DIREITO ADMINISTRATIVO II

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1 DIREITO ADMINISTRATIVO II VÍCIOS DO ATO ADMINISTRATIVO: USURPAÇÃO DO PODER VS. INCOMPETÊNCIA Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Catarina Filipa Ferreira Belo SBT15 nº 57319

2 Ato administrativo Existem variadas definições de ato administrativo de entre as quais se destacam a de Freitas do Amaral que o define como ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta. Por sua vez, Rogério Soares interpreta o ato administrativo como a estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pelo qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos. No entanto, para Paulo Otero pode definir-se o ato administrativo como sendo o ato jurídico unilateral, proveniente de estruturas exercendo poderes administrativos e que procura definir o direito aplicável a uma situação individual e concreta, visando produzir efeitos sem necessidade de assentimento dos destinatários. Evolução Histórica da Teoria dos Vícios Por invalidade do ato administrativo entende-se o valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Um ato administrativo, ao violar a lei, torna-se um ato ilegal. Anteriormente julgava-se que a ilegalidade era a única fonte de invalidade dos atos administrativos. No entanto, hoje, reconhecemos outras fontes de invalidade nomeadamente a ilicitude, os vícios da vontade, etc. As diferentes formas que um ato ilegal pode assumir chamam-se vícios do ato administrativo. Assim, por vícios do ato administrativo entende-se as formas específicas que a ilegalidade do ato administrativo pode revestir. A teoria dos vícios no direito administrativo nasceu no direito administrativo francês do seculo XIX. A única maneira de os particulares demonstrarem o seu descontentamento perante os atos administrativos ilegais era o chamado recurso por excesso de poder, a partir de onde o conceito de excesso originou a autonomização dos 1

3 vários vícios do ato administrativo designadamente a incompetência, vício da forma, violação de lei e desvio de poder. Até aos anos 30 do seculo XX, a doutrina e a legislação portuguesas referia de forma geral a incompetência, excesso de poder e violação de lei ou ofensa de direitos adquiridos, o que não pressupunha a construção de uma teoria dos vícios dos atos administrativos formando antes uma fórmula utlizada para descrever de forma unitária todas as formas de ilegalidade de que aqueles podiam padecer. A partir desta altura, devido à influência de Marcello Caetano, começa a poderse falar de uma verdadeira construção que distingue claramente 5 vícios: usurpação do poder, incompetência, vício da forma, desvio de poder e violação de lei. Em 1956, a construção doutrinal passou a ter valor normativo no momento em que o art.15º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo 1, que esteve em vigor até 2003, introduziu pela primeira vez no direito português uma enumeração legal de vícios do ato administrativo correspondente aos cinco vícios que a doutrina identificou. Esta enumeração aparentava ser fechada não havendo lugar para outras ilegalidades que não se reconduzissem a um dos cinco tipos especificados. Atualmente tende-se a relativizar a teoria dos vícios do ato administrativo. A entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos levou à revogação do art.15º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e, assim, já não existe na ordem jurídica portuguesa qualquer enumeração legal dos vícios do ato administrativo (apesar de a lei fazer referência individual, por vezes, a alguns desses vícios). Estes 5 vícios doutrinalmente identificados, substantivamente, não correspondem a um catálogo taxativo de formas de ilegalidade do ato administrativo. Por outro lado, no plano processual deixou de ter qualquer fundamento a exigência de alegação dos vícios dos atos administrativos objeto de impugnação perante a administração ou perante os tribunais conforme o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6/11/1996 (os vícios do ato administrativo nem sequer constituem a causa de pedir da impugnação de 1 Art.15º LOSTA: compete à Secção do Contencioso Administrativo: 1º Conhecer dos recursos interposto das decisões e deliberações definitivas e executórias ( ) quando arguidas de incompetência, usurpação ou desvio de poder, vício de forma ou violação de lei, regulamento ou contrato administrativo. 2

