Inclusão Escolar de crianças com deficiências: contribuições da Terapia Ocupacional CAMILA CRISTINA.B.X. DE SOUZA 1 EUCENIR FREDINI ROCHA 2



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Transcrição:

1 Inclusão Escolar de crianças com deficiências: contribuições da Terapia Ocupacional CAMILA CRISTINA.B.X. DE SOUZA 1 EUCENIR FREDINI ROCHA 2 No Brasil, após a criação de políticas públicas pró-inclusão escolar, houve um aumento significativo de estudantes com deficiência na rede regular de ensino, o que, até então costumava ser pouco usual. Esse novo cenário configura-se como um desafio tanto para educadores, estudantes, famílias quanto para os serviços de saúde principalmente os serviços da Atenção Primária em Saúde que, devido à sua proximidade do território são chamados a auxiliar a escola no cumprimento e construção cotidiana dessas políticas. Para Mantoan (2002), a inclusão escolar configura-se como um desafio já que exige um rompimento com o modelo tradicional de educação para que haja espaços para as particularidades de cada estudante. O que, para se efetivar, necessita de: acesso real e possível à escola inclusive das pessoas excluídas, ensino de qualidade, e investimentos em formação e atualizações constantes dos educadores. Contudo, como lembra Sawaia (1999), nenhum sujeito está excluído totalmente, pois: Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico (p.8). Nesse sentido, mesmo com a existência de políticas públicas que garantam o direito de pessoas com deficiência de estudar na rede regular de ensino, e ainda que estas pessoas consigam se matricular e frequentar a escola diariamente, isso não quer dizer que elas estão efetivamente incluídas nas escolas regulares, pois a qualidade das relações entre os 1 Terapeuta Ocupacional do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional e Mestranda do Depto. de Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. 2 Profa. Dra. Curso de Terapia Ocupacional do Depto. de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo.

2 estudantes, e entre estudantes e educadores podem vir a reproduzir estigmas, por terem por base a caridade e a piedade, objetificando as pessoas com deficiência, e as incluindo de forma (Rocha et al, 2003). Contudo, para que a inclusão escolar se efetive são necessárias intervenções no cotidiano, que se configura como um lugar privilegiado para tais transformações, já que é o ponto de partida da vida social, como ressalta Heller (1995), uma vez que nele ocorre o aprendizado de regras, costumes, experimentação de atividades, relacionamento com pessoas diferentes, objetos, espaço e tempo. Historicamente, a Terapia Ocupacional se inseriu no campo da educação pela Educação Especial, voltada para pessoas com deficiência, segregada da escola regular, desenvolvido nas classes especiais dirigidas a populações específicas, como, por exemplo, pessoas com deficiência mental, física, visual, auditiva e/ou transtorno do desenvolvimento. As intervenções de Terapia Ocupacional nas escolas especiais mesclavam-se com as ações clínicas, reabilitadoras, a fim de treinar ou desenvolver competências para a adaptação de pessoas com deficiência à sociedade. Entretanto, na década de 1980, o movimento internacional de inclusão social (SASSAKI, 1997), composto por pessoas com deficiências, profissionais e a sociedade civil de uma forma geral, propõe uma sociedade de suportes, ou seja, supõe uma adequação da coletividade, uma sociedade responsável por todos os seus membros, com mecanismos que propiciem o acolhimento de forma indiscriminada, com possibilidades efetivas para a participação de todos. E, para que estivesse de acordo com as propostas e reivindicações do movimento internacional de inclusão social, as práticas de Terapia Ocupacional no contexto escolar tiveram de mudar. Dessa forma, as contribuições da Terapia Ocupacional no campo da Educação devem partir de um compromisso ético-político com o sofrimento do outro. Assim, é preciso que se considere a realidade das pessoas com deficiências e excluídas da rede regular de ensino, matriculadas nas escolas especiais, e/ou que vivem situações de segregação familiar, internadas em suas próprias casas ou inseridas de forma perversa nas escolas regulares (Oliver, 1991).

3 Assim, as ações da Terapia Ocupacional no contexto escolar não são clínicas, nem somente aos estudantes com deficiência. Também não se faz treino de atitudes corretas, muito menos direcionada a rever questões pedagógicas. É um trabalho conjunto com educadores, estudantes, familiares e comunidade. Este texto tem por objetivo narrar a experiência de um projeto de consultoria em inclusão escolar desenvolvido em 2012, pelo Laboratório de Estudos em reabilitação e Tecnologia Assistiva da Área de Terapia Ocupacional do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O pedido de ajuda para a inclusão escolar foi feito por uma escola municipal de ensino fundamental da periferia da Região Oeste do município de São Paulo. A escola contava com um total de 150 estudantes do ciclo I (1º ao 5º ano), sendo que 15 deles eram classificados como estudantes-problema: 2 possuíam deficiência física, 2 deficiência mental, e 11 estudantes os educadores suspeitavam de que tinham deficiência mental. A solicitação dos educadores para a inclusão escolar desses estudantes consistiam em conseguir diagnósticos médicos para os estudantes, a fim de confirmar as suspeitas de deficiência mental dos 11 estudantes sem diagnóstico prévio, que tinham dificuldade de aprendizado. Os educadores partiam do ponto de que com os diagnósticos médicos fechados, o prognóstico em relação às potencialidades e possibilidades das crianças de aprender seriam elucidados. A partir desse pedido inicial, um trabalho de consultoria em parceria com a escola e com um psicólogo do Núcleo de Apoio à Saúde da Família da Unidade Básica de Saúde correspondente à área adstrita à escola, e começamos nossas atividades com encontros com os educadores para: Entender suas concepções sobre inclusão escolar e deficiência; Discutir sobre políticas públicas de saúde e educação; Levantar problemas/necessidades da escola referente á efetivação da inclusão, e possíveis soluções.

4 Esse primeiro momento durou 8 encontros, com uma duração média de 2 horas cada encontro, e pudemos identificar dificuldades dos educadores em perceber e validar as potencialidades dos estudantes, assim como em validar suas potencialidades enquanto educadores para lidar com crianças que tem dificuldades para aprender determinados conteúdos. Em seguida, construímos um protocolo de avaliação de habilidades utilizando-se brinquedos e brincadeiras individuais e em grupo, que possuía um espectro de atividades que iam desde atividades sensório-motoras (como encaixar, bater, jogar), passavam por contação de história, brincadeira de faz-de-conta, jogos de lógica, sequencia, memória, construções tridimensionais, até desenhos gráficos bidimensionais, leitura, escrita, e alguns conteúdos trabalhados pelos educadores em cada série. O protocolo era acompanhado de uma tabela onde as habilidades observadas nas brincadeiras eram registradas e analisadas qualitativamente, com um espaço final para proposição de atividades e intervenções que pudesse facilitar a realização ou o aprendizado de habilidades e conteúdos ainda não dominados pelo estudante. Esse protocolo de avaliação de habilidades foi aplicado aos 15 estudantes listados pelos educadores como tendo deficiência ou suspeita de. Realizamos uma média de 3 encontros com cada estudante (o que totalizavam 45 encontros), num período de 2 meses. Os educadores participaram em conjunto com a Terapeuta Ocupacional e os estagiários do último ano do curso de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo. Tal participação foi de fundamental importância para que os educadores pudessem estabelecer novas relações com os estudantes que não a de se cobrar por acertos e corrigir os erros, pois, no momento da aplicação do protocolo de habilidades estávamos todos brincando em grupo. Os erros não eram corrigidos, mas eram observados, assinalados e analisados em nossa planilha. Os acertos não eram valorizados, mas eram registrados na mesma tabela e analisados. Isso porque o brincar é um processo criativo, não corretivo ou normatizador. E também porque a correção de uma atividade implicaria em inibições das crianças para criar, além de impedir que outras potencialidades presentes na interação entre estudantesbrincadeira-educadores-terapeutas ocupacionais pudessem ser percebidas.

5 Tal postura frente ao erro e ao acerto em meio a uma avaliação que tinha o brincar como atividade central foi necessária para, como reflete Takatori et al (2001): Compreendemos o lugar singular e fundamental que o brincar possui, no processo de desenvolvimento humano, como uma área onde experiências fundamentais para a constituição dos sujeitos acontecem. Pensamos o brincar pelo brincar, espontâneo e natural, não o brincar como um recurso através do uso de brinquedos, mas como uma área de limites imaginários onde, no oferecimento de experiências a criança pode fazer a partir de suas próprias possibilidades (p.93) Com as avaliações do protocolo de avaliação de habilidades de todas as crianças prontas, e realizadas em conjunto com os educadores, houve um segundo momento de roda de conversa onde os educadores puderam contar de suas experiências com a aplicação do protocolo, e descobertas em relação aos estudantes. A maioria dos educadores pode, a partir desse processo, sentir-se mais potente para o trabalho com aqueles estudantes, e o pedido por um diagnóstico médico já não existia mais, pois se sentiam mais instrumentalizados para o trabalho, com possibilidades de compreender o porquê das dificuldades e até pensar em ações para facilitar o aprendizado e interação entre as crianças. Durante a realização das avaliações, foi possível um diálogo, mediado pelo brincar, que permitisse à criança falar de seu cotidiano, onde e como morava, qual a relação com sua família, quais suas condições sociais e atividades culturais que realizavam extra escola. Os relatos das crianças traziam histórias de pobreza, vulnerabilidade social, violência, dificuldades com a moradia e até mesmo falta de um lugar para morar. Revelaram crianças que cuidavam de suas casas, que faziam comida, buscavam irmãos menores em outras escolas e eram responsáveis por eles no ambiente doméstico, que trabalhavam e ficavam cansadas para ir á escola, que conviviam com pais alcoolistas e/ou usuários de drogas, e descobrimos que haviam crianças que não tinham brinquedos em casa. Esses conteúdos que emergiram possibilitaram aos educadores desconstruir alguns preconceitos em relação às ditas dificuldades escolares das crianças, e contextualizá-las frente

