Processo de exclusão e construção do sistema único de inclusão social no Brasil



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Transcrição:

Processo de exclusão e construção do sistema único de inclusão social no Brasil Marcio Pochmann 1 O presente texto preocupa-se em discutir a problemática de exclusão social no Brasil em paralelo com o desafio de constituição de um novo padrão de políticas públicas de inclusão nacional. Inicialmente, busca-se apresentar um breve diagnóstico a respeito do processo de exclusão social em curso no Brasil. A partir disso, realiza-se uma rápida análise crítica sobre a natureza das políticas sociais desenvolvidas no país, procurando introduzir alguns elementos que possam contribuir na montagem de um sistema único de inclusão social. Por fim, apresenta-se sinteticamente a recente experiência do município de São Paulo que possui uma nova estratégia em curso de inclusão social. 1. Processo de exclusão social O Brasil é referência mundial quando se trata de relacionar riqueza com pobreza. Na maior parte das vezes, utiliza-se a desigualdade de renda como expressão da distancia que separa um seleto grupo de ricos - com acesso à praticamente tudo em termos de consumo - de uma grande massa de pobres. Todavia, o termo desigualdade de renda tem capacidade limitada para explicitar, no Brasil, a complexidade que diz respeito às múltiplas relações existentes entre riqueza e pobreza. É justamente por isso que o conceito de exclusão social vem sendo crescentemente adotado para procurar dar conta de um fenômeno que se manifesta de maneira cada vez mais complexa, principalmente quanto mais avançado for o estágio de desenvolvimento de um país. Mas isso não significa a associação pura e simples do reconhecimento da existência de exclusão por oposição tão somente à condição de inclusão social. Embora seja verdadeiro o pressuposto da polaridade entre a exclusão e inclusão, deve-se considerar o fato de que na história da sociedade humana, a igualdade não tem sido algo recorrente. Sabe-se que a exclusão social resulta de um processo simultaneamente combinado e desigual com a inclusão. Ou seja, o desenvolvimento de um país tende a produzir tanto as condições necessárias para a inclusão social como para a exclusão. No caso brasileiro, a exclusão social pode ser identificada, inicialmente, a partir da diferenciação mais singela entre famintos e bem alimentados, escolarizados e analfabetos, rendimentos altos e baixos, cidadãos negros e brancos, entre outros variáveis. Os segmentos sociais tradicionalmente excluídos são conhecidos como despossuídos pelo modelo econômico que predominou entre 1930 e 1980, responsável pela transformação do Brasil da situação equivalente a de uma grande fazenda, ainda no começo do século 20, para o estágio de oitava economia mundial no final dos anos 70. 1 Professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo. 1

Não obstante os enormes avanços econômicos ocorridos, o país deixou de realizar as reformas civilizatórias do capitalismo, o que impossibilitou o enfrentamento dos problemas associados à concentração da riqueza e à exclusão social. Com a evolução brasileira, o país incorporou rapidamente novas realidades sociais impostas pela força da industrialização e urbanização, implicando necessidades humanas adicionais ao modo pretérito de vida. Em função disso, a manipulação de critérios simplistas de estar ou não alimentado, ter ou não alfabetização, possuir ocupação com rendimento adequado passou a se mostrar insuficiente para dar conta do processo de exclusão. Também tornou-se inadequado apenas a indicação quantitativa de acesso à educação, trabalho, renda, moradia, transporte, informação, entre outros, necessitando acoplar a noção de qualidade do acesso aos bens e serviços públicos. Dessa forma, a simples constatação a respeito do acesso a um bem ou serviço deixou de ser indicativo suficiente para a compreensão da condição de superação da exclusão social. Constata-se que o fenômeno da exclusão transformou-se drasticamente, deixando de se manifestar apenas nos tradicionais segmentos sociais que se encontravam na condição de despossuído para avançar no estágio daqueles estratos sociais que algum dia já estiveram incluídos socialmente. Em síntese, o processo atual de exclusão social passa a reunir tanto segmentos sociais deserdados de alguma condição de vida digna, em que numa situação anterior encontravase com um emprego adequado e com renda decente, mas que agora convivem com o desemprego ou sem renda, como os estratos sociais tradicionalmente despossuídos de uma situação previa de inclusão, sem terem anteriormente tido acesso, por exemplo, a um emprego decente. Também aparecem cada vez mais constantemente os novos apartados do acesso aos bens e serviços oriundos das novas tecnologias. Sem o aprendizado das novas linguagens e o distanciamento do uso do microcomputador, parte dos brasileiros fica de fora do que pode ser identificada como sociedade do conhecimento. Certamente a evolução socioeconômica nacional desde 1981, que tem combinado a baixa expansão da produção com a inserção passiva e subordinada na globalização, contribui para a difusão de mais ampliada do processo de exclusão social. Mesmo segmentos sociais com maiores níveis de escolaridade que se encontram nos grandes centros urbanos são ameaçados, cada vez mais, pela exclusão do desemprego de longa duração e da grave violência. Quando se reúne um conjunto de indicadores econômico e social para o conjunto dos municípios brasileiros consegue-se observar o desenho geográfico da exclusão nacional 2. Constata-se que apenas 26% dos brasileiros vivem em áreas que podem ser associadas às ilhas de inclusão social, que se encontram rodeados pelo mar revolto da exclusão social que absorve, em maior ou menos grau, a parcela restante da população. 2 Ver mais detalhes em Pochmann, M. & Amorim, R. (2003) Atlas da exclusão social no Brasil. São Paulo. Cortez. 2

