menos pecaminosas e moralmente mais toleráveis deveriam se sobrepor às paixões mais perigosas e avassaladoras. O interesse, a ambição, a avareza, o orgulho e outras paixões contrabalançariam, no ser humano e na nação, a força da preguiça e da inércia. É o que Hirschman chamou de princípio da paixão equivalente contrária. Assim, o interesse, o amor, ao ganho, o desejo de obter vantagem econômica tornaram-se paixões razoáveis. O mundo governado pelo interesse teria constância e previsibilidade (LIMA, 2001, p ). Tais paixões são os verdadeiros contrapesos das paixões; não procuremos destruí-las, mas esforcemo-nos por dirigi-las: compensemos aquelas que são prejudiciais por aquelas que são úteis à sociedade (HIRSCHMAN, 1979, p. 33). Nas palavras de David Hume: Nada pode retardar ou opor-se ao impulso da paixão, a não ser um impulso contrário (HUME, 2001, p. 266). A essa altura do desenvolvimento capitalista, ainda havia paixões que podiam ser consideradas como ofensivas: Contentemo-nos em afirmar que num estado, dois vícios opostos podem ser mais vantajosos que qualquer um deles isoladamente; porém, nunca declaremos ser vantajoso o vício em si (HIRSCHMAN, 1979, p. 32). Mais adiante, Hirschman (1979, p. 44) mostra que a mera ocupação de ganhar dinheiro, antes tida como vil passou a usar o rótulo de interesses e, assim disfarçada, reentrou na competição com as outras paixões, foi inesperadamente aclamada e recebeu mesmo a tarefa de refrear aquelas paixões que por muito tempo haviam sido consideradas bem menos repreensíveis. Assim sendo, as atividades relacionadas ao ganho de dinheiro passaram a carregar uma conotação positiva e curativa. Nessa nova fase, não há um aniquilamento da razão, como o mostra D Holbach (2006, p. 216): As paixões são os verdadeiros contrapesos das paixões; não procuremos destruí-las, mas esforcemo-nos por dirigi-las: compensemos aquelas que são prejudicadas por aquelas que são úteis à sociedade. A razão [ ] não é senão o ato de escolher aquelas paixões que devemos seguir em favor de nossa própria felicidade. Dessa forma, houve uma transformação na compreensão do termo interesse, permitindo desejos como avareza ou ambição, anteriormente rotulados com uma conotação negativa, se tornassem socialmente aceitos, possuindo coloração neutra. Paixões e desejos classificados como interesse suscitavam bem menos oposição e resistência do que se tivessem a classificação de avareza. Isso favoreceu a elaboração e acolhida do novo paradigma moral (LIMA, 2001, p. 194). Para exemplificar esta compreensão de contraposição de paixões, encontramos a proposta de reeleição por Hamilton (2001, p ) em seu O federalista: DOSSIÊ 77 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

78 GLAUBER SOUZA ARAÚJO Um homem avarento, que acontecesse estar ocupando o cargo, ao considerar o momento quando deve renunciar aos emolumentos que recebe, sentiria uma propensão, difícil de resistir, a fazer o melhor uso possível da oportunidade enquanto ela existisse, e poderia não ter escrúpulos em recorrer aos expedientes mais corruptos para fazer da colheita a mais abundante, por ser transitória; embora o mesmo homem, provavelmente, tendo diante de si uma perspectiva diferente, pudesse contentar-se com as regalias normais de sua situação, e pudesse até mesmo não se mostrar disposto a arriscar as consequências de um abuso das suas oportunidades. [ ] Junte-se a isso o fato de que o mesmo homem podia ser vaidoso ou ambicioso, alem de avaro. E se ele pudesse esperar prolongar suas honras através de sua boa conduta, poderia hesitar em sacrificar seu apetite por elas ao seu apetite pelo ganho. Porém, tendo diante de si a perspectiva de estar se aproximando de uma aniquilação inevitável, era provável que, sua avareza conseguisse triunfar sobre sua cautela, sua vaidade ou sua ambição. Essa nova ética não deveria ser empregada apenas em nível pessoal, mas pelo próprio governo. As nações mais prósperas e poderosas são aquelas em que os legisladores tiveram a sabedoria de combinar o interesse do indivíduo com a utilidade social. É ao conhecimento da força do amor por si que as nações devem a maior parte das vantagens de que desfrutam. A sabedoria está em unir o interesse privado à virtude pública (LIMA, 2001, p. 193). 78 Em Rohan, encontramos a cérebre frase: Os príncipes comandam o povo, e os interesses comandam os príncipes 2 (apud HIRSCHMAN, 1979, p. 35, tradução livre). Ao tratar dos interesses de estado, Rohan afirma que não se deve ser guiado por apetites desordenados, que fazem com que frequentemente assumamos tarefas acima de nossas forças; nem por paixões violentas, que nos agitam em várias direções logo que nos possuem; [ ] mas por nosso próprio interesse guiado apenas pela razão, que deve ser a norma de nossas ações (apud HIRSCHMAN, 1979, p. 39, tradução livre). Nesse novo contexto, interesses passa a obter um significado racional, enquanto que paixões representa aquilo que é passional na natureza humana. Interesse, dessa forma, acaba assumindo uma posição moralmente contrária à paixão. Ele também deixa de apenas contrabalancear as paixões, e passa a domá-las. Promotores da nova ética Entre os que promoviam esta nova ética, Dudley North ( ) talvez tenha sido o primeiro porta-voz da ética individualista. Ele entendia que todos os seres humanos eram motivados primordialmente pelo interesse próprio. Dessa forma, deveriam ter liberdade para 2 Les princes commandent aux peuples, et l intérêt commande aux princês Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

