Considerações acerca de fatos precursores à construção da nação uruguaia i
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- Oswaldo Leal Beltrão
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1 Anpuh Rio de Janeiro Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APERJ Praia de Botafogo, 480 2º andar - Rio de Janeiro RJ CEP Tel.: (21) Considerações acerca de fatos precursores à construção da nação uruguaia i Fábio Ferreira ii Em 1830 Fructuoso Rivera assumia como o primeiro presidente constitucional da República Oriental do Uruguai, após um processo de indecisões sobre o comando do território oriental, que podese entender como tendo o marco inicial no aprisionamento da família real espanhola por Napoleão Bonaparte, em 1808, e que percorreu duas décadas, finalizando com o acordo de paz celebrado em 1828, entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, intermediado pela Inglaterra, e que criava-se, assim, um novo país no espaço platino, o Uruguai. Evidentemente, mesmo após a chegada de Rivera à presidência, o Uruguai enfrentou processos de turbulências e crises políticas, no entanto, permaneceu a existir enquanto nação soberana e independente, sendo que a partir da sua criação passou por um processo de construção, como as demais nações latino-americanas. No entanto, a construção da nação uruguaia não é o objetivo do presente trabalho. Pretendemos nos ater aos fatos precursores à construção da República Oriental do Uruguai, mais especificamente ao advento da união da então Banda Oriental à monarquia portuguesa e na criação da Cisplatina, no Congresso Cisplatino de Acrescenta-se a relevância destes fatos precursores pelo fato de que foram eles que vieram a dar ao espaço platino a configuração política para que em 1828 se criasse a República Oriental. Se não houvesse, por exemplo, ou o aprisionamento da família real espanhola, ou o Congresso Cisplatino em 1821, ou a Guerra da Cisplatina, de 1825 a 1828, provavelmente a região do rio da Prata teria outros jogos, outras composições de forças políticas, forças estas que vieram a influir na construção da nação uruguaia, bem como na política externa e nas relações diplomáticas entre Brasil e Argentina. Pode-se entender como componentes destas forças políticas o segmento oriental que apóia a Rivera e o que é aliado de Oribe, originando, respectivamente, no Uruguai independente, os Partidos Colorado, teoricamente aliado do Brasil, e Blanco, ligado aos argentinos. Evidentemente, em outros períodos históricos foram outras forças que regeram a Banda Oriental iii, ou, muitas das vezes, foi o
2 Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 2 conflito entre estas forças políticas que acabaram levando o território oriental para gravitar em torno ou de Buenos Aires ou do Rio de Janeiro, ou de Lisboa, conforme será apresentado. Retornando ao episódio de 1808, após o aprisionamento da família real espanhola, e com a conseqüente crise política que a Espanha e suas colônias enfrentaram, há a desagregação do Vice- Reino do Rio da Prata, e as frações dessa antiga área de dominação espanhola encontraram-se diante de uma série de projetos políticos e tomaram rumos distintos, criando-se novas configurações no espaço americano. Como exemplo, pode-se citar que o Paraguai isolou-se e passou a ser comandado pelo ditador Francia e que a cidade de Buenos Aires buscou controlar as províncias que compunham o antigo Vice- Reino platino. A Banda Oriental deparou-se com a possibilidade de união com o governo centralista portenho ou a criação de uma confederação com outras províncias que outrora foram domínios de Espanha, como, por exemplo, Corrientes, Entre Rios e Missiones. Neste contexto de múltiplas possibilidades, tropas do príncipe regente D. João invadiram a Banda Oriental em 1811, sob a alegação de preservá-lo aos Bourbon, casa real a qual Carlota Joaquina pertencia e que estava aprisionada por Bonaparte e, também, sob o argumento de que as perturbações no território oriental causavam turbulências na fronteira com o Rio Grande. No entanto, em 1812, por pressão inglesa, D. João retira as suas tropas deste território, sendo que a Banda Oriental continuou em uma série de guerras internas, com destaque para a atuação do líder José Gervásio Artigas, que buscava autonomia para a Banda Oriental dentro do jogo político platino. Após a saída das tropas lusas, Montevidéu tem governos ligados à Espanha (Javier Elío, último Vice- Rei do Rio da Prata), Buenos Aires, e a Artigas. Em 1816 ocorre nova invasão lusa. As tropas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foram lideradas pelo então general Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas, e conquistaram Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, em um processo em que a cidade platina foi ocupada sem resistência militar, inclusive com a anuência do Cabildo montevideano. A monarquia lusa justificava a invasão em função das constantes perturbações e o desrespeito à fronteira com o Rio Grande por parte dos insurgentes liderados por Artigas, alegando ainda haver a pretensão deste líder oriental em conquistar parte desta capitania brasileira. Somava-se a estas justificativas o antigo desejo português de estender seus domínios ao rio da Prata e a idéia de que esta via fluvial era a fronteira natural dos domínios portugueses na América. Também influiu na decisão pela ocupação o interesse mercantil de grupos de portugueses residentes no Brasil, principalmente, no Rio de Janeiro.