2. Bases para construção do sistema único de inclusão social no Brasil Nos países desenvolvidos, a sociedade salarial foi consolidada a partir do século XX, a partir de dois processos civilizatórios do capitalismo. De uma parte, a estruturação do mercado de trabalho permitiu a predominância dos contratos de emprego assalariado e, de outra, a constituição de uma distribuição secundária da renda nacional favoreceu a ampliação do rendimento do trabalho no excedente econômico. Com isso, o modo de produção capitalista, pela primeira vez na História, possibilitou que determinados segmentos das classes trabalhadoras passassem a viver sem estarem subordinados à dinâmica das forças de mercado. Mais precisamente foram os casos de crianças e adolescentes com menos de 16 anos que puderam ficar afastados do mercado de trabalho para elevar a escolaridade, assim como doentes, deficientes físicos ementais, idosos, entre outros. Essa condição de contenção da dependência das forças de mercado somente se mostrou possível com a instalação de uma estrutura secundária de distribuição da renda, necessária à transgressão da repartição simples da renda entre o trabalho e o capital. Com o Estado de bem estar social absorvendo parcelas significativas do excedente econômico gerado, por intermédio de fundos públicos oriundos das reformas fundiárias, tributárias e sociais, o capitalismo de consumo de massa foi atingido. O pleno emprego, a estabilidade ocupacional e a difusão do crédito foram elementos estratégicos das sociedades salariais modernas. Nas economias não desenvolvidas, não houve a constituição plena de sociedades salariais, dada a condição de estruturação incompleta do mercado de trabalho e da ausência de uma efetiva distribuição secundária da renda. No caso brasileiro verificou-se que entre as décadas de 1930 e 1970 verificou-se a presença de um ciclo virtuoso da industrialização nacional, acompanhada da rápida e descontrolada urbanização, o que permitiu haver um movimento rumo à estruturação do mercado de trabalho 3. Mas isso se mostrou ser incompleto, uma vez que as reformas clássicas do capitalismo contemporâneo não foram realizadas (agrária, tributária e social), o que provocou a consolidação de uma sociedade apartada entre os incluídos pelo mercado de trabalho organizado, com acesso às políticas sociais de garantia de uma certa cidadania regulada, e os excluídos, mais conhecidos como despossuídos do progresso econômico alcançado até então. Assim, o bolo da produção cresceu sem distribuição justa da renda nacional gerada. No período mais recente, que se inicio em 1981, a economia nacional tem registrado a estagnação da renda per capita combinada com forte oscilação no nível de produção. Aliado a isso, o país tem passado também pela implantação de um novo modelo econômico desde 1990, quando o papel do Estado foi reformulado, seja na atuação como empresário (privatização do setor produtivo estatal), seja na regulação da concorrência intercapitalista (abertura comercial, produtiva, financeira e tecnológica) e do trabalho (desregulamentação das relações de trabalho e flexibilização do mercado de trabalho). 3 Para maiores detalhes, ver: POCHMANN, M. (2002) A década dos mitos. São Paulo: Contexto. 3

