Teoria geral dos contratos, Autonomia da vontade, Liberdade de contratar, Função social do contrato, Fato de terceiro, Teoria do risco da atividade

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1 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 1 / 6 DOS CONTRATOS EM GERAL P A R T E E S P E C I A L LIVRO I DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO V DOS CONTRATOS EM GERAL CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS SEÇÃO I PRELIMINARES Art Conceitos: Teoria geral dos contratos, Autonomia da vontade, Liberdade de contratar, Função social do contrato, Fato de terceiro, Teoria do risco da atividade Classificação dos Contratos

2 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 2 / 6 Autonomia da Vontade, Liberdade de Contratar e Função Social do Contrato Até o advento da Constituição Federal de 1988, complementada pelo Código Civil de 2002, os contratos repousavam de forma absoluta no princípio de que os contratos deveriam ser cumpridos independentemente das situações fáticas que pudessem influir negativamente no adimplemento de suas cláusulas. Tal interpretação apoiava-se na ideia pacta sunta servanda, que vinculava as partes de forma obrigatória ao cumprimento das cláusulas contratuais, tendo por limitação somente as imposições legais. A origem da limitação na liberdade contratual (necessidade de contratar, com quem contratar, o quê contratar, como contratar e quando contratar) decorreu do avanço nas relações sociais, que imprimiram limitações significativas nos interesses individuais quando confrontados com os interesses coletivos e situações políticas geradores de instabilidades sociais. Contrapondo-se à hegemonia da autonomia privada nos contratos (autonomia da vontade), a função social das obrigações (aptidão para gerar contratos que incentivem o desenvolvimento econômico de modo amplo e sustentável) defende que, se a liberdade contratual ofender valores sociais e causar graves desequilíbrios entre os direitos e obrigações das partes, então deve sofrer as limitações necessárias a mitigar esses desequilíbrios, fazendo que, para merecer a tutela jurídica, o interesse do credor deve ser legítimo de acordo com os fatos enfrentados pelo devedor. Artigos no Código Civil de 2002 sobre os Contratos em Geral Art A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Art É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Art Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Recomendação de leitura: CASSETTARI, Christiano. Reflexões sobre a Teoria Geral dos Contratos. Disponível em Consulta em 14/08/ RESUMO: Com o advento no Novo Código Civil surge uma nova teoria geral dos contratos, baseada em princípios importantíssimos para se evitar os excessos que a obrigatoriedade da convenção, ou seja, o pacta sunt servanda, trazia para as relações contratuais. Novos princípios foram introduzidos na teoria geral dos contratos com o advento do Código Civil vigente, que a aproximaram, e muito, do Código de Defesa do Consumidor. Refiro-me aos princípios da função social do contrato e da boa fé objetiva, descritos, respectivamente, nos artigos 421 e 424 da novel legislação.

3 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 3 / 6 Exercício Prático Considere a seguinte sentença, reproduzido do portal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo Digital nº: Classe - Assunto Procedimento Comum - Ato / Negócio Jurídico Requerente: Celso Innocenti Requerido: Aymoré, Crédito, Financiamento e Investimento S/A Juiz(a) de Direito: Dr(a). Cyntia Andraus Carretta Vistos. CELSO INNOCENTI move a presente Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c.c. Reparação de Danos e Obrigação de Fazer com Pedido Liminar contra AYMORÉ, CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A., alegando, em síntese, que nunca manteve qualquer relação obrigacional com o banco acionado. Aduz que, em dezembro/12, descobriu que havia restrição em seu nome ante a existência de um financiamento referente ao veículo Fiat Uno Mille, placa KKJ 5505, realizado pelo banco requerido. Esclarece a existência de inúmeras multas de trânsito em seu nome, sendo que não celebrou qualquer contrato de financiamento com o acionado, devendo ser declarada inexistência de relação jurídica bem assim indenizado. Pleiteia concessão de liminar. Requer a procedência. Junta documentos. O pleito de tutela restou deferido à fls. 44. Regularmente citado, o requerido apresentou contestação de fls. 83/95, alegando, em síntese, ter sido vítima de fraude realizada por um terceiro de má-fé que teria clonado o cheque do autor. Aduz que não pode ser responsabilizado por este fato, pois não contribui com os atos que teriam causado prejuízo ao requerente. Requer a improcedência. Junta documentos. Réplica à fls. 104/130. Instados à especificação de provas (fls. 131), o acionado requereu o julgamento da lide (fls. 133) e o autor pleiteou a produção de prova testemunhal (fls. 136/137). Designada audiência de instrução e julgamento (fls. 148), infrutífera a proposta conciliatória (fls. 210), foi colhido o depoimento pessoal do autor (fls. 211) e ouvida a testemunha de fls. 212, encerrando-se a instrução processual. Alegações finais (fls. 213/223 e 224/229). É o Relatório. DECIDO. Pretende o autor seja declarada a inexistência e relação jurídica entre as partes, bem assim seja indenizado pelo banco acionado e, ainda, o cancelamento das infrações de trânsito, relativamente ao veículo inicialmente descrito. O pleito do autor é procedente.

