PONTOS CRÍTICOS DE CONTROLE NA PASTEURIZAÇÃO DO LEITE EM MICROUSINAS Cláudio Dias Timm 1 Talita Bandeira Roos 2 Helenice de Lima Gonzalez 2 Daniela dos Santos de Oliveira 2 1. INTRODUÇÃO Atualmente, observa-se em todo o mundo um rápido desenvolvimento e aperfeiçoamento de novos métodos de detecção de agentes de natureza biológica, química e física causadores de moléstias nos seres humanos e nos animais. Muitos destes agentes são passíveis de veiculação pelos alimentos, sendo motivo de preocupação por parte de entidades voltadas à saúde pública. (BRASIL, 1998) Ao mesmo tempo, aumentam as perdas de alimentos e matérias-primas em decorrência de processos de deterioração de origem microbiológica, infestação por pragas e beneficiamento ineficaz, com severos prejuízos financeiros às indústrias de alimentos, à rede de distribuição e aos consumidores. (BRASIL, 1998) Face a esse contexto, às novas exigências sanitárias e aos requisitos de qualidade, o governo brasileiro, junto com a iniciativa privada, vem desenvolvendo desde 1991, a implantação de um sistema de produção e controle, com base na Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). (BRASIL, 1998) APPCC pode ser definido como um sistema de análise que identifica perigos específicos e medidas preventivas para seu controle, objetivando a segurança do alimento e contemplando os aspectos de garantia da qualidade e integridade econômica. Baseia-se na prevenção, eliminação ou redução dos perigos em todas as etapas da cadeia produtiva. O APPCC não é um método de inspeção, mas sim um sistema dinâmico de controle de qualidade que fornece valiosas informações ao sistema clássico de inspeção; o Ministério da Agricultura adotou este sistema de gerenciamento de qualidade do processo industrial porque, além de assegurar os objetivos propostos, torna mais eficaz o serviço de Inspeção Federal. (VIALTA, 2002) 1 Professor de Inspeção de Leite e Derivados da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas UFPel. E-mail: timm@ufpel.tche.br 2 Médicas Veterinárias
O APPCC é uma ferramenta para controle de processo e não para o ambiente onde o processo ocorre. Embora o APPCC seja um sistema amplo para a garantia da inocuidade, da qualidade e da integridade do alimento, não é único e independente (BRASIL, 2003). Para a implantação de um plano APPCC é necessário que a indústria adote Boas Práticas de Fabricação (BPF), ou seja, medidas higiênico-sanitárias apropriadas, conforme preconizado no Regulamento Técnico sobre as Condições Higiênico-sanitárias e de Boas Práticas de Elaboração para Estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos (BRASIL, 1997). Quando o programa de BPF não é eficientemente implantado e controlado, pontos críticos de controle adicionais são identificados, monitorados e mantidos sob a égide do Plano APPCC. Portanto, a implantação das BPF irá viabilizar e simplificar o Plano APPCC, assegurando sua integridade e eficiência, com o objetivo de garantir a segurança dos alimentos. (GUIA PARA ELABORAÇÃO DO PLANO APPCC, 1999) Em 2003, entrou em vigor a Resolução DIPOA/SDA nº 10, do Ministério da Agricultura e Pecuária (BRASIL, 2003), que instituiu o Programa Genérico de Procedimentos-padrão de Higiene Operacional PPHO, o qual, juntamente com as Boas Práticas de Fabricação, constitui-se em pré-requisito essencial à implantação do APPCC. Uma vez atendidos os pré-requisitos, a elaboração de um plano APPCC alicerça-se na identificação de pontos críticos de controle (PCC), que são aquelas etapas do fluxograma de produção que apresentam riscos de ocorrência de perigos que não são controlados pelas medidas preventivas (BPF e PPHO) e não são eliminados em etapas subseqüentes. A cadeia do leite no Brasil, em parte por estar vulnerável a oscilações de mercado e políticas econômicas nem sempre voltadas aos interesses do setor, tem sofrido instabilidades freqüentes, não garantindo segurança às diferentes partes que a integram. Como via alternativa, têm surgido, nos últimos anos, em várias regiões do país, pequenas indústrias destinadas ao processamento de pequenos volumes de leite, a qual tem buscado e ocupado determinados nichos de mercado. Uma forma de estas microusinas consolidarem-se no mercado é oferecendo produtos com padrões estáveis de qualidade. O presente trabalho não tem por objetivo sugerir um plano APPCC para microusinas de leite, mas sim identificar pontos críticos de controle, a partir de um fluxograma básico de processamento, que possam ser monitorados em qualquer usina, independentemente da necessidade de controle de pontos críticos adicionais.
2. METODOLOGIA A partir do fluxograma de processamento industrial de pasteurização de leite observado em seis microusinas da região sul do Rio Grande do Sul, foi estabelecido um fluxograma básico para identificação de PCC (figura 1). Figura 1: Fluxograma básico de pasteurização do leite RECEPÇÃO DO LEITE 1ª FILTRAÇÃO RESFRIAMENTO ESTOCAGEM DO LEITE CRU 2ª FILTRAÇÃO PASTEURIZAÇÃO ARMAZENAGEM ENVASE ESTOCAGEM TRANSPORTE
Recepção do leite: o leite deverá estar com acidez máxima de 18 D e isento de qualquer tipo de fraude. 1ª filtração: a primeira filtração tem por finalidade remover as impurezas maiores. Resfriamento: o leite deve ser resfriado no máximo a 4 C. Estocagem do leite cru: a estocagem deve ser feita em tanques isotérmicos para dificultar a troca térmica do leite com o meio ambiente. 2ª filtração: a segunda filtração tem como objetivo remover as impurezas menores. Pasteurização: o leite é aquecido a 72-75 C durante 15-20 segundos, com a finalidade principal de eliminar microrganismos patogênicos, e imediatamente resfriado. Armazenagem: o leite pasteurizado deve ser estocado a 4 C, no máximo. Envase: o produto é embalado em sacos de polietileno de baixa densidade. Estocagem: o leite embalado é estocado em câmaras frias até a expedição. Transporte: o leite é transportado em caminhões com câmaras refrigeradas. Os pontos críticos de controle, o monitoramento, os limites críticos, as medidas de correção e a forma de verificação foram determinados seguindo a seqüência de sete princípios recomendada pelo Manual de procedimentos para APPCC em indústrias de produtos de origem animal (BRASIL, 1998). Princípio 1: Identificação dos perigos, analise dos riscos e consideração das medidas preventivas de controle. Perigos podem ser contaminantes de natureza biológica, química ou física que pode causar dano à saúde ou à integridade do consumidor. Os riscos foram analisados em relação a sua importância para a saúde pública, a perda da qualidade de um produto e a sua integridade econômica. Princípio 2: Identificação dos pontos críticos de controle e aplicação da árvore decisória. PCC é qualquer ponto, etapa ou procedimento que apresenta um perigo não controlado pelas BPF e não eliminado em uma etapa posterior. A árvore decisória (diagrama decisório dos PCC) consiste em uma série de perguntas para determinar se uma matéria-prima ou etapa do processo é um PCC (figura 2).
QUESTÃO 1 Existe(m) medida(s) preventiva(s) para o perigo? SIM NÃO O controle nessa etapa é necessário para a segurança? NÃO SIM Modificar a etapa, processo ou produto NÃO É PCC QUESTÃO 2 Esta etapa elimina ou reduz o perigo a níveis aceitáveis? NÃO SIM PCC QUESTÃO 3 O perigo pode aumentar a níveis inaceitáveis? SIM NÃO NÃO É PCC QUESTÃO 4 Uma etapa subseqüente eliminará ou reduzirá o perigo a níveis aceitáveis? SIM NÃO NÃO É PCC PCC
Princípio 3: Limites críticos para cada PCC. Os limites críticos são os valores que separam os produtos aceitáveis dos não aceitáveis, podendo ser qualitativos ou quantitativos. O estabelecimento destes limites foi baseado no conhecimento disponível em fontes, tais como: regulamentos e legislação, literatura científica ou dados de pesquisa. Princípio 4: Sistema de monitoramento para cada PCC. O monitoramento deve ser capaz de detectar qualquer desvio do processo com tempo suficiente para que as medidas corretivas possam ser adotadas antes da distribuição do produto. Princípio 5: Ações corretivas. As ações corretivas devem ser específicas e suficientes para a eliminação do perigo após a sua aplicação. Princípio 6: Documentação e procedimentos de registro. Todos os dados e informações obtidas durante o processo de vigilância, de verificação, resultados laboratoriais, etc., devem ser registrados em formulários próprios. Princípio 7: Procedimentos de verificação. O monitoramento dos PCC deve ser alvo de verificação, como forma de garantir sua perfeita execução. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir do fluxograma utilizado no trabalho, foram identificados quatro PCC (figura 3). Os dois primeiros na etapa de recepção do leite, apresentando como perigo a presença de inibidores decorrente da não observação do período de carência necessário para o envio à indústria do leite de animais tratados com antibióticos. O outro perigo observado nesta etapa foi a produção de toxinas por Staphylococcus aureus, a qual tem sido responsável por intoxicações alimentares. A manutenção do leite a baixas temperaturas impede que estas bactérias se multipliquem a ponto de produzir toxinas em quantidade suficiente para provocar intoxicações em humanos. O terceiro PCC considerado foi na segunda filtração, quando podem permanecer sujidades no leite após a passagem pelo filtro, caso este não esteja íntegro e permeável. O quarto PCC identificado foi a pasteurização que, se não for corretamente realizada, pode permitir a sobrevivência de microorganismos patogênicos, com possíveis conseqüências de ordem sanitária para os consumidores do produto.