4 atos administrativos, esta consiste sim no facto ou fatos integradores do vicio ou vícios imputados ao ato impugnado). As insuficiências da teoria dos vícios do ato administrativo são notórias: não existe uma correspondência entre as categorias de requisitos de legalidade e os vícios do ato administrativo visto que, enquanto o vício de forma cobre todas as ilegalidades decorrentes da omissão de requisitos de legalidade formais, o vício de incompetência não cobre todas as ilegalidades decorrentes da falta de requisitos de legalidade funcionais; o vicio de violação de lei cobre todas as ilegalidades decorrentes da preterição de requisitos de legalidade materiais mas, ao contrário do que sucede com outros vícios, que respeitam exclusivamente a uma categoria de requisitos de legalidade à exceção do vício de usurpação de poder, que gera sempre sempre nulidade, as ilegalidades reconduzíveis a qualquer um dos outros vícios podem redundar, quer em nulidade, quer em anulabilidade. Vício: Usurpação do poder (161º/2/a CPA) A usurpação do poder é o vício do ato administrativo pelo qual um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado que não a função administrativa, sem para isso estar habilitado. É um ato cujo exercido por um órgão que possui poder legislativo, moderador ou poder judicial, mas não tem qualquer poder executivo. Trata-se da violação do princípio da separação de poderes (art.2º e 111º CRP). É um vício que poderia não ter autonomia e reconduzir-se à incompetência porque não é nada mais do que uma incompetência agravada. A usurpação do poder comporta três modalidades: i) Usurpação do poder legislativo: o órgão administrativo pratica um ato que pertence às atribuições do poder legislativo; Ex: criação de um imposto por ato administrativo visto que a criação de impostos é da competência de quem possui poder legislativo (art.161º/1/i), assim, se o governo ou um órgão de Poder local, através de um ato administrativo criar um imposto estamos perante uma usurpação do poder legislativo. 3

5 ii) Usurpação do poder moderador: o órgão administrativo pratica um ato que pertence às atribuições do poder moderador (presidencial); Ex: um despacho do Primeiro-Ministro a demitir um funcionário da Presidência da República, ou a preencher uma vaga no Conselho de Estado. iii) Usurpação do poder judicial: o órgão administrativo pratica um ato que pertence às atribuições do poder judicial. Ex: deliberação de uma câmara municipal que declare a nulidade de um contrato civil, ou que determine a rescisão unilateral de um contrato não administrativo, ou ainda que ordene a demolição de obras feitas num terreno que seja propriedade privada e relativamente ao qual só os tribunais pudessem ordenar tal demolição. Aparece frequentemente em situações de exercício administrativo da função jurisdicional como por exemplo na situação em que um ato pelo qual o órgão determine a aplicação de uma pena criminal, constitucionalmente reservada aos tribunais (art.27º/2 CRP) ou um ato pelo qual um órgão administrativo determina a execução de um ato administrativo ou de um contrato administrativo, nos casos em que essa execução está reservada aos tribunais (Art. 187º CPA). Vício: Incompetência Este vício existe quando um órgão da administração pratica um ato administrativo sem que qualquer norma legal lhe atribua a competência para tal. Resulta de uma consequência direta do princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência da lei e do seu subprincípio da legalidade da competência. Distingue-se da usurpação do poder porque para este vício ocorrer é necessário que o poder executivo invada a esfera de outro poder do estado a passo que, para que haja incompetência, é necessário que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo. 4

6 Pode ser relativa ou absoluta na medida em que na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela falta de competência do seu autor mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa coletiva e, por outro lado, na incompetência absoluta o vício advém também da circunstância de ele ser estranho às atribuições da pessoa coletiva ou da unidade de atribuições em que o autor se insere (daí a designação de incompetência por falta de atribuições que pode ser dada à incompetência absoluta). Pode ser absoluta em 3 situações: i) Quando o órgão legalmente competente para a prática do ato pertence a uma pessoa coletiva diferente daquela a que pertence o autor do ato; ii) Quando o órgão legalmente competente para a prática do ato pertence à mesma pessoa coletiva daquela a que pertence o autor do ato, mas a uma unidade de atribuições diferente; iii) Quando o poder exercido pelo órgão que praticou o ato, extravasando as atribuições da unidade em que se insere, não é legalmente cometido a órgão algum (é um poder que não existe na ordem jurídica). A incompetência relativa está presente nas situações em que o ato não é estranho às atribuições da unidade de atribuições em que o seu autor se insere. Exemplos deste vício são por exemplo a decisão de promoção de um funcionário do Ministério de Saúde emitida pelo Ministro da Educação. Bibliografia Amaral, D. F. (2015). Curso de Direito Administrativo Volume II (4ª ed). Almedina. Matos, M. R. (2006). Direito Administrativo Geral, Tomo III. Otero, P. (2016). Direito do Procedimento Administrativo, volume I. Almedina. 5