Efeitos dos programas de regularização sobre o mercado de solo urbano: a formação das plus valias nas urbanizações informais.



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Transcrição:

Efeitos dos programas de regularização sobre o mercado de solo urbano: a formação das plus valias nas urbanizações informais. Antônio Augusto Veríssimo* 1 Introdução A ocupação e o parcelamento e venda ilegal de terras têm sido as formas mais freqüentes de expansão das grandes e médias cidades dos países do terceiro mundo. Estes processos de urbanização sem urbanismo avançam sobre áreas do entorno das cidades anteriormente destinadas ao uso agrícola ou ainda sobre áreas virgens não exploradas e vazios urbanos, produzindo assentamentos humanos desprovidos de infra-estrutura e serviços básicos, onde se fixam famílias de baixa renda à espera da chegada urbanização e de regularização fundiária. A demanda que recorre a este tipo de produto (o lote sem serviços) é formada por um contingente de trabalhadores urbanos que se apresenta como demanda insolvável para o mercado fundiário e imobiliário formal, que, por este motivo, busca no submercado informal de lotes urbanos uma forma de inserção na cidade. O mercado de lotes irregulares e clandestinos é um submercado do mercado imobiliário informal que atende a demanda por terra para a produção de unidades habitacionais para setores da força de trabalho de baixa renda. Este atendimento se dá por meio da oferta, no mercado de lotes resultantes do parcelamento do solo, sem a observância, total ou parcial, da legislação urbana. Este submercado, embora informal, está também submetido a um conjunto de regras e princípios que, segundo o economista Pedro Abramo, compõe a lógica moderna de coordenação social das ações sociais, e econômicas, que marca a estrutura sócio-espacial das cidades brasileiras e latinoamericanas (Abramo, 2007: 1-2). Funções econômicas e sociais da informalidade A produção informal de lotes não está dissociada do mercado imobiliário em geral, pois esta cumpre neste mercado uma função econômica e social que é a de prover terra para a produção habitacional a preços acessíveis para determinados segmentos sociais considerados não solváveis para o mercado imobiliário formal. Esta oferta informal somente se viabiliza economicamente porque a demanda a que se destina não é atendida pelos agentes produtores de lotes urbanos que atuam na legalidade, sejam eles privados ou públicos. A inexistência de uma oferta formal cria as condições para a atividade informal que, sem concorrência (a não ser aquela estabelecida entre os próprios agentes informais) fica livre para impor padrões urbanísticos de baixíssima qualidade a preços relativos elevados. Estudo realizado por este autor comprova que em muitos casos o preço pago por um lote informal sem serviços, ou com serviços precários, seria suficiente para custear toda a dotação da infra-estrutura básica exigida pela legislação vigente do parcelamento do solo, desde que fosse investida em obras de infra-estrutura a parcela do preço pago relativa à antecipação da valorização futura, garantida ao empreendedor a remuneração média da atividade da indústria da construção civil. Esse estudo demonstrou que grande parte desta demanda, que é considerada não solvável pelo mercado formal, possui efetivamente condições de arcar com o custo de produção de um lote urbanizado. (Veríssimo, 2007:31-39) * Arquiteto e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional / Secretaria Municipal de Habitação / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro / Brasil.

