VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA E RENOVAÇÃO URBANA: o caso das Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada *



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Transcrição:

VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA E RENOVAÇÃO URBANA: o caso das Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada * Laura C. R. Pessoa** Lucia M. M. Bógus*** O texto tem por objetivo a análise do processo de valorização imobiliária que ocorreu na porção sudoeste da cidade de São Paulo, a partir dos anos 1990, como conseqüência das Operações Urbanas Faria Lima e Água Espraiada, buscando identificar os impactos físico-espaciais e sócio-econômicos decorrentes dessas intervenções. Com a nova fase de internacionalização do capital a dinâmica sócio-espacial das cidades sofreu grandes alterações. O permanente processo de reconstrução criou novas bases espaciais de produção através da substituição, renovação e ruptura das estruturas preexistentes. No caso de São Paulo essa renovação urbana - e seus impactos - teve grande importância para os urbanistas desafiando-os a fornecer subsídios para a criação de políticas públicas mais efetivas. As intervenções urbanas ora focalizadas reforçaram a reestruturação sócioespacial na cidade ao longo da última década, produzindo um novo ordenamento territorial e acirrando as exigências competitivas do mercado imobiliário, que procurou impor seus interesses nas transformações urbanísticas, arquitetônicas e de infra-estrutura na área objeto de intervenção. * Esse texto é resultado da pesquisa de pós-doutorado intitulada Reestruturação Urbana e Desigualdades Sócio- Espaciais: município de São Paulo, desenvolvida junto ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Urbanas/Observatório das Metrópoles São Paulo do Programa de Estudos de Pós Graduação em Ciências Sociais e do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica sob a coordenação da Profa Dra Lúcia Bógus. ** Arquiteta, doutora pela FAUUSP- Bolsista de pós-doutorado pela FAPESP dezembro de 2004 a dezembro de 2007 ***Professora titular do Departamento de Sociologia da PUC-SP. 1

As novas atividades econômicas, os empreendimentos imobiliários, o crescimento populacional, as políticas públicas ou a ausência delas têm levado ao adensamento e a intensificação do uso de determinadas áreas, enquanto a evasão de atividades econômicas e de população ocasiona o abandono e a degradação de outras. O capitalismo, de forma bastante intensa, participa da organização do espaço urbano, ocupa e produz novos espaços, formando áreas especializadas em distintas partes do território, intensificando o uso e a ocupação do solo urbano, estimulando o mercado imobiliário e as parcerias entre os setores público e privado, segundo facilidades de infra-estrutura. Essa organização depende também das ações políticas, econômicas e sociais sobre determinados espaços. Nesse sentido, a cidade é fruto de intervenções privadas e estatais, que atuam no espaço através de investimentos estruturais e organizacionais, regulamentando os diversos interesses de poder e de classe, estabelecendo estratégias sociais e políticas, muitas vezes geradoras de segregações e exclusões sociais. De um modo geral, a legislação urbanística, enquanto instrumento de política urbana deve sempre buscar a cidadania através da garantia da função social da cidade e do bem-estar de seus habitantes. No entanto, observa-se que os projetos de renovação urbana estão, via de regra, se voltando, cada vez mais, aos interesses privados do mercado imobiliário, fundiário e financeiro, atuando, primordialmente, em benefício das elites dominantes e do capital. Esses projetos, basicamente, buscam atrair novas atividades econômicas através da construção de centros cívicos, de negócios, comerciais e de turismo, com suas modernas torres de escritórios, shopping-centers, hotéis, centros de convenções, restaurantes, etc. Desta forma, ao contrário da orientação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal (reforçada pelo Estatuto da Cidade), a população de maior renda, com maior poder de acesso e de consumo, acaba sendo a mais beneficiada. Isso leva à perda do valor de uso da terra, à. 2

