LUXAÇÃO ACRÔMIOCLAVICULAR Camila Rizzotto Raísa Freitas Spanhol Felipe Milach Figueiredo Fábio Milach Gervini UNITERMOS ARTICULAÇÃO ACROMIOCLAVICULAR/lesões; LIGAMENTOS ARTICULARES/lesões; LUXAÇÃO DO OMBRO/radiografia; LUXAÇÃO DO OMBRO/classificação; LUXAÇÃO DO OMBRO/terapia; LUXAÇÃO DO OMBRO/complicações. KEYWORDS ACROMIOCLAVICULAR JOINT/INJURIES; LIGAMENTS, ARTICULAR/INJURIES; SHOULDER DISLOCATION/radiography; SHOULDER DISLOCATION/classification; SHOULDER DISLOCATION/therapy; SHOULDER DISLOCATION/complications. SUMÁRIO A articulação acrômio clavicular faz parte do conjunto anatômico que compõe o ombro. Ela é responsável pela estabilização e junção do esqueleto apendicular superior ao axial. Lesões traumáticas ou crônicas desta articulação levam a perda de função do membro superior. Lesões do tipo luxação nesta articulação representam 15% das luxações do ombro. A incidência desta patologia pode estar subestimada devido à parcela de pacientes que apresentam a patologia após o trauma e não procuram emergência médica ou consultas para diagnostico. SUMMARY From the anatomical point of view, the acromioclavicular joint is part of the shoulder. It is responsible for the stabilization of the shoulder and it is the junction between the axial skeleton and the superior appendicular skeleton. Traumatic or chronic lesions of this joint can lead to important restriction of function. Acromioclavicular dislocation represents 15% of shoulder dislocations. The incidence of this pathology could be underestimated because a large parcel of patients do not seek emergencies for treatment at the time of the injury leaving the pathology undiagnosed.
INTRODUÇÃO A Articulação acromioclavicular (AAC) é uma diartrose localizada entre a porção lateral distal da clavícula e a margem medial do acrômio (parte da escápula). Esta articulação é estabilizada por ligamentos capsulares e extra capsulares como visualizado na Figura 1. Os músculos trapézio e deltoide conferem a estabilidade dinâmica e são importantes na preservação das distâncias articulares durante o movimento. A AAC é circundada por uma fina cápsula que é composta e reforçada pelos ligamentos acromioclaviculares superiores, inferiores, anteriores e posteriores (Figura 2). As fibras dos ligamentos superiores se misturam as fibras musculares do trapézio e deltoide conferindo estabilidade adicional através da inserção na face superior da clavícula e do acrômio. O ligamento coracoclavicular é denso e forte tendo suas fibras partindo da porção inferior da clavícula para a base do processo coracóide. O ligamento CC é composto por duas bandas: o ligamento conóide e o ligamento trapezoide. Estes ligamentos são os principais suspensores do membro superior, auxiliares na rotação da escápula e na abdução da articulação glenoumeral, o que permite a elevação do braço. Figura 1 - Ombro, visão anteroposterior (AP). 6
Figura 2 - Ombro, visão lateral (perfil perfeito). 6 MECANISMO DO TRAUMA A luxação acrômioclavicular (LAC) está intimamente associada aos esportes de contato ou aos acidentes veiculares. O mecanismo de trauma pode levar a luxação pura ou a luxações esternoclaviculares e fraturas associadas da clavícula e do acrômio. O trauma direto sobre o ombro ainda é a principal causa de LAC. Uma força direta aplicada contra o ombro produzida pelo contato ou pela queda do paciente sobre o braço em posição abduzida são causas de LAC. Essa cinética leva ao deslocamento medial e caudal do acrômio levando a lesão. Não ocorrendo fratura, primeiramente, a força pode ser suficiente para estiramento dos ligamentos acrômioclaviculares e ruptura dos ligamentos CC, o que resulta na queda aparente do ombro. Outro mecanismo associado com esta lesão, que leva ai deslocamento inferior da clavícula abaixo do coracóide, são os traumas severos na superfície superior da clavícula distal associada à abdução do braço. Lesões indiretas ocorrem através da transmissão de energia após a queda com a mão espalmada. A cinética do trauma leva a energia da mão, passando pelo antebraço e pela cabeça umeral até o processo acromial produzindo os mais diversos graus de lesão. Puxões do braço em direção caudal também levam a lesões da AAC, embora este mecanismo seja bastante incomum. CLASSIFICAÇÃO Originalmente a LAC era qualificada em graus I a III, entretanto foram sugeridos novos graus (de IV a VI) os quais são maiores indicadores para tratamento cirúrgico, Figura 3.