2 As lógicas mediadoras do mercado fundiário urbano Para explicar a formação da estrutura das grandes cidades latino-americanas, Pedro Abramo identifica duas grandes lógicas do mundo moderno de coordenação das ações individuais e coletivas que se consolidaram a partir da construção dos Estados Nacionais. A primeira atribui ao Estado o papel de coordenador social das relações entre os indivíduos e os grupos sociais, funcionando como mediador social definidor da forma e da magnitude do acesso à riqueza da sociedade. A segunda atribui ao mercado, por meio das relações de trocas, a mediação do acesso à riqueza social. Tratando especificamente do acesso ao solo urbano, aquele autor define que, a partir da lógica de Estado, exige-se dos indivíduos ou grupos sociais algum acúmulo de capital, que pode ser político, institucional, simbólico ou de outra natureza, capital este que o habilita a participar do jogo de distribuição das riquezas sociais. A lógica de mercado, por outro lado, somente admite a possibilidade de se ter acesso à terra urbana através do acúmulo de capital monetário. Para Abramo, a lógica de mercado pode adquirir duas diferentes formas institucionais: Uma, denominada de mercado formal, é condicionada pelos marcos normativos do Estado que estabelecem o campo das relações econômicas legais, e outra, denominada mercado informal, caracterizado pelas relações que se estabelecem à margem do sistema legal. Assim, a lógica de mercado de coordenação social de acesso à terra urbana se manifesta através de relações legais ou ilegais. No primeiro caso, a coordenação é exercida pelo mercado formal, enquanto no segundo caso o processo de acesso ao solo urbano é mediado por um mercado informal (Abramo, 2007: 2). Existe ainda uma terceira lógica de acesso à terra urbana que Pedro Abramo denomina de lógica da necessidade. Esta seria simultaneamente a motivação e a instrumentalização social que permite a coordenação das ações individuais ou coletivas de dos processos de ocupação do solo urbano. Esta lógica não exigiria o acúmulo de nenhum dos capitais identificados para as lógicas de Estado e mercado, em princípio, apenas a condição da absoluta necessidade de dispor de um local de moradia seria o elemento acionador dessa lógica de acesso à terra urbana 1. Verifica-se, no entanto, que embora o submercado de lotes informais esteja submetido primordialmente à lógica de mercado, na sua forma institucional de mercado informal, está submetida simultaneamente também às determinações das lógicas de Estado e de necessidade. Pode-se identificar a subordinação à lógica de Estado no momento em que se constata serem os parcelamentos não-regulares resultado, também, da atuação do Estado, quando este define normas urbanísticas e distribui recursos e investimentos públicos no território (definição de forma de acesso à riqueza social) que servem de instrumento para a criação ou o aprofundamento da segregação sócio-espacial, segregação esta que atua em benefício da reprodução maximizada do capital imobiliário. Ainda sob a égide desta lógica está a questão do próprio acesso à regularização via ação do poder público, que somente se efetiva em função de luta e acúmulo de força política pelos moradores, o que está bem exemplificado no caso da luta empreendida pelos moradores em loteamentos nos final dos anos 70 na Cidade do Rio de Janeiro. (Jesus et all.2006:19-30) 1 Analisando o quadro mais recente dos processos de acesso ao solo urbano nas grandes cidades brasileiras, pode-se concluir que as lógicas de mercado e de necessidade se articulam para viabilizar este acesso. Já não são freqüentes nas grandes cidades os processo de ocupação onde não se exigem dos ocupantes algum aporte, prévio ou posterior, de capital monetário ou político.

Identifica-se a subordinação à lógica da necessidade quando se constata que apenas por estarem em situação de necessidade e ausência de alternativas 2 se submetem os adquirentes de lotes em parcelamento não-regulares às precárias condições de infra-estrutura, acesso e serviços que estes oferecem. (Smolka, 2007:71-78) Para entender ainda o fenômeno da produção de parcelamento não-regulares é necessário ter em conta que o mercado imobiliário informal (no qual esta produção está inserida), embora esteja estabelecido à margem do sistema legal, está, em termos econômicos, integrado ao circuito de valorização e acumulação do capital ao oferecer solo a preços acessíveis para a produção habitacional autoconstruída por setores de baixa renda da força de trabalho. A possibilidade da existência desta oferta desobriga o capital de incluir no valor dos salários pagos aos trabalhadores o montante necessário para suprir as despesas com habitação (um dos componentes mais importantes da cesta básica de reprodução da força de trabalho) ao custo em que esta é oferecida no mercado imobiliário formal. Por outro lado, desonera também, pelo menos no curto prazo, o Estado, que só posteriormente será cobrado a suprir a demanda por infra-estrutura e serviços nesses locais de moradia. 