expulsão da população de baixa renda para a periferia e à consolidação de enclaves sociais. Essas intervenções proporcionam e reforçam uma reestruturação social e espacial nas grandes cidades, mas por outro lado, também provocam um novo ordenamento territorial, acirrando as exigências competitivas do mercado imobiliário que procuram impor seus interesses nas grandes transformações urbanísticas, arquitetônicas e de infra-estrutura. Tal situação impõe uma maior atuação do poder público através da legislação urbanística, (podendo algumas vezes ser flexibilizada para tornar certas áreas mais atraentes aos grandes empreendedores e investidores), na regulamentação dos usos e da ocupação territorial para que o desenvolvimento urbano ocorra com sustentabilidade, garantindo a qualidade de vida para a população. Portanto, a compreensão da dinâmica com que se processam as grandes intervenções urbanas e das modificações estruturais geradas por elas é fundamental para a proposição de políticas públicas direcionadas para a sustentabilidade. As estratégias dos projetos urbanos variam de cidade para cidade, baseados na realidade, no objetivo e no público a atingir. Podemos citar aqui alguns exemplos concretos: projetos objetivando a criação de novos distritos de negócios através da renovação urbana das áreas degradadas: as Docklands de Londres, o bairro de Marais em Paris; a criação de centros governamentais e edifícios públicos: Berlim a partir dos anos 1990; a promoção de eventos internacionais ou espetáculos: Olimpíadas de Barcelona, Feira de Baltimore e Expo 98 de Lisboa. Como cita Harvey (1996), o contexto global da perda de capacidade de regulação da economia por parte do poder público, da financeirização e desterritorialização do capital, bem como a intensificação da sua. 3

concentração, são fenômenos que afetam de maneira geral todas as grandes cidades; porém os efeitos são muito particulares. Nesse contexto se inserem as operações urbanas, que são instrumentos legais urbanísticos de requalificação do espaço para aplicação em regiões que tenham potencialidades de adensamento, tendo em vista a intensificação do uso e ocupação do solo urbano. Procura-se, através da parceria públicoprivada, obter recursos financeiros para serem aplicados na construção de infra-estrutura, de habitações populares e na renovação de áreas deterioradas. Assim, esse instrumento pode prever: a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerando o impacto ambiental delas decorrente e a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente, sempre justificada por estudo urbanístico definidor dos objetivos e diretrizes da intervenção (site da PMSP). Em São Paulo várias operações urbanas já foram aprovadas, as primeiras foram a Operação Urbana Centro e Água Branca. Em seguida (1995), vieram as operações Faria Lima e Água Espraiada. E, em 2001, com a aprovação do Plano Diretor Estratégico, foram aprovadas mais oito operações urbanas: - Vila Leopoldina, - Vila Maria, - Rio Verde/Jacu-Pêssego, - Diagonal Sul, Diagonal Norte, - Vila Sônia, - Celso Garcia e Tiquatira. O foco desse trabalho, como citado no início, são as Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada que foram implementadas com o objetivo de criar um espaço renovado, sem perder de vista que para isso seriam necessários grandes investimentos o que, só seria viável, através de parceria com o poder privado. A Operação Urbana Consorciada Faria Lima foi aprovada em 1995, abrangendo 450 hectares e visando, primordialmente, o prolongamento da. 4

Avenida Faria Lima, com a implantação de infra-estrutura e com desapropriações necessárias. Isso trouxe alterações profundas a uma porção importante da região sudoeste da cidade de São Paulo, não somente na área em si como também em seu entorno imediato. Conforme cita Gadelha (2004:78), essa intervenção visa garantir que a introdução dos diversos melhoramentos viários, propostos nos bairros de Pinheiros, Itaim, Vila Olímpia e Via Funchal, seja complementada pela adoção de uma política de adensamento compatível com a maximização da rede de infra-estrutura, de transporte e de serviços, que serão implementadas juntamente com o novo sistema viário. Os recursos necessários à realização da Operação Urbana Faria Lima seriam fornecidos pela mudança dos parâmetros urbanísticos referentes ao uso e ocupação do solo. A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (Lei Municipal de 05/11/1995) abrange os bairros do entorno do córrego de mesmo nome, na zona sul de São Paulo. Ela previa o prolongamento da Avenida Jornalista Roberto Marinho (antigamente conhecida como avenida Água Espraiada) até a rodovia dos Imigrantes, passando pela Avenida Nações Unidas (Marginal do Rio Pinheiros), com a revitalização da região através da criação de espaços públicos de lazer e esportes. Ela abrange os bairros do entorno do córrego de mesmo nome, na zona sul de São Paulo. Para sua implementação foi necessária a remoção das populações das favelas existentes entre as avenidas Água Espraiada e Luís Carlos Berrini e também da favela Jardim Edith em 1995, o que ocorreu de acordo com os interesses do mercado imobiliário em nome de uma revitalização do espaço urbano. Essa ação, assim como muitas outras, revelou um processo perverso de ocupação de espaço, com a divisão da cidade em centralidades das elites e a busca daqueles, com menor renda, de regiões às margens, onde preço do solo e das moradias seja menor e o custo de vida mais acessível do que nas áreas estruturadas (Gadelha, 2004:96). O resultado desse processo foi a expulsão da população de baixa renda para a periferia. Isso pode ser. 5