Figura 3: Determinação de Pontos Críticos de Controle em microusina de leite ETAPAS DO PROCESSO IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO MEDIDAS DE CONTROLE PCC Recepção do leite Antibióticos (Q) Realização de testes para verificação da presença de resíduos de antibióticos Sim Microrganismos patogênicos (B) Pasteurização Toxinas de Staphylococcus aureus (B) Controle de temperatura para prevenir a produção de toxinas Sim 1ª filtração Sujidades e corpos estranhos (F) Filtros em boas condições; nova filtração em etapa subseqüente Resfriamento/ Estocagem Multiplicação de microorganismos patógenos (B) Pasteurização Acidez (Q) Controle da temperatura Toxinas (B) Controle da temperatura 2ª filtração Sujidades e corpos estranhos (F) Filtro em boas condições Sim Pasteurização Sobrevivência de microrganismos patogênicos (B) Tempo e temperatura de pasteurização Sim Armazenagem Acidez (Q) Controle da temperatura Recontaminação (B) Programa prévio para prevenir a contaminação pós-pasteurização Envase Recontaminação (B) Programa prévio para prevenir a contaminação pós-pasteurização Estocagem Acidez (Q) Controle da temperatura Transporte Acidez (Q) Controle da temperatura Q = perigo químico; F = perigo físico; B = perigo biológico
Identificados os pontos críticos de controle, foram estabelecidos os limites críticos, a forma de monitoramento, a ação corretiva caso o limite seja ultrapassado e a verificação do monitoramento (figura 4).
Figura 4: Mapa descritivo para microusina de leite PCC Risco Ponto de controle Limite crítico Monitoramento Ação corretiva Verificação Recepção do leite Resíduos de antibiótico Testes de detecção de resíduos de antibióticos Ausência Testes de detecção de antibióticos em todos os tanques Descarte do leite e comunicação aos fornecedores Verificação de técnicas e observação da validade dos kits Recepção do leite Toxina de Staphylococcus aureus Temperatura de chegada do leite 10ºC Medição da temperatura em todos os tanques Descarte/ aproveitamento condicional Aferição de termômetros 2ª filtração Sujidades e corpos estranhos Filtro em boas condições Ausência de danos e obstruções Inspeção visual a cada turno Troca do filtro Supervisão Pasteurização Sobrevivência de microrganismos patogênicos Tempo e temperatura 72 a 75 C por 15 a 20s Inspeção do marcador de temperatura e do tempo de retenção do leite Ajuste de tempo e temperatura Aferição de equipamentos e instrumentos/ pesquisa de peroxidase e fosfatase
4. CONCLUSÃO O presente trabalho apresenta pontos críticos de controle em um fluxograma mínimo para pasteurização do leite. Dependendo da microusina, outros pontos críticos de controle podem ser identificados, conforme o fluxograma utilizado e a eficiência da aplicação de Boas Práticas de Fabricação. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Regulamento técnico sobre as condições higiênico-sanitárias e de boas práticas de elaboração para estabelecimentos elaboradores/industrializadores de alimentos. Portaria nº 368, de 04/09/97. Diário Oficial da União, Brasília, n. 172, seção I, 08 set. 1997. BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Manual genérico de procedimentos para APPCC em indústrias de produtos de origem animal. Portaria nº 46, de 10/02/98. Diário Oficial da União, Brasília, seção I, p. 24, 16 mar. 1998. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Programa de procedimentospadrão de higiene operacional (PPHO) nos estabelecimentos de leite e derivados. Resolução DIPOA/DAS nº 10, de 22/05/2003. Diário Oficial da União, Brasília, seção I, p. 4-5, 28 mai. 2003. GUIA PARA ELABORAÇÃO DO PLANO APPCC; LATICÍNIO E SORVETES. Projeto APPCC. Convênio CNI/SENAI/SEBRAE. Brasília, SENAI/DN, 1999. 173 p. VIALTA, A..; MORENO, I.; VALLE, J.L.E. Boas práticas de fabricação, higienização e análise de perigos e pontos críticos de controle na indústria de laticínios: 1-requeijão. Indústria de Laticínios, n. 37, p. 56-63, 2002. TIMM, Cláudio Dias; ROOS, Talita Bandeira; GONZALEZ, Helenice de Lima; OLIVEIRA, Daniela dos Santos de. Pontos críticos de controle na pasteurização do leite em microusinas. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, Juiz de Fora, v. 59, n. 336/338, p. 75-80, 2004.