Por que é tão Difícil se Promover uma Reforma Tributária mais Ampla no Brasil?



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Transcrição:

74 Por que é tão Difícil se Promover uma Reforma Tributária mais Ampla no Brasil? 23.10.1997 Fala-se em reforma tributária no Brasil, no entanto se avança tão pouco ainda, se comparada às necessidades que a própria sociedade reclama. Por ocasião de toda discussão sobre reforma tributária, seja ela proposta pelo Executivo nacional, seja pela própria Fazenda, na Câmara dos Deputados, no Congresso, o que se sente é que nunca se conseguiu uma convergência sobre um modelo mais adequado de painel tributário a ser aplicado em um país de regime federativo como o nosso, com uma área territorial enorme, com problemas muito específicos, singularidades regionais, desde o Sul até a Região Norte. No entanto, a despeito das próprias peculiaridades da Nação, é difícil admitir que o País, com uma legislação ainda tão rudimentar em várias áreas, possa de fato querer inserir-se no bloco do Primeiro Mundo, quando estão em discussão ainda conceitos elementares de tributação e, principalmente, da própria ordem constitucional. Se tivéssemos superado esses entraves, já poderíamos estar mais à frente pelas mãos de um sistema tributário melhor. A discussão, por exemplo, de se incorporar o imposto sobre o valor agregado ao sistema tributário nacional, de forma que se amplie a base imponível e, por consequência, o universo dos contribuintes, parece ser de pouco convencimento nacional. Dificilmente se mudará o sistema tributário nacional pela sequência dos eventos políticos e econômicos. A ampliação da base de tributação, em vez de aumentar as taxas impositivas, é uma velha discussão no Brasil, mas, a nosso ver, é a solução mais conveniente, entre outras razões, considerando que produz uma redução da pressão fiscal sobre a atividade econômica. A expressão impostos sobre vendas, o le chiffre d'affaires, conhecida expressão francesa, abarca várias modalidades impositivas indiretas, com

diferentes estruturas técnicas, no entanto com uma finalidade comum: gravar as operações de compras e vendas com diferenças muito substanciais. Para se ter uma ideia, a origem desses conceitos, em sua estrutura moderna, remonta ao ano de 1916, em que se vislumbrava como forma de se obterem recursos econômicos necessários para financiar os custos excessivos motivados pela Primeira Guerra Mundial, e a partir daí se iniciou uma série de novas tributações sobre determinadas mercadorias. Na Segunda Guerra Mundial, aumentou-se novamente a base imponível (e isso se estendeu então aos serviços), tudo com a finalidade tanto de financiar os gastos bélicos como com o intuito de reduzir a demanda sobre determinados bens. Nos últimos anos, aperfeiçoou-se um tipo de imposição estabelecendo uma nova modalidade em um anteprojeto realizado pela Comunidade Econômica Europeia, em cumprimento do Tratado de Roma, definindo-se naquela ocasião a tributação sobre o valor agregado, exclusivamente. As características mais significativas e resultantes dos impostos indicados, se comparados com a tributação direta, eram as seguintes: aplicação em geral a todos os setores da economia e de atividades, porquanto a base imponível seja muito mais extensa. Isso contabilizava certo grau de anestesia fiscal, considerando que o tributo tende a ser reduzido; e, diminuindo o preço dos bens, produz um alto rendimento estável para o próprio Estado. Na extensão dessa orientação ainda obtém-se um elevado grau de elasticidade, pois o maior desenvolvimento econômico de um país necessariamente produz uma massa tributária mais significativa também. Se desvantagens pudessem haver nisso, talvez somente ainda se pudesse alegar que esse conceito se aplicaria a toda a sociedade, mas sem relevar a discriminação do nível econômico das diversas camadas sociais.