79 A ÉTICA DOS INTERESSES EM DALE CARNEGIE competir por si sós num mercado livre, para que o bem-estar público fosse maximizado. O bem-estar público seria mais bem atendido, na opinião de North, se quase todas as leis restritivas que concediam privilégios especiais fossem inteiramente abolidas (HUNT, 1981, p. 53). Bernard Mandeville, em The fable of the bees: or private vices, publick benefits, também foi um propagandista desta nova ética, procurando demonstrar o paradoxo aparentemente estranho de que os vícios mais desprezados pelo antigo código moral, se praticados por todos, resultariam em maior proveito para o público (HUNT, 1981, p ). Mandeville procura ilustrar essa nova ética mostrando que se uma nação quisesse ser virtuosa, seria necessário que as pessoas se contentassem em ser pobres e endurecidas no trabalho. Se eles quisessem viver na comodidade, gozar dos prazeres da vida e formar uma nação opulenta, poderosa, florescente e guerreira, deveriam abandonar as qualidades consideradas virtuosas. A virtude privada conduz à ruína da sociedade. Desfrutar os confortos da vida, ser famoso na guerra e ainda viver comodamente, sem grandes vícios, é uma vã utopia radicada no cérebro. A fraude, o luxo e o orgulho deveriam existir para que pudessem receber seus benefícios. Ele propõe em sua obra a ideia de que somente do mal, do vício, vem o bem, que é o benefício público (LIMA, 2011, p. 189). Sobre os benefícios públicos, Smith acreditava que o coletivo de interesses próprios se resolveriam através de uma mão invisível transformando interesses particulares em benefícios públicos: DOSSIÊ Ao dirigir essa indústria de tal forma a que seu produto atinja o maior valor, ele tem em mente apenas seu próprio ganho; neste como em muitos outros casos, ele está guiado por uma mão invisível para promover um fim que não era parte de sua intenção. Nem sempre é pior para a sociedade que tal intenção dele não faça parte. Perseguindo seu próprio interesse, ele frequentemente promove aquele da sociedade mais efetivamente do que quando de fato intenta fazê-lo (SMITH, 1996, p. 126). 79 Mandeville afirma que apenas líderes tolos desejariam um sistema honesto, sem luxo, orgulho e fraude, pois é exatamente isto que move a economia: Mas o que neste mundo chamamos mal [ ] é o grande princípio que nos torna criaturas sociais, a base sólida, a vida e o suporte de todos os comércios e empregos sem exceção (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 150). Além de Mandeville, pensadores como Hobbes, Spinoza, Rousseau, Helvétius e Giambattista Vico passaram a estudar o ser humano, não como ele deveria ser, mas como ele realmente é. A renascença deixou a convicção de que a religião ou a filosofia não eram suficientes para controlar as paixões destrutivas do ser humano. Tal insatisfação se nota na Scienza nuova de Vico: A filosofia considera o homem como ele deve ser, e é, por isso, útil somente àqueles poucos que desejam viver na República de Platão e não aos que se atiram aos detritos de Rômulo. As leis consideram o homem como ele é e tentam aproveitá-lo na sociedade humana (HIRSCHMAN, 1979, p. 23). Outro personagem fundamental nesta mudança de ética foi Adam Smith. Sua obra Uma investigação sobre as causas da riqueza das nações, de 1776, representa um marco importante na evolução do pensamento econômico. Ele não apresentava ideias totalmente novas, mas fornece Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

80 GLAUBER SOUZA ARAÚJO uma miríade de considerações históricas e farto material empírico que fornecem embasamento à visão geral e enriquecem sobremaneira o tratado. A obra serviu como paradigma teórico no desenvolvimento científico da Economia no século XIX. Pode extrair dela um modelo explicativo básico para o crescimento econômico facilmente resumível (FEIJÓ, 2001, p. 129). Em sua obra, Smith procura, de certa forma, refutar a noção de Mandeville sobre paixão, amor próprio e interesse pessoal. A vontade de fazer algo honroso ou nobre, de obter estima e aprovação não deveriam ser rotulados como vaidade. O apego à fama e à reputação bem fundadas, bem como o desejo de adquirir estima por meio do que é estimável tampouco merecem este nome. Há uma afinidade entre vaidade e amor à glória verdadeira, uma vez que ambas as paixões aspiram a adquirir estima e aprovação. Mas há uma diferença: a segunda é paixão justa, razoável e equitativa, e a primeira é injusta, absurda e ridícula (LIMA, 2001, p ). 80 Assim sendo, Smith é capaz de dar mais um passo no sentido de tornar a proposição atraente e persuasiva: tirou o gume ao chocante paradoxo de Mandeville, substituindo vício e paixão por expressões mais brandas como vantagem ou interesse (HIRSCHMAN, 1979, p. 26). Para Smith, o interesse próprio recebe uma roupagem de libertação. Ele consegue vincular o princípio do interesse ao conceito de liberdade. A partir daqui, novos termos surgem: livre iniciativa (a iniciativa de proprietários dirigidos por seu interesse próprio), livre concorrência (competição entre interesses) e livre mercado (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 153). O interesse assumiu um papel salvífico, entre a paixão destrutiva e a razão ineficaz. A forma híbrida de ação humana resultante foi considerada isenta da destrutividade da paixão e da ineficácia da razão. Não é de surpreender que a doutrina do interesse fosse recebida na época como verdadeira mensagem de salvação (HIRSCHMAN, 1979, p. 46). Ao promoverem a nova ética do interesse próprio, a promessa original, a que sempre se retorna da maneira mais enfática, é a de que o apoio pleno ao interesse próprio gera o mais rápido crescimento econômico e, portanto, a maior produção de riqueza (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989, p. 156). Outro aspecto interessante que podemos encontrar em A riqueza das nações é sua orientação sobre como utilizar o interesse alheio para satisfazer o interesse próprio. Segundo Smith, é apelando ao interesse das pessoas que se satisfaz o interesse próprio: Quem quer que ofereça a outrem uma barganha de qualquer tipo, propõe o seguinte: Dê-me o que eu quero, e você terá o que quer ; eis o significado de cada oferta como esta. E é desta forma que obtemos uns dos outros a maior parte dos bons ofícios de que necessitamos. Não é da benevolência do açougueiro, do fabricante de cerveja ou do padeiro que esperamos nosso alimento, mas de sua preocupação com o interesse próprio. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhes falamos de nossas próprias necessidades, senão de suas vantagens. Só um mendigo opta por depender basicamente da benevolência de seus semelhantes (SMITH, 1996, p. 74). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