identificado através da análise dos índices populacionais relativos à década de 1990 (figuras 01 e 02) sendo possível perceber que o anel periférico recebeu o maior incremento de população, ou seja, um aumento de mais de 1.000.000 habitantes, o que equivale a mais de 130% do total do crescimento da população do município. Incremento Populacional 1991-1995 - 99.074 hab - 82.395 hab - 78.034 hab - 52.532 hab 504.916 hab Incremento Populacional 1996-2000 - 24.155 hab - 17.353 hab - 3.956 hab 109.203 hab 531.446 hab Figuras 01 e 02 Incremento Populacional por anéis - Município de São Paulo Fonte: IBGE Entre os anos de 1991 e 1995, esse incremento chegou a representar mais de 260% do total do município, enquanto que nos demais anéis esse incremento foi negativo. Entre os anos de 1996 a 2000 só houve incremento positivo nos anéis exterior e periférico: 18,3% e 89,4% respectivamente. No caso dos lançamentos imobiliários o comportamento foi um pouco diferente para o mesmo período, ou seja, de 1991 a 2000. Entre os anos de 1991 e 1995. 6

os lançamentos imobiliários ocorreram de forma mais acentuada nos anéis intermediários e exterior (figura 03), sendo que os dois são responsáveis por quase 70% dos lançamentos nesses cinco anos, enquanto no anel periférico se localizaram 14% desses lançamentos. Entre os anos de 1996 e 2000 (figura 04) o maior número de lançamentos aconteceu no anel intermediário seguido pelo anel exterior, mas houve um pequeno aumento de lançamentos no anel periférico. Isso mostra que grande parte população de alta renda, que é o foco de interesse do mercado imobiliário continuou se instalando na parte mais central do município, onde no geral, ocorreram as intervenções urbanas. Os poucos lançamentos verificados no anel periférico foram os condomínios horizontais e verticais em forma de empreendimentos fechados voltados para a classe média/alta, chamados por Caldeira (2000) de enclaves sociais, que vêm contribuindo de forma significativa para a segregação e para a exclusão, fomentando as desigualdades sócio-espaciais. Lançamento 1991-1995 4.201 12.582 14.217 25.960 39.352 Lançamentos 1996-2000 8.334 17.729 30.288 41.861 48.163 Figuras 03 e 04 Número de Lançamentos Imobiliários por anéis Município de São Paulo Fonte: EMBRAESP. 7

Assim, pode-se identificar uma continuidade no processo de periferização no município paulista. As taxas de crescimento e de incremento populacionais indicam os anéis mais externos como destino dessa população, em contrapartida também há indicação de maior concentração da renda nos anéis interior, central e intermediário, ou seja, os moradores da periferia, que são a maioria, ainda apresentam níveis de renda mais baixos que os residentes nas áreas centrais. As favelas continuam se instalando, preferencialmente, na região periférica do município e os lançamentos imobiliários residenciais, que são direcionados a classe mais alta, têm como alvo as zonas mais valorizadas do município. Alguns estudos sobre as operações urbanas mostram que houve alterações na densidade demográfica, no preço do solo e na verticalização. Segundo BIDERMAN & SANDRONI (2005), na região da Operação Urbana Consorciada Faria Lima e entorno, houve uma diminuição da população residente e um aumento da proporção de faixas etárias mais elevadas, embora a densidade de construção tenha aumentado. Antigas residências unifamiliares de classe média deram lugar a edifícios de apartamento de classe média alta e também de edifícios comerciais de alto padrão, levando à elitização. Com a intervenção a área sofreu um processo de valorização imobiliária (cerca de 15% no preço médio do metro quadrado), com a mudança do tipo de morador, iniciando-se um processo de gentrificação. (BIDERMAN & SANDRONI, 2005) Essa elitização ocorreu em função da grande valorização imobiliária decorrente da requalificação do espaço pelo poder público. Segundo Savelli (2003), as Operações Urbanas, na comparação com as condições básicas de zoneamento, apresentam a prerrogativa de permitir mais proveito direto aos empreendedores com a utilização do Potencial Adicional de Construção e benefícios indiretos aos empreendedores e à população em geral, pela acessibilidade conseqüente da infra-estrutura executada com os recursos provenientes da outorga onerosa.. 8

