O desenvolvimento humano na teoria de Wallon Profa. Vania Aparecida Marques Leite Uma teoria da pessoa completa Como o individuo torna-se o que é, quando adulto? - Que processos estão envolvidos na construção da identidade humana? Qual a gênese (origem) da inteligência humana? São estas as questões que mobilizaram a teoria do desenvolvimento da pessoa, de Henri Wallon. A teoria de Wallon, também conhecida como teoria da pessoa completa, tem como característica fundamental a tentativa de explicar o ser humano de forma mais abrangente, muito embora reconheça que o desenvolvimento é um fenômeno altamente complexo, sobre o qual não temos total controle. Wallon teceu várias críticas às posições reducionistas das teorias psicológicas de sua época, que influenciadas pela ciência positivista fragmentaram o estudo do desenvolvimento humano. Sua teoria foi fortemente influenciada pelos princípios do materialismo dialético, por isso, valorizava o contexto sociocultural como a base para a constituição dos sujeitos, tendo em vista que fornece os componentes à construção da personalidade, desde o nascimento. Para explicar o desenvolvimento humano, Wallon articulou os estudos da psicologia, da neurologia, da filosofia e da antropologia. Essa visão multidisciplinar contribuiu para que ele formulasse uma teoria do desenvolvimento que engloba, ao mesmo tempo, os componentes emocionais, a maturação do sistema nervoso e a evolução dos processos de pensamento. De acordo com Wallon, a criança, ao nascer, ainda não possui recursos cognitivos suficientes para interagir com o mundo de forma racional. Ela é
essencialmente emocional e vai tornando-se gradativamente em um ser sóciocognitivo, graças às trocas que estabelece com o seu meio sócio-cultural. O desenvolvimento, para Wallon, é um processo contínuo e progressivo que envolve quatro campos funcionais que se integram e se relacionam profundamente: a pessoa (EU), o ato motor, a emoção e a inteligência. Nessa perspectiva, a pessoa é o conjunto representado pela intersecção entre ato motor, emoção e inteligência, sendo ela mesma um quarto campo funcional. Em seu estudo sobre o desenvolvimento, Wallon reconhece o individuo como uma totalidade, porém inacabada e num constante vir a ser. Ele defende em sua teoria que a principal função do desenvolvimento é a individuação, ou seja, formar um indivíduo, com uma identidade própria. Mas, isso ocorre progressivamente, numa construção gradativa em que se somam e se articulam os domínios funcionais. O que são esses domínios funcionais? - O domínio afetivo, que corresponde ás funções responsáveis pela conduta emocional, pelos sentimentos e paixões;
- O domínio motor, que corresponde ao movimento corporal, ou seja, como o corpo expressa e apóia a expressão das emoções e do pensamento; - O domínio cognitivo que corresponde ao conjunto de funções responsáveis pela aquisição e organização dos conhecimentos, expressando-se por meio de imagens, noções, idéias e representações; - O domínio da pessoa (Eu) que corresponde à integração dos domínios anteriores e se expressa na identidade em construção (do indivíduo) A seguir, exploraremos um pouco mais esses quatro campos funcionais, que se integram na constituição da nossa identidade. Domínio afetivo: o papel da afetividade e da emoção De acordo com Wallon, o nascimento da afetividade é anterior ao nascimento da inteligência, por isso, as condutas afetivas possuem papel fundamental para o desenvolvimento da personalidade. O recém-nascido, antes de estabelecer atividades de relação, ou seja, antes de buscar conhecer e descobrir o mundo que à sua volta, permanece por um dado período voltado para si mesmo, funcionando predominantemente por meio da afetividade, que se exterioriza em comportamentos de alta expressividade emocional. No recém nascido, o movimento corporal assemelha-se a simples descargas emocionais que oscilam entre estados de tensão e relaxamento sem um equilíbrio das manifestações corporais. A insuficiência de habilidades na criança para controlar seus movimentos corporais e suas emoções, decorre da maturação incompleta do seu sistema nervoso, ainda andamento.