3 A formação de preços no submercado informal de lotes. O submercado informal de lotes, como mercado primário, tem seus preços determinados por condicionantes endógenos e exógenos, sendo determinante para que produto lote ganhe preço no mercado que o mesmo possua determinados atributos relacionados às seguintes condições: - edificabilidade (relevo e topologia); - localização no território; - condições especiais de comercialização; - possibilidade da captura de antecipação de valorização advinda da intervenção pública de regularização. Condição 1 - está associada aos aspectos físicos do lote, tais como, dimensões, relevo e condições topológicas, variáveis que vão determinar um maior ou menor custo de produção da edificação si. Uma conformação que não permita um melhor aproveitamento ou um relevo que implique na necessidade de obras especiais (aterros, cortes e contenções) para a viabilização da edificação exigirá um desconto no preço do lote por parte do loteador. Esta condição tem a ver com as características próprias do terreno e também com a maior ou menor habilidade do loteador em efetuar o dimensionamento e arranjo das parcelas no terreno viabilizando, ou não, o maior e melhor uso do solo. Um desenho que possibilite um uso mais intensivo do solo contribuirá mais para a formação do preço, e conseqüentemente para a extração de mais renda da terra. Condição 2: a situação do loteamento em relação aos meios de transporte público, acessibilidade ao centro de negócios, serviços e de oferta de empregos é fator determinante, sendo esta a condição de maior peso na formação do preço da terra. Este fator, no entanto, já tende a estar presente na formação do preço da gleba original, não sendo o componente principal do ganho do loteador. Condição 3: A condição de insolvabilidade frente ao mercado formal é condição importante, porém não exclusiva, para a existência e funcionamento deste submercado, sendo também, por outro lado, o maior limitador das suas possibilidades de ganho. Para viabilizar as vendas os loteadores informais oferecem aos adquirentes condições de pagamento diferenciadas com relação àquelas praticadas no mercado formal, o que implica uma maior flexibilidade na forma de pagamento e na criação de formas alternativas de cumprimento das obrigações que incluem, em alguns casos, a entrega de bens, móveis e imóveis, como parte do pagamento e/ou a prestação de serviços. Condição 4: A possibilidade de antecipar a valorização futura, que virá com a realização de obras de urbanização, implantação de equipamentos e serviços e com a regularização fundiária é o 2 Segundo SMOLKA, A maioria das famílias de mais baixa renda não escolhe um assentamento informal porque neste lhe oferecem um lote por menor preço, senão porque com freqüência só possuem esta alternativa.

componente mais importante do ganho excepcional (plus valia) a ser capturado pelo loteador. Esta possibilidade fica potencializada quando existem fortes indícios de que estes benefícios chegarão em um prazo relativamente curto, em função da vigência de políticas e programas públicos voltados para o reconhecimento e regularização desses assentamentos. Quanto mais provável esta possibilidade, mais alto será o preço de transação dos lotes ofertados. (Snolka, 2007) Neste sentido, haverá maior extração de plus valias quanto maior for a capacidade do loteador de antecipar as decisões de investimento do Estado em dotação de infra-estrutura, conforme explica Pedro Abramo. Como diria Keynes dos especuladores do mercado financeiro, os loteadores são os verdadeiros profissionais da antecipação, agentes que ganham na antecipação das ações de urbanização futura do Estado onde todos os riscos futuros ficam por conta das famílias populares que adquiriram um lote com um bônus virtual de urbanização. Aqui cabe dizer que o senso comum se equivoca novamente, pois a prática dos loteadores e urbanizadores piratas não é arcaica ou pré-moderna, ela é uma prática sofisticada dos mercados financeiros e que exige ser regulada, tal como nos mercados financeiros (Abramo 2007b:20-21). Conhecer esta prática, compreender suas lógicas e tentar responder a algumas questões pertinentes a este tema é o desafio que se impõe neste trabalho. 