3 Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 3 No ano seguinte à capitulação de Montevidéu, em 1818, Carlos Frederico Lecor ganhava do governo português o título nobiliárquico de Barão da Laguna e, em 1820, após anos de embates com as forças de Lecor, o líder revolucionário Artigas exilou-se no Paraguai. Além da ação militar, é importante ressaltar que Lecor pode ser considerado um importante articulador político, pois durante a sua permanência à frente do governo de Montevidéu aproximou-se de pessoas de destaque que lhe deram apoio em diversos momentos da sua administração. Dentre o grupo de orientais que apoiou Lecor estão, por exemplo, o padre Dámaso Antonio Larrañaga, criador da Biblioteca pública de Montevidéu, considerado um dos maiores intelectuais uruguaios; Nicolás Herrera, político e diplomata, que foi senador, tanto no Rio de Janeiro, onde representou a Cisplatina, quanto no primeiro senado do governo do Uruguai independente; e, por fim, o já citado Fructuoso Rivera. Agrega-se, ainda, que outras figuras de projeção local estiveram ao lado de Lecor durante a ocupação lusa, como Jerónimo Pío Bianqui, Francisco Llambí e Juan José Durán, que compuseram o Cabildo que participou da entrega de Montevidéu à Lecor em 1817 iv. A exceção de Herrera, todos estes orientais compuseram o Congresso Cisplatino. Sobre o Congresso, observa-se que este advento veio a mudar o destino do território oriental, bem como o da geopolítica platina e a interferir nas relações diplomáticas entre os reinos de Portugal e Espanha, além de ser fato crucial para a eclosão da Guerra da Cisplatina, que, ressalta-se mais uma vez, levou a criação da República do Uruguai. Agrega-se, ainda, que no citado congresso, o território ocupado foi anexado ao cedro dos Bragança com o nome de Estado Cisplatino Oriental. v O Congresso foi ordenado por D. João VI em 16 de abril de 1821, dez dias antes do monarca retornar para Portugal, estando inserido no contexto liberal vivido no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Congresso foi estipulado para que os orientais decidissem o futuro do território ocupado. Como alternativas, podia-se votar pela anexação a algum outro governo, como, por exemplo, Buenos Aires, Entre Rios, ou até mesmo o retorno ao controle espanhol; pela independência, constituindo, deste modo, um novo país; ou, ainda, pela incorporação à monarquia lusa. Observa-se que provavelmente Lecor articulou com grupamentos orientais, dentre eles os congressistas, a votação pela incorporação à monarquia portuguesa. O Congresso iniciou-se em 15 de julho de 1821, sendo possível verificar nas suas atas, que estão no Archivo General de la Nación, em Montevidéu, que vários dos cabildantes de 1817 foram congressistas em 1821, dentre eles Juan José Durán (presidente), Dámaso Antonio Larranãga (vicepresidente) e Francisco Llambí (secretário) vi. Assim, constavam da mesa diretiva do Congresso os primeiros aliados que o Barão da Laguna conquistou na Banda Oriental.