81 A ÉTICA DOS INTERESSES EM DALE CARNEGIE Como fazer amigos e influenciar pessoas Uma das obras mais divulgadas atualmente e que promove essa ética dos interesses é o livro publicado por Dale Carnegie ( ) em 1937 sob o título How to win friends and influence people [Como fazer amigos e influenciar pessoas]. A primeira edição saiu com uma tiragem de apenas cinco mil exemplares. No ano de sua morte, dezenove anos depois, cinco milhões de exemplares do livro já haviam sido vendidos. Atualmente o número chega a mais de trinta milhões. Dale nasceu em uma fazenda em Maryville, Missouri, onde viveu até os doze anos. Ele recebeu sua educação no State Teacher s College e se tornou um vendedor bastante habilidoso. Em 1911, largou as vendas e se aventurou a fazer palestras sobre oratória. Dali seu sucesso aumentou, assim como seu salário, chegando a receber quinhentos dólares por semana. Estima-se que tal valor seja equivalente hoje a dez mil dólares por semana. Dale se tornou famoso, não apenas por suas palestras e treinamentos sobre a arte de falar em público, mas também relacionamentos. Em 1955, Dale Carnegie acaba morrendo da doença de Hodgkin (CARNEGIE, 2002, p ). O argumento de Carnegie para se obter sucesso nos negócios, mercado e economia é bastante semelhante ao argumento promovido por Adam Smith. Segundo Carnegie, não é mostrando o seu próprio interesse que se obtém o desejado, mas como os interesses da outra pessoa podem ser satisfeitos se ele agir da forma que se deseja: DOSSIÊ O único meio existente na terra para influenciar uma pessoa é falar sobre o que ela quer e mostrar-lhe como realizar seu intento [ ]. Se, por exemplo, não quiser que o seu filho fume, não lhe pregue sermões e não fale sobre o seu desejo, mostre-lhe, porém, que os cigarros diminuem as suas possibilidades no futebol ou na vitória da corrida de cem metros (CARNEGIE, 2002, p. 78). 81 Até uma doação altruísta para uma organização de caridade acaba sendo motivada por interesses particulares. Se você não se sentisse melhor com tal ação do que com o dinheiro, não o teria dado. Carnegie apresenta uma nova ética, que, como já mostramos, não é nada nova. Para poder satisfazer meus interesses, devo me interessar pelos interesses dos outros. Para ter meus interesses satisfeitos, preciso conhecer os interesses dos outros. Conhecendo-os, poderei utilizá-los para satisfazer os meus. Ser interessado em outras pessoas é uma das mais importantes qualidades de uma pessoa. Descobri [ ] que o indivíduo pode conseguir a atenção, o tempo e a cooperação mesmo das mais eminentes personalidades da América tornando-se verdadeiramente interessado nelas (CARNEGIE, 2002, p. 106). Tal interesse não é puramente desinteressado, pois toda ação emana daquilo que fundamentalmente desejamos [ ] e o melhor conselho que se pode dar às pessoas que têm necessidade de convencer alguém, seja nos negócios, no lar, na escola ou na política, é despertar na outra pessoa um desejo ardente. Aquele que puder conseguir isso terá todo o mundo ao seu lado. Aquele que não o conseguir trilhará um caminho isolado (CARNEGIE, 2002, p. 79). Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 20, n. 3, p , set/dez 2011

82 GLAUBER SOUZA ARAÚJO 82 Considerações finais Para que o sistema capitalista pudesse se desenvolver, uma nova ética se fazia necessária. Negar as paixões naturais ao ser humano deixou de ser o paradigma reinante e uma nova fase passou a imperar. As paixões e interesses do ser humano, que eram antes tidas como prejudiciais, tornaram-se essenciais ao desenvolvimento da sociedade. Esta deveria utilizá-los para que ela, como resultado, obtivesse seus benefícios. O ser humano se tornou previsível, como que regido por leis invisíveis. Tal previsibilidade ajudaria o desenvolvimento individual, como também coletivo Com isto em mente, Como fazer amigos e influenciar pessoas foi analisado à luz da ética dos interesses. Carnegie destaca que o caminho mais eficaz para realização de qualquer objetivo não está em convencer o outro da relevância do projeto, mas sim que de que tal realização será benéfica no atendimento dos interesses particulares de quem a efetivará. Portanto, não é na apresentação de nossos próprios interesses que estes serão atendidos, e sim mostrando como a realização de algo atenderá aos interesses de quem a está realizando. O ser humano não é movido por aquilo que é eticamente correto e sim, por aquilo que atende aos seus próprios interesses. Assim fazendo, ele assegura seu próprio desenvolvimento, crescimento e sucesso. O segredo se encontra em conhecer o interesse alheio. Conforme Owen D. Young afirma: o homem que pode colocar-se no lugar de outros homens, que pode compreender as maquinações dos seus cérebros, não precisa ter preocupações acerca do que lhe reserva o futuro (apud CARNEGIE, 2002, p. 92). Referências bibliográficas ASSMAN, H.; HINKELAMMERT F. J. A idolatria do mercado. São Paulo: Editora Vozes, CARNEGIE, D. Como fazer amigos & influenciar pessoas. São Paulo: Editora Nacional, D HOLBACH, B. The system of nature. Teddington: Echo Library, 2006.v. 1. FEIJÓ, R. História do pensamento econômico. São Paulo: Editora Atlas, HAMILTON, A. The Federalist. New York: Modern Library, HIRSCHMAN, A. O. As paixões e os interesses: argumentos políticos a favor do capitalismo antes de seu triunfo. São Paulo: Paz e Terra, HUME, D. A treatise of human nature. New York, NY: Oxford University Press, HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Campus, LIMA, L. C. Teologia de mercado. Bauru, SP: EDUSC, SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Editora Pioneira, Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp

83

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 ISSN: 2236-286X Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão:

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2016 Volume 25 Número 02

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2016 Volume 25 Número 02 Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2016 Volume 25 Número 02 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um

