GESTÃO DE RISCO HOSPITALAR EVENTOS ADVERSOS (EAs) Evento Adverso pode ser definido como lesão não intencional que resultou em incapacidade temporária ou permanente e/ou prolongamento do tempo de permanência ou morte como conseqüência do cuidado prestado (Mendes, 2005; Mendes, 2008). A ocorrência de erros e EAs deve ser interpretada como decorrência de falência dos complexos sistemas técnicos e organizacionais relacionados à atenção à saúde, e não como resultados isolados de ações praticadas por profissionais. São as vulnerabilidades presentes nos sistemas, chamados fatores latentes, que favorecem a prática de erros pelos indivíduos envolvidos com o cuidado, chamados de fatores ativos (Galotti, 2003). Reason descreve em Human erros: models and management, exatamente uma abordagem sobre o erro, classificados em individual e sistêmico e apresente como melhor resultado na busca de melhoria da segurança a busca pela falha no sistema, uma vez que os seres humanos são passíveis de erros e o sistema é que deve ser ajustado e organizado a fim de diminuir a ocorrência dos eventos adversos causados por falhas humanas ou técnicas. Essa perspectiva de que o paciente é colocado sob risco quando está sob cuidados relacionados à sua saúde não advém de dados recentes, mas de estudos que vem sendo realizados já há cerca de 30 anos. Apesar de serem estudos retrospectivos baseados na revisão de prontuários, são as melhores evidências disponíveis. O estudo pioneiro na investigação dos eventos adversos causados em pacientes em decorrência dos cuidados prestados ocorreu em 1974 nos Estados Unidos em 23 hospitais com a análise de 20.864 prontuários de pacientes, e foram encontrados eventos adversos (EAs) em 4,6% dos pacientes (Mills, 1978). Desde lá, vários estudos subseqüentes foram realizados. Um estudo realizado no Canadá com 3745 pacientes mostrou que destes 7,5% sofreram algum tipo de evento adverso, sendo que 36,9% destes eventos poderiam ter sido evitados (Baker et al, 2004). Estudos epidemiológicos realizados nos EUA,
Austrália, Nova Zelândia, Grã-Bretanha, França, Espanha e Dinamarca estimaram uma taxa entre 4% e 17% de ocorrência de eventos adversos, sendo que 50% poderiam ter sido evitados (Aranaz-Andréis et al, 2009). Todos esses estudos foram pautados em relação a eventos que causaram lesão decorrente da assistência, não estando relacionados com a doença de base dos pacientes, que levaram à incapacidade temporária ou permanente, prolongamento da internação ou morte do paciente. Atualmente, O Institute for Healthcare Improvement (IHI), um órgão norte americano relacionado à segurança do paciente possui uma estimativa de que 40 a 50 eventos adversos ocorrem a cada 100 internações nos Estados Unidos. No livro publicado em 1999 pelo Institute of Medicine norte-americano To Err is Human: Building a Safer Health System verificou-se uma estimativa anual de mortes que ocorrem nos Estados Unidos decorrentes de eventos relacionados à assistência ao paciente de 44 mil a 98 mil pacientes em um ano, colocando mortes decorrentes da assistência em saúde como 8ª causa de mortalidade nos Estados Unidos, maior que a de acidentes automobilísticos, câncer de mama ou Aids. Ainda nessa publicação há dados sobre o custo estimado relacionado aos eventos que poderiam ter sido prevenidos, com um custo chegando a 29 bilhões de dólares ao ano (Kohn et al, 2000). No Brasil, existem poucos estudos relacionados com a ocorrência de eventos adversos. O principal deles realizado por pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz (FICRUZ) em 2003 em hospitais brasileiros através da revisão de prontuários observou uma incidência de 10,1% de eventos adversos, sendo que desses, 69,2% poderiam ter sido evitados (Mendes et al, 2005). Pode-se perceber que a incidência de eventos adversos encontrada nestes estudos está próxima às observadas nos demais países, porém o número de eventos adversos que poderiam ter sido evitados é maior no Brasil do que os apresentados mundialmente.
GERENCIAMENTO DE RISCO NA SAÚDE Gerenciamento de Risco em Saúde é a aplicação sistêmica e contínua de políticas, procedimentos, condutas e recursos na avaliação de riscos e eventos adversos que afetam a segurança do paciente. Diante da magnitude do problema mundial envolvendo eventos adversos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) realizou em 2002 o 55 World Health Assembly, onde se criou um grupo de trabalho com o objetivo de estudar metodologias para avaliar os riscos para a segurança do paciente(who 2003). Desse encontro resultou um programa denominado Word Alliance for Patient Safety (Aliança Mundial pela Segurança do Paciente), com propostas e iniciativas para a promoção da segurança do paciente (WHO 2004). Essa Aliança tem o objetivo de despertar a consciência profissional e o comprometimento político para uma melhor segurança na assistência à saúde e apoiar os Estados Membros no desenvolvimento de políticas públicas e na indução de boas práticas assistenciais. Um elemento central do trabalho da Aliança é a formulação de Desafios Globais para a Segurança do Paciente. A cada ano, a Aliança organiza programas que buscam melhorar essa segurança, e a cada dois anos um novo Desafio é formulado para fomentar o comprometimento global e destacar temas correlacionados e direcionados para uma área de risco identificada como significativa em todos os Estados Membros da OMS (WHO, 2005). O Primeiro Desafio Global focou as infecções relacionadas com a assistência à saúde, envolvendo: higienização das mãos, procedimentos clínicos e cirúrgicos seguros, segurança do sangue e de hemoderivados, administração segura de injetáveis e de imunobiológicos; e segurança da água, saneamento básico e manejo de resíduos. Já o segundo Desafio Global para a Segurança do paciente dirige a atenção para os fundamentos e práticas da segurança cirúrgica, que são, inquestionavelmente, componentes essenciais da assistência à saúde (ANVISA, 2008). A preocupação com a ocorrência de eventos adversos motivou a ANVISA a implementar em 2002 a Rede Sentinela, um projeto criado pelo setor de Vigilância
em Serviços Sentinela, integrante da área de Vigilância em Eventos Adversos e Queixas Técnicas da ANVISA, em parceria com os serviços de saúde brasileiros (hospitais, hemocentros e serviços de apoio diagnóstico e terapêutica), Associação Médica Brasileira (AMB) e órgãos de Vigilância Sanitária Estaduais e Vigilâncias Municipais. O objetivo da criação desta rede é trabalhar nas áreas de farmacovigilância, hemovigilância e tecnovigilância, obtendo notificação de reações adversas, agravos e queixas técnicas sobre produtos de saúde para embasar a regularização desses produtos no mercado. Com isso, também cria um meio intra-hospitalar favorável ao desenvolvimento de ações de vigilância sanitária em hospitais, resultando em ganhos significativos de qualidade para os serviços e pacientes. Mais recentemente, por meio da RDC 2/2010 da ANVISA, o gerenciamento de risco passou a ser uma exigência aos estabelecimentos de saúde, pois requer que o mesmo possua uma sistemática de monitorização e gerenciamento de risco das tecnologias em saúde, visando a redução e minimização da ocorrência dos eventos adversos. OBJETIVOS Para além de constituir obrigação legal providenciar um ambiente seguro e livre de risco, visando estratégias de melhoria contínua da qualidade e segurança. A implementação das estratégias deve contemplar ações no sentido de identificar, prevenir, avaliar e tomar medidas de intervenção na ocorrência de um evento adverso e assenta na articulação do funcionamento de diferentes estruturas, com diferentes níveis de intervenção. O programa de Acreditação Hospitalar instituído pela Organização Nacional de Acreditação (ONA) estabelece já no seu primeiro nível o princípio da segurança, onde é imprescindível identificar riscos específicos e os gerenciar com foco na segurança. São objetivos de Gerenciamento de Risco: - Garantir maior segurança de pacientes e prestadores de serviço;
- Investigar as ocorrências de eventos adversos como ferramenta da qualidade dos serviços de saúde; - Ampliar e melhor articular as diversas ações com foco na qualidade e segurança assistencial, facilitando a troca de informações entre as áreas que conduzem as iniciativas; - Impulsionar mudanças de cultura institucional e profissional; - Possibilitar correções nos pontos vulneráveis do sistema; - Permitir a prevenção de falhas; - Colaborar com a Rede Sentinela da ANVISA. IMPORTÂNCIA DO GERENCIAMENTO DE RISCO O gerenciamento de risco com foco na qualidade e segurança dos pacientes e profissionais envolvidos no cuidado deve gerar resultados positivos para a instituição e para os usuários: - Profissionais devidamente treinados e preparados para atendimento dos usuários, evitando assim a ocorrência de eventos adversos; - Criação de uma cultura de notificação dos eventos adversos; - Diminuição da cultura de culpa pelo erro através de treinamentos e da busca pelos pontos críticos do sistema; - Melhor comunicação entre os serviços do hospital com a criação de rotinas que deverão agir nos pontos críticos do sistema; - Melhora do atendimento e segurança para os usuários e profissionais com a padronização dos procedimentos e monitoramento da implantação dos métodos de intervenção; - Diminuição dos custos hospitalares e aumento da satisfação do cliente; - Melhores produtos no mercado, colaborando com a ANVISA através das notificações de queixas técnicas e reações adversas a medicamentos.
REFERÊNCIAS ARANAZ-ANDRÉS, J. M. AIBAR-REMÓN, C.; VITALLER BURILLO, J.; REQUENA- PUCHE, J,; TEROL-GARCÍA, E.; KELLEY, E.; GEA-VELAZQUES DE CASTRO, M.T.; AND THE ENEAS WORK GROUP. Impact and preventability of adverse events in Spanish National Study of Adverse Events (ENEAS). International Journal for Quality in Health Care v.21, n.6, 2009. BAKER, G. Ross; NORTON, Peter G.; FLINTOFT, Virginia; BLAIS, Régis; BROWN, Adalsteinn; COX, Jafna; ETCHELLS, Ed; GHALI, William A.; HÉBERT, Philip; MAJUMDAR, Sumit R.; O BEIRNE, Maeve, PALACIOS-DERFLINGHER, Luz; REID, Robert J.; SHEPS, Sam; TAMBLYN, Robyn. The Canadian Adverse Events Study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. Canadian Medical Association Journal, v. 170 n11 p. 1678-1686, 2004. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: http://anvisa.gov.br/hotsite/sentinela/apresenta.htm> Acesso em 15 de fevereiro de 2010. GALLOTTI, Renata Mahfuz Daud. Eventos adversos e óbitos hospitalares em serviço de emergências clínicas de um hospital universitário terciário: um olhar para a qualidade da atenção. São Paulo, 2003. 136 f. Tese (Doutorado em Ciências) Universidade de São Paulo, São Paulo. MENDES, Walter; TRAVASSOS, Cláudia; MARTINS, Mônica; MARQUES, Priscila Mouta. Adaptação dos instrumentos de avaliação de eventos adversos para uso em hospitais brasileiros. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 11 n.1 p. 55-66, 2008. MENDES, Walter; TRAVASSOS, Cláudia; MARTINS, Mônica; NORONHA, José Carvalho. Revisão dos estudos de avaliação da ocorrência de eventos adversos em hospitais. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 8, n. 4, p. 393-406, 2005. MILLS, Don Harper. Medical insurance feasibility study. A technical summary. West Journal Medical v.128 p. 360-365, 1978. REASON, Jason. Human error: models and management. British Medical Journal, v. 320, p. 768-770, 2000. World Health Organization. World Alliance for Patient Safety: forward programme. Genebra, 2005. World Health Organization. Patient Safety: Rapid Assessment Methods for Estimating Hazards. Genebra; 2003