4 Os programas de regularização e as expectativas de valorização. Os assentamentos urbanos informais desempenham no contexto urbano latino-americano um importante papel, pois são os locais de residência e reprodução de grande parte da população trabalhadora de baixa renda das cidades, sendo, praticamente, a única alternativa de moradia e possibilidade de inserção no meio urbano para os mais pobres. Até o final dos anos setenta as políticas públicas para os assentamentos informais na América Latina foram muito diferenciadas, variando da total inércia frente ao tema até a promoção, predominante, de violentas ações de remoção, passando por experiências de isoladas de reassentamento consentido ou de urbanização destes assentamentos. A partir de então, e por toda a década dos oitenta, diversas ações de regularização, especialmente aquelas relacionadas à garantia da propriedade ou posse da terra, foram experimentadas em cidades latino-americanas, especialmente no Peru, na Nicarágua, no Chile e no Brasil 3 (BRAKARZ,2002:22). Nos anos noventa, houve uma disseminação por toda a América Latina de Programas de Melhoramento de Bairros PMB, impulsionados pelas agencias de financiamento internacionais (BIRD e BID), sendo exemplos: no Ecuador o PROMIB; no Perú o MIDB; no Uruguay o PIAI; no Chile o PMB; na Colômbia o MVE e o PRIMED; na Argentina o PROMEBA; na Venezuela o PROMUEBA; na Bolívia o SME e no Brasil 4 o PROAP. (Brakarz, 2002:30). Na década passada, os programas de melhoramento de bairros passaram a envolver maiores volumes de recursos com a promoção de intervenções de maior impacto, sendo destaque, especialmente, os vultosos investimentos em meios de transporte mais sofisticados tecnologicamente, tais como os teleféricos implantados em assentamentos informais das cidades de Medellin (Colômbia), Caracas (Venezuela) e Rio de Janeiro (Brasil). Três décadas de investimentos em regularização de assentamentos informais, com ações e resultados amplamente divulgados pela imprensa e pela mídia em geral, parecem já ter sinalizado 3 Em função de experiências institucionais pioneiras e bem sucedidas realizadas nas cidades de Belo Horizonte (PROFAVELA, 1983), Recife (PREZEIS,1983) e Rio de Janeiro (Projeto Mutirão e Núcleo de Regularização de Loteamentos, 1984) no início dos anos 80, varias cidades brasileiras passaram então a incorporar em suas agendas programas de urbanização e regularização de favelas e loteamentos. 4 Nos anos 90, agora com recursos das agencias internacionais (BIRD e BID) estes programas foram ampliados dando mais ênfase às ações de urbanização com a incorporação de componentes de inclusão social e geração de emprego e renda.

para a sociedade, e o mercado, a inevitabilidade de um ocupante de uma área informal vir, no médio ou no logo prazo, a receber algum tipo de benefício que represente, em alguma medida, a sua garantia de posse ou propriedade de um imóvel urbano dotado de infra-estrutura e serviços. O mercado informal de solo, assim como o formal, também antecipa no preço de venda a expectativa de valorização futura. A expectativa de investimento público em urbanização e regularização da posse da terra, alimentada pelo anúncio das intenções ou resultados das ações do poder público nessa área, potencializa, portanto, a possibilidade de antecipação da renda da terra pelo parcelador informal. 5 O circuito de inserção dos pobres à cidade pela via do mercado informal. Para uma adequada compreensão de como se viabiliza a inserção dos pobres à cidade pela via do mercado informal, e a conseqüência deste processo como definidor de um determinado circuitoprodutor de plus valias, faz-se necessário retornar ao conceito desenvolvido anteriormente sobre a interação das diversas lógicas de coordenação social na produção da informalidade urbana e avaliar seus efeitos sobre o mercado de lotes urbanos. O esquema gráfico abaixo procura situar as diversas formas de produção habitacional vigentes nas cidades latino-americanas segundo as lógicas (ou suas interações) a que estão submetidas. Necessidade Mercado Loteamentos ilegais Favelas sem serviços Habitação de mercado Loteamentos regularizados Favelas regularizadas Habitação com