1 Pº R. P. 49/2006 DSJ-CT - Após a realização da escritura de fusão de duas cooperativas de crédito agrícola, a incorporada beneficiou de um registo provisório de hipoteca, em cuja titulação, - que foi efectuada antes do registo (provisório) da fusão - outorgou a cooperativa incorporante. -Existe alguma especificidade no regime jurídico da fusão das cooperativas de crédito, que constitua excepção à regra dos efeitos do registo, estabelecida no art. 112º do Código das Sociedades Comerciais? -Poderá a cooperativa incorporada ser sujeito activo de um registo de hipoteca (provisório por natureza), depois da escritura de fusão? -Poderá a incorporante, antes do registo da fusão, prevalecer-se daquele registo provisório de hipoteca, a favor da incorporada? -Como trazer ao registo predial a alteração da credora hipotecária, incorporada no processo de fusão? PARECER Despachos impugnados: os de qualificação, lavrados em 20 de Dezembro de 2005, dos actos apresentados sob os nºs. 3 e 4, de 10 de Novembro do mesmo ano. Recurso hierárquico: Apresentação nº 2, de 30 de Janeiro de 2006. São estas, em suma, as principais questões que importará analisar no presente I- OS FACTOS: 1- A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL, pediu na Conservatória do Registo Predial de, os seguintes registos: 1.1- rectificação à inscrição (hipotecária) C-1 (Ap. 3/10Nov2005), que: incide sobre o prédio 7353, da freguesia de e foi constituída a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do, CRL, pela titular inscrita do direito de propriedade (G- 1), para garantia do bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades contraídas ou a contrair pela sociedade Lda., juntando: a)-uma certidão do registo comercial, comprovativa da matrícula da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL e demais inscrições em vigor, designadamente a nº 16 Ap. 12/4Out.2004-, (fusão provisória por natureza
2 ao abrigo do nº 2 do art. 76º do Código Cooperativo, sendo esta a incorporante e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do, CRL, a incorporada), b)-uma fotocópia de escritura de hipoteca, lavrada em 29 de Setembro de 2005, segundo a qual: a titular inscrita do direito de propriedade sobre o prédio nº 7353/ (e seu marido) constitui hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, e da qual já foi feito o registo provisório, pela inscrição C-1. c)-dois documentos matriciais relativos à comprovação da inscrição na matriz do prédio sobre que incide o registo e da garantia de harmonização entre os elementos da descrição e os daquela. e d)-uma declaração complementar esclarecendo que o sujeito activo denomina-se Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, cooperativa de responsabilidade limitada, com sede em, incorporante, por fusão, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do,crl. 1.2- conversão da (mesma) inscrição C-1, em definitiva (Ap. 4/10Nov.2005), com base nos documentos da apresentação anterior. 2- Os pedidos assim formulados, foram recusados, atendendo aos arts. 69º, nº 2-2ª parte; 101º, nº 3 a contrario; 43º e 68º, todos do Código do Registo Predial: - o de rectificação da C-1, porque o efectivamente requerido -que não pode ser efectuado provisoriamente por dúvidas-, corresponde a uma solicitação do registo de alteração da denominação da sociedade hipotecária em vez do (como deveria ter sido), averbamento de transmissão do património da incorporada para a incorporante, em consequência da fusão, mas cujo registo, por ser provisório por natureza, sem os mesmo efeitos do definitivo, impede que assim se conclua. - o da sua conversão, por existir desconformidade entre o sujeito activo da inscrição provisória de hipoteca (Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL), e aquela que outorga na escritura (Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL). 3- Inconformada, a interessada veio apresentar o presente recurso hierárquico onde pede o registo definitivo da alteração da denominação da credora hipotecária e da conversão da hipoteca. Resumidamente, sustenta que: - em consequência da escritura pública de fusão, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL, incorporou a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do, CRL, assumindo todos os seus direitos e obrigações e, portanto, passou aquela a ser credora hipotecária na inscrição C-1 sobre o prédio 7353/.