A compreensão da dinâmica com que se processam essas grandes intervenções urbanas e das modificações estruturais geradas por elas, é fundamental para a proposição de políticas públicas compatíveis com um desenvolvimento sustentável das cidades. Além disso, o processo especulativo do mercado imobiliário, indiscutivelmente, é determinante na ocupação do espaço, respondendo de forma significativa pela expansão do tecido urbano. Isso indica que o estudo da atuação dos agentes imobiliários também é importante para a compreensão dessas intervenções e principalmente, para a definição das ações do poder público. Por esse motivo esse estudo voltou-se, mais especificamente, para os lançamentos imobiliários residenciais que ocorreram na área das Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada. Aqui serão analisados inicialmente as mudanças e os impactos gerados na área referente à Operação Urbana Faria Lima e à Operação Urbana Água Espraiada. FIGURA 05 Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada Lançamentos imobiliários antes e depois de 1995 Fonte: EMBRAESP. 9

Os dados mostram que do total dos lançamentos imobiliários ocorridos em todo o município entre 1985 e 2004 o Morumbi aparece em primeiro lugar com 732 imóveis, seguido por Moema, Tatuapé, Vila Mariana, Butantã, Santana, Jardins, Brooklin e Itaim. Desses bairros, somente três estão fora da área de abrangência das Operações Urbanas. Das áreas assinaladas, observa-se pela figura 05, que também o Morumbi (741) aparece em primeiro lugar e Moema (355) em segundo, seguidos por Butantã (292), Jardins (208), Campo Belo (162), Pinheiros (151), Itaim (149), Jabaquara (137) e Brooklin (137). Neste caso, com exceção do Jabaquara, todas as outras áreas são ligadas à Operação Urbana Faria Lima. TABELA 01- Lançamentos Imobiliários ÁREAS ANTES % DEPOIS % TOTAL 1. CHACARA FLORA 1 8.3 11 91.7 12 2. ALTO DA BOA VISTA 3 11.5 23 88.5 26 3. SANTO AMARO 9 15.8 48 84.2 57 4. PLANALTO PAULISTA 1 20.0 4 80.0 5 5. IBIRAPUERA 5 29.4 12 70.6 17 6. BUTANTA 92 31.5 200 68.5 292 7. JARDIM EUROPA 7 33.3 14 66.7 21 8. AEROPORTO 3 33.3 6 66.7 9 9. ALTO DE PINHEIROS 19 38.0 31 62.0 50 10. CHAC. SANTO ANTONIO 21 43.8 27 56.3 48 11. AGUA FUNDA 4 44.4 5 55.6 9 12. PINHEIROS 69 45.7 82 54.3 151 13. VILA OLIMPIA 46 46.0 54 54.0 100 14. MORUMBI 342 46.2 399 53.8 741 15. VILA NOVA CONCEICAO 44 46.8 50 53.2 94 16. ITAIM 70 47.0 79 53.0 149 17. VILA MADALENA 51 47.2 57 52.8 108 18. BROOKLIN 67 48.9 70 51.1 137 19. VILA SANTA CATARINA 21 50.0 21 50.0 42 20. SUMARE 12 52.2 11 47.8 23 21. JABAQUARA 77 53.1 68 46.9 145 22. REAL PARQUE 52 53.1 46 46.9 98 23. CAMPO BELO 87 53.7 75 46.3 162 24. VILA MASCOTE 51 54.3 43 45.7 94 25. JARDINS 116 55.8 92 44.2 208 26. MOEMA 219 61.7 136 38.3 355 27. J. MARAJOARA 72 63.7 41 36.3 113 TOTAL 1561 47.8 1705 52.2 3266 Fonte: EMBRAESP. 10