Leia mais

the game of the religous power in the

the game of the religous power in the DOSSIÊ o jogo do poder religioso no cenário sociocultural brasileiro Carlos Flávio Teixeira 1 Resumo: Este ensaio faz uma abordagem não exaustiva acerca do poder e suas relações enquanto fenômeno institucionalizado

Leia mais

Acta Científica Ciências Humanas 1º Semestre de 2007

Acta Científica Ciências Humanas 1º Semestre de 2007 Acta Científica Ciências Humanas 1º Semestre de 2007 REITOR Euler Pereira Bahia PRÓ-REITORA ACADÊMICA Thalita Regina Garcia PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Elnio Freitas DIRETOR GERAL DO CAMPUS-EC José Paulo

Leia mais

Revista de Teologia do Unasp. Volume 8, Número 2, 2º Semestre de 2012

Revista de Teologia do Unasp. Volume 8, Número 2, 2º Semestre de 2012 Revista de Teologia do Unasp Volume 8, Número 2, 2º Semestre de 2012 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Volume 2, Número 1 1 o semestre de 2015 ISSN:

Volume 2, Número 1 1 o semestre de 2015 ISSN: Volume 2, Número 1 1 o semestre de 2015 ISSN: 2237-3756 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2015 Volume 24 Número 2

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2015 Volume 24 Número 2 Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2015 Volume 24 Número 2 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 26 Número 02

Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 26 Número 02 Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 26 Número 02 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

Volume 2, Número 2 Julho - Dezembro de 2015 ISSN:

Volume 2, Número 2 Julho - Dezembro de 2015 ISSN: Volume 2, Número 2 Julho - Dezembro de 2015 ISSN: 2237-3756 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um

Leia mais

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS ISAÍAS

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS ISAÍAS ADOLFO S. SUÁREZ ISAÍAS Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 95 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço

Leia mais

EMENTAS DAS DISCIPLINAS CURSO DE GRADUAÇÃO DE PUBLICIDADE E PROPAGANGA

EMENTAS DAS DISCIPLINAS CURSO DE GRADUAÇÃO DE PUBLICIDADE E PROPAGANGA EMENTAS DAS DISCIPLINAS CURSO DE GRADUAÇÃO DE PUBLICIDADE E PROPAGANGA 1) ASSESSORIA E CONSULTORIA EM COMUNICAÇÃO O mapeamento do campo de atuação em assessoria e consultoria em comunicação, baseado na

Leia mais

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS EZEQUIEL

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS EZEQUIEL ADOLFO S. SUÁREZ EZEQUIEL Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 95 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço

Leia mais

HERMENÊUTICA. revista. Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia

HERMENÊUTICA. revista. Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia HERMENÊUTICA revista Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia FACULDADE ADVENTISTA DA BAHIA http://www.adventista.edu.br Missão do SALT: Formar teólogos, pastores e líderes,

Leia mais

HERMENÊUTICA. revista. Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia

HERMENÊUTICA. revista. Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia HERMENÊUTICA revista Revista Teológica do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia FACULDADE ADVENTISTA DA BAHIA http://www.adventista.edu.br Missão do SALT: Formar teólogos, pastores e líderes,

Leia mais

Redenção Liberdade e Serviço

Redenção Liberdade e Serviço Adolfo S. Suárez Redenção Liberdade e Serviço Ellen G. White e o processo de construção humana Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos

Leia mais

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães

Diretor Presidente: Domingos José de Souza Diretor Administrativo: Élnio Álvares de Freitas Diretor Secretário: Emmanuel Oliveira Guimarães Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus Visão: e à humanidade.

Leia mais

LUMEN EDUCARE VOLUME 2 - NÚMERO 1 - JANEIRO - JUNHO 2016 ISSN: REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT

LUMEN EDUCARE VOLUME 2 - NÚMERO 1 - JANEIRO - JUNHO 2016 ISSN: REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT VOLUME 2 - NÚMERO 1 - JANEIRO - JUNHO 2016 LUMEN EDUCARE REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT ISSN: 2447-5432 Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para

Leia mais

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS ECLESIASTES E CANTARES

ADOLFO S. SUÁREZ PRIMEIRO DEUS ECLESIASTES E CANTARES ADOLFO S. SUÁREZ ECLESIASTES E CANTARES Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 95 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência

Leia mais

NEGÓCIOS. Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 1 Número 2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DISCENTE E GESTÃO CONSTÁBIL-FINANCEIRA

NEGÓCIOS. Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 1 Número 2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DISCENTE E GESTÃO CONSTÁBIL-FINANCEIRA NEGÓCIOS Engenheiro Coelho, SP 2º Semestre de 2017 Volume 1 Número 2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DISCENTE E GESTÃO CONSTÁBIL-FINANCEIRA Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblico-cristãos para o viver pleno e a excelência no servir. Visão: Ser um centro universitário

Leia mais

Renato Stencel (org.) Espírito. Profecia. Orientações para a Igreja Remanescente

Renato Stencel (org.) Espírito. Profecia. Orientações para a Igreja Remanescente Renato Stencel (org.) Espírito de Profecia Orientações para a Igreja Remanescente Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Educar no contexto dos valores bíblicos

Leia mais

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO ESTÁGIO SUPERVISIONADO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO ESTÁGIO SUPERVISIONADO CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO ESTÁGIO SUPERVISIONADO O DOCUMENTÁRIO COMO REGISTRO HISTÓRICO Autoria: Profa. Esp. Diessyka Fernanda Monteiro GOIÂNIA, GO 2016 FACULDADE ASSEMBLEIANA

Leia mais

São Paulo, SP 2º Semestre de 2016 Volume 01 Número 1

São Paulo, SP 2º Semestre de 2016 Volume 01 Número 1 S C I E N T I A B I O L Ó G I C A São Paulo, SP 2º Semestre de 2016 Volume 01 Número 1 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos

Leia mais

LUMEN EDUCARE VOLUME 1 - NÚMERO 1 - JULHO - DEZEMBRO 2015 ISSN: REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT

LUMEN EDUCARE VOLUME 1 - NÚMERO 1 - JULHO - DEZEMBRO 2015 ISSN: REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT VOLUME 1 - NÚMERO 1 - JULHO - DEZEMBRO 2015 LUMEN EDUCARE REVISTA CIENTÍFICA DE EDUCAÇÃO DA FAH/UNASP-HT ISSN: 2447-5432 VOLUME 1 - NÚMERO 1 - JULHO - DEZEMBRO 2015 LUMEN EDUCARE REVISTA CIENTÍFICA DE