3 - os efeitos da fusão não podem decorrer do seu registo definitivo porque se assim fosse, seria o caos relativamente aos direitos da Caixa incorporada, durante o período em que, por imperativo legal, o registo da fusão é lavrado provisoriamente por natureza: - não existindo, a incorporante estaria impedida de exercer o direito de accionar judicialmente os mutuários em incumprimento, mesmo em caso de prescrição de créditos ocorrida durante o prazo legal da imposição normativa do registo provisório por natureza, assim se lhe negando o direito de impulsionar as acções a correr seus termos, a registar penhoras, a requerer vendas judiciais e a tomar a posição de exequente nas acções executivas intentadas pela Caixa incorporada. 4- No despacho subsequente, a Recorrida manteve a qualificação efectuada. II- APRECIANDO: a) Forma do processo, tempestividade do recurso e legitimidade para recorrer: Apesar de a requisição de registo indiciar o acto apresentado sob o nº 3, como uma rectificação à inscrição C-1, os documentos apresentados apoiam um acto de diferente conteúdo, consubstanciado na vontade de trazer a registo uma alteração na identificação do sujeito activo da inscrição hipotecária. Entendeu-o a Recorrida, ao recusar a alteração da denominação da credora hipotecária, em resultado de qualificação não questionada pela Recorrente que, pelo contrário e como que reforçando aquele juízo, vem sustentar, nas alegações, que, com a fusão a incorporante passou a ser a credora hipotecária, verificandose, em consequência, a alteração da denominação. Ora, sendo pela pretensão que se tenciona fazer valer e, portanto, pelo pedido formulado, que se há-de aquilatar do acerto ou do erro do processo empregue para impugnar a decisão do Conservador, não nos parece existirem dúvidas sobre a adequação formal do presente recurso 1, de cujo mérito, por ter sido tempestiva e legitimamente interposto, passaremos agora a tomar conhecimento. b) O mérito: 1- Vistos os documentos e analisadas as posições em confronto, verificamos que após a realização da escritura de fusão 2 de duas cooperativas de crédito agrícola, a incorporada beneficiou de um registo provisório de hipoteca 3 em cuja titulação, que foi efectuada 4 antes do registo provisório da fusão 5 (art. 76º, 2 Cód. Cooperativo), outorgou a cooperativa incorporante. 1 - Cfr. Código do Registo Predial de 1967, ed. Ministério da Justiça - notas ao art. 4º.; Rodrigues Bastos in Notas ao CPC, 3ª edição, pág. 262; Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.01.1995; Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Junho de 1997. 2 - Realizada em 7 de Setembro de 2005. 3 - Reportada ao pedido apresentado sob o nº 16, em 14 de Setembro de 2005. 4 - Efectuada em 29 de Setembro de 2005. 5 - Datado de 4 de Outubro de 2005.
4 2- Da situação descrita, resultam algumas dúvidas. Localizámos a primeira na concreta e rigorosa determinação do acto requisitado em 10 de Novembro, sob o nº 3. Consideramo-la prejudicada, na esteira das referências acima efectuadas a propósito da forma do processo, tornando supérfluas as que, porventura se entendessem dever colocar relativamente ao recurso contencioso do despacho de indeferimento liminar do pedido de rectificação de registo 6. A segunda, reportámo-la a uma eventual especificidade do regime da fusão das cooperativas de crédito, de molde a que dele resulte uma excepção à regra dos efeitos do registo, prevista no art. 112º do Cód. das Sociedades Comerciais. 3- Após esta indagação, ficaremos habilitados a responder melhor às perguntas subsequentes: -poderá a cooperativa incorporada ser sujeito activo de um registo de hipoteca (provisório por natureza), depois da escritura de fusão? -poderá a incorporante, antes do registo da fusão, prevalecer-se daquele registo de hipoteca a favor da incorporada? -como trazer ao registo predial a alteração da credora hipotecária, incorporada no processo de fusão? Procuremos responder. 4- As caixas de crédito agrícola mútuo são instituições de crédito, sob forma cooperativa, cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária.. 5- O regime jurídico do crédito agrícola mútuo e das cooperativas de crédito agrícola encontra-se especialmente regulado no DL nº 24/91, de 11 de Janeiro 7. Em tudo o que não estiver previsto neste diploma, rege, consoante a matéria 8, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras 9 (e outras normas que disciplinam as instituições de crédito), e o Código Cooperativo (e demais legislação aplicável às cooperativas em geral). 6 - Cfr. Pº RP 167/2005 DSJ-CT. 7 Com as alterações introduzidas pelos DL nºs. 230/95, de 12 de Janeiro, 320/97, de 25 de Novembro e 102/99, de 31 de Março. 8 Isto é, conforme a matéria se relacione ou não -, com a actividade financeira. 9 Aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, e com as alterações introduzidas pelos DL nºs. 246/95, de 14 de Setembro; 232/96, de 5 de Dezembro; 222/99, de 22 de Julho; 250/2000, de 13 de Outubro; 285/2001, de 3 de Novembro; 201/2002, de 26 de Setembro; 319/2002, de 28 de Dezembro e 252/2003, de 17 de Outubro.
5 As lacunas do Código Cooperativo, por seu turno e conforme resulta do respectivo art. 9º, podem ser colmatadas 10 pelos preceitos aplicáveis às sociedades anónimas contidos no Código das Sociedades Comerciais. 6- A fusão é um processo jurídico de realização da concentração económica e redimensionamento das sociedades, que não se reduz ao contrato, propriamente dito, celebrado entre as participantes na denominada escritura de fusão, nem nesta se consome 11. A lei configura-a como uma sequência complexa de actos que visam a união de duas ou mais sociedades mediante ou a transferência global do património de uma (ou mais sociedades), para outra existente ou para uma nova sociedade que, entretanto, se constitua. A escritura de fusão constitui apenas um dos trâmites desse processo que culmina com a inscrição no registo comercial e da qual depende a verificação dos efeitos referidos no art. 112º CSC 12. 7- Embora a lei não distinga entre inscrição definitiva e provisória, nem entre efeitos para com terceiros e efeitos entre as partes, a redacção do art. 112º CSC, conjugada com o disposto nos arts. 5º do mesmo Código e ainda nos 13º e 14º do Código do Registo Comercial, resolve a questão da eficácia do registo, considerando-o constitutivo, e cuja realização definitiva condiciona, conforme afirma Pinto Furtado 13, a verificação do tríplice efeito naquele estabelecido, qualquer que seja a modalidade da fusão 14. Sem a inscrição definitiva da fusão, esta é juridicamente inexistente: a sua data (que é a do registo definitivo) é essencial para a fixação do momento da extinção da sociedade incorporada e para a determinação daqueloutro em que os bens se devem considerar transferidos para a sociedade transmissária 15. Também as cooperativas se podem fundir e a sua fusão está sujeita a registo. Prevêem-no os arts. 74º do Código Cooperativo e 4º -d) do Código do Registo Comercial. 10 A norma do art. 9º do Código Cooperativo deve ser interpretada no sentido em que existe recurso ao Código das Sociedades Comerciais, como direito subsidiário, excepto quando as normas a que se recorre colidam com os princípios cooperativos consagrados no já distante Congresso de Praga, em 1948, pela ACI- Aliança Cooperativa Internacional, e que são, na sua essência, os contidos no art. 3º do Código Cooperativo. 11 Cfr. Pº RP 84/99 DSJ-CT, in BRN 2/2000-II,pág. 27 12 E que são:- a extinção das sociedades incorporadas, a transmissão dos direitos para a incorporante (ou para a nova sociedade); e a aquisição da qualidade de sócios da sociedade incorporante (ou da nova sociedade) pelos sócios das sociedades extintas. 13 Cfr. Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 4ª edição, pág. 550. 14 Cfr. Raul Ventura in Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Almedina, 2003, pág. 223 e Pº.84/99, anteriormente citado. 15 Cfr. Pº RP 121/ 2004 DSJ-CT, não publicado.
6 E também o registo de fusão das cooperativas é constitutivo e o registo definitivo é requisito da produção dos seus efeitos típicos (arts. 76º, nº 5 e 16º Cod. Coop.). 8- Por conseguinte, no caso concreto - em que a fusão se encontra registada provisoriamente por natureza -, ainda não se produziram os efeitos legalmente previstos e, por isso, a cooperativa incorporada mantém a sua personalidade jurídica e a sua plena capacidade negocial e de exercício, na prossecução do seu objecto social. Por isto que deixamos dito e considerando o disposto na al. d) do art. 6º CPC, não subscrevemos as preocupações da Recorrente (que é a cooperativa incorporante), quando afirma que um diferente entendimento leva a que esta se encontre impedida de exercer o direito de accionar judicialmente os mutuários em incumprimento, de impulsionar acções que corram seus termos, a registar penhoras, a requerer vendas judiciais e a tomar a posição de exequente nas acções executivas intentadas pela incorporada. 9- Na solução do problema concreto, julgamos que não trariam quaisquer benefícios práticos as considerações que se fizessem a propósito das variadas concepções que encaram a fusão de sociedades como um fenómeno de sucessão universal (teoria tradicional) 16 ou apenas como um caso de dissolução sem liquidação (teorias individuais) 17. Vejamos a razão: - o averbamento de transmissão do património de um ente colectivo para outro (art. 101º, nº 1 CRPredial), na configuração que lhe foi dada pela Recorrida, deve ser equacionado apenas quanto a imóveis cuja titularidade pertença à entidade incorporada e, salvo melhor opinião, não é esta a hipótese em causa, em que o prédio, que é propriedade duma pessoa (singular), foi hipotecado para garantia de uma operação financeira concedida por uma instituição de crédito que foi incorporada noutra. Em face da pretensão da interessada 18, importará que, depois de comprovada a verificação dos efeitos da fusão, se actualize a inscrição hipotecária, quanto à identificação do sujeito activo, nos termos do nº 1 do art. 100º CRP. Por consequência, afigura-se legítima a recusa do acto apresentado sob o nº 3, por ser manifesto que o mesmo não está titulado nos documentos apresentados [art. 69º, nº 1-b) CRP]. 10- Quanto ao pedido de conversão da inscrição C-1, apresentado sob o nº 4, decorre do que deixámos dito, que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de CRL, não podia prevalecer-se do registo provisório de hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de, CRL. 16 Raul Ventura, in obra citada. 17 Pinto Furtado in obra citada. 18 E, insiste-se, na forma como a entendemos.
7 Com efeito, na data da realização da escritura de hipoteca em que aquela outorgou como hipotecária, ambas as cooperativas (incorporante e incorporada, esta beneficiária do registo provisório), mantinham a sua personalidade colectiva e a sua capacidade de exercício de direitos, nada impedindo que a incorporada (beneficiária do registo provisório), naquela outorgasse 19. Consequentemente, o título notarial apresentado não titula a inscrição provisória C-1, e o pedido de conversão que naquele se sustente deverá ser recusado, conforme a previsão da al. b) do nº 1, do art. 69º CRP. que: Nestes termos, o recurso deve ser considerado improcedente, concluindo-se I- A verificação dos efeitos típicos da fusão de cooperativas depende da respectiva inscrição definitiva no registo comercial, pelo que, enquanto aquela não ocorrer, a cooperativa incorporada mantém a sua personalidade jurídica e plena capacidade de exercício de direitos. II- A inscrição provisória de hipoteca que tenha, como sujeito activo, uma cooperativa incorporada é passível de actualização nos termos do nº 1 do art. 100º CRP, com base na certidão comercial que comprove a inscrição definitiva da fusão. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Director-Geral em 26.03.2007. 19 É infeliz, e não corresponde à realidade, a referência da escritura à circunstância de que da presente hipoteca já foi feito o registo provisório a favor da Caixa Agrícola, pela inscrição C-1.