À medida que a criança interage com seu meio familiar e social as experiências de interação promovem o seu desenvolvimento neurológico e cognitivo. Gradativamente, a afetividade evolui de simples expressão motora para comportamentos mais complexos e mais orientados por determinações morais e racionais. Para Wallon, a origem da consciência e da inteligência encontra-se nas condutas emocionais. A emoção é ao mesmo tempo fisiológica e social. Podemos dizer que a emoção é fisiológica porque as reações emocionais (medo, cólera, tristeza, alegria, etc), possuem uma base orgânica ligada ao sistema nervoso, portanto, pode ser traduzida em termos fisiológicos. Assim, quando nos emocionamos, ocorre uma série de alterações bioquímicas em nosso organismo, expressando estas alterações em nossa postura, em nossa gestualidade, em nossa fisionomia. Para que você compreenda melhor o que estamos falando, imagine as seguintes situações: 1) uma moça apaixonada ao avistar a pessoa por quem está apaixonada. 2) uma mulher que apressa o passo ao suspeitar que um assaltante caminha na sua direção. 3) o funcionário de uma empresa que fica enfurecido ao perder uma oportunidade de negócio e aplica um soco na mesa. Podemos dizer que as três situações são condutas emocionais, pois podem ser traduzidas em termos fisiológicos, ou seja, explicadas organicamente. Acompanhe na tabela a seguir, uma tradução fisiológica para cada uma das emoções relatadas.
Situação Emoção Tradução fisiológica 1 Paixão Aumento da quantidade de feniletilamina no cérebro. Os batimentos cardíacos por minuto aumentam. 2 Medo Alteração nos batimentos cardíacos, aceleração da respiração e dilatação das pupilas reduzindo o fluxo de sangue nos órgãos periféricos e preparando o corpo para a fuga. 3 Raiva Tensionamento dos músculos, diminuição das pupilas, maior circulação de sangue nos órgãos periféricos, preparando o corpo para a defesa e o ataque. Ficou clara para você a ideia de que a emoção é uma manifestação orgânica?- Mas, Wallon não se limitou a estudá-la somente como um comportamento do organismo. Ele defendeu que a emoção é também um comportamento social, pois é o primeiro e o único recurso de que a criança dispõe para se comunicar e se integrar ao mundo, garantindo assim a sua sobrevivência. Para Wallon, a capacidade natural de emocionar-se, faz com que a criança dialogue com o seu meio, ainda que não tenha consciência de que tipo de emoção está vivenciando. Assim, o choro do bebê ao sentir dor, manifesta reações emocionais de cólera, mesmo que esta emoção não esteja direcionada a algum objeto ou pessoa. É a emoção na sua mais pura manifestação. Ao longo do desenvolvimento, as reações emocionais vão se tornando cada vez mais provocadas por situações externas e pelos significados culturais construídos. Podemos exemplificar este raciocínio walloniano, no exemplo de um bebê que avista uma barata e tenta pegá-la, porque não nasceu com medo de baratas. Mais tarde, por interferência de sua cultura, poderá desenvolver uma reação emocional de medo de barata, evitando-a. Assim, a emoção que no início era desencadeada a partir de processos fisiológicos como a fome e a dor, passa a ser desencadeada a partir de significados culturais.
O caráter social das emoções pode ser explicado a partir de três mecanismos, dos quais ela dispõe para agir sobre o mundo: a contagiosidade, a plasticidade e a regressividade. A contagiosidade refere-se ao poder de contágio que as manifestações emocionais exercem sobre o meio social. O ser humano não consegue ficar alheio à emoção do outro. Se não fossemos tão suscetíveis à emoção do outro, não teríamos sobrevivido enquanto espécie. Para compreender a contagiosidade basta-nos recordar as vezes que nos deixamos afetar pelo choro contínuo de uma criança, ou quanto o estado afetivo de alguém conseguiu nos abalar. Assim, uma pessoa triste e desanimada, ao entrar num ambiente festivo em pouco tempo será contaminada pela alegria daquele ambiente. Para Wallon, as condutas emocionais das crianças têm maior poder de contágio sobre nós, pois, como elas não possuem recursos internos suficientes para controlar suas emoções, acabam por exigir dos adultos, que eles próprios tenham maior controle emocional. A plasticidade é a capacidade natural da emoção, de moldar-se no corpo, refletindo-se na postura e gestualidade corporal. É pela plasticidade que sabemos se uma pessoa está triste, ou nervosa, ou desanimada, por exemplo. O movimento e a postura corporal traduzem a relação do individuo com seu meio, comunicando seu estado afetivo. Por isso, Wallon defendeu a ideia de que o corpo de que as expressões corporais devem ser melhor compreendidas no contexto escolar, tendo em vista que elas fornecem pistas importantes aos educadores. Podem revelar desde uma profunda euforia pedagógica até uma forma de oposição à aula e ao professor. A regressividade diz respeito ao poder das emoções sobre a regressão das atividades de raciocínio, revelando a fragilidade da relação entre emoção e razão, que, embora interdependes, se conflitam e se sobrepõem uma à outra.
O caráter social da emoção aponta para o fato de que facilmente podemos regredir a estados mais primitivos da manifestação emocional, quando somos provocados pelo outro. Você já deve ter observado ou presenciado situações em que uma conversa evolui para a agressividade. O primeiro interlocutor ofende o segundo, que se enfurece com a ofensa e passa a ofender ainda mais o primeiro, configurandose um ciclo vicioso no qual a emoção regride a capacidade de pensar racionalmente sobre a situação.. Isso ocorre também no contexto escolar, quando, diante de situações de turbulência, o professor aumenta o seu tom de voz, os alunos falam mais alto ainda e, em pouco tempo o professor já está gritando com seus alunos e perdendo o controle da situação. Vamos fazer uma atividade, para colocar em ação o que você compreendeu a respeito dos efeitos da emoção? Então, leia o caso a seguir. Marisa, professora do 4º ano do Ensino Fundamental, depara-se com uma situação de total descontrole em sua sala de aula. Uma menina chora porque pegaram o seu estojo e esconderam, a professora pede ao responsável que se manifeste, como isso não ocorre ele ameaça a sala toda de ficar sem a aula de Educação Física. Ocorre uma situação de conflito e enfrentamento entre alunos e a professora. Alguns alunos se recusam a ficar sem a aula pois não aceitam levar a culpa pelos outros. Uma das alunas acusa Paulo, considerado o pior da classe. Outro grupo se ofende por Paulo, alegando que não foi ele. Começam acusações recíprocas e a professora pede que voltem à atividade e a maioria diz que já terminou a lição. A professora Marisa grita e expulsa Renato e Guilherme da sala, pois no seu entendimento estão conturbando a aula. Renato se recusa a sair dizendo que não vai levar a bronca no lugar dos outros. A professora puxa-o pelo braço e ele resiste dizendo que não sai. Ricardo levanta a mão e se oferece para sair no lugar Renato e mais três alunos dizem eu.., eu, deixa eu sair. A professora grita com a sala dizendo
chega!. Todos estão sem aula de Educação Física e pronto!. Eu quero ver as bolsas pra saber quem pegou o estojo da Geovana. Você consegue perceber no caso, algumas das características da emoção, discutidas neste tópico? Quais? De acordo com Wallon, a emoção, quando exarcebada possui um poder desagregador sobre a razão e, uma das formas de diminuir este efeito desagregador e buscando compreender, raciocinar sobre a situação. Assim, o circulo vicioso observado na aula da professora Marisa, ocorreu porque ela se deixou envolver, contagiando também a sua sala, com as suas condutas emocionais e usando de sua autoridade, uma vez que, perdeu o controle da situação. Domínio motor: o papel do movimento Para Wallon, o corpo ocupa um papel fundamental para a aprendizagem. É por isso que as crianças aprendem manipulando objetos, participando, realizando atividades que permitam a exploração ativa do ambiente. O processo de maturação da criança ainda não lhe permite desenvolver as disciplinas mentais necessárias para que se mantenha parada e nem concentrada em alguma atividade por muito tempo, fazendo com que, quanto mais nova a criança for, mais necessidade de usar os gestos e as expressões corporais para se comunicar ela terá. O movimento, além de colocar a criança para relacionar-se com seu ambiente, auxilia o próprio pensamento, servindo como suporte para ele, principalmente quando a linguagem oral ainda não atingiu níveis mais elaborados. Podemos citar como exemplo a grande quantidade de gestos que as crianças fazem quando estão tentando explicar seu raciocínio para alguém. Os gestos vêm em socorro da sua inabilidade de comunicar suas ideias.
Vamos pensar mais um pouco sobre a questão do papel do movimento na sala de aula, a partir do caso da professora Marisa? Como você explicaria a turbulência daquela sala de aula, considerando o que Wallon diz sobre a importância o movimento para a aprendizagem da criança? Agora, compare o que você concluiu com as ideias wallonianas. Esperamos que você tenha chegado a conclusões bem próximas das relatadas a seguir. - O movimento traduz a vida psíquica por meio da sua dimensão expressiva podendo ser um importante indicador das necessidades dos alunos ao professor. - O excesso de movimento na sala de aula é um indicador de que a aula não está possibilitando aos alunos condições para sua expressividade. - As crianças necessitam expressar-se por meio do corpo e possuem menor tolerância à atividades que exijam esforço mental ao mesmo tempo que contenção do movimento. - A organização dos tempos e espaços da aula devem permitir aos alunos a possibilidade de movimentarem-se e se expressarem. A exemplo da professora Marisa, muitos educadores possuem a crença de que o movimento atrapalha a aprendizagem, mas, como vimos, não é isso que diz Wallon. Para Wallon, mesmo que estamos totalmente parados, nosso corpo está em movimento, pois há um grupo de musculos trabalhando para que possamos manter a postura. Ele chama este movimento parado de função postural ou tônica.
Ocorre que, o esforço empregado pelos musculos para manter o corpo parado além da capacidade das crianças, gera um estresse cognitivo, fazendo com que elas dispersem, dificultando assim sua aprendizagem. O professor tende a excluir o movimento de sua aula por não saber lidar com ele. Você consegue imaginar como a aula poderia se organizar para favorece o fluxo do movimento e do pensamento? Que tal buscar respostas pesquisando o Projeto de Reforma Educacional Longevin-Wallon? Na internet há várias publicações deste projeto. Domínio cognitivo: a inteligência Como vimos nos tópicos anteriores, ao nascer, os únicos recursos que a criança dispõe para comunicação com o mundo é a sua alta expressividade emocional e corporal, que será posteriormente substituída em grande parte pela linguagem falada. No entanto, isso não significa dizer que no início da vida não há inteligência. O bebê recém-nascido já traz consigo uma estrutura psíquica bastante ativa e com funções elementares desencadeadoras de percepções que serão progressivamente refinadas, a partir dos estímulos vindos do meio sociocultural. A afetividade é a energia que mobiliza o ser em direção ao ato de comunicar-se com o mundo a sua volta. É desta conduta que se origina a inteligência, que corresponde à elaboração mental das experiências proporcionadas pela relação do indivíduo com este mundo. Em virtude de seu poder de sobrepor-se à preponderância da razão, é necessário, segundo Wallon, manter-se uma baixa temperatura emocional para que se possa trabalhar as funções cognitivas.
A emoção é capaz de preponderar sobre a razão sempre que à última faltem recursos para controlar a primeira. O desenvolvimento deve conduzir à predominância da razão, pois, para Wallon, a razão é o destino final do homem. Domínio da pessoa: a construção do Eu A criança nasce indivíduo ou constrói sua identidade? Wallon defende em sua teoria que o desenvolvimento segue progressivamente da socialização para a individuação, ou seja, nascemos totalmente imbricados e misturados ao meio social. No plano biológico o bebê já se separou do corpo da mãe, mas no campo psicológico ele ainda terá de construir a sua individualidade. Nessa perspectiva, ninguém nasce pronto e nem individualizado. Nossa identidade é construída na interação do potencial genético que trazemos ao nascer e as influências ambientais, mas nunca estará pronta e acabada, pois estamos em contínuo processo de vir a ser, no qual mudanças e transformações ocorrem desde o início da vida até o seu término. De acordo com Wallon, a tarefa principal da pessoa desde o nascimento é a construção do Eu. Para definir os contornos de sua identidade a criança e o adolescente dependem essencialmente da relação com as outras pessoas, que acabam servindo de referência, a ser aceita ou negada. Estágios do Desenvolvimento Na visão de Wallon, o desenvolvimento é um processo marcado por conquistas e conflitos de ordem interna e externa, configurando-se num processo que tem como principal objetivo a individuação, ou seja, a constituição da identidade.
Os estágios do wallonianos do desenvolvimento são: Estágio impulsivo emocional, estágio sensório-motor projetivo, estágio do personalismo, estágio categorial e adolescência. Para explicar os estágios do desenvolvimento, Wallon recorreu a três princípios básicos: - princípio da alternância funcional, princípio da predominância funcional e princípio da integração funcional. O princípio da alternância funcional indica que o desenvolvimento ocorre em duas direções opostas que se alternam entre os estágios. Uma direção centrípeta (para dentro), em que predominam as condutas afetivas e uma direção centrífuga (para fora), em que predominam as condutas cognitivas. O princípio da predominância funcional refere-se ao domínio de um campo funcional sobre outro, ao longo do desenvolvimento. Assim, a função motora predomina nos primeiros meses de vida, enquanto que as funções afetivas e cognitivas se alternam ao longo dos estágios do desenvolvimento. No primeiro estágio predomina a função afetiva, no segundo, predomina a função cognitiva e assim sucessivamente. O princípio da integração funcional diz respeito à interdependência entre as conquistas de um estágio e as fases que o antecedem, ou seja, as conquistas do estágio anterior são integradas às conquistas atuais. A integração é também um processo que ocorre entre os campos funcionais motor, afetivo e cognitivo que se integram para a construção da pessoa. De acordo com Wallon, os estágios do desenvolvimento que possuem predominância funcional afetiva caracterizam-se por estarem mais fortemente voltados à construção do Eu. Já nos estágios que possuem predominância funcional cognitiva, a criança volta-se mais para o mundo externo e para a tentativa de elaborar cognitivamente o que ocorre à sua volta. É importante ressaltar que, tanto os aspectos cognitivos como os afetivos convivem em todos os estágios, o que os diferencia é que estão sob a
predominância de uma determinada atividade funcional. Assim, não é porque a criança esteja voltada para o mundo exterior, que deixará de construir o seu Eu. Veja no esquema a seguir, a alternância entre os estágios do desenvolvimento. O Estágio impulsivo-emocional O estágio impulsivo emocional compreende o período que vai do nascimento até o final do primeiro ano de vida. Nele, a predominância funcional é afetiva, ou seja, o bebê está mais fortemente voltado à construção do Eu. A marca principal deste estágio é a maneira predominantemente impulsiva e emocional das condutas do bebê. Os movimentos da criança são descontrolados e sua comunicação com o mundo a sua volta é realizada por gestos, gritos, choro, riso, tendo por objetivo chamar a atenção do meio para atender ás suas necessidades de cuidado e afeto. São estas condutas as principais responsáveis pela garantia da sua sobrevivência. No início deste estágio, o bebê não tem consciência de si e nem de que possui um corpo, vendo-se como uma extensão dos objetos a sua volta. Há um
prolongamento da simbiose respiratória do feto, que se transforma em simbiose alimentar no recém-nascido e, por volta dos três meses, em simbiose afetiva, característica específica da espécie humana. A criança aos poucos aprende a contagiar o adulto com sorrisos e sinais de contentamento, o que caracteriza laços de caráter afetivo com aqueles que estão à sua volta. Podemos dizer que nesse estágio ocorre o recorte corporal, ou seja, o bebê toma consciência de que possui um corpo e de que esse corpo possui limites e possibilidades. Para que a humanidade possa sobreviver, é necessário que a imperícia do recém-nascido afete o outro e provoque nele sentimentos de solidariedade. Para Wallon, esse é um dos maiores indicadores de que o meio social é privilegiado para a criança em desenvolvimento. O estágio sensório motor projetivo Neste estágio, que compreende o período de 1 a 3 anos, a criança já realizou conquistas importantes nos planos afetivo, motor e cognitivo, possibilitando-a diferenciar-se melhor no plano corporal e psicológico e diferenciar as pessoas entre si, percebendo aquelas que desempenham papéis significativos em relação a ela, como, por exemplo, pai, avós, tios e padrinhos. Seguindo o princípio da alternância funcional, agora ela volta-se para o mundo externo, operando de forma predominantemente cognitiva. Sua sociabilidade se amplia rapidamente quando começa a andar e a falar. A conquista da marcha permite que ela interaja mais com o ambiente sua volta e a conquista da fala permite que ela nomeie objetos e pessoas, diferenciando-os e possibilitando a ampliação de suas capacidades cognitivas.