Nesse cenário, o mercado de trabalho apontou para o sentido de sua desestruturação (desemprego elevado, desassalariamento das ocupações e ampliação do trabalho precário). Em contrapartida, algumas medidas de proteção social e de garantia de renda estimuladas pela Constituição Federal de 1988 terminaram sendo implementadas, como a ampliação da aposentadoria para o trabalhador rural e do seguro desemprego, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a bolsa escola, entre outros. Apesar disso, os traços marcantes da desigualdade não foram afetados, muito antes pelo contrário. A reversão da situação atual de forte exclusão social é possível, urgente e necessária. Tecnicamente é realizável. Precisa, no entanto, da superação de dois grandes problemas de difícil resolução. De um lado, o problema da conformação de um novo padrão de financiamento capaz de alavancar o crescimento econômico sustentado, com a necessária elevação da produção interna, do nível geral de empregos e das divisas internacionais. Sem isso, o Brasil pode vir a consolidar uma terceira década perdida. De outro lado, o problema da construção de uma verdadeira estratégia nacional de inclusão social, portadora de novos mecanismos institucionais e de gestão pública, capaz de superar o atual padrão de políticas sociais e do trabalho fundado na setorialização das ações, na desarticulação dos programas, na focalização de clientelas e na falta de integração operacional. Até o momento, o resultado disso tem sido a baixa eficácia das políticas sociais e do trabalho para romper com o ciclo estrutural de produção da exclusão social no Brasil (pobreza, desigualdade de renda e desemprego). Dois condicionantes do atraso no enfrentamento da questão social precisam ser resolvidos: o padrão de financiamento e o nível de proteção social a ser assegurado a todos. Embora não seja suficiente, o volume do gasto social alcança quantias não desprezíveis no Brasil. Por isso é fundamental rever e simultaneamente ampliar as bases do financiamento do gasto com as políticas sociais e do trabalho. Da mesma forma, necessita-se procurar fazer mais e melhor do mesmo recurso existente, elevando a efetividade, eficácia e eficiência das políticas públicas nacionais. A constituição de um verdadeiro orçamento unificado da seguridade social, envolvendo também a problemática do trabalho no Brasil, com garantia de verbas carimbadas, representaria um grande avanço ao quadro atual. É nesse sentido que cabe avançar na constituição de um Sistema Único de Inclusão Social, à exemplo do já conhecido e exitoso SUS (Sistema Único de Saúde). Até então o SUS tem sido capaz de compreender um conjunto amplo de ações verticais nas três esferas governamentais (união, estados e municípios), permitindo o desenvolvimento de um novo modelo de gestão de controle centralizado e execução descentralizada, com a intersetorialização, a articulação e a integração de um amplo e inovador conjunto das políticas públicas orientadas para o enfrentamento do complexo quadro da questão social no Brasil. Mas a superação do atual modelo de política social e do trabalho exige uma inovadora metodologia de ação governamental, capaz de identificar o cidadão na sua totalidade, não de maneira parcial e setorializada. Como exemplo, cabe observar, no plano do governo federal, como as políticas de garantia de renda são operadas de forma fragmentada e 4

pulverizada em diversos organismos e ministérios (bolsa escola na Educação, bolsa alimentação na Saúde, bolsa de erradicação do trabalho infantil na Previdência, seguro desemprego e qualificação profissional no Trabalho etc.). Com isso há a promoção de elevado e injustificado custo meio (diversos cadastramentos e banco de informações, atividades sócio-educativas, exigências específicas de seleção, acompanhamento dos beneficiários, muitas vezes sem avaliação e monitoramento). No Brasil, o chamado custo meio de implementação e desenvolvimento das políticas públicas varia, em média, de 28% a 51% do total dos recursos aplicados. Tudo isso acresce na contabilização da reprodução de certa concorrência entre as diferentes esferas governamentais, assim como a setorialização, desarticulação e desintegração das ações sociais e do trabalho no plano dos governos estaduais e municipais. Sem a articulação e integração das ações, o objetivo da inclusão social geralmente termina não sendo alcançado, pois dificilmente há condições de identificação plena das clientelas atendidas com um ou mais programas e mesmo de segmentos sociais necessitados e não atendidos. Quando é assistido por um determinado programa, muitos segmentos sociais não se encontram integrados com outros programas, o que inviabiliza a operacionalização sistêmica de uma estratégia de inclusão social, sem falar na ausência de políticas públicas para diversos segmentos social e economicamente excluídos. Apenas o pagamento de uma bolsa de garantia de renda a uma família carente não permite, necessariamente, a plena inclusão, pois pode haver a presença de pessoas com problemas psicológicos, de saúde, de dependência química, de baixa escolaridade, além das dificuldades com moradia, transporte, saneamento básico, entre tantas outras condições de exclusão social. Assim, a oferta de uma ação governamental isolada, não é suficiente para a ruptura do ciclo estrutural da exclusão social no Brasil. Nesse sentido, a promoção da intersetorialidade no conjunto dos programas governamentais pode ser alcançada por meio de um comando único, garantindo maior êxito na gestão de ações multivariadas tanto no sentido horizontal de um mesmo nível de governo (saúde, educação, assistência, trabalho, etc.) como no sentido vertical entre as várias esferas de governo (união, estados e municípios). Como resultado imediato, obtém-se a drástica redução do custo meio de implementação e desenvolvimento das políticas públicas, permitindo fazer mais e melhor do mesmo recurso existente, ao mesmo tempo em que torna de fato o processo de inclusão social possível no Brasil. 3. A recente experiência do município de São Paulo O município de São Paulo tem convivido historicamente com a inclusão social. A despeito dos graves constrangimentos fiscais e financeiros que assolam a maior cidade latinoamericana, foi possível, a partir de 2001, iniciar o desenvolvimento de uma ampla estratégia de inclusão social. De acordo com as estatísticas produzidas pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS) há cerca de 589 mil famílias que vivem abaixo da linha de pobreza absoluta. Desse universo que representa quase 20% do total de famílias paulistanas, 266 mil já são beneficiadas pelos programas de inclusão social da Prefeitura do 5

Município de São Paulo durante os dois últimos anos, o que eqüivale a mais de 11% do total da população. Dos 96 distritos administrativos da cidade, 50 são atendidos pelos programas de inclusão social. Até o final de 2004, todos os distritos administrativos das cidades serão beneficiados, atendendo a praticamente todo o universo de famílias que vivem na condição de pobreza absoluta. Em virtude disso, o breve relato a respeito da experiência paulistana pode ajudar a contribuir para a conformação do sistema único de inclusão social no Brasil. 3.1 O contexto da exclusão social no município paulistano O município de São Paulo encontra-se pressionado por três grandes fatores que respondem pelo comportamento mais geral do processo de exclusão social. O primeiro está associado à condução neoliberal das políticas macroeconômicas pelo governo federal, responsável pela quintuplicação do desemprego, uma vez que as empresas foram obrigadas a fecharem as portas ou a destruírem postos de trabalho existentes por conta de uma abertura comercial abrupta, compartilhada com altas taxas de juros e câmbio desvalorizados desde 1990. O segundo fator gerador de mais exclusão refere-se à pretérita condução irresponsável das finanças municipais. O endividamento paulistano acumulado durante as últimas gestões municipais (1992 a 2000) impossibilita a prefeitura de atualmente tomar empréstimos novos, mesmo havendo instituições privadas e públicas interessadas nisso. Por outro lado, devido ao acordo da dívida pública entre o município e o governo federal realizado em 2000, o orçamento paulistano passou a ser reduzido anualmente em 13%, com a finalidade de financiar o pagamento do serviço da dívida contraída por administrações passadas. Por fim, o terceiro fator que atua negativamente sobre o comportamento da exclusão social refere-se ao padrão de ajuste fiscal imposto pelo governo federal, que faz com que a carga tributária aumente fundamentalmente a partir da maior extração de recursos fiscais dos municípios mais populosos. Em 1991, por exemplo, o município de São Paulo, que possuía o terceiro maior orçamento público do país, respondia com 20% do total da arrecadação tributária nacional. De cada 10 reais arrecadados no município, 2 reais compunham o orçamento público da cidade. Dez anos depois, em 2001, o município de São Paulo passou a responder pelo sexto maior orçamento público do país, embora fosse, agora, responsável por 25% de toda a arrecadação tributária nacional. Além disso, verifica-se que de cada 10 reais arrecadados na cidade, somente 95 centavos ficam no orçamento municipal. Em virtude de tudo isso, compreende-se que atualmente o espaço de atuação municipal - mesmo para a maior cidade latino-americana - é muito mais difícil do que fora para as administrações passadas. Mas isso não se mostrou suficiente para imobilizar e paralisar o governo municipal, sobretudo no campo das políticas de enfrentamento ao processo de exclusão social. 6

3.2 A construção da estratégia pública de enfrentamento da exclusão social no município de São Paulo 4 O maior município brasileiro e o mais importante centro produtivo latino-americano, responsável pelo sexto orçamento público nacional não contava, até dezembro do ano 2000, com uma política ou pelo menos com um conjunto mínimo de ações orientadas para o enfrentamento do processo de exclusão social. Essa ausência não decorreu do simples fato de não haver exclusão socioeconômica em São Paulo. Muito antes pelo contrário. Segundo estudo realizado pela SDTS 5, o município possui quase 20% do total das famílias vivendo nas condições de pobreza absoluta e mais de 970 mil desempregados, conforme Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação SEADE e do DIEESE. Apesar de expressivos, os graves sinais de exclusão socioeconômica no município de São Paulo não foram suficientes para motivar a adoção de medidas governamentais efetivas, que não fossem as tradicionalmente falidas políticas sociais, identificadas freqüentemente com o clientelismo e fisiologismo, quase sempre alimentado pelo nepotismo, empreguismo e corrupção. Mesmo as alternativas de corte neoliberal, criadas no campo das políticas sociais e do trabalho desde 1990, a partir de iniciativas dos governos federal e estadual paulista, não foram introduzidas no plano municipal. Nesse particular, pode-se ressaltar que a recusa recorrentemente efetuada pelas duas administrações de direita no comando do governo paulistano entre 1992 e 2000 terminou por inibir a municipalidade do convívio com a maior focalização e racionalização dos recursos públicos. Como se sabe, além de romper com a perspectiva de universalidade da cidadania e restringir ainda mais a efetividade e eficácia das ações, as políticas neoliberais no campo social e do trabalho transformam as vítimas do modelo econômico excludente (pobres e desempregados) em responsáveis diretos por sua própria condição de pobreza e desemprego. Ao defrontar-se simultaneamente tanto com o atraso na formulação de uma estratégia de combate à exclusão social quanto com a perspectiva oferecida pela condução neoliberal nas políticas sociais e do trabalho pelos governos federal e estadual, a nova administração à frente do governo paulistano, em 2001, procurou superar dois grandes constrangimentos estabelecidos no exercício de definir e implementar uma ampla estratégia de inclusão social. De um lado, tratou-se de estabelecer uma nova concepção de gestão administrativa para permitir o desencadeamento do conjunto de ações voltadas para a inclusão social. De outro lado, procurou-se organizar uma estratégia de políticas públicas municipais ampla o suficiente para o enfrentamento simultâneo da pobreza, do desemprego e da desigualdade de renda. Diante do envelhecimento da estrutura administrativa do aparelho de Estado no âmbito municipal, com quase duas décadas sem reformas, uma possibilidade seria associar a construção de um novo programa de políticas sociais e do trabalho à velha concepção assistencialista e residual, praticada continuamente pela experiência paulistana. Um 4 Realizado com base em POCHMANN, M. (2002) Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. São Paulo: Cortez. 5 Ver mais em SDTS (2002) Pobreza e violência no município de São Paulo. São Paulo: SDTS/PMSP. 7