6 ao cenário econômico brasileiro, a periferia de São Paulo, o que também contribuiu para que as dificuldades não fossem compreendidas pela lógica da patológico e do normal, e, mais uma vez, fechar um diagnóstico para aqueles estudantes não se mostrou importante para o planejamento das atividades de ensino. Entretanto, isso não quer dizer que a pobreza ou situações de vulnerabilidade impeçam o aprendizado, mas o acesso a esse tipo de informação permite compreender a criança dentro de um contexto maior do que o de sala de aula, e que muitas vezes é um contexto diferente do que o educador imaginava para aquelas crianças. Esta parceria entre o Laboratório de Estudos em Reabilitação e Tecnologia Assistiva e a escola continua, e completa 1 ano. O protocolo de avaliação de habilidades mostrou-se bastante eficaz tanto no levantamento de habilidades das crianças quanto para instrumentalizar os educadores para poder percebê-las e validá-las como possíveis de existir no contexto da escola regular. No entanto, como a inclusão não se dá na relação dual entre estudantes e educadores, realizamos, desde o início deste ano, uma oficina de construção de brinquedos e jogos com os estudantes. Tal oficina prevê a construção de um brinquedo/jogo coletivo e um individual em cada classe. Os brinquedos individuais podem ser levados para casa, e os coletivos ficam na escola. A escolha de qual brinquedo será confeccionado em cada série é feita junto com os educadores, e visam dialogar com as habilidades levantadas no protocolo de avaliação de habilidades. As oficinas foram divididas neste primeiro semestre de 2013 em quatro encontros por sala, totalizando 20 encontros: o primeiro encontro para fazer o brinquedo coletivo, o segundo para brincar com ele. O terceiro era referente à confecção do brinquedo individual, e o quarto era para brincar, com o brinquedo individual. Com a implementação dessa nova proposta, faz-se possível uma aproximação de todos os estudantes de uma mesma classe, promovendo mudanças ainda insipientes nas relações, configurando-se como um espaço acolhedor e facilitador, e transformador em relação à forma como os próprios estudantes se discriminavam com relação às maiores ou menores dificuldades de aprender.

7 Como os brinquedos podem ser levados para casa, temos visto pelos bairros próximos à escola que as crianças estão brincando na rua com os brinquedos que elas mesmas construíram com os amigos do bairro, irmãos, parentes, etc. Este trabalho na referida escola ainda não conseguiu incluir efetivamente as crianças com deficiência, nem as crianças com questões de vulnerabilidade social, e/ou com dificuldades de aprendizagem devido ao pouco tempo que tem e aos enormes desafios já citados anteriormente para a construção de ações inclusivas. Entretanto, pudemos permitir outras formas de existir no contexto escolar e nas relações interpessoais, numa tentativa de construção de uma inclusão menos perversa. Os educadores obtiveram ganhos significativos no que diz respeito a compreensão do que é deficiência, e tiveram um espaço para se repensarem, se questionarem e produzir um outro jeito de ensinar os mesmos conteúdos e de entrar em relação com seus mesmos alunos. Compreendemos que a presença dos terapeutas ocupacionais no cotidiano da escola funcionou como um facilitador para a criação e fortalecimento de vínculos de confiança entre educadores, estudantes e terapeutas ocupacionais, o que facilitou a implantação das propostas aqui apresentadas (trabalho de formação com educadores, aplicação de protocolo de avaliação de habilidades e oficina de construção de brinquedos). Retomando a discussão de Heller (1995), as intervenções sobre o cotidiano, como por exemplo a oficina de construção de brinquedos tem possibilitado uma mudança significativa das relações entre os estudantes, demonstrando o quanto o cotidiano se configura como um importante instrumento de trabalho. O resgate das atividades lúdicas na escola que é uma atividade comumente preterida pelas lições e exercícios, aparentemente mais importantes que as atividades lúdicas também mostrou-se como forte instrumento agregador e transformados das relações, assim como da forma de ensinar e aprender. Ainda há muito o que se fazer para efetivar a inclusão escolar dos estudantes da escola em questão. No entanto, o trabalho interdisciplinar e intersetorial mostra-se como alternativa potencializadora e facilitadora da inclusão, agregando saberes e qualificando ações da saúde e educação.

8 Referencias Bibliográficas HELLER, A. O cotidiano e a história, 7ed. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1995. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ensinando a turma toda. Pátio: revista pedagógica. Porto Alegre, Ano V, n. 20, fev./abr. 2002. OLIVER, F.C. O problema da incapacidade e da deficiência. Rev. de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo. v. 2, n. 2/3 p. 66-77 1991. ROCHA, E.F.; LUIZ, A.; ZULIAN, M.A.R. Reflexões sobre as possíveis contribuições da Terapia Ocupacional nos processos de inclusão escolar. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v.14, n.2, p.72-78, 2003 SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão. Petrópolis: Vozes, 1999. TAKATORI, M.; BOMTEMPO, E., BENETTON, M.J. Brincar e a Criança com Deficiência Física: A Construção Inicial de uma História em Terapia Ocupacional. Cadernos de Terapia Ocupacional, v.9, n.2, p.91-105, 2001.

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