subsídios Habitação social Estado Observando-se o esquema gráfico anterior, é possível imaginar diversos circuitos de inserção dos pobres à cidade a partir das diversas lógicas de mediação tais como: a aquisição no mercado de uma habitação formal em área de baixa renda; a aquisição no mercado de uma habitação subsidiada pelo Estado; o acesso a uma habitação produzida pelo Estado; a aquisição de um lote em um loteamento ilegal; ou a ocupação de terras. Para efeito deste estudo, no entanto, nos interessa observar com maior detalhe aquele circuito de acesso que nos parece ser o que promove a formação de plus valias, ou seja, o maior incremento dos preços do solo urbano produzidos pelo desenvolvimento urbano e, em especial, pelos investimentos públicos realizados no processo de regularizaçaão, que permite a maior antecipação de valorização futura do lote, qual seja o circuito que se inicia com a aquisição de um lote em um loteamento ilegal 5, passa por uma ação estatal de urbanização com titulação e, finalmente, se insere no mercado formal, conforme pode ser visualizado no gráfico seguinte. 5 Não obstante, outros circuitos podem também ser identificados como, por exemplo, aquele definido por uma ocupação de terras onde a expectativa da obtenção gradativa de benefícios, tais como: infra-estrutura, serviços equipamentos e,

6 Necessidade Mercado Loteamentos ilegais Favelas sem serviços Habitação de mercado Loteamentos regularizados Favelas regularizadas Habitação com subsídios Habitação social Estado O circuito de valorização e sua antecipação pelo parcelador na forma do incremento do preço do lote. A participação do Estado na produção habitacional para baixa renda se dá por meio de investimento de recursos públicos que se realizam basicamente de três formas: i) produção direta de unidades habitacionais pelo Estado; ii) oferta de subsídio à demanda para aquisição de unidades no mercado; ii) regularização urbanística e fundiária de assentamentos informais. Em todos os casos, a participação do Estado pressupõe o consumo de recursos do fundo público 6 para o atendimento de uma demanda habitacional considerada não solvável para o mercado imobiliário formal. (Oliveira, 1998) No caso específico dos investimentos realizados na regularização de loteamentos informais, o conhecimento prévio desta atuação estatal por parte do empreendedor informal e do adquirente permite ao primeiro a incorporação, ao preço da venda do lote informal, de uma parcela relativa à antecipação da valorização futura plus valia -, obtida com a regularização urbanística e fundiária do loteamento. Ocorre, portanto, uma transferência antecipada de recursos públicos para o loteador que, junto com o lote, vende ao adquirente um bônus virtual que lhe dará acesso no futuro à urbanização, serviços e título de propriedade a serem providos pelo poder público, processo que pode ser visualizado no gráfico abaixo (Abramo, 2007). finalmente, a regularização da posse ou propriedade da terra também serão antecipados pelos agentes econômicos intervenientes. 6 Para Francisco de Oliveira o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio de gastos sociais. No caso em tela, o fundo publico financia a acumulação do capital nas suas vertentes informal e formal.

7 Loteador informal $ Necessidade Mercado Loteamentos ilegais Favelas sem serviços Favela regularizada Habitação de mercado Loteamento regularizado Habitação com subsídios Habitação social Estado Se a esta ação de regularização forem adicionados mais recursos públicos subsidiados direcionados ao fomento de novas construções nos lotes ou a melhorias nas existentes, este bônus será incrementado, tornando ainda mais elevado o preço do metro quadrado do lote informal no mercado. Loteador informal $ $ Necessidade Mercado Loteamentos ilegais Favelas sem serviços Habitação de mercado Loteamento regularizado Favela regularizada Habitação com subsídios Habitação social Estado Observa-se, portanto, um ciclo vicioso onde, quanto mais investimentos públicos são direcionados à urbanização dos assentamentos e melhorias das habitações, maior é o incremento no preço do lote sem serviço ofertado, e maior a transferência de recursos dos cofres públicos para os loteadores informais. Como os programas de regularização afetam o funcionamento do mercado formal. Os loteadores formais possuem restrições para atuar no mercado de baixa renda porque, atuando na formalidade, não podem exercer a possibilidade de antecipação da valorização futura (extração de plus valias) na mesma escala dos que atuam na informalidade. No mercado formal o empreendedor somente é capaz de antecipar valorizações futuras geradas por investimentos públicos ou privados

externos ao empreendimento em si, ou seja, não pode antecipar futuras valorizações em função da realização de obras que fazem parte do rol das obrigações legais que lhe cabem, porque o adquirente de um lote formal sabe que o custo dessas obras já está internalizado no preço do lote. A gleba adquirida para a execução de um parcelamento formal já incorporou no seu preço de aquisição os parâmetros de parcelabilidade e edificabilidade que lhe são atribuídos pela norma, tornando restrita a possibilidade de incorporação de inovações que tornem o produto diferenciado, e, portanto, passível de lhe ser atribuído um sobre-preço em relação aos seus concorrentes neste mercado. Por outro lado, no mercado informal existe a possibilidade de extração máxima da antecipação da valorização futura, uma vez que já há um consenso entre vendedores e adquirentes de que a aquisição de um lote informal é, na verdade, a compra de uma posição no território que habilita o seu comprador a reivindicar ao Estado melhorias urbanas gradativas que, mais cedo ou mais tarde, lhe proporcionarão um título de propriedade definitivo de um lote com infra-estrutura e serviços, integrando-o, portanto, à cidade e ao mercado formal. O preço desta posição no território será valorado segundo a sinalização dada pelo poder público, ou por seus agentes 7, em relação à possibilidade, velocidade e intensidade desta ação regularizadora. Outro fator que tem a ver com a possibilidade de antecipação de valorização futura relaciona-se com a oportunidade de aquisição, pelos parceladores informais, de glebas que estão fora do mercado, seja por não atenderem aos parâmetros para o parcelamento exigidos pela legislação, ou por não apresentarem, em função dessa mesma legislação, condições de rentabilidade que justifique o custo de seu parcelamento e urbanização formais. Paradoxalmente, estas são situações que podem gerar para o loteador informal uma oportunidade excepcional para extração de plus valias, pois lhe permite introduzir inovações e oferecer no mercado produtos diferenciados em relação aos seus concorrentes formais, viabilizando a oferta de um produto acessível a uma faixa de renda que não poderia adquirir um lote em determinadas regiões em função das regras de parcelamento mais restritivas impostas pelo poder público. Como o proprietário da gleba tem dificuldades para a comercialização do lote no mercado formal, e não é capaz de antecipar (pelo menos no início de um processo de informalização de uma determinada região da cidade) o uso futuro que será dado ao terreno pelo mercado informal, está disposto a vendê-lo a um preço inferior ao praticado no mercado de glebas para a produção legal. Por outro lado, parcelador e adquirente sabem que, embora produzidos em desacordo com os parâmetros mínimos legais, cedo ou tarde estes parcelamento e lotes serão reconhecidos pela administração pública. Podem contar, para este resultado, com o amparo das leis os excepcionalizam como áreas ou zonas de especial interesse social AEIS ou ZEIS. Observa-se, assim, que o Estado, na tentativa de dar uma resposta para as graves carências que atingem os moradores desses assentamentos, acaba por incentivar e aprofundar os processos perversos que alimentam a informalidade, favorecendo o desvio dos recursos públicos e o incremento do preço da terra, gerando, como conseqüência, mais segregação social e territorial. 8 Como regularizar sem realimentar a informalidade e a alta dos preços? A simples constatação dos efeitos perversos dos programas de regularização sobre o mercado de terras e os consequentes processos de segregação sócio-territorial não resolvem a questão colocada pela dívida social e urbanística que as cidades possuem em relação às milhares de famílias que habitam centenas de loteamentos, vilas e outros tipos de parcelamentos não-regulares carentes de infra-estrutura, serviços e titularidade. Não há como não reconhecer como legítimas as lutas e reivindicações dessas comunidades por integração sócio-espacial na cidade. No entanto, as políticas e programas a serem formulados não devem ignorar ou minimizar esses efeitos perversos sobre o mercado, especialmente no que se refere à transferência de recursos públicos para as mãos dos 7 Candidatos a cargos eletivos, por exemplo.

