O VÍNCULO ENTRE VISIBILIDADE E RESPONSABILIDADE NA TRADUÇÃO (THE LINK BETWEEN VISIBILITY AND RESPONSABILITY IN TRANSLATION)

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Transcrição:

O VÍNCULO ENTRE VISIBILIDADE E RESPONSABILIDADE NA TRADUÇÃO (THE LINK BETWEEN VISIBILITY AND RESPONSABILITY IN TRANSLATION) Érika Nogueira de Andrade STUPIELLO (PG Universidade Estadual Paulista) ABSTRACT: The purpose of this paper is to address the close relationship between visibility and responsibility in translation. KEYWORDS: Visibility; invisibility; responsibility; translation. A relação de mediação criativa que o tradutor estabelece com o texto que produz tem sido ocