PROJECT FINANCE: RISCOS E MITIGANTES NA ESTRUTURAÇÃO DE PROJETOS



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Transcrição:

ISSN 1984-9354 PROJECT FINANCE: RISCOS E MITIGANTES NA ESTRUTURAÇÃO DE PROJETOS JOSÉ LUIZ PEREIRA DUARTE SILVA (UFF) LUIS PEREZ ZOTES (UFF) Resumo Este artigo tem por objetivo tratar da estruturação de projetos na modalidade Project Finance, apresentando um breve histórico, suas principais características e exemplos de utilização. Sua abordagem predominante diz respeito aos riscos inccorridos durante a consecução de um empreendimento e as suas formas de mitigação. Serão elencados os diversos tipos de riscos e os possíveis mitigantes que propiciariam a execução de um projeto com níveis de incertezas menores do que aqueles encontrados em projetos concebidos em outras modalidades de financiamento. Dessa forma, por intermédio da viabilização de empreendimentos de infraestrutura de grande porte, espera-se que o Project Finance contribua para o crescimento econômico do Brasil e sua consolidação no cenário mundial. Palavras-chaves: ESTRUTURAÇÃO. PROJECT FINANCE. RISCOS. MITIGANTES.

1. Introdução O Project Finance é uma engenharia financeira utilizada, geralmente, em projetos de infra-estrutura de grande porte. Tem como característica principal a segregação de seus ativos em uma entidade independente, normalmente uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), responsável pela obtenção de recursos para sua consecução. Neste tipo de financiamento, pressupõe-se que as receitas geradas pelo empreendimento sejam capazes de fazer frente às despesas de pagamento dos recursos obtidos para sua execução. Ou seja, o fluxo de caixa deve ser a principal garantia do financiamento. São exemplos de projetos financiáveis na modalidade Project Finance as hidrelétricas, as rodovias, os portos e os aeroportos, dentre outros. Contudo, não se trata de uma ferramenta recente. A história relata que transações baseadas nas características deste tipo de instrumento já eram utilizadas pelos ingleses há mais de 700 anos. Um exemplo disso foi o empréstimo que a Coroa Britânica fez, em 1299, com o banco florentino Frescobaldi, um dos principais existentes no mundo na época (que possuía como principais concorrentes os Bancos Bardi, Peruzzi e Acciauioli, também de Florença, e o Banco de Veneza, todos da Itália), para exploração de minas de prata na região de Devon, litoral sudoeste da Inglaterra. Como forma de pagamento da dívida, os ingleses permitiram que os italianos extraíssem prata pelo período de um ano, sem limite de quantidade. O detalhe relevante nesta transação foi que a Inglaterra não deu qualquer garantia da qualidade da prata a ser extraída e os italianos assumiram o risco de performance da operação (FINNERTY, 1999). E é sobre a mitigação de riscos que se apóiam todos os desafios para a plena execução de projetos nesta modalidade. Tão importante quanto à obtenção de recursos financeiros para cumprir seu cronograma físico-financeiro são as garantias necessárias ao conforto dos financiadores. 2. Breve histórico do Project Finance no Mundo e no Brasil 2

Apesar de ser, como visto anteriormente, uma ferramenta com um histórico bastante antigo, somente em tempos mais recentes, entre as décadas de 60 e 80, se pode detectar sua utilização intensiva em projetos de grande envergadura ao redor do mundo. Um deles é o projeto de larga escala Trans Alaska Pipeline System (TAPS), desenvolvido entre 1969 e 1977 por uma joint venture formada por oito das maiores empresas de petróleo do mundo. Este empreendimento previa a construção de um oleoduto com 1.300 Km de extensão, ao custo de quase US$ 8 bilhões, para o transporte do petróleo bruto e gás natural liquefeito do norte do Alasca para o porto de Valdez no sul do estado, único livre de gelo. Os esforços pré-construção demandaram aproximadamente 6 anos (de 1969 a 1975) e se destinaram à seleção da melhor rota, desenho do oleoduto e estudos geológicos. Sua fase de construção se deu entre março de 1975 e maio de 1977, e chegou a empregar mais de 28.000 trabalhadores em seu momento de pico. Sua inauguração se deu em 20 de junho de 1977, quando ocorreu o primeiro transporte de óleo (FINNERTY, 1999). Um caso emblemático é o projeto da Euro Disneyland. A Walt Disney Company, conhecida empresa americana do ramo de entretenimento, sediada em Burbank, na Califórnia, expandiu seus domínios além do território americano quando da implantação do primeiro empreendimento fora dos Estados Unidos. A Tokyo Disneyland, localizada em Chiba, nos arredores de Tóquio, no Japão, foi inaugurada em abril de 1983. Já a Euro Disney localiza-se a 32 km de Paris, na França, ocupando uma área de aproximadamente 20 milhões de m 2. Este posicionamento foi estrategicamente estudado, pois, num raio de seis horas de carro, flutua uma população de quase 100 milhões de habitantes, distribuída, principalmente, entre França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e Suíça. Sua inauguração ocorreu em 1992, e, além do parque temático do Reino Encantado, a Disney construiu um resort com sete hotéis, um parque aquático e um centro de exposições. Este projeto, concebido após a assinatura de um acordo com o governo francês em 1985, contava com uma estrutura financeira bastante alavancada, em meio a uma intrincada relação societária. O alto grau de alavancagem determinou um risco financeiro nas mesmas proporções, onerando o risco operacional para o projeto. A geração de recebíveis imobiliários era essencial para equilibrar o fluxo de caixa do projeto, trazendo-o a um nível de risco aceitável. Deste modo, em 1988, começaram os trabalhos de construção, e, apesar da recessão causada pela Guerra do Golfo, em 1990, a Euro Disneyland foi inaugurada em abril de 1992. Seu custo, na fase inicial, foi orçado em 14 bilhões de francos franceses. 3

Mais recentemente, a partir do início da década de 90, a estruturação de projetos baseados na modalidade Project Finance passou a ser bastante difundida no mercado financeiro brasileiro. Levando em consideração uma diretriz governamental de privilegiar a privatização de seus ativos, principalmente os de energia elétrica e de telecomunicações, pela necessidade de melhoria da qualidade dos produtos e serviços oferecidos, houve a geração de uma enorme quantidade de projetos. Com a estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real, implementado em 1994, e com a confiança de órgãos financiadores internos e externos em alta, vários deles foram concebidos nesta modalidade, contando com a criatividade de bancos comerciais, de desenvolvimento, de investimentos, de entidades multilaterais e de assessores financeiros especializados. Para o sucesso deste tipo de financiamento, é necessário que o empreendimento, enquanto projeto, mostre capacidade de geração de fluxos de caixa suficientemente consistentes para que os financiadores aportem seu capital em troca de uma remuneração adequada. As garantias envolvidas neste modelo de crédito são bastante complexas. Um apoio jurídico constante se faz necessário para que todas as amarrações contratuais possam dar o lastro garantidor ao crédito concedido. Como exemplos de projetos estruturados na modalidade Project Finance no Brasil, segue, abaixo, um breve relato de empreendimentos com essas características (Bonomi, 2004): Ponte S.A. Ponte Rio Niterói um bom exemplo de Project Finance à brasileira, tendo sido financiado em R$ 36 milhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 1996, pelo prazo de 10 anos, com garantia do fluxo de recebíveis de pedágio. Fruto de um Programa de Concessões Rodoviárias do Governo Federal, em 1994, a Ponte era uma rodovia pré-existente, que carecia de maiores investimentos para manutenção de sua complexa e sensível estrutura física; SEMESA S.A. Serra da Mesa Energia em 1993, o Governo Federal deu início a um processo de parceria com a iniciativa privada para aumento da capacidade instalada de energia elétrica no sistema energético nacional, através de um processo de licitação onde ao vencedor caberia a conclusão do aproveitamento hidrelétrico de Serra da Mesa, mapeado pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) e pela Eletrobrás. Serra da Mesa Energia S.A., cujo principal acionista era o Banco Nacional S.A., e Furnas Centrais Elétricas, representando os interesses estatais, formaram parceria até a quebra do Nacional, 4

que foi substituído, em 1997, pela VBC Energia, empresa composta por Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa. No ano seguinte, a obra foi concluída, recebendo a VBC 51,54% da energia gerada e Furnas, o restante. Com 1.275 MW de capacidade de geração, Serra da Mesa é o elo entre os sistemas Sul/Sudeste/Centro-Oeste e Norte/Nordeste, tendo consumido investimentos de aproximadamente US$ 800 milhões; e Via Lagos S.A. objeto de uma concorrência para licitação de um trecho de 60 km, ligando Rio Bonito a São Pedro D Aldeia, no estado do Rio de Janeiro, promovida de Departamento de Estradas de Rodagem estadual, a Via Lagos, Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada pela Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), teve seu contrato de concessão homologado em 18/03/1997, com investimentos previstos da ordem de US$82 milhões, a fim de recuperar esta importante malha viária na ligação com a Região dos Lagos fluminense. O financiamento contou com recursos nacionais do BNDES (equivalente a US$ 20 milhões) e internacionais do BID (US$ 37 milhões), totalizando US$ 57 milhões. Os US$ 25 milhões restantes foram a contrapartida oferecida pelos patrocinadores do projeto. 3. Apresentação da Situação-Problema Um empreendimento desenvolvido na modalidade Project Finance necessita, quase na totalidade dos casos, de uma sofisticada engenharia financeira, cujo objetivo principal é a adequada alocação de riscos e retornos entre os participantes da estruturação de modo mais eficiente do que numa operação financeira convencional. A figura abaixo retrata a estrutura básica de uma operação de Project Finance. 5

Figura 01 Elementos Básicos de um Project Finance Fonte: Finnerty, 1999. Em sua origem, um projeto não possui qualquer histórico creditício no qual possa se basear para aspirar à obtenção de financiamentos para sua execução. Por isso, é preciso que o mesmo se mostre, aos olhos das entidades financiadoras, como um empreendimento técnica e economicamente viável. Pelo lado técnico, para que os emprestadores de recursos se sensibilizem, são necessárias garantias de que o projeto terá a produção estipulada em seu caso-base. Para isso, normalmente, são requeridas opiniões de consultores de engenharia independentes, de modo a atestar sua exeqüibilidade. Pelo lado financeiro, é preciso que os credores sintam-se confortáveis com a capacidade do projeto gerar fluxos de caixa consistentes ao longo do tempo, como forma de garantir o pagamento dos empréstimos concedidos, bem como remunerar adequadamente os inversores de capital próprio. Sua consistência deve ser tal que, mesmo diante da ocorrência de eventos desfavoráveis, possibilite honrar seus compromissos financeiros. Além disso, deve ter a garantia do fornecimento de matéria-prima suficiente para sua operação e uma gerência capacitada para gestão do projeto. O projeto demandante de financiamento na modalidade Project Finance deve atuar como uma unidade autônoma, capaz de gerar retornos superiores aos que poderiam ser obtidos caso as atividades fossem desenvolvidas pela empresa patrocinadora. Este ponto deve ser encarado positivamente, tendo em vista que proporciona maior capacidade de alavancagem à patrocinadora, permitindo que outros projetos, com baixo grau de atratividade, ou mesmo necessidades financeiras meramente operacionais, sejam executados. De acordo com Filha e Castro (2000, p.109): Do ponto de vista dos financiadores, a análise de projetos industriais é, na sua essência, um estudo visando verificar a viabilidade do projeto, através da aferição das taxas de retorno e de sua capacidade de pagamento, associada a uma estrutura de garantias negociada em contrapartida aos créditos a serem concedidos. 6

Para que esta viabilização aconteça é essencial que os possíveis riscos detectados na estruturação do empreendimento sejam analisados com profundidade e, a partir de então, sejam estabelecidos os parâmetros de proteção necessários para minimizar os impactos de sua ocorrência. 4. Objetivo O objetivo deste artigo é abordar um dos pontos mais sensíveis na estruturação de créditos de longo prazo realizados por intermédio da modalidade de financiamento conhecida como Project Finance: a avaliação de riscos. Para que se possa entender adequadamente este relevante aspecto inerente à estrutura financeira de projetos, será apresentada uma análise das mais variadas formas de riscos e seus possíveis mitigantes. 5. Método Para a concepção deste artigo, foi realizada uma pesquisa sobre o tema em material pré-existente, a exemplo de livros, artigos científicos, periódicos e impressos diversos. Segundo GIL (2009), este tipo de pesquisa classifica-se, quanto ao seu objetivo, como exploratória e, quanto ao seu procedimento, como bibliográfico. 6. Riscos e mitigantes A avaliação e prevenção de possíveis riscos inerentes a um projeto financiado como Project Finance consome tempo e recursos durante a fase de sua estruturação. Deve-se procurar incessantemente pela melhor forma de mitigação, de modo a reduzir os impactos futuros provenientes de uma situação de risco. Segundo Finnerty (1999, p.39): 7

Os credores de um projeto exigirão a proteção contra certos riscos básicos. Emprestar a um projeto antes do início da construção, sem proteção contra os vários riscos financeiros e do negócio, exporia os credores do projeto a riscos de capital. Um ponto de vista bastante interessante, e não observado em outros autores, possui Vellutini (2006), quando ressalta o risco do acionista, traduzido na capacidade setorial dos sponsors (patrocinadores) de um projeto. Para ele, os financiadores sempre devem certificarse de que o principal acionista do empreendimento possui especialização no setor, além de um currículo que demonstre sua experiência e histórico de sucesso na área. De acordo com Dymond; Pineda (2004), os riscos técnicos, creditícios, regulatórios e econômicos devem ser alocados entre as partes envolvidas por meio de detalhadas relações contratuais. Segundo Sorge e Gadanecz (2004), o risco político deve ser tratado como uma importante preocupação na estruturação contratual de um projeto. A melhor maneira de mitigar este risco, que envolve expropriações, guerras ou conversibilidades, é a obtenção garantias junto a agências de crédito à exportação ou bancos multilaterais de desenvolvimento. De acordo com Nevitt e Fabozzi (2000, p. 2), a melhor forma de entender as preocupações dos financiadores de projetos é considerar as causas mais comuns de falência destes empreendimentos, a saber: a) Atraso na completação, com aumento das despesas de juros sobre financiamento e atraso no início do fluxo de receitas; b) Sobrecustos de capital; c) Falhas técnicas; d) Falência do contratante; e) Interferências governamentais; f) Perdas não seguradas; g) Aumento de preços ou escassez de matéria-prima; h) Obsolescência técnica da planta; i) Perda de competitividade no mercado consumidor; j) Expropriação; 8

k) Falha no gerenciamento; l) Projeções otimistas de valores de reservas, a exemplo de óleo e gás; m) Insolvência financeira do governo anfitrião. A seguir, serão abordados, então, os principais riscos ocorrentes em projetos estruturados e os instrumentos para sua mitigação (FINNERTY, 1999; BONOMI, 2004; VELLUTINI, 2006): 1) Risco do Acionista Conceito é o risco que corre o credor de que um acionista/patrocinador de um projeto não possua especialização no ramo no qual pretenda implementar o empreendimento. Mitigante exigência pelos financiadores de experiência e histórico de sucesso no setor relacionado ao projeto. 2) Risco Ambiental Conceito é o risco relacionado a possíveis impactos negativos do projeto sobre o meio ambiente. Estes podem ocasionar atrasos no desenvolvimento do empreendimento ou, até mesmo, a necessidade de um redesenho do projeto-base para solução desses impasses. Mitigante profundo conhecimento da legislação regulatória ambiental da localidade onde se projeta instalar o empreendimento, tanto em nível federal, quanto estadual ou municipal. Um estudo de impacto ambiental (EIA) bem realizado, acompanhado de um relatório de impacto sobre o meio ambiente (RIMA), pode prevenir o projeto de futuros problemas de meio ambiente. A obtenção das licenças prévia, de instalação e de operação são condições necessárias para o funcionamento da SPE. 3) Risco de Câmbio Conceito este risco ocorre quando os fluxos de receitas e despesas do projeto são denominados em duas ou mais moedas diferentes. Neste caso, o descasamento de taxas cambiais afeta o fluxo de caixa e pode causar problemas para honrar o serviço da dívida existente. 9

Mitigante a melhor forma de proteção à exposição cambial é a realização de operações de hedge por intermédio de contratos a termo e a futuro das moedas constantes no contrato de financiamento ou contratos de swap de moedas. 4) Risco Comercial ou de Mercado Conceito os fluxos de um projeto são, normalmente, baseados em contratos de compra e venda de longo prazo. Na hipótese de um comprador adquirir toda a capacidade de produção do empreendimento, ele fica exposto à variação de quantidade e preço que pode ocorrer em sua demanda de terceiros. É a este risco comercial/mercadológico que os financiadores do projeto não devem ficar sujeitos. Mitigante exigência por parte dos credores do projeto de que eventuais cláusulas de isenção de responsabilidade dos compradores sejam as mais limitadas possíveis, garantindo constância e previsibilidade do fluxo de caixa do empreendimento. 5) Risco de Construção/Conclusão Conceito diz respeito ao risco do projeto não ser concluído dentro do prazo previsto por questões técnicas ou financeiras. Mitigante assinatura de contrato de empreitada global de data certa e preço fixo (modalidade turnkey) com empreiteiros comprovadamente capazes e experientes naquele tipo de construção. A solidez financeira do empreiteiro, ou do consórcio de empreiteiros, deve ser aferida antes de sua contratação, de modo a evitar problemas posteriores. 6) Risco Econômico Conceito risco inerente à demanda pelo produto ou serviço fornecido pelo projeto. Caso haja queda nos níveis de venda projetados ou aumento de preço da matéria-prima, correse o risco econômico de que o empreendimento não possa cobrir seus custos operacionais e gerar uma taxa de retorno atraente aos sponsors, além de cumprir com suas obrigações contratuais de pagamento aos credores da dívida. Mitigante obter compromisso dos acionistas de aportes financeiros para satisfazer o serviço da dívida, realizar operações de hedge com contratos futuros e a termo de commodities para compensar oscilações do preço da matéria-prima e buscar outros mercados 10

com potencial de consumo para suprir eventual queda na demanda e restabelecer os níveis de venda e, conseqüentemente, de geração de receitas. 7) Risco Financeiro Conceito é o risco que corre o projeto de um aumento extemporâneo nas taxas de juros flutuantes contratadas para o financiamento. Mitigante o cenário ideal seria a assunção de contratos com taxas de juros fixas. Porém, na maioria dos empréstimos bancários existentes atualmente, as instituições financeiras, para sua segurança, compõem sua remuneração com taxas de juros flutuantes. Graças ao desenvolvimento de ferramentas financeiras de proteção pelo mercado, o projeto pode realizar operações de hedge comprando contratos de teto (cap) de taxas de juros ou contratos de swap de taxas de juros com contraparte definida. 8) Risco de Força Maior Conceito é o risco relacionado à ocorrência de eventos fortuitos, ou seja, fora do controle das partes envolvidas, que possam prejudicar o desenvolvimento do projeto, seja em sua fase de construção, seja em sua fase de operação. Estes riscos incluem falha técnica irreparável, incêndio, greve, revoluções, convulsões sociais, terremoto, terrorismo, etc. Mitigante contratação de pacote de seguros que cubra todos os possíveis riscos (all risk insurance). Por medida de segurança, os financiadores exigem ser beneficiários da apólice para o caso de ocorrência de sinistro. 9) Risco de Inadimplência /Falência Conceito este risco refere-se à possibilidade do mutuário da dívida ficar inadimplente, entrar em processo de recuperação judicial ou extrajudicial ou de falência perante o credor. Mitigante neste caso, o financiador deve proteger-se por intermédio da exigência de contratação pelo projeto de um pacote de seguros (security package) com garantias reais. Normalmente, os acionistas também são compelidos a empenhar todo o capital social da empresa em favor do credor, bem como ceder seus direitos sobre empréstimos subordinados contraídos. 11