caminho possível seria a conformação de uma secretaria fim (como educação, saúde, por exemplo), levando necessariamente ao estabelecimento direto de uma associação dos novos programas sociais à departamentalização e setorialização de programas, conforme a rotina de ações tradicionais com enorme custo administrativo e risco de baixa eficácia. Uma outra possibilidade, de constituição de uma secretaria meio, (como finanças ou governo, por exemplo), poderia a ser contaminada por lógicas distintas das evidenciadas pela dinâmica universalista da inclusão social, conforme registram algumas experiências administrativas brasileiras. Nesses termos, a solução encontrada foi a conformação de uma nova secretaria municipal capaz de romper com as variantes de meio ou fim dentro da concepção da administração pública. A opção foi instituir uma secretaria de projetos, ágil, enxuta e eficaz, capaz de articular o conjunto do governo municipal (secretarias e empresas públicas) e organismos não governamentais. Esta foi a diretriz definida estrategicamente pelo governo municipal, como forma de integrar um amplo conjunto de programas sociais e do trabalho interna, externa e territorialmente. Surgiu, assim, uma nova concepção de gestão administrativa voltada para a inclusão socioeconômica no município de São Paulo. Um segundo constrangimento a ser superado foi a montagem propriamente dita de uma ampla estratégia de políticas públicas municipais de enfrentamento da pobreza, do desemprego e da desigualdade de renda. O compromisso estabelecido durante a campanha eleitoral de 2000 já definia uma gama de ações que precisavam ser colocadas em prática imediatamente (Renda Mínima Familiar, Bolsa Trabalho, Começar de Novo e Banco do Povo). Além dessas ações, seria necessário também implementar, de fato, uma estratégia de conteúdo, integração, articulação. Tão logo foram sendo aprovados os projetos de leis do executivo municipal pelo poder legislativo, acompanhado de sua necessária regulamentação para implementação, completava-se a estratégia mais ampla de combate à pobreza, desemprego e desigualdade de renda com novos programas sociais e do trabalho. Esse conjunto de tarefas foi vencido ao longo de 2001. Seu êxito deve ser compartilhado por todos que acreditam que uma nova sociedade é possível de ser construída, pois os homens e mulheres fazem história, ainda que sob realidades determinadas. 3.3 Uma nova concepção de gestão administrativa A estrutura administrativa correspondente ao Estado que foi herdada do período autoritário no Brasil praticamente não foi tocada com no curso do processo de democratização. As práticas de governo de distribuição de poder no interior das administrações mantiveram inalteradas diversas de suas características mais autoritárias e centralizadoras, contraproducentes do ponto de vista do projeto de mudança típico de um governo democrático e popular. Entre estas deve ser destacada, para os fins desta reflexão, a concentração de poder e de capacidades para governar nas áreas meio típicas das administrações tradicionais conservadoras e sua flagrante insuficiência nas áreas voltadas ao governo das políticas sociais. 8