Figura 3 - representação esquemática dos graus de LAC. 7 Grau I: uma força leve no ombro produz pequeno estiramento das fibras ligamentares AC. Os ligamentos não sofrem ruptura e a articulação mantém sua estabilidade. Grau II: uma força moderada é o suficiente para ruptura dos ligamentos da articulação. A força porção distal da clavícula fica instável no plano horizontal (anteroposterior), mas a estabilidade vertical é preservada pelo ligamento CC intacto. Grau III: quando uma força severa atinge o ombro a completa LAC ocorre e o ligamento CC sofre ruptura completa. Variantes do tipo III são observadas com completa separação das superfícies articulares da clavícula distal e do acrômio. Crianças associam estas lesões a injurias tipo Salter-Harris I e II preservando a epífise óssea e a AAC na região acromial enquanto a metáfise da clavícula distal se desloca superiormente, o ligamento CC é preservado podendo, então, permitir manejo conservador da lesão. Grau IV: deslocamento posterior distal da clavícula sobre o músculo trapézio. Relativamente incomum, mas causa deformidade aparente na pele. Grau V: é uma versão severa da lesão grau III, onde a ruptura completa de todos os ligamentos leva a clavícula até o tecido subcutâneo se tornando aparente próxima à base do pescoço. Grau VI: é bastante raro e se apresenta com deslocamento caudal da clavícula. Ocorre, em geral, em politraumatizados severos com outras lesões associadas. AVALIAÇÃO CLÍNICA Escoriações na pele, presença de equimoses na região do ombro são sugestivas de LAC, embora inespecíficas. Pacientes com lesões AC agudas em geral se apresentam na emergência ortopédica com historia recente de trauma do ombro. A coleta de uma boa anamnese que apoie os mecanismo de trauma associados à LAC é o inicio para um diagnostico acurado, especialmente quando associada à boa ectoscopia e avaliação da função do membro afetado (Figura 4)
Figura 4 - Ectoscopia paciente com LAC. Observar sinal da tecla. Arquivo pessoal. Sempre que possível, no exame inicial, o paciente deve ser avaliado na posição ortostática ou sentada, tendo em mente que o peso gravitacional do braço exacerba possíveis deformidades no ombro. Nas lesões de grau I o exame físico revela desconforto leve a moderado e edema sobre a AAC, sem deslocamento aparente ou palpável, mínima dor aos movimentos do braço e nenhum desconforto no espaço córacoacromial. No grau II com subluxação da AAC presente o paciente apresenta dor importante no local e a superfície distal da clavícula pode estar levemente superior ao acrômio. Movimentação do ombro gera dor na região e a clavícula distal pode apresentar instabilidade e flutuação (sinal da tecla). Lesões grau III resultam em deslocamento completo da AAC, o braço se apresenta na posição aduzida, próximo ao corpo e em posição elevada, o ombro está baixado e a clavícula proeminente o suficiente para marcar a pele subjacente. Dor moderada é esperada e esta aumenta com qualquer movimento do braço, especialmente na abdução. Investigação completa para avaliar possível fratura da tuberosidade da clavícula deve ser realizada. No tipo IV a clinica se assimila ao tipo III, exceto a clavícula que se desloca de maneira posterior. LAC nos graus V e VI são mais graves e estão associadas a lesões da parte muscular e tecidos moles próximos. Elas geram deformidades mais aparentes. No tipo V pode ocorrer lesão por tração do plexo braquial gerando clinica neurológica, e no tipo VI fratura da clavícula distal e visualização da proeminência do acrômio são sinais presentes.