Fazendo uma comparação entre os lançamentos ocorridos nos dez primeiros anos (1985 a 1994), ou seja, antes da operação urbana Faria Lima com os ocorridos entre 1995 e 2004, observa-se que no total, esse número praticamente se manteve (tabela 01). Quando são analisadas as áreas separadamente, a diferença é observada de forma acentuada em alguns pontos da região, como: Chácara Flora, Alto da Boa Vista, Santo Amaro, Ibirapuera e principalmente, Butantã. Do total de unidades lançadas na região de estudo mais uma vez o Morumbi aparece em primeiro lugar com mais de 32.000 unidades, seguido por Butantã, Moema, Jardins, Brooklin e Pinheiros (tabela 02). Comparando o total de imóveis com o total de unidades lançadas no período estudado (tabela 02) é possível perceber que o Morumbi, o Butantã, Moema e Jardins mantêm a mesma posição. Já o Brooklin, o Jardim Marajoara e, mais acentuadamente a Vila Olímpia melhoraram a sua posição relativa, em virtude do maior número médio de apartamentos por lançamento, evidenciando maior verticalização nessas áreas. TABELA 02- As dez primeiras áreas em lançamentos imobiliários por imóvel e por total de unidades (1985 a 2004) ZONAS DE VALOR TT imóveis ZONAS DE VALOR TT unidades 1. MORUMBI 741 1. MORUMBI 32062 2. MOEMA 355 2. BUTANTA 19560 3. BUTANTA 292 3. MOEMA 16945 4. JARDINS 208 4. JARDINS 9499 5. CAMPO BELO 162 5. BROOKLIN 8647 6. PINHEIROS 151 6. PINHEIROS 8134 7. ITAIM 149 7. JABAQUARA 7775 8. JABAQUARA 145 8. JARDIM MARAJOARA 7388 9. BROOKLIN 137 9. ITAIM 6260 10. J. MARAJOARA 113 10. VILA OLIMPIA 6251 Fonte: EMBRAESP. 11

Já uma análise separada das duas décadas, de 1985 a 1994 e de 1995 a 2004, tanto por empreendimentos imobiliários como por unidades lançadas, mostra que o Morumbi, que esteve bastante a frente ao longo dos últimos 20 anos, perdeu posição, ou seja, na segunda década, proporcionalmente ao total da área, caíram os lançamentos, indicando uma mudança de direção do interesse imobiliário. Esse interesse fica mais evidente no Jardim Europa, Jabaquara, Jardim Marajoara, Moema e Jardins (tabela 03). TABELA 03- Lançamentos Imobiliários por total de unidades ZONAS DE VALOR 1985 a 1995 a 1994 % 2004 % TT 1. JARDIM EUROPA 167 34.6 316 65.4 483 2. JABAQUARA 2876 37.0 4899 63.0 7775 3. VILA SANTA CATARINA 741 37.0 1261 63.0 2002 4. AGUA FUNDA 150 38.1 244 61.9 394 5. JARDIM MARAJOARA 2840 38.4 4548 61.6 7388 6. AEROPORTO 356 42.2 488 57.8 844 7. SUMARE 254 44.0 323 56.0 577 8. VILA MADALENA 1080 45.2 1307 54.8 2387 9. MOEMA 7771 45.9 9174 54.1 16945 10. JARDINS 4547 47.9 4952 52.1 9499 11. VILA NOVA CONCEICAO 1386 50.8 1340 49.2 2726 12. CAMPO BELO 2241 53.7 1934 46.3 4175 13. VILA MASCOTE 2203 54.8 1820 45.2 4023 14. ALTO DE PINHEIROS 822 57.7 603 42.3 1425 15. PINHEIROS 4733 58.2 3401 41.8 8134 16. ITAIM 3682 58.8 2578 41.2 6260 17. REAL PARQUE 1434 59.8 963 40.2 2397 18. MORUMBI 19211 59.9 12851 40.1 32062 19. SANTO AMARO 2144 64.2 1198 35.8 3342 20. ALTO A BOA VISTA 148 64.9 80 35.1 228 21. BROOKLIN 5672 65.6 2975 34.4 8647 22. BUTANTA 12938 66.1 6622 33.9 19560 23. IBIRAPUERA 446 71.6 177 28.4 623 24. CHAC. SANTO ANTONIO 1933 71.9 755 28.1 2688 25. CHACARA FLORA 1631 72.1 632 27.9 2263 26. VILA OLIMPIA 4633 74.1 1618 25.9 6251 27. PLANALTO PAULISTA 78 81.3 18 18.8 96 TOTAL 86.117 56.2 67.077 43.8 153.194 Fonte: EMBRAESP. 12