Não se pode perder de vista a repercussão que os impostos indiretos sobre as vendas produzem na vida econômica de uma nação. Isso se verifica especialmente do ponto de vista dos preços, dos bens e dos serviços, o que impacta posteriormente na lei da oferta e da demanda. Estes são instrumentos de política fiscal apropriados para lograr a absorção de capitais e de atividade econômica, ou de esvaziamento de atividade econômica, inibidora do próprio desenvolvimento da nação, independentemente de se aceitar ou se rechaçar a Escola Liberal Manchesteriana do século XIX. A verdade é que o painel tributário de uma nação ou é impulsão e indutor de maior atividade econômica, ou mesmo freio inibidor. Deve-se recordar que os impostos indiretos não consultam a capacidade contributiva dos contribuintes, o que pode indicar distorções importantes na economia, contra as noções do princípio da neutralidade, pelo que se tenta evitar que o tributo interfira nas condições do mercado e, portanto, principalmente na organização empresarial. Igualmente, deve-se levar em conta a influência que os impostos exercem na formação dos capitais, no estímulo ao trabalho, à atividade empresarial, e na produção de mudanças no consumo de bens e serviços. O IVA, em reflexão, como um imposto plurifásico não cumulativo, é uma variante tributária moderna, que poderia lograr resultados positivos na realidade brasileira. Todo imposto plurifásico se aplica às operações de compra e venda, em cada uma das fases do ciclo produtivo e de comercialização, porém sem que se produza um efeito sobre o valor das transações, senão e unicamente sobre o valor agregado. Pergunta-se: quais as vantagens de se adotar o IVA? O efeito do IVA teria uma série de vantagens:

1- Seria inegável sua característica de generalidade; é um tributo geral que poderia ser aplicado em todas as fases dos ciclos produtivos, bens, serviços. 2- De fato, poderia obter um alto rendimento fiscal, considerando a aplicação em todas as etapas de uma cadeia de produção e comercialização de bens; se aplicar-se-ia a um número maior de contribuintes (vendas, prestadores de serviços, profissionais autônomos). 3- Baixa taxa impositiva: um imposto de alíquota menor, com um maior universo de contribuintes. 4- Diminuição do custo administrativo do próprio governo. Experiências mais recentes em países do Primeiro Mundo dão conta de que o governo gasta menos em seu aparelho administrativo quando se alcança um nível de maior eficiência na administração dos impostos. 5- Diminuição da evasão fiscal; é absolutamente consequente que haja uma diminuição da evasão fiscal, considerando que o controle do imposto passa a ser segmentado pelas diversas fases do ciclo de produção. 6- Favorecimento sobremaneira do comércio exterior, dada a facilidade de identificação do montante do imposto incorporado ao preço do bem, todos eles aos diferentes efeitos fiscais aplicáveis às mercadorias nacionais. 7- Eliminação da piramidação, considerando que desaparecem esses efeitos em cascata, dos nossos impostos atuais, e que o imposto se aplica sobre o valor agregado. Pode-se procurar desvantagens ou inconveniências, no entanto, com certeza, pior do que com o nosso ICMS com seus regimes antecipados, o nosso IPI (este é imoral) e o nosso ISS, não vamos ficar. Como continuar tolerando, por exemplo, que as empresas importadoras sejam equiparadas a estabelecimentos industriais? E usando-se ainda de uma

legislação de 1982, que não espelha a realidade atual do País? Tínhamos, naquela ocasião, uma legislação que penalizava o ingresso de produtos estrangeiros. Hoje, com as fronteiras mais abertas, com o enxame de produtos importados que estão nas prateleiras de nossas lojas, nossos supermercados, é impossível tolerar que um importador esteja pagando IPI nas entradas, ICMS nas entradas, imposto de importação, e ainda tenha que recolher IPI nas operações de saída. Por que estamos sempre na contramão do mundo? O que falta aos nossos governantes é decisão política de querer mudar a Nação, é coragem de incluir-nos como um país moderno, atual, próspero, alinhado às tendências do mundo. Será que já não merecemos de fato uma reforma tributária? (Artigo publicado no Jornal do Commercio, Caderno Economia & Negócios, Recife, PE, em 23.10.1997.)