4 Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 4 Três dias depois, na sessão de 18 de julho, Bianqui, Llambí e Larrañaga são os únicos congressistas que discursaram e, ainda, posicionaram-se pela comunhão com a monarquia lusa. Após o posicionamento destes orientais, todos os deputados votaram, unanimemente, pela incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Entretanto, em Portugal a decisão dos congressistas não foi bem aceita, tendo Lecor que defender-se e que buscar legitimar o Congresso junto às autoridades estabelecidas em Portugal. vii Paralelamente, a relação de Lecor com a parcela lusa das tropas ocupadoras da Banda Oriental/Cisplatina tornou-se mais conflituosa, ocorrendo, inclusive, vários motins e deserções em 1821/22. Ao longo de 1822, ao mesmo tempo em que a relação de Lecor com Lisboa desgastava-se, evidenciavam-se as relações entre o general e o príncipe D. Pedro e o governo estabelecido no Rio de Janeiro. Com a independência do Brasil, a Cisplatina tornou-se palco de novos conflitos internos, com a divisão das tropas ocupadoras entre os favoráveis à união com o primeiro imperador brasileiro, liderados pelo general Carlos Frederico Lecor, e os fieis a Portugal e a D. João VI, comandados pelo também militar D. Álvaro da Costa. Em setembro de 1822 Lecor abandou Montevidéu, partindo para a campanha, e os portugueses ficaram na cidade platina, sendo que as forças fiéis a D. Pedro I retomaram a cidade somente em 1824, após um armistício com os lusos. Assim, as tropas de Lecor reocuparam Montevidéu, e a Cisplatina passou ao controle do Império do Brasil. No entanto, a união não foi duradoura: em 1825, os trinta e três orientais declararam nula a incorporação ao Império, iniciando nova guerra na região, envolvendo, ainda, as Províncias Unidas, no episódio denominado Guerra da Cisplatina, que, conforme já foi exposto, culmina na criação da República Oriental do Uruguai. Assim sendo, observa-se que anteriormente à criação do Uruguai enquanto estado independente e, respectivamente, da nação uruguaia, uma série de possibilidades foram esboçadas e buscadas em pôr-se em prática para o território oriental, seja pelos espanhóis, mesmo diante da ausência do seu monarca, seja pelo governo centralista portenho, seja pelos revolucionários artiguistas. Provavelmente, se um destes projetos tivesse vingado, teríamos hoje outra configuração política no Prata. Não pode-se ignorar, igualmente, o projeto operado pelos portugueses, mesmo que diferentes em vários momentos, em contextos diversos, como, por exemplo, o da invasão de 1811, o da ocupação de 1816, e o de 1821, quando o Reino Unido português vivia a ascensão do liberalismo e ordenou-se a execução do Congresso Cisplatino.
5 Usos do Passado XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 5 Ressalta-se também no Congresso a possibilidade de enxergar-se o projeto de Lecor e do grupamento oriental para o território ocupado, buscando-se à comunhão com os Bragança via a criação do Estado Cisplatino Oriental e, ainda, o do Brasil, que buscava, antes de declarar-se independente de Portugal, o controle da Cisplatina e a levar os seus domínios até o rio da Prata. Assim, uma série de possibilidades existiram ao longo das primeiras décadas do século XIX para o que é hoje a Republica Oriental do Uruguai. A configuração e a criação da nação e da nacionalidade são posteriores a 1828, bem como são conseqüência de uma série de opções e adventos políticos e bélicos, seja antes do tratado firmado entre o Império e as Províncias Unidas, seja posterior a esta celebração. No entanto, não pode-se ignorar a presença lusa e a brasileira para que a emancipação oriental fosse justamente da maneira que ocorreu. Finalizando, pode-se afirmar que fatos precursores à independência uruguaia, como o Congresso de 1821, e a ação de Lecor e da elite oriental vieram a ser fatores que influíram em todo o processo que culminou na criação do Uruguai em 1828, e que levou Fructuoso Rivera, antigo aliado de Lecor, a ser o primeiro presidente constitucional desta República. i O presente artigo é fruto de um trabalho maior em fase de desenvolvimento, que é a minha dissertação de mestrado denominada O general Lecor e as articulações políticas para a criação da Província Cisplatina: , no Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o título ii Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). iii Atual República Oriental do Uruguai. iv Quando ocorre a ocupação, Durán não encontra-se em Montevidéu. No entanto, é membro do Cabildo que entrega as chaves da cidade a Lecor. Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania. Localização: 07,4,062. Seção: Manuscrito. Biblioteca Nacional. v ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, Archivo General de la Nación. vi ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, Archivo General de la Nación. vii LECOR, Carlos Frederico (Barão da Laguna). Guerra Cisplatina. Correspondência do Barão da Laguna a Lata 396 Doc. 10. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
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