A contrapartida estrutural desta forma de governar é a priorização das agendas de problemas das áreas meio em detrimento das áreas sociais. Pode ser atestada em qualquer uma das administrações democráticas e populares que iniciaram o governo em janeiro de 2001 esta concentração de poder e de capacidade de governo tradicional. Neste quadro mais amplo coube o papel de reconstruir as estruturas decisórias nas mais diversas instâncias de governo, em especial nos governos locais. A opção que foi feita no âmbito da SDTS foi a de repensar a estrutura de tomada de decisões, de gestão e de coordenação para a ação de governo. Esse foi o caminho adotado tendo em vista a urgência de ser criada do nada uma nova secretaria municipal com todas as suas estruturas administrativas. Considerou-se, necessariamente, repensar a estrutura de cargos disponíveis e necessários à gestão do cotidiano da SDTS, com um bom ponto de partida para que fosse criada viabilidade para a implementação do programa de governo para 2001-2004. Para além de propor e defender a inversão de prioridades, com a definição e implementação de políticas sociais como o fim e resultado nobre do exercício de governo, foi realizada uma ampla reflexão sobre a capacidade para governar a constituir na SDTS (estrutura de cargos, meios disponíveis, organização das equipes de coordenação de projetos, mecanismos de avaliação, controle e assessorias existentes em uma administração municipais). Cumpre resgatar e evidenciar com firmeza a distinção entre recursos de todas as naturezas disponibilizadas às áreas meio e aqueles viabilizados às áreas sociais em um governo municipal. Em que pese não ter havido nenhuma intenção de propor a redução de estruturas de governo nas áreas meio da administração ou criticar as estruturas e mecanismos de funcionamento das áreas fim tradicionais, foi essencial identificar as reduzidas estruturas de governo focadas na gestão das políticas sociais. Essas diferenças podem ser observadas tanto em relação ao tamanho do desafio que representa a gestão das enormes atribuições hoje existentes nas administrações municipais nas áreas sociais, como pelo previsível agravamento desta situação, tendo em vista a priorização destas áreas na ampliação do atendimento das prefeituras. A definição organizativa da administração da SDTS a partir de 2001 avançou sobre a disjuntiva área fim X área meio, apesar de reconhecer toda sua carga histórica e burocrática de ineficiência e ineficácia no atendimento das necessidades da maioria da população. 6 Optou-se por constituir uma estrutura de gestão que atendesse logo de saída a alguns requisitos que têm se constituído na estrutura mestre de políticas de modernização administrativa em curso em outros governos democrático-populares no Brasil. Essas políticas implantadas podem ser qualificadas como uma experiência exitosa no campo da esquerda. Nesse sentido foi definida uma ênfase em uma atuação administrativa com base em projetos, buscando garantir autonomia, agilidade e maior capacidade de articulação como os demais setores do governo municipal envolvidos. No município de São Paulo foram priorizadas como diretrizes para a definição da estrutura de gestão administrativa da SDTS: 6 Para maiores detalhes ver: MOTTA, F. (1991) Teoria Geral da Administração. São Paulo: Ed. Pioneira; PETRUCCI, V. et alii. (1995) Escolas de Governo e Profissionalização do Funcionalismo. Brasília, ENAP 9

Criação de uma estrutura de gestão horizontalizada, com ênfase em ações matriciais, consubstanciadas em Projetos bem delimitados; Implementação fundada na articulação das ações da SDTS com as demais secretarias, administrações regionais em um modelo de articulação baseado na idéia do governo local; Foco de todo o processo de trabalho voltado para os segmentos destinatários da estratégia de inclusão; Descentralização da autoridade e gestão colegiada, buscando o gerenciamento das ações de governo com participação; Orientação por objetivos, colocando em segundo plano as regulamentações e a cultura burocrática; Descentralização de atribuições, com a progressiva cobrança de contas por desempenho e responsabilização de coordenações e chefias; Adoção de sistemas de informação e tecnologias de suporte. A organização por programas, com responsabilização, horizontalização e articulação com todos os setores da PMSP concedeu ênfase no fortalecimento do governo local, bem como permitiu a aproximação do planejamento e tomada de decisão onde ocorre a implementação efetiva das políticas. O processo de inversão de prioridades exigiu um melhor balanceamento e adequação das capacidades para governar à dimensão e significado de um projeto global que se pretende transformador. Na prática, a estratégia adotada consolidou-se efetivamente em profissionais capacitados e disponíveis para uma ação de governo efetiva e focada em seus objetivos. No exercício de governo foi necessário alterar quantitativa e qualitativamente a estrutura de cargos colocados à disposição da SDTS e a partir daí adotar uma postura de construção permanente de uma nova forma de atuação no governo. Esse novo modo de funcionamento de uma secretaria municipal procurou não apenas se constituir em uma nova estrutura de pessoal para implementar projetos prioritários para a inclusão socioeconômica, mas também buscou com êxito um modelo de funcionamento radicalmente fundado na autonomia das equipes, no planejamento de projetos e na responsabilização de suas equipes de coordenação. 3.4 A estratégia paulistana de desenvolvimento com inclusão social Como não poderia deixar de ser, o município de São Paulo faz a sua parte, quando enfrenta de maneira simultânea os grandes desafios colocados no campo da política social e do trabalho. De início procura atuar diante de uma grande massa de despossuídos, que representa o segmento social excluído do processo de modernização do sistema produtivo entre as décadas de 1930 e 1970. Justamente quando o país registrou os maiores indicadores de expansão econômica, através da industrialização nacional, algo em torno de 40% da população ficou de fora social e economicamente. Simultaneamente, o governo do município de São Paulo precisou levar em consideração o novo segmento social que foi deserdado pelo avanço do projeto neoliberal desde 1990 no país, diante da expansão de uma grande massa de desempregados adultos e de jovens e 10