loteadores, grileiros e outros agentes que se beneficiam e forma ilegítima com estes processos. Neste sentido, cabe o exame de algumas providências que devem ser consideradas na formulação de programas e projetos de regularização com o objetivo de mitigar, ou mesmo eliminar, esses efeitos dos programas de regularização. 9 Repartindo os ônus da urbanização Uma das medidas mais eficazes para a redução da transferência de recursos para os loteadores clandestinos seria, sem dúvida, a cobrança pelo poder público aos moradores beneficiados da totalidade ou de parte substancial dos custos de urbanização. Desta forma, não teriam os parceladores como antecipar no preço dos lotes sem serviços a valorização agregada pela futura regularização, pois o adquirente já saberia que teria que arcar com esse custo no futuro e não concordaria em adiantar essa parcela do valor do lote ao parcelador, reduzindo, portanto, o seu preço de venda. Compreende-se, no entanto, que a implementação de tal medida não se daria sem custos políticos, já que tradicionalmente as obras de urbanização e regularização realizadas nessas comunidades nunca resultaram em ônus diretos para os beneficiados, quando muito a sua inserção no cadastro imobiliário do município, para fins de cobrança do IPTU e nos cadastros das concessionárias de serviços públicos. Estudos elaborados por este autor com base em dados de um programa de regularização de loteamentos desenvolvido na Cidade do Rio de Janeiro (Veríssimo, 2007) demonstraram, no entanto, que esta antecipação de ganhos realizada pelo loteador clandestino se dá de forma diferenciada no território, variando conforme a maior ou menor capacidade de pagamento ou do excedente de consumidor disponível. Em áreas mais valorizadas da cidade constatou-se que o preço de venda do lote irregular já internaliza valores capazes de suportar um padrão legal mínimo de urbanização e ainda assim garantir uma remuneração ao parcelador compatível com o mercado da construção civil. Em áreas intermediárias, o preço de venda suporta a urbanização em padrões legais mínimos, porém ficam reduzidas as margens de remuneração. Nas áreas mais periféricas se verifica que os preços praticados efetivamente não suportam a execução da urbanização, 8 Tais resultados nos permitem concluir que medidas diferenciadas poderiam ser implementadas pelo poder público para a formulação de uma ação legítima e defensável, política e socialmente, de recuperação de investimentos nos programas de regularização. Nas duas primeiras regiões, constatada a capacidade do pagamento, poderia ser compartilhada com os beneficiários a totalidade ou parte dos custos da urbanização e da regularização, cabendo lembrar que, no caso brasileiro, já há base legal para este compartilhamento segundo o que dispõe o parágrafo primeiro do artigo 62 da Lei 11.977 de 07 de julho de 2009 que instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida 9. Na ultima, certamente, seria mais difícil a imposição de ônus adicionais aos beneficiários, embora alguma recuperação possa ser obtida pela via fiscal. Cabe ressaltar, que todo o valor apurado com a cobrança de contrapartidas dos beneficiários assim como todas aquelas advindas das ações judiciais movidas contra os loteadores clandestinos, deverá ser encaminhado a um fundo para a produção de habitação de interesse social, aumentando, assim, a legitimidade social desta cobrança. 8 Nestas regiões da cidade o excedente de consumidor disponível está aquém do necessário para a aquisição de um lote nas condições do mercado formal, sendo necessária uma intermediação mais efetiva do Estado, por meio da produção direta o ou da oferta de forte subsídio. 9 Programa de produção em larga escala de unidades habitacionais de interesse social, instituído pelo governo federal brasileiro em 2009 como resposta à crise econômica mundial, com o objetivo de promover simultaneamente a redução do déficit habitacional brasileiro e o fomento à geração de empregos para os trabalhadores de baixa renda por meio da construção civil, sendo a meta a construção de um milhão de novas moradias.

10 Oferta de lotes urbanizados competindo com a informalidade. O resultado do estudo anteriormente citado também permite formular alternativas para o enfrentamento do tema da informalidade do parcelamento do solo pela via da oferta de lotes urbanizados legalizados. Neste sentido, cabe lembrar que já existem na legislação brasileira instrumentos legais que podem viabilizar a parceria entre proprietários de terras e poder público para a oferta de lotes urbanizados legalizados para a população de baixa renda, destacando-se a figura do Consórcio Imobiliário previsto no art. 46 do Estatuto da Cidade 10, que é a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público Municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe como pagamento unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas, sendo o valor das unidades imobiliárias entregues aos proprietários, correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras. Nestes moldes, já existe em curso, desde 1997 11, uma experiência em desenvolvimento na Cidade de Joinville - Santa Catarina, onde a Prefeitura promove, atualmente, um projeto de urbanização em uma área de 789.000,00 m.