Leia mais

Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde. Ementas 2016

Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde. Ementas 2016 Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde Obrigatórias Ementas 2016 Disciplina: Divulgação científica: história, conceitos e modelos O objetivo da disciplina é fazer uma introdução

Leia mais

Linguagem e Ideologia

Linguagem e Ideologia Linguagem e Ideologia Isabela Cristina dos Santos Basaia Graduanda Normal Superior FUPAC E-mail: isabelabasaia@hotmail.com Fone: (32)3372-4059 Data da recepção: 19/08/2009 Data da aprovação: 31/08/2011

Leia mais

Os Sociólogos Clássicos Pt.2

Os Sociólogos Clássicos Pt.2 Os Sociólogos Clássicos Pt.2 Max Weber O conceito de ação social em Weber Karl Marx O materialismo histórico de Marx Teoria Exercícios Max Weber Maximilian Carl Emil Weber (1864 1920) foi um intelectual

Leia mais

Agenealogia dos Estudos Culturais é objeto de dissenso

Agenealogia dos Estudos Culturais é objeto de dissenso Cinqüentenário de um discurso cultural fundador WILLIAMS, R. Culture and society 1780-1950. [Londres, Longman, 1958]. Cultura e sociedade. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1969. Agenealogia dos Estudos

Leia mais

SCIENTIAE BIOLOGICAL RESEARCH

SCIENTIAE BIOLOGICAL RESEARCH Volume 2, Número 1, 1º semestre 2017 ISSN: 2526-169X SCIENTIAE BIOLOGICAL RESEARCH Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores

Leia mais

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO PROJETO INSTITUCIONAL E INTERDISCIPLINAR

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO PROJETO INSTITUCIONAL E INTERDISCIPLINAR CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA COORDENAÇÃO DE CURSO PROJETO INSTITUCIONAL E INTERDISCIPLINAR PROJETO DE ENSINO BIBLIA, LITERATURA E LINGUAGEM: ESTILOS E GÊNEROS LITERÁRIOS NA PERSPECTIVA DE ROBERT ALTER

Leia mais

POLÍTICA INSTITUCIONAL DE ESTÍMULO À PRODUÇÃO INTELECTUAL

POLÍTICA INSTITUCIONAL DE ESTÍMULO À PRODUÇÃO INTELECTUAL CONSEPE 2005-12 de 09/06/2005 CONSU 2011-02 de 24/03/2011 CONSU 2014-13 de 26/06/2014 POLÍTICA INSTITUCIONAL DE ESTÍMULO À PRODUÇÃO INTELECTUAL O processo de produção do conhecimento em todas as suas manifestações,

Leia mais

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA ESCOLA DE EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA ESCOLA DE EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO DISCIPLINA INSTITUCIONAL E OBRIGATÓRIA PARA MESTRANDOS E DOUTORANDOS Epistemologia: Ementa: Construção do conhecimento científico. Diferentes paradigmas de pesquisa em ciências sociais. Delineamento de

Leia mais

Sociologia Jurídica. Apresentação 2.1.b Capitalismo, Estado e Direito

Sociologia Jurídica. Apresentação 2.1.b Capitalismo, Estado e Direito Sociologia Jurídica Apresentação 2.1.b Capitalismo, Estado e Direito O direito na sociedade moderna Fonte: UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito na Sociedade Moderna contribuição à crítica da teoria social.

Leia mais

Produção de conhecimento: uma característica das sociedades humanas

Produção de conhecimento: uma característica das sociedades humanas 1 Produção de conhecimento: uma característica das sociedades humanas Os seres humanos sempre buscaram formas de compreender os fenômenos que ocorrem em seu dia a dia, de modo a procurar soluções para

Leia mais

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915

Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver pleno e para a excelência no servirço a Deus e à humanidade.

Leia mais

MATRIZ CURRICULAR CURRÍCULO PLENO 1.ª SÉRIE

MATRIZ CURRICULAR CURRÍCULO PLENO 1.ª SÉRIE Curso: Graduação: Habilitação: Regime: Duração: COMUNICAÇÃO SOCIAL BACHARELADO PUBLICIDADE E PROPAGANDA SERIADO ANUAL - NOTURNO 4 (QUATRO) ANOS LETIVOS MATRIZ CURRICULAR Integralização: A) TEMPO TOTAL

Leia mais

COMUNICAÇÃO SOCIAL JORNALISMO E MULTIMEIOS

COMUNICAÇÃO SOCIAL JORNALISMO E MULTIMEIOS COMUNICAÇÃO SOCIAL JORNALISMO E MULTIMEIOS 1 Semestre INTRODUÇÃO À COMUNICAÇÃO COM086, 60H EMENTA: Discute a comunicação humana e etapas da sua evolução. Comunicação, linguagem, meios e processos de significação:

Leia mais

I CONGRESSO INTERNACIONAL ONLINE DE ESTUDOS SOBRE CULTURAS

I CONGRESSO INTERNACIONAL ONLINE DE ESTUDOS SOBRE CULTURAS I CONGRESSO INTERNACIONAL ONLINE DE ESTUDOS SOBRE CULTURAS A cultura do ser e o ser da cultura: contextos, formas de produção e desenvolvimento social na América Latina Centro Latino-Americano de Estudos

Leia mais

EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA

EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA A Coordenação Institucional de Iniciação Científica do Centro Universitário FECAP torna público

Leia mais

SOCIOLOGIA 1 ANO PROF. DARIO PINHEIRO PROF. JOSINO MALAGUETA ENSINO MÉDIO

SOCIOLOGIA 1 ANO PROF. DARIO PINHEIRO PROF. JOSINO MALAGUETA ENSINO MÉDIO SOCIOLOGIA 1 ANO PROF. DARIO PINHEIRO PROF. JOSINO MALAGUETA ENSINO MÉDIO CONTEÚDOS E HABILIDADES Unidade II Os clássicos da Sociologia 2 CONTEÚDOS E HABILIDADES Aula 3.2 Conteúdo Max Weber 3 CONTEÚDOS

Leia mais

Ensino Religioso: construção de uma proposta

Ensino Religioso: construção de uma proposta ISSN 1984-3755 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ensino Religioso: construção de uma proposta PASSOS, J. D. Ensino Religioso: construção de uma proposta. São Paulo: Paulinas, 2007. (A) Robson

Leia mais

Roteiro para a leitura do texto

Roteiro para a leitura do texto WEBER, Max - A "objetividade" do conhecimento nas Ciências Sociais In: Max Weber: A objetividade do conhecimento nas ciências sociais São Paulo: Ática, 2006 (: 13-107) Roteiro para a leitura do texto Data

Leia mais

Atividade externa Resenha. MÁTTAR NETO, João Augusto. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, p.