trabalhadores mais velhos que ficaram sem acesso adequado ao mercado de trabalho. Além disso, a difusão da precarização nas condições e relações de trabalho em diversas ocupações que expressam estratégias desesperadas de sobrevivência da população excluída, representando uma nova fase de produção e reprodução da pobreza em todo o país. Figura 02: Blocos programáticos da estratégia paulistana de enfrentamento da pobreza, desemprego e desigualdade de renda PROGRAMAS REDISTRIBUTIVOS Renda Familiar Mínima (Famílias pobres com dependentes de 0 a 15 anos) Bolsa Trabalho (Desempregados de 16 a 20 anos de idade) Operação Trabalho (Desempregados de 21 a 39 anos de idade) Começar de Novo (Desempregados com 40 anos de mais de idade) PROGRAMAS EMANCIPATÓRIOS Oportunidade Solidária (Incubadoras de cooperativas e de pequenos negócios) Central de Crédito Popular São Paulo Confia Capacitação Ocupacional e Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva PROGRAMAS DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO LOCAL Reestruturação Produtiva e Relações de Trabalho (Recuperação de empresas, condomínios de coletivos de trabalhadores) Centros de Desenvolvimento Local e Solidário (Apoio e Articulação Local, Atendimento dos Programas, Alocação de Trabalho e Intermediação de Negócios) Essa nova fase de produção e reprodução da pobreza se manifesta ainda mais diante da conformação de uma crescente faixa social que vai sendo apartada dos avanços da chamada sociedade de informação. Tudo isso ocorre, em grande medida, porque o curso de evolução das inovações tecnológicas mundiais ocorre de maneira inversa das opções assumidas pelo Brasil nos anos 90. Não somente o histórico atraso educacional conferido à grande parte da 11

população impede o acesso às novas tecnologias, como também o rumo conduzido pela política macroeconômica leva à construção de uma sociedade de baixa inclusão. A ausência do crescimento econômico sustentado e o abandono de políticas abrangentes de desenvolvimento tecnológico tornam o Brasil um país dependente passivo do exterior, incapaz de universalizar para toda a população o ingresso na sociedade de informação. Assim, a conformação de um terceiro bloco de excluídos, os chamados apartados pela tecnologia digital constituem uma complexa realidade que tem sido enfrentada na terceira maior cidade mais populosa do mundo. A definição de uma nova geração de política social e do trabalho emergiu da opção tomada pela maior parte da população da cidade de São Paulo durante as eleições municipais de 2000. Para não cometer os vícios e equívocos produzidos pelo projeto neoliberal, por meio da focalização dos recursos públicos e da fragmentação das ações governamentais, o governo paulistano ptou pela introdução de duas principais inovações na nova estratégia paulistana de rompimento do ciclo estrutural de pobreza e de desigualdade de renda no país. A principal inovação resulta da constituição de três grandes blocos programáticos de ações que fundamentam a estratégia paulistana de inclusão social, através da integração e articulação entre si, e com critérios universais de atendimento aos excluídos, especialmente pobres e desempregados. No primeiro bloco programático inscreve-se o conjunto de políticas públicas quatro programas redistributivos de renda no território paulistano. De um lado, o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima (PRM) volta-se às famílias pobres com dependentes em idade escolar de até 16 anos incompletos, diante da oferta de uma complementação monetária associada à freqüência escolar, assim como o Programa Bolsa Trabalho (PBT) visa atender aos jovens desempregados pertencentes a famílias pobres de 16 a 20 anos de idade, como forma de garantir uma renda vinculada à freqüência escolar e à capacitação adicional no desenvolvimento de atividades comunitárias. Em outras palavras, o maior município brasileiro passa a dispor de uma estratégia de inclusão social para a faixa etária de 0 a 20 anos, com distribuição de renda e maior escolaridade, objetivando afastar do mercado de trabalho esse importante contingente populacional ou ainda postergando o seu ingresso. De outro lado, para os desempregados com idade superior a 20 anos de idade há dois importantes programas. O Programa Operação Trabalho (POT) direciona-se aos trabalhadores desempregados de longa duração, especialmente aqueles na faixa etária de 21 e 39 anos, fornecendo uma garantia de renda, capacitação e experiência prática laboral. Para os desempregados com 40 anos e mais de idade há o Programa Começar de Novo (PCN) voltado à garantia de uma renda vinculada à formação para atividades comunitárias e de mercado, pretende atuar positivamente contra os focos de exclusão que se reproduzem cada vez mais entre aqueles que perdem o emprego e não mais conseguem se reinserir no mercado de trabalho. No segundo bloco programático da estratégia paulistana de inclusão socioeconômica fazem parte os programas emancipatórios, comprometidos com a criação de condições de autonomização dos pobres e desempregados no município de São Paulo. Três programas 12