Esta interação amplia o horizonte e a vivência da criança, mas sua identidade psicológica ainda se encontra bastante sincrética, não conseguindo diferenciarse claramente do outro, do que o outro diz que ela é. O estágio do personalismo No estágio do personalismo, que compreende o período que vai dos 3 aos 6 anos, a predominância funcional volta a ser afetiva, portanto, a criança está predominantemente voltada a construção do Eu.. Neste estágio, observa-se na criança uma necessidade de diferenciar-se das outras pessoas, buscando definir os contornos de sua identidade psicológica, uma vez que toma consciência de sua autonomia em relação aos demais. A criança do estágio do personalismo percebe as relações e os papéis diferentes dentro do universo familiar, ao mesmo tempo em que se percebe como um elemento fixo, como ser o filho mais velho ou o mais novo, ser filho e irmão, e assim por diante. O comportamento da criança neste período é marcado por condutas de oposição ao outro, sedução e imitação Vamos ver agora como se manifestam cada uma dessas condutas. Oposição A oposição é um comportamento claramente observado quando a criança rejeita as normas do adulto ou as escolhas de outra criança. É comum observarmos crianças da fase do personalismo selecionando o que aceita comer ou vestir ou mesmo manifestando interesse de agir de modo independente, pedindo para banhar-se sozinha ou para ajudar a mãe nos afazeres domésticos. Do mesmo modo, as crianças desse estágio, fazem oposição a outras crianças, tentando impor sua vontade nas escolhas e brincadeiras. Elas costumam ser muito competitivas e tendem a confundir o ser com o ter.
É comum vermos crianças brigarem com outra pela posse de um brinquedo e assim que conseguem conquistá-lo, desistirem de brincar. É como se a posse servisse como um instrumento de auto-afirmação de sua identidade. Sedução A sedução pode ser entendida como um artifício utilizado pelas crianças do estágio personalista, a fim de chamar a atenção das pessoas sobre si mesmas. Como se encontram na chamada idade da graça, não poupam esforços para se sentirem apreciadas e reconhecidas. O comportamento de sedução pode ser exemplificado por aquelas situações de aula, na educação infantil, em que uma criança levanta-se para mostrar seu desenho à professora e então todas passam a levar seus desenhos para também receber elogios e reconhecimento. Imitação A imitação é uma forma de experimentar o mundo dos adultos, antecipando o seu vir-a-ser. Ao imitar a criança do estágio personalista se apropria de características pertencentes às pessoas que escolheu como referências para sua identidade. Ao mesmo tempo, reconcilia-se com o adulto, objeto de sua admiração.. O estágio categorial O estágio categorial compreende o período que vai dos 6/7 anos até os 10/ 11 anos, aproximadamente. Ao adentrar este estágio a criança volta-se novamente para o meio externo, com o predomínio das funções cognitivas. A principal característica desse estágio é o aguçamento do desenvolvimento cognitivo e o aumento da sociabilidade. A criança se vê capaz de participar de
vários grupos, estando bastante aberta ao desenvolvimento de aptidões intelectuais e sociais. O estágio categorial coincide com o momento da escolarização em que a aprendizagem se volta mais ao desenvolvimento de conceitos e da capacidade de generalizar, classificar e combinar categorias de conhecimento. O que permite à criança importantes avanços na compreensão do mundo que a cerca. A adolescência Ao entrar na puberdade, a criança que estava relativamente confortável com sua identidade, entra num processo de insegurança em relação ao próprio Eu. Isso dispara a necessidade de reconstrução de sua identidade, caracterizando uma predominância funcional novamente afetiva. As transformações corporais da puberdade anunciam a chegada da fase adulta e isso faz com que os conflitos vivenciados na fase personalista retornem com toda força. A oposição, a sedução e a imitação são vivenciadas novamente, mas com algumas diferenças em relação à criança. A oposição ocorre em relação aos pais, professores ou pessoas que representem uma autoridade capaz de cercear o seu sonho de ser adulto e emancipado. É por isso que o adolescente reprova a atitude dos pais ao tratálos como criança, demonstrando vergonha quando isso é feito publicamente. Quanto à sedução, podemos observá-la na necessidade do adolescente de chamar a atenção, seja pela forma de vestir-se ou comportar-se. Do mesmo modo, a imitação do adolescente difere daquela apresentada pela criança do estágio do personalismo no que se refere ao objeto a ser imitado. Enquanto a criança imita os pais e os professores, o adolescente tende a buscar as referências para a sua identidade na figura do ídolo ou de pessoas