Entre o total de unidades lançadas na região de estudo nos dez primeiros anos (1985 a 1994) e as lançadas na década seguinte (1995 e 2004), observa-se que houve uma considerável queda (quase 20.000 unidades). Como o número de empreendimentos lançados foi maior, considera-se que de forma geral houve uma redução na densidade habitacional na região. Diante da afirmação de que houve aumento no preço da terra em função da renovação do espaço e conseqüentemente, do maior interesse imobiliário, é possível concluir que houve aumento da renda da população que passou a residir nesse espaço, o que também é indicativo de menor densidade. Outra mudança indicada pelos estudos foi a mudança no uso, ou seja, houve um aumento do uso nãodomiciliar, o que automaticamente leva a uma diminuição da densidade em função da redução da população residente. Quando são analisadas as áreas separadas uma da outra, essa redução é observada de forma acentuada somente em alguns pontos da região, como: Chácara Flora, Alto da Boa Vista, Santo Amaro, Ibirapuera e principalmente, em Butantã. O aumento da verticalização (caso do Brooklin, Vila Olímpia e outros) e da renda da população residente associado à queda na densidade habitacional é indicação do avanço da gentrificação (BIDERMAN & SANDRONI, 2005). Como observado, a verticalização foi mais identificada em algumas áreas da região ao longo das duas décadas e não somente após as intervenções urbanas, o que poderia indicar que esse processo já vinha acontecendo em função de uma visão prévia do mercado imobiliário e dos estudos e indicações de mudanças na legislação local. Essa expectativa de valorização futura traz um aumento da demanda das áreas, o que faz com que o valor da terra e dos terrenos se eleve. Concluindo, os estudos evidenciam a valorização imobiliária da área, a substituição da classe média pela classe média alta e como cita Biderman (2005) a gentrificação no âmbito dos negócios, ou seja, uma troca de casas e. 13

sobrados por edifícios verticais luxuosos, que foram ocupados, na sua maioria, por pequenos negócios, levando à mudança do uso e conseqüentemente, à queda da densidade habitacional. Esses resultados mostram que as Operações Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada, ao contrário do que se propunha (construir espaços renovados voltados para os interesses da coletividade), foram sim responsáveis pela criação de centros que concentram riqueza e expulsam parte da população residente para uma condição de vida pior. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIDERMAN, Ciro; SANDRONI, Paulo. A avaliação do impacto das grandes intervenções urbanas nos preços dos imóveis do entorno: o caso da Operação Urbana Consorciada Faria Lima. CEPESP Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público GV Pesquisa (NPP) # 09_2005 Site: http://www.cepesp.fgvsp.br Caldeira, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crimes, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000. 400p. CASTANHO SÁVIO, Viviane P. B. O bairro da Vila Olímpia transformações na década de 1990 decorrentes da Operação Urbana Fria Lima. Tese de Mestrado - Mackenzie. GADELHA, Nair D`Aquino Fonseca. São Paulo, modernidade e centralidades espaciais: intervenção pública, intervenção urbana e segregação sócio-espacial. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUCSP 2004. HARVEY, D. The condition of postmodernity: an enquiry into the origins of cultural change. Oxford: Brackwell Publishers. 1996. NOBRE, E. A. C. Expansão terciária e novas centralidades nas cidades globais: o caso da marginal do rio Pinheiros em São Paulo. In: Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro: ANPUR, 1, 519-527. NOBRE, E. A. C. Intervenções Urbanas em Salvador: turismo e gentrificação no processo de renovação urbana do Pelourinho. In: X Encontro Nacional da Anpur. Belo Horizonte: Anpur. NOBRE, E. A. C. Reestruturação econômica e território: a expansão recente do terciário na marginal do rio Pinheiros. Tese (doutorado). São Paulo: FAUUSP. 2000. SALES, Pedro M. R. Operações Urbanas em São Paulo: críticas, Plano e projetos (Parte 2 Operação Urbana Faria Lima: relatório de avaliação crítica). Site: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp300.asp. SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London and Tokyo. Princeton: Princeton University Press. 1991.. 14

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