EXAMES COMPLEMENTARES O exame radiológico é a melhor ferramenta diagnóstica para lesões da AAC. Incidências de rotina são: anteroposterior (AP) com paciente em pé ou sentado e radiografia com incidência de Zanca (tilt cranial de 20 graus) que revela a AAC sem a sobreposição escapular e de maneira panorâmica o que permite melhor avaliação do espaço articular. A incidência axilar lateral (similar ao perfil) permite observar a articulação de maneira a avaliar deslocamentos posteriores da clavícula e pequenas fraturas desta, que não se evidenciam no AP. As incidências em AP com estresse também podem ser solicitada para melhor avaliação do grau de lesão. Ocasionalmente luxações não se tornam aparentes no raio-x pelo próprio paciente ter reduzido à lesão apoiando o ombro machucado sobre o sadio. Radiologicamente podemos classificar as lesões nos graus I-VI como descrito anteriormente. No tipo I não se observam alterações exceto por possível opacidade inespecífica sugerindo edema de partes moles. No tipo II a Figura 5 raio-x AP ombro normal. Acervo pessoal porção lateral da clavícula está elevada em relação ao ombro sábio e AAC pode apresentar espaço aumentado. No tipo III, como na foto acima (Figura 6), a clavícula distal está deslocada superiormente, passando a borda superior do acrômio. Raramente a luxação AC esta acompanhada pela fratura do processo coracóide ao invés da ruptura do ligamento córacoclavicular. TRATAMENTO Figura 6 raio-x AP ombro com LAC. Acervo pessoal Conservador
O tratamento da LAC depende de diversos fatores, especialmente, do grau de lesão no momento do diagnóstico. Existem possibilidades conservadoras e cirúrgicas de tratamento e a escolha do método passa pelo grau de lesão, pela motivação do paciente e pelo tipo e pela demanda de uso do ombro acometido. O tratamento cirúrgico sempre pode ser realizado após falha ou após insuficiência do tratamento conservador. Nas lesões grau I a indicação é conservadora. Orientações gerais quanto ao tipo de esforço e de exercícios permitidos são parte do tratamento bem sucedido. É orientada a aplicação de gelo local para diminuir desconforto e dor. O uso de tipóia pode ser sugerido para proteger o ombro de novas lesões até que o arco de movimento volte a ser completo e sem dor. Em geral os sintomas subsidem após 7 a 10 dias de repouso completo. Nas lesões grau II é necessária imobilização com tipóia por 10 a 14 dias até que os sintomas apresentem melhora. A sequencia são os programas de reabilitação gradual. Orientar o paciente a evitar exercícios extenuantes com o membro afetado e evitar esportes de contato por 8 a 12 semanas, período em que se da à completa cicatrização dos ligamentos acometidos. Dor persistente nestes pacientes estão associadas à osteólise pós-traumatica da clavícula, porções rasgadas de ligamento interpostas na articulação ou porções soltas da cartilagem articular. Sintomas sugestivos podem levar a indicação de artroplastia da AAC. Nas lesões grau III não esta definido o melhor tipo de tratamento. Os resultados cirúrgicos e conservadores se assimilam, exceto nos pacientes com separação severa da articulação (de 2 cm ou mais) quando a fixação cirúrgica mostrou melhores resultados funcionais. Figura 7 - A) reparo com frios B) pinos de steinmann/fios de Kirchner C) parafuso transclavicular. 1 Cirúrgico Existem diversas técnicas cirúrgicas para tratamento da LAC. Estas são empregadas de acordo com o tipo de lesão e o grau de lesão apresentadas pelo paciente. Os procedimentos descritos são: fixação AAC, reparo do ligamento CC,