4 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 4 / 6 Infere-se, no caso em análise, que um terceiro realizou contrato de financiamento em nome do autor, utilizando de forma indevida seus dados. Por óbvio, esse terceiro não pagou as obrigações assumidas, o que ensejou o indevido lançamento do nome do autor no rol de devedores. É o quanto basta para reconhecer o direito à indenização reclamado na inicial. Ademais, inexiste prova de ter o autor entabulado qualquer tipo de contrato com o requerido, muito menos com o terceiro que com o acionado contratou. Ressalte-se que é do fornecedor o ônus de acautelar-se no cadastramento de clientes e na contratação de serviços. Em precedentes que bem se amoldam à espécie, os tribunais reconheceram o dever de indenizar por parte daquele que atua com culpa na abertura de cadastro de clientes, dando pasto à atuação de estelionatários e causando dano moral a terceiro que nenhuma relação tinha com o negócio. Nesse aspecto: É devida indenização por danos morais decorrente da negligência atribuída à instituição bancária que procede à abertura de conta corrente realizada por estelionatário, por meio de uso de documentos falsos, sem tomar as mínimas precauções a fim de verificar a autenticidade da documentação entregue (RT 807/263). Importante destacar que, no corpo do acórdão, o relator afastou a tentativa do fornecedor de eximir-se da responsabilidade alegando fato de terceiro, pois, segundo o Tribunal, a culpa do fornecedor, que atuou com manifesta negligência não utilizando métodos rígidos para coibir esse tipo de ocorrência, é forte o suficiente para eliminar o 'fato de terceiro'. A mesma sorte deve ter o banco acionado. E nem se alegue que o banco requerido não pode ser responsabilizado por ato do terceiro fraudador. Sua responsabilidade, insista-se, decorre da negligência na habilitação do crédito, e não da falsidade praticada por terceiro. Ademais, deve o acionado arcar com os riscos da atividade econômica que exerce, sendo injusto e inadmissível que carreie esses riscos ao autor, que dessa atividade nenhum benefício extrai. Outrossim, já se decidiu que o fornecedor que, induzido por ato de terceiro, procede à indevida inscrição do nome do consumidor no cadastro de inadimplentes, tem o dever de indenizar-lhe os danos devido à aplicação, no caso, da chamada teoria do risco da atividade (RT 826/234). Assim sendo, comprovado que o requerente não atuou com nenhum tipo de culpa, deve o fornecedor induzido a erro por ato de terceiro, ainda que não tenha agido com culpa, indenizar os danos que emergiram, pois responde pelos riscos da atividade que exerce. A propósito, tem lugar a lição do Juiz José Luiz Gavião de Almeida segundo a qual hoje não mais se entende estar a responsabilidade civil, necessariamente, ligada à culpa. Assim, qualquer pessoa que ponha em funcionamento uma atividade deverá responder pelos eventos danosos que esta atividade gerar para os demais indivíduos independentemente de determinar-se, no caso concreto, se o dano é devido à imprudência, à negligência, a erro de conduta. É notório que os bancos exercem atividade lucrativa. Devem, portanto, assumir os riscos dos danos advindos dessa atividade. Afinal, a responsabilidade civil deve recair, exatamente, sobre aqueles que auferem os cômodos da atividade (JTACSP 172/115). Em suma, à luz do artigo 186 do novo Código Civil, a procedência da pretensão do autor é de rigor. A fixação do quantum deve considerar um critério justo, não podendo se revelar a quantia irrisória, nem tampouco exagerada, devendo ser proporcional à gravidade do dano. Nesse sentido:

5 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 5 / 6 Indenização Dano moral Avaliação do quantum que não pode ser um simples cálculo matemático-econômico Necessidade de o Juiz seguir um critério justo (RT 741/357); Assim, em observância aos critérios e princípios acima elencados, fixo a quantia da indenização, a título de danos morais devida ao autor, em R$ 5.000,00, ante todo o constrangimento e aborrecimento sofridos. Por derradeiro, todas as infrações de trânsito existentes em nome do autor, relativamente ao veículo mencionado na inicial, devem ser canceladas. É o necessário. Base nestes sucintos, mas suficientes fundamentos, JULGO PROCEDENTE o pleito do autor formulado na inicial para confirmar a tutela anteriormente deferida e declarar a inexistência de qualquer negócio jurídico celebrado entre as partes, notadamente quanto ao contrato de financiamento inicialmente descrito, bem assim condenar o requerido ao pagamento de indenização, por danos morais, equivalente a R$ 5.000,00, devidamente corrigido, a contar desta, com incidência de juros legais de 1% ao mês, a partir da citação, até o efetivo pagamento e, ainda, para determinar o imediato cancelamento de todas as infrações de trânsito existentes em nome do autor, relativamente ao veículo Fiat Uno Mille, placas KKJ Oficie-se aos órgãos de trânsito. Sucumbente, o requerido arcará com o pagamento de custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, ora fixados em 20% do valor da condenação, com base no artigo 85 e parágrafos do Código de Processo Civil. P.R.I. ["publique-se, registre-se e cumpra-se"] Rio Claro, 11 de agosto de Desenvolva as seguintes atividades tendo por objetivo o desenvolvimento da experiência jurídica: 1) Considere o artigo 422 do Código Civil: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Você identifica alguma situação de improbidade ou má-fé de alguma das partes no processo acima? Em caso afirmativo, cite o(s) trecho(s) da sentença que justifique(m) seu posicionamento. Em caso negativo, justifique seu posicionamento. 2) O quê é fato de terceiro? Qual a relação dos artigos 931 e 932 do Código Civil com o fato de terceiro? Art Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Art São também responsáveis pela reparação civil: I os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 3) O quê é teoria pelo risco da atividade? Considere o artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Você identifica, neste artigo,

6 Curso de Direito - Parte Especial - Livro I - Do Direito das Obrigações - Prof. Ovídio Mendes - Fundação Santo André 6 / 6 a presença da teoria do risco da atividade? Fundamente sua resposta. 4) Considere a seguinte argumentação, extraída da sentença: A fixação do quantum deve considerar um critério justo, não podendo se revelar a quantia irrisória, nem tampouco exagerada, devendo ser proporcional à gravidade do dano. Identifique o princípio que justifica o argumento e sua positivação no atual Código Civil. 5) O artigo 423 do Código Civil determina: Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Pela leitura da sentença acima, é possível identificar a existência de contrato de adesão entre as partes? Justifique sua resposta. 6) A classe da ação acima é Ato/ Negócio Jurídico e a ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica. No contexto da teoria dos contratos, qual a relação entre autonomia privada da vontade e a ação declaração de inexistência de relação jurídica? 7) Você identifica, ainda que de modo implícito, referência à função social do contrato na sentença acima? Justifique sua resposta. 8) O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 determina: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: ( ) V defesa do consumidor;. Claramente, essa é uma limitação liberdade de contratar. Você identifica esse princípio na sentença acima? Justifique sua resposta.