Atividade externa Resenha. MÁTTAR NETO, João Augusto. Metodologia científica na era da informática. São Paulo: Saraiva, p. 1 Universidade de São Paulo ECA Depto. de Biblioteconomia e Documentação Disciplina: CBD0100 - Orientação à Pesquisa Bibliográfica Matutino Responsável: Profa. Dra. Brasilina Passarelli Aluna: Rita de

Leia mais

DISCIPLINA. Requisitos do pesquisador

DISCIPLINA. Requisitos do pesquisador DISCIPLINA Requisitos do pesquisador PAPEL DA UNIVERSIDADE Extensão Serviço à comunidade local Ensino Transmissão do conhecimento científico UNIVERSIDADE Pesquisa Revisão e produção do conhecimento dito

Leia mais

Sete hábitos das pessoas muito eficazes

Sete hábitos das pessoas muito eficazes Sete hábitos das pessoas muito eficazes "Hábito é a intersecção entre o conhecimento, a capacidade e a vontade. O conhecimento é o que e o porquê fazer. A capacidade é o como fazer. E a vontade é a motivação,

Leia mais

PROJETO DE POLÍTICAS E DIRETRIZES PEDAGÓGICAS

PROJETO DE POLÍTICAS E DIRETRIZES PEDAGÓGICAS PROJETO DE POLÍTICAS E DIRETRIZES PEDAGÓGICAS Programa de Educação Tutorial Sistemas de Informação PET-SI 2012 Missão Promover políticas e ações voltadas para a melhoria da graduação, considerando aspectos

Leia mais

HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E PRINCIPAIS ELEMENTOS

HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E PRINCIPAIS ELEMENTOS HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E PRINCIPAIS ELEMENTOS A primeira necessidade? Comunicar-se. COMUNICAÇÃO É o processo que consiste em transmitir e receber uma mensagem, com a finalidade de afetar

Leia mais

Versão A. Grupo I (10 x 3 = 30 pontos) Assinala a alternativa correta

Versão A. Grupo I (10 x 3 = 30 pontos) Assinala a alternativa correta Versão A Grupo I (10 x 3 = 30 Assinala a alternativa correta 1.A filosofia não é uma ciência: a) Porque a filosofia consiste na procura do conhecimento factual. b) Porque os problemas e métodos da filosofia

Leia mais

COMENTÁRIO DA PROVA DE FILOSOFIA. Professores Daniel Hortêncio de Medeiros, Eduardo Emerick e Ricardo Luiz de Mello

COMENTÁRIO DA PROVA DE FILOSOFIA. Professores Daniel Hortêncio de Medeiros, Eduardo Emerick e Ricardo Luiz de Mello COMENTÁRIO DA PROVA DE FILOSOFIA Professores Daniel Hortêncio de Medeiros, Eduardo Emerick e Ricardo Luiz de Mello Excelente prova. Clara, direta, coerente e consistente. Os alunos e alunas prepararam-se

Leia mais

Ementas das Disciplinas CURSO DE ESCRITA CRIATIVA

Ementas das Disciplinas CURSO DE ESCRITA CRIATIVA Ementas das Disciplinas EAD Ensino a Distância SP Semipresencial Formato: 12345-02 (código da disciplina - número de créditos) PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL NÍVEL I 12224-04 FUNDAMENTOS

Leia mais

HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO Hermenêutica e Interpretação não são sinônimos: HERMENÊUTICA: teoria geral da interpretação (métodos, estratégias, instrumentos) INTERPRETAÇÃO: aplicação da teoria geral para

Leia mais

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N DE 10 DE SETEMBRO DE 2007

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N DE 10 DE SETEMBRO DE 2007 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ CONSELHO SUPERIOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO RESOLUÇÃO N. 3.603 DE 10 DE SETEMBRO DE 2007 Homologa o Parecer n. 028/07-CEG, que aprova o Projeto

Leia mais

Metodologia do Trabalho Científico

Metodologia do Trabalho Científico Metodologia do Trabalho Científico Teoria e Prática Científica Antônio Joaquim Severino Grupo de pesquisa: Educação e saúde /enfermagem: políticas, práticas, formação profissional e formação de professores

Leia mais

Max Weber

Max Weber Max Weber - 1864-1920. Considerado o sistematizador da Sociologia na Alemanha Criador da metodologia compreensiva na Sociologia. Desenvolveu estudos no campo do direito, filosofia, história com ênfase

Leia mais

BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU

BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU SOUZA, Erisvaldo¹ Universidade Federal de Goiás Programa de Pós Graduação em Sociologia ¹erisvaldosouza@yahoo.com.br RESUMO Um forte elemento

Leia mais

Civitas Revista de Ciências Sociais

Civitas Revista de Ciências Sociais ISSN 1519-6089 Civitas Revista de Ciências Sociais Volume 2, número 2, dezembro 2002 Democracia, mídia e cultura política Flavio E. Silveira Organizador Sumário Apresentação Democracia, mídia e cultura

Leia mais

TEXTOS SAGRADOS. Noções introdutórias

TEXTOS SAGRADOS. Noções introdutórias TEXTOS SAGRADOS Noções introdutórias A ORIGEM Os Textos Sagrados, via de regra, tiveram uma origem comum: Experiência do sagrado. Oralidade. Pequenos textos. Primeiras redações. Redação definitiva. Organização