excisão da clavícula distal e transferência ligamentar. A associação de procedimentos pode estar presente no tratamento cirúrgico. Fixação da AAC Redução fechada ou aberta da articulação e fixação com pinos de steinman com auxilio da fluoroscopia. Reparo ligamentar o mais próximo possível da anatomia. O pós operatório com limitação da abdução do braço e incentivar o paciente a movimentar cotovelo e mãos. Retirada dos pinos/fios com 6 a 8 semanas e iniciar fisioterapia motora. Técnica com alto índice de recidiva, e possível infecção no trajeto dos fios metálicos é uma preocupação. Reparo Ligamentar (CC) Consiste na colocação percutânea de um parafuso específico entre a clavícula e a base do coracóide. Sem reparo ligamentar cirúrgico. Fixação córaco clavicular pode ser obtida através da cerclagem da clavícula e o processo coracóide com diversos matérias (fios e enxertos). Entretanto estas técnicas estão associadas a fraturas do coracóide e da clavícula distal devido à ação erosiva dos materiais de síntese utilizados, embora esta seja uma complicação rara. Excisão Cirúrgica da Clavícula Distal Aplicada em lesões crônicas e sintomáticas de grau II ou mais grave, no grau III ou mais a técnica deve ser associada à reconstrução do ligamento CC. Importante lembrar que esta técnica não esta indicada para lesões agudas. Transferência do Ligamento Córacoacromial para a Clavícula Em associação com a cerclagem subcoracóide da clavícula e a excisão distal da clavícula, a transferência do ligamento córacoacromial fornece estabilidade a longo prazo e é utilizada em casos de luxações crônicas ou reintervenções cirúrgicas, em caso de falha de outras técnicas. PROGNÓSTICO Lesões grau I tem excelente prognóstico funcional. A maioria dos pacientes recupera ADM e fica livre de dor em até 2 semanas. Pacientes com lesões grau II em geral se recuperam completamente. Apenas uma pequena parcela destes necessita de cirurgia. Lesões de graus III a VI tem prognostico variável, geralmente bom, com o tratamento cirúrgico. O tratamento conservador é considerado exceção em
luxações grau IV ou mais grave. Resultados aceitáveis são encontrados em ate 90% dos pacientes. COMPLICAÇÕES Nas Lesões Agudas A LAC pode estar associada a outras lesões no momento do trauma. Lesões neurovasculares importantes, dissociação escapulotorácica e fraturas devem ser afastadas no paciente politraumatizado. Calcificação do Ligamento CC Independe da escolha de tratamento, mas é um achado casual que não modifica prognóstico e resultados funcionais tardios. Complicações Cirúrgicas Incluem as iatrogênicas, fraturas nos locais de síntese, perda da fixação interna, falha do material de fixação e migração do material de fixação. Osteomielite e infecções da ferida operatória são incomuns. Migração de Material Os fios de fixação tendem a migrar devido à movimentação do membro operado. Podem ocorrer, embora raro, migrações até pulmão, artéria subclávia, medula e pescoço. Falha dos Reparos em Tecidos Moles Em lesões crônicas tratadas sem fixação interna os reparos ligamentares podem falhar. Isso ocorre especialmente em lesões com grande diástase entre a clavícula e o coracóide devido ao aumento da força tensional no reparo. Complicações Crônicas Mesmo que não tratadas na emergência estas complicações são realidades clinicas importantes por sempre fonte de dor, desconforto e restrição do movimento do paciente. Osteólise da clavícula distal é uma complicação rara que depende da forma de tratamento escolhida. Apresenta-se com dor, perda de força e desconforto com flexão e abdução do lado acometido. Essa condição é mais comum em pacientes que levantam pesos cronicamente como nas atividades
laborais pesadas. Repouso é indicado e se não houver melhora a excisão da clavícula distal pode se fazer necessária. REFÊRENCIAS 1. Chapman M, Szabo R, Marder R, et al. Chapman's orthopaedic surgery. 3th ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 2001. 2. Wiesel SW, Delahay JN. Essentials of orthopedic surgery. 4th ed. New York: Springer; 2010. 3. Skinner H, Fitzpatrick, M. Current essentials orthopedics. New York: McGraw-Hill Medical; 2008. 4. Solomon L, Warwick D, Nayagam S. Apley s system of orthopaedics and fractures. 9th ed. Boca Raton: CRC Press; 2010. 5. Canale ST, editor. Campbell s operative orthopaedics. 11th ed. St. Louis: Mosby; 2007. 6. Gray H, Holmes T. Anatomy descriptive and surgical. 17th ed. New York: LEA & Febiger; 1908. 7. Heckman JD, Bucholz RW, Court-Brown CM, et al. Rockwood and Green s fractures in adults. 7th ed. New York: Lippincott Williams & Willkins/Wolters Kluwer; 2009.