10) Risco Legal Conceito é o risco de perdas relacionado à falta de suporte legal a um contrato jurídico por ausência de representatividade de uma das partes negociadoras, de legalidade ou de insuficiência documental. Mitigante contratos bem estruturados, com clara definição dos direitos e obrigações existentes entre as partes, que sejam legalmente constituídos e exeqüíveis. Financiadores e credores devem basear-se em avaliações e pareceres jurídicos emanados de consultores com experiência comprovada e renomada competência. 11) Risco de Operação e Manutenção Conceito este risco é relacionado à operação e manutenção do projeto por seu operador. Mitigante o financiador deve exigir do mutuário a confecção de um contrato de O&M com um operador tecnicamente capacitado que contenha dispositivos de garantia de disponibilidade, bônus e penalidades por performance e cláusula de rescisão, de modo a incentivar a operação eficiente do empreendimento. 12) Risco Político Conceito é o risco que o projeto corre de que determinadas ações de autoridades políticas da localidade em que está instalado interfiram no seu desenvolvimento e/ou viabilização. Pode ocorrer através de sanções legais ou tributárias, dentre outros, tornando o projeto insustentável do ponto de vista econômico-financeiro. Mitigante este risco pode ser minimizado por intermédio de contratação de seguro contra risco político, contratos com empresas regionais ou tomada de recursos financeiros com bancos locais, os quais poderiam sofrer impactos negativos com o insucesso do projeto. 13) Risco Regulatório Conceito este risco diz respeito à estrutura regulatória do setor de atuação do empreendimento. Mudanças evolutivas na legislação pertinente podem causar transtornos ao bom desenvolvimento do projeto. Mitigante realização de minuciosa revisão da estrutura regulatória setorial para plena adequação do empreendimento às normas de seu mercado de atuação. 12

14) Risco de Suprimento de Matéria-Prima Conceito é o risco que corre o projeto da interrupção do fornecimento ou do transporte de matérias-primas necessárias ao seu processamento. Mitigante a melhor forma de proteção para este risco é a assinatura de contratos de longo prazo, com cláusulas de garantia de fornecimento e de penalização, caso o mesmo não ocorra, entre o projeto e potenciais fornecedores. 15) Risco Tecnológico Conceito é inerente à tecnologia utilizada para consecução do projeto. Dependendo do grau de avanço tecnológico do investimento, pode ocorrer, no transcurso de sua construção, obsolescência dos equipamentos/tecnologia utilizados, ocasionando desempenho técnico abaixo do esperado e conseqüente afetação do fluxo de caixa. Mitigante nesta situação, o ideal é o fechamento de contrato na modalidade turnkey, onde construtores e operadores garantem o cumprimento de preços, prazos e, principalmente, performance estipulados no projeto-base. Caso isso não aconteça, poderão incidir penalidades que deverão ser direcionadas à satisfação do fluxo de caixa para pagamento das dívidas. 7. Conclusão O objetivo deste artigo foi o de apresentar o contexto que abrange o desenvolvimento de projetos na modalidade Project Finance. Além da complexidade de sua estruturação financeira, com grande quantidade de contratos e intervenientes diversos, a necessidade de compartilhamento de todos os riscos envolvidos é um desafio a ser superado. A estrutura de riscos e mitigantes, de modo que o suporte ao financiamento seja eficaz para todas as partes envolvidas, é peça fundamental para o sucesso dos projetos. Deste modo, acredita-se que o modelo de financiamento Project Finance, respeitando os riscos encontrados e apresentando suas respectivas mitigações, possa ser utilizado de forma bastante intensa por investidores brasileiros e estrangeiros, de modo a proporcionar condições de desenvolvimento da infraestrutura nacional, viabilizando a construção de usinas de energia, estradas, portos, aeroportos e, assim, permitindo a continuidade do crescimento do país. 13

REFERÊNCIAS BONOMI, Cláudio Augusto; MALVESSI, Oscar. Project Finance no Brasil: Fundamentos e Estudo de Casos / 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004. DYMOND, Christopher; PINEDA, Ilse. Brazilian Power Project Finance. Journal of Project Finance, v.7, no.1, Spring 2001, p. 29 34. FILHA, Dulce C. M.; CASTRO, Marcial P. S.. Project Finance para a Indústria: Estruturação de Financiamento. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, 2000. GIL, Antonio C.; Como Elaborar Projetos de Pesquisa / 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. FINNERTY, John D.. Project Finance: Engenharia Financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999. NEVITT, Peter K.; Fabozzi, Frank J..Project Financing / 7ª ed. London: Euromoney Books, 2000. VELLUTINI, Roberto. Estruturas de Project Finance em projetos privados: fundamentos e estudos de casos no setor elétrico do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier; Washington, Estados Unidos: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2006. SORGE, Marco; GADANECZ, Blaise. The term structure of credit spreads in Project Finance. International Journal of Finance & Economics, v. 13, n 1, p. 68-81, 2008. 14