² em parceria com um proprietário privado. Segundo o contrato estabelecido entre as partes, cabe à Prefeitura o desenvolvimento do projeto; a execução das obras de infra-estrutura; o desmembramento e legalização dos lotes, bem como o pagamento de taxas e obtenção de licenças. Ao proprietário privado, como titulo de remuneração pela terra, cabem 50% dos lotes a serem comercializados. Estes, no entanto, somente poderão ser oferecidos a pessoas cadastradas na Secretaria Municipal de Habitação. O preço de venda, as regras de cobrança e o número de parcelas, também estão estipulados no contrato 12. Outro experimento interessante foi o desenvolvido pela Prefeitura de Porto Alegre, o denominado Urbanizador Social, que buscava atrair para a parceria com o município, empreendedores formais e informais, oferecendo uma série de ferramentas instituídas pela Lei do Urbanizador Social 13. Com base nesses experimentos, e nos referenciando ao caso da cidade do Rio de Janeiro, podemos imaginar que, nas áreas mais valorizadas, uma atuação firme da fiscalização municipal associada a incentivos específicos a empreendedores formais poderia gerar uma oferta de lotes legalizados pelo mercado formal que poderia competir e inibir efetivamente a oferta clandestina. Nas áreas de valorização média o Poder Público poderia oferecer lotes com serviços a preço de custo, com a utilização do instrumento do Consórcio Imobiliário previsto no art. 46 do Estatuto da Cidade e em parceria com proprietários de terras. Nas áreas mais periféricas ou de menor valorização a intervenção pública deveria aportar algum tipo de subsídio a esta produção, tendo em vista o menor poder aquisitivo da população beneficiária. Considerações finais A questão do parcelamento e venda ilegal da terra urbana é apenas uma das diversas faces que assume o problema da produção informal da moradia nas grandes cidades. O seu equacionamento depende da articulação de diversas áreas do conhecimento e envolve a atuação multidisciplinar, pois abrange aspectos de ordem política, social, ambiental e econômica. No presente trabalho buscamos refletir sobre aspectos das lógicas econômicas que condicionam o funcionamento deste submercado e, por meio da sua compreensão, tentamos identificar algumas alternativas para a atuação governamental que, por um lado, minimizem os efeitos perversos dos programas de regularização e, 10 Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 que regulamentou os artigos 183 e 183 (Capítulo II Da Política Urbana) da Constituição da República Federativa do Brasil. 11 Sobre legislações de incentivo à produção de lotes urbanizados ver Veríssimo, 2004 12 Informações fornecidas pela Prefeitura de Joinville por e.mail em 05/03/2009 13 Sobre a experiência do Urbanizador Social, ver Damásio, 2006.

por outro, possibilite a oferta de alternativas para a população que se encontra refém deste tipo de oferta informal. 11

12 Referências bibliográficas. Abramo, Pedro 2007 O mercado de solo informal em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes cidades: notas para delimitar um objeto de estudo para a América Latina, IPPUR- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, mimeo. Abramo, Pedro 2007b. Faculty Profile: Pedro Abramo. em Land Lines (Cambridge, MA, USA) Lincoln Institute of Land Policy, volume 19, nº 1, january. Brakarz, José 2002 Ciudades para todos. (Washington DC.:Banco Interamericano de Desarrollo). Damasio, Claudia. (Org.) 2006 Urbanizados Social: da informalidade à parceria. (Porto Alegre: Lincoln Institute of Land Policy - Editora Livraria do Arquiteto). Jesus, Ângela Regina de, Pereira, Sonia M. da Silva, Veríssimo, Antônio Augusto 2006 Regularização de loteamentos: notas sobre a experiência carioca. em Revista de Administração Municipal Municípios/IBAM (Rio de Janeiro) ANO 52 N.º 259, pg. 19 30. julho/agosto/setembro. Oliveira, Francisco 1998 O Surgimento do Antivalor. Capital, força de trabalho e fundo público em Os direitos do antivalor: A economia política da hegemonia imperfeta.(petrópolis : Editora Vozes). Smolka, Martim O. 2007 Informalidad, pobreza urbana y precios de la tierra. em SMOLKA, Martim O. y MULLAHY, Laura (Org.). Perspectivas urbanas. Temas críticos en políticas de suelo em América Latina. (Cambridge, MA: 2007. pg. 71-78). Veríssimo, Antônio Augusto 2004 Incentivos à produção de lotes urbanizados: uma análise dos instrumentos legais de Joinville, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Bogotá em Revista de Administração Municipal (Rio de Janeiro: Ano 49 n. 247, p. 31-39, mai./jun.) 2007 Quantificação das Mais Valias geradas nos loteamentos informais pela antecipação da valorização produzida pelos programas de regularização. Trabalho final individual apresentado no Curso de Aprofundamento em Políticas de Solo Urbano, Lincoln Institute of Land Policy, (Cidade do Panamá) 26 de fevereiro a 11 de maio de 2007.