Notas de Aula do Curso de Análise Macroeconômica VI - Ibmec Professor Christiano Arrigoni Coelho
Vamos agora nos aprofundar na discussão sobre se a estabilização do produto e do desemprego é ou não um objetivo legítimo de política monetária. Vamos usar um modelo parecido com o de inconsistência dinâmica, mas num contexto de infinitos períodos. Além disso, vamos discutir um resultado importante de Lucas (1987) sobre os benefícios da estabilização do consumo. Referência: Advanced Macroeconomics, David Romer, 4th edition, seção 10.5.
Problema básico do Banco Central: 1 max π,u 1 + ρ t cu t a 2 π t 2 t=0 s. a π t = π t 1 α u t u + ε s t t 0; π 1 = π Características do problema: i. O Banco Central está sujeito a uma curva de Phillips aceleracionista. ii. Nesse contexto, para se ter um equilíbrio com trajetória de inflação não explosiva, o desemprego tem que ser em média igual a u. Para ver isso, note que a inflação estará numa trajetória não explosiva se e somente se no longo prazo Δπ t = 0.
Características do problema (cont.): iii. E ε t s = 0; (simplificação útil). iv. Função objetivo do Banco Central é linear no desemprego, ou seja, a média do desemprego afeta a função objetivo do Banco Central, mas a variabilidade do desemprego não afeta. v. A curva de Phillips (supply curve) é linear. vi. A variabilidade da inflação em torno do zero causa perda de bem-estar.
Resolvendo o problema anterior, chegamos na seguinte CPO para a inflação: π t = c ρ αa 1 + ρ t 0 Características da solução do problema: i. A taxa de inflação em t é constante! Em particular, ela não depende da inflação do período anterior e do valor do choque de oferta. Isso implica que o Banco Central sempre ajusta seu instrumento de política monetária para manter a inflação constante no valor acima, independente do custo em termos de desemprego que isso possa gerar.
Características da solução do problema (cont.): ii. A taxa de inflação ótima é determinada igualando-se o benefício marginal da queda do desemprego durante um período com o custo marginal do aumento permanente da taxa de inflação que ocorrerá por causa da queda do desemprego por um período. Exercícios: Mostre a partir da CPO anterior que a interpretação acima é válida. Mostre que a seguinte interpretação é igualmente válida: o custo marginal em termos de desemprego atual para diminuir a inflação para sempre deve ser igual ao benefício marginal dessa diminuição.
Equilíbrio: Para descrever o equilíbrio precisamos de uma condição inicial para a inflação e dos valores do choque de oferta. Para ilustrar o raciocínio vamos supor que π 1 = π = 0 e ε t s = 0 t 0. Sabemos que do período 0 em diante, a inflação será: π t = c ρ αa 1 + ρ > 0 t 0 Logo, no período 0, o desemprego será de: u 0 = u c ρ α 2 a 1 + ρ < u
Pode-se mostrar trivialmente que do período 1 em diante: u t = u t 1 Interpretação: nesse modelo, o Banco Central não tem comprometimento e sempre sucumbe a tentação de gerar menos desemprego no período inicial sempre que as expectativas de inflação exógenas (adaptativas) estão menores do que a inflação de equilíbrio calculada anteriormente.
O Bacen gera exatamente o nível de desemprego calculado anteriormente para que imediatamente a inflação do período atual convirja para a inflação ótima. A intuição é fácil de entender: não há preocupação com a variabilidade do desemprego, mas há preocupação com a variabilidade da inflação! Note que o ganho em termos de desemprego mais baixo foi puramente transitório, realizado de uma só vez.
Exercícios: Analise o equilíbrio quando π 1 = π > c aα ρ 1+ρ. Em particular, analise os seguintes pontos: i) o que está acontecendo com o nível de desemprego do período 0? E do período 1 em diante? ii) qual é a estratégia que o Bacen está usando para trazer a inflação de volta para o nível desejado? Por que? Vá para o Excel e simule o comportamento da economia (T=100 períodos) usando as seguintes hipóteses: π 1 = π = c ρ ; u = 4%; c = 2; a = 2; α = 1; ρ = 1%; aα 1+ρ ε t s ~N 0,1%.
Exercícios (cont.): No exercício anterior calcule os seguintes momentos amostrais: E π ; E u ; σ π ; σ u ; L u, π Comente os resultados acima. Refaça o exercício anterior para c=4. Quais são as semelhanças e diferenças entre os resultados deste exercício e do anterior? Explique.
No problema que resolvemos, o Bacen só precisaria se preocupar com choques de oferta. O nosso resultado mostrou que o Bacen sempre agirá de forma a manter a inflação constante do período 0 em diante, não importa a intensidade do choque de oferta. Isso ocorre porque ele não dá importância a variabilidade do desemprego. E choques de demanda não observáveis? Veremos mais sobre isso no modelo novo keynesiano. No caso desse modelo, o benefício de se estabilizar a economia frente a choques de demanda se dá apenas por causa da variabilidade da inflação. Se a variabilidade da inflação tiver baixo custo, então o Bacen não deveria dar muita importância a choques de demanda.
Hipóteses que geraram o resultado anterior: Curva de Phillips (supply curve) linear. Como vimos antes, o formato linear da curva de Phillips implica que em um equilíbrio com inflação não explosiva no longo prazo (Δπ = 0), o desemprego médio será sempre igual à u, independentemente do nível e da volatilidade da inflação. Porém, se a curva de oferta não fosse linear, esta conclusão poderia não ser verdadeira. Ex: suponha que um aumento da inflação trazido por uma queda do desemprego acima da natural é maior do que a queda da inflação trazida por um aumento do desemprego acima do natural de mesma magnitude. O que aconteceria nesse caso?
Hipóteses que geraram o resultado anterior (cont.): Estudos empíricos ainda não encontraram fortes evidências de não linearidades na curva de Phillips, apesar de alguns trabalhos teóricos usarem a formulação proposta no slide anterior.
Hipóteses que geraram o resultado anterior (cont.): Função objetivo linear em u. Essa é uma hipótese forte. Se quebrássemos essa hipótese, será que não poderíamos gerar benefícios significativos para a estabilização do desemprego/produto? Proposta de função objetivo comum na literatura: L π, u = t=0 1 1+ρ t c u t u 2 + a 2 π t 2 Exercício: calcule quais seriam as perdas do Banco Central nos exercícios dos slides 10 e 11, caso a função de perda dele tivesse o formato acima. Compare com os valores das perdas calculados anteriormente. Veremos mais dessa formulação mais a frente no curso.
Vamos agora então discutir os possíveis benefícios de uma variável macroeconômica fortemente relacionada com o nível de desemprego e o produto, que afeta diretamente o bem-estar dos agentes da economia: o consumo. Baseamos essa análise em um famoso artigo de Lucas (1987). Ele começa supondo que o agente representativo tem a função utilidade CRRA: u C = C1 θ 1 θ Aonde, θ > 0 representa o coeficiente de aversão ao risco relativo do agente representativo (=inverso da elasticidade de substituição intertemporal do consumo).
Ele então faz uma expansão de Taylor de segunda ordem dessa função utilidade em torno do valor de consumo per capita do estado estacionário (longo prazo) da economia C : u C = C 1 θ 1 θ + C θ C C 1 2 θc θ 1 C C 2 O objetivo dele é calcular o benefício esperado da estabilização do consumo em torno do steady state. Para isso, ele calcula o valor esperado da expressão anterior: E u C = C 1 θ 1 θ 1 2 θc θ 1 E C C 2 = C 1 θ 1 θ 1 2 θc θ 1 σ C 2
Logo, 1 2 θc θ 1 σ C 2 representa a perda de utilidade esperada que o agente representativo tem por causa da variabilidade do consumo ou o ganho potencial da estabilização do consumo. Depois, ele expressa essa perda de utilidade esperada em unidades de consumo perdidas respondendo a seguinte questão: qual seria a variação de consumo necessária para compensar o agente representativo dessa perda de utilidade esperada? Ou seja, o quanto significa a perda acima em termos de unidades de bens de consumo? Pode-se mostrar que a perda equivalente em unidades de bens de consumo é: dc = θ 1 σ 2 2 C C
Colocando o ganho potencial da estabilização em termos do consumo médio per capita, temos: dc = θ σ 2 C C 2 C Lucas (1987) então usa os parâmetros calibrados da economia americana para calcular os potenciais benefícios da estabilização. Ele diz que uma estimativa generosa para q é 5 e que uma estimativa generosa para σ C é de 1,5%. Logo, temos: C dc = 0,056%! C
Conclusão: o benefício potencial da estabilização do consumo é muito baixo! Não vale o esforço! No máximo o Banco Central traria um ganho equivalente a 0,056% do consumo. Exercício: replique as contas de Lucas (1987) para a economia brasileira usando o mesmo valor de q, mas utilizando os dados de consumo médio per capita e desvio padrão do consumo para a economia brasileira.
Discussões dos resultados de Lucas (1987): 1. Várias hipóteses implícitas fortes foram utilizadas para se derivar os resultados. Caso essas hipóteses fossem relaxadas, a forma de se calcular o ganho potencial da estabilização do consumo deveria ser alterada! Para maiores detalhes, leia o artigo! 2. O resultado é explicado, em parte, pela baixa volatilidade histórica do consumo. Porém, em parte essa volatilidade é endógena! Ela pode ser baixa justamente porque o Bacen agiu para que ela assim o fosse! Dessa forma, esse cálculo poderia estar subestimando o verdadeiro valor da estabilização do consumo! Problema: apenas olhando os dados não temos como saber quem está certo!
Discussões dos resultados de Lucas (1987): 3. Variabilidade de outras variáveis macroeconômicas podem ser mais custosas do que a variabilidade do consumo e muito provavelmente elas estão associadas a volatilidade do desemprego e do produto.
Discussões dos resultados de Lucas (1987): Exemplo: horas trabalhadas. É uma variável mais volátil do que o consumo! A ideia é que se o Bacen estabilizar u e Y também acabará estabilizando a quantidade de horas trabalhadas. Por que essa variável pode ser importante? Assimetria! Imagine que o aumento do lazer quando u>u não chegue perto de compensar a queda de C, mas que quando u<u a perda de utilidade por conta de mais trabalho é praticamente compensada pelo maior consumo. Nesse caso, quanto > for a volatilidade de horas e de u, menor será a utilidade média do agente representativo. Para se aprofundar no tema, ver Ball e Romer (1990).
Discussões dos resultados de Lucas (1987): 4. Outros mecanismos pelos quais mais volatilidade de u (e de p) pode causar quedas de bem-estar: investimento e produto potencial! σ u e σ π I e Y n 5. Não linearidade da curva de oferta: ver discussão no slide 13.