destacam-se, sendo que dois deles encontram-se direcionados à capacitação massiva dos beneficiados dos programas redistributivos de renda. Tratam-se fundamentalmente dos programas de Capacitação Ocupacional e de Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva (POAUC) e Oportunidade Solidária (POS). O Programa de Capacitação Ocupacional e de Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva visa difundir tanto a educação para o trabalho, a partir das deficiências do funcionamento do mercado de trabalho, quanto a educação para a vida comunitária, de envolvimento com o bem estar e a universalização da cidadania. Já o Programa Oportunidade Solidária compreende a generalização da aprendizagem em empreendimentos coletivos (associativos, cooperativas e comunitários) e individuais, objetivando constituir bases de ampliação das condições de geração de ocupação e renda para os mais pobres. Ainda dentro do segundo bloco programático convém ressaltar o papel do Programa Central de Crédito Popular São Paulo Confia (PCCP-SPC) -, voltado para a difusão do microcrédito no município de São Paulo, sobretudo para beneficiados dos programas redistributivos de renda. Assim, a ação integrada dos programas emancipatóris e sua articulação com os programas redistributivos constituem uma inovação considerável. No terceiro bloco programático fazem parte dos programas comprometidos com a promoção do desenvolvimento local. De um lado, há o Programa de Reestruturação Produtiva e Relações de Trabalho direcionado ao apoio de reconstituição de elos de cadeias produtivas, recuperação de empresas falidas e investimentos em condomínios de cooperativas. Ao funcionar por intermédio de fóruns de desenvolvimento, que reúnem tanto setores de atividade econômica de forma tripartite (empresários, trabalhadores e univresidades) como regiões geográficas e seus atores locais (representantes da sociedade civil organizada), o governo municipal contribui para o empoderamento dos sujeitos sociais e o avanço dos arranjos produtivos e de suas ocupações. 7 De outro lado, o Programa Centros de Desenvolvimento Local e Solidários busca reorganizar o mercado de trabalho e oferecer alternativas de demanda de ocupação e negócios, por meio da criação de um serviço de alocação de mão-de-obra e de intermediação de negócios, bem como o atendimento de beneficiários dos programas sociais. O apoio à constituição de uma rede institucional voltada à articulação do conjunto dos agentes econômicos regionais é papel imprescindível da administração local em prol do desenvolvimento multipolar no município de São Paulo. Até o ano de 2002, o município de São Paulo possuía um total de 266 mil famílias beneficiadas pelos programas de garantia temporária de renda articulados com um conjunto de ações direcionadas à emancipação das condições de produção da pobreza. Tudo se inicia com a inclusão em dos quatro programas de garantia temporária de renda (Renda Mínima Familiar, Bolsa Trabalho, Operação Trabalho e Começar de Novo), passando o beneficiário por programas de capacitação ocupacional. 7 Funcionam atualmente no município de São Paulo 13 fóruns de desenvolvimento setoriais (hoteleiro, moveis, têxtil, entre outros) e 6 fóruns de desenvolvimento distrital. 13

Todos os programas redistributivos no plano horizontal da ação do governo municipal paulistano não se mostrariam suficientemente inovadoras sem se encontrarem integrados e vinculados verticalmente aos programas emancipatórios e de apoio ao desenvolvimento local. A implementação e a condução da estratégia paulistana de desenvolvimento socioeconômico a partir da integração e articulação das mais diferentes secretarias municipais, assim como da parceria com a sociedade, conduz a uma nova geração de política social e do trabalho, capaz de resultar em condições mais adequadas de rompimento do ciclo estrutural da pobreza e da desigualdade de renda. 4. Considerações finais Nas páginas anteriores foi possível identificar as transformações mais recentes na natureza da manifestação da exclusão social. Além disso, foi possível constatar o quanto o Brasil encontra-se distante de possuir um conjunto adequado de políticas de enfrentamento do processo de exclusão social. Em virtude disso, o breve relato a respeito da experiência paulistana de inclusão social apresenta evidências concretas sobre a possibilidade de superação do ciclo estrutural de exclusão que envolve grande parte dos brasileiros. A despeito de ser uma experiência de âmbito municipal, especialmente quando se trato de um país como o Brasil de dimensão continental, a estratégia paulistana aponta para a construção de um sistema único de inclusão social. 14