que possam representar, de alguma forma, a ruptura com o mundo infantil. Normalmente são pessoas consideradas por ele como um exemplo de adulto bem sucedido, aceito e, de preferência, admirado. A adolescência é a ultima fase do desenvolvimento do Eu e se apresenta como um período crítico, no qual os adolescentes tornam-se intolerantes em relação às regras e ao controle exercido pelos pais e necessitam identificar-se com seu grupo de amigos. Contribuições da teoria à Educação Bem, agora que você já conheceu as principais ideias de Wallon sobre o desenvolvimento, chegou o momento de pensarmos sobre sua aplicação de sua teoria ao campo pedagógico. De modo simplificado, podemos dizer que uma das maiores contribuições da teoria walloniana para a educação diz respeito ao planejamento do currículo escolar. Para Wallon, a educação intelectual não deve ser a meta máxima do ensino, pois a inteligência é apenas uma parte do todo que é a pessoa. Assim, o objetivo maior da educação escolar deve ser auxiliar o aluno a construir sua identidade. O planejamento do ambiente escolar deve refletir uma visão abrangente do currículo, incluindo a reflexão sobre espaço, tempo, materiais e possibilidades de interações sociais e considerando os domínios: intelectual, afetivo e psicomotor. Em termos operacionais, podemos dizer que o planejamento das atividades não deve se restringir somente à seleção dos conteúdos que serão ensinados,
mas necessita atingir a dimensão humana, a dimensão dos objetos de conhecimento e a dimensão dos objetos físicos. O esquema a seguir, procura demonstrar que, na escola essas dimensões se integram a serviço de auxiliar o aluno na construção do Eu. O ambiente escolar possibilita uma vivência social diferente do grupo familiar, desempenhando um importante papel na formação de sua personalidade. Quanto maior a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos serão os parâmetros de relações sociais a criança terá, enriquecendo sua personalidade. Nessa perspectiva, a escola planejar espaços que oportunizem as interações sociais, nos quais as crianças possam circular e interagir com os colegas, expressar e ouvir ideias. O ambiente escolar deve integrar à sua prática a dimensão social e individual, atendendo à formação do indivíduo e da sociedade. Assim, o acesso à cultura é função primordial da educação formal, pois ela é a expressão do florescimento das criações e das aptidões, sejam elas manuais, corporais, estéticas, intelectuais ou morais.
Podemos dizer, então, que a formação da identidade não decorre somente do contato com as outras pessoas, nas diversas etapas do desenvolvimento e da vida adulta, mas também no contato com as produções dessas pessoas, seja na arte, literatura, na música, etc. Os movimentos de incorporação e expulsão devem ser favorecidos na escola, por meio de atividades que permitam não só a aquisição de conhecimentos, mas também sua expressão. Assim, os conceitos, as artes, a literatura, a música, o teatro, se constituem em algumas formas de expressão que devem ser valorizadas no meio escolar, tornando-se uma possibilidade efetiva de mobilizar as dimensões cognitiva, afetiva e motora que integram o Eu. Concluindo, cabe também à escola reconhecer que a criança é corpórea e concreta. Sua eficiência postural, a qualidade expressiva dos seus gestos, comunica ao professor seus estados íntimos. O professor, de suja parte, não é um mero expectador do desenvolvimento da criança. Ele deve ser um promotor desse desenvolvimento. Referências bibliográficas ALMEIDA, A. R. S. A emoção na sala de aula. Campinas: Papirus, 1999. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes, 2003. 134 p. WALLON, H. Do ato ao pensamento. Portugal. Moraes Ed., 1979, 224 p.