Leia mais

Volume 4, Número 2 2 o semestre de 2017 ISSN:

Volume 4, Número 2 2 o semestre de 2017 ISSN: Volume 4, Número 2 2 o semestre de 2017 ISSN: 2237-3756 Centro Universitário Adventista de São Paulo Fundado em 1915 www.unasp.edu.br Missão: Visão: Educar no contexto dos valores bíblicos para um viver

Leia mais

Uma análise da apropriação das TIC s pelo Govern o Federal Autores: Janine Aguiar Park, Miriam Fernanda Maia Fonseca e Raphaela Ferreira Guimarães

Uma análise da apropriação das TIC s pelo Govern o Federal Autores: Janine Aguiar Park, Miriam Fernanda Maia Fonseca e Raphaela Ferreira Guimarães Uma análise da apropriação das TIC s pelo Govern o Federal Autores: Janine Aguiar Park, Miriam Fernanda Maia Fonseca e Raphaela Ferreira Guimarães Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar uma visão

Leia mais

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ Aviso importante! Esta disciplina é uma propriedade intelectual de uso exclusivo e particular do aluno da Saber e Fé, sendo proibida a reprodução total ou parcial deste conteúdo, exceto em breves citações

Leia mais

Tópicos de Pesquisa em Administração

Tópicos de Pesquisa em Administração Tópicos de Pesquisa em Administração Professor LUCIEL HENRIQUE DE OLIVEIRA luciel@uol.com.br Do conhecimento ao saber científico Do conhecimento ao saber científico CERVO e BERVIAN (década 1970) estabelecem

Leia mais

Curso Graduação. Eixo de Formação Eixo de Formação Fundamental. Docente: Prof. Dr. Edson Vieira da Silva Filho

Curso Graduação. Eixo de Formação Eixo de Formação Fundamental. Docente: Prof. Dr. Edson Vieira da Silva Filho Página 1 de 6 Disciplina Curso Graduação DE GRADUACÃO Curso Semestral Código 70 SOCIOLOGIA GERAL E ANTROPOLOGIA Período Turma (s) 2º Período A, B e D Eixo de Formação Eixo de Formação Fundamental Carga

Leia mais

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA PROFESSOR: REINALDO SOUZA Nada de grande se realizou no mundo sem paixão. G. W. F. HEGEL (1770-1831) Século XIX Revolução Industrial (meados do século XVIII) Capitalismo; Inovações

Leia mais

CAROLINA FIGUEIRA PROJETO DA REVISTA CIENTÍFICA: EM DIA COM A MARVEL

CAROLINA FIGUEIRA PROJETO DA REVISTA CIENTÍFICA: EM DIA COM A MARVEL CAROLINA FIGUEIRA PROJETO DA REVISTA CIENTÍFICA: EM DIA COM A MARVEL Florianópolis, 2017 CAROLINA FIGUEIRA PROJETO DA REVISTA CIENTÍFICA: EM DIA COM A MARVEL Projeto de Revista Científica apresentada na

Leia mais

O objectivo da argumentação é estudar as estratégias capazes de tornar os argumentos convincentes.

O objectivo da argumentação é estudar as estratégias capazes de tornar os argumentos convincentes. Francisco Cubal Chama-se argumentação à actividade social, intelectual e discursiva que, utilizando um conjunto de razões bem fundamentadas (argumentos), visa justificar ou refutar uma opinião e obter

Leia mais

Compreensão do Positivismo e Funcionalismo: Linhas epistemológicas que influenciaram o Serviço Social

Compreensão do Positivismo e Funcionalismo: Linhas epistemológicas que influenciaram o Serviço Social 1 - Introdução Este artigo traz as concepções teóricas do positivismo e do funcionalismo e a influência destes para o Serviço Social, ambos são linhas epistemológicas que impulsionaram o Serviço Social

Leia mais

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE

Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACAFE PROCESSO SELETIVO PARA ADMISSÂO DE PROFESSORES EM CARÁTER TEMPORÁRIO 2017 PARECER RECURSOS PROVA 2 ENSINO RELIGIOSO 12) Conforme o disposto no DECRETO

Leia mais

Edital da Revista Acadêmica Arcadas - 2a Edição

Edital da Revista Acadêmica Arcadas - 2a Edição Edital da Revista Acadêmica Arcadas - 2a Edição O Corpo Editorial da Revista Acadêmica Arcadas convida alunos da graduação e acadêmicos de Direito, além de outras áreas das ciências sociais, a submeterem

Leia mais

Manual. Rede SEI EaD - Educação a Distância CETEG. Centro de Ensino Tecnológico de Goiás

Manual. Rede SEI EaD - Educação a Distância CETEG. Centro de Ensino Tecnológico de Goiás Manual Rede SEI EaD - Educação a Distância CETEG Centro de Ensino Tecnológico de Goiás CETEG - Centro de Ensino Tecnológico de Goiás Versão: 12/12/2016 12:23 Table of Contents REDE SEI EAD - EDUCAÇÃO A

Leia mais

PERSPECTIVAS DO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO.

PERSPECTIVAS DO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO. UNIVERSIDADE DO CONTESTADO CANOINHAS I FÓRUM DE PROFESSORES DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DO PLANALTO NORTE CATARINENSE - 2007 PERSPECTIVAS DO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO. Sandro Luiz Bazzanella sandroba@terra.com.br

Leia mais

H003 Compreender a importância de se sentir inserido na cultura escrita, possibilitando usufruir de seus benefícios.

H003 Compreender a importância de se sentir inserido na cultura escrita, possibilitando usufruir de seus benefícios. 2ª Língua Portuguesa 5º Ano E.F. Objeto de Estudo Usos e funções: código oral e código escrito Usos e funções: código oral e código escrito Usos e funções: norma-padrão e variedades linguísticas. Usos

Leia mais

MANUAL DE IDENTIDADE MANUAL DE IDENTIDADE EDIÇÃO VISUAL EDIÇÃO

MANUAL DE IDENTIDADE MANUAL DE IDENTIDADE EDIÇÃO VISUAL EDIÇÃO MANUAL DE IDENTIDADE MANUAL DE VISUAL IDENTIDADE EDIÇÃO 2016 VISUAL EDIÇÃO 2015 ÍNDICE Apresentação 1 3 Missão/Visão/Lema 05 Nosso logo 06 Regras de Uso Restrições Limites de redução Exceções à regra 20

Leia mais

Revista Teológica Brasileira

Revista Teológica Brasileira VOX SCRIPTURAE 16:1 1 VOLUME XVI NÚMERO 1 Maio de 2008 Revista Teológica Brasileira Este periódico está indexado em: ATLA religion Database, publicado pela American Theological Library Association, Evanson,

Leia mais

PROJETO DE REVISTA CIENTÍFICA: REVISTA DO PINGUIM FLORIANÓPOLIS, 2018.

PROJETO DE REVISTA CIENTÍFICA: REVISTA DO PINGUIM FLORIANÓPOLIS, 2018. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO BACHARELADO EM BIBILIOTECONOMIA CIN 7402 EDITORAÇÃO CIENTÍFICA DOCENTE URSULA BLATTMANN ACADÊMICO LUCAS DOS SANTOS FERREIRA PROJETO

Leia mais

TEMA 8 A Importância da Comunicação Excelente

TEMA 8 A Importância da Comunicação Excelente TEMA 8 A Importância da Comunicação Excelente Profa. Helenrose A da S Pedroso Coelho Conteúdo Nesta aula, você estudará: A comunicação excelente nas empresas. A importância da comunicação para a imagem

Leia mais

Ensino Técnico Integrado ao Médio

Ensino Técnico Integrado ao Médio Ensino Técnico Integrado ao Médio FORMAÇÃO GERAL Ensino Médio Etec ETEC de Mairiporã Código: 271 Município: Mairiporã Eixo Tecnológico: Gestão e Negócios Habilitação Profissional: Técnico em Administração

Leia mais

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia

II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia II Simpósio Nacional de Educação em Astronomia 24 a 27 de Julho de 2012 Instituto de Física, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) 1ª Circular e Chamada de Trabalhos O II Simpósio Nacional de Educação

Leia mais

O PAPEL DO ENSINO ESCOLAR E OS CONFLITOS DE IDEOLOGIA

O PAPEL DO ENSINO ESCOLAR E OS CONFLITOS DE IDEOLOGIA O PAPEL DO ENSINO ESCOLAR E OS CONFLITOS DE IDEOLOGIA Guilherme Leite Galvão 1, Letícia Araújo Fernandes 2, Resumo: O objetivo deste artigo é analisar uma notificação extrajudicial, assinada por 128 pais

Leia mais

EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA

EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA EDITAL DE INSCRIÇÃO CHAMADA DE PROJETOS PARA O PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PRÓ-CIÊNCIA A Coordenação Institucional de Iniciação Científica do Centro Universitário FECAP torna público

Leia mais

Versão B. Grupo I (10 x 3 = 30 pontos) Assinala a alternativa correta

Versão B. Grupo I (10 x 3 = 30 pontos) Assinala a alternativa correta Versão B Grupo I (10 x 3 = 30 Assinala a alternativa correta 1.Dizer que a filosofia é uma atividade reflexiva é afirmar que: a) A filosofia é um saber puramente racional. b) A filosofia é um método puramente

Leia mais

UMA REFLEXÃO SOBRE A DEMANDA POR PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO

UMA REFLEXÃO SOBRE A DEMANDA POR PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO (ISBN N. 978-85-98092-14-0) Eixo Temático: (E4 - Formação de professores) UMA REFLEXÃO SOBRE A DEMANDA POR PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO Vinicius dos Santos Oliveira

Leia mais

Habilidades Cognitivas. Prof (a) Responsável: Maria Francisca Vilas Boas Leffer

Habilidades Cognitivas. Prof (a) Responsável: Maria Francisca Vilas Boas Leffer Habilidades Cognitivas Prof (a) Responsável: Maria Francisca Vilas Boas Leffer As competências nas Problematizações das unidades de aprendizagem UNID 2.1 Construindo as competências sob os pilares da educação

Leia mais

Trabalho teológico: A Paróquia sobre a visão da Sociologia. Guido Campos

Trabalho teológico: A Paróquia sobre a visão da Sociologia. Guido Campos Trabalho teológico: A Paróquia sobre a visão da Sociologia. Guido Campos Taubaté SP 2011 O artigo começa demonstrando a importância de uma paróquia voltada para o mundo no sentido de missão, e atenta para

Leia mais

CHAMADA PARA A JORNADA DE EXTENSÃO E CULTURA - PRÊMIO MARIA FILINA

CHAMADA PARA A JORNADA DE EXTENSÃO E CULTURA - PRÊMIO MARIA FILINA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO JORNADA INTEGRADA DE EXTENSÃO E CULTURA CHAMADA PARA A JORNADA DE EXTENSÃO E CULTURA - PRÊMIO MARIA FILINA A Pró-Reitoria de Extensão da

Leia mais

COLÉGIO REFFERENCIAL Absolutamente diferente

COLÉGIO REFFERENCIAL Absolutamente diferente COLÉGIO REFFERENCIAL Absolutamente diferente Aluno (a) Professor (a) RONEY ENSINO MÉDIO 1º ano SOCIOLOGIA CONTÉUDO COMTE DURKHEIM 1. A sociedade do século XIX era marcada por novas formas de produção material

Leia mais

CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIBLIOTECONOMIA LUZINETE RODRIGUES SILVA PROJETO DE REVISTA CIENTÍFICA: VIDA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIBLIOTECONOMIA LUZINETE RODRIGUES SILVA PROJETO DE REVISTA CIENTÍFICA: VIDA CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIBLIOTECONOMIA LUZINETE RODRIGUES SILVA PROJETO DE REVISTA CIENTÍFICA: VIDA Florianópolis, 2018 LUZINETE RODRIGUES SILVA PROJETO DA REVISTA CIENTÍFICA: VIDA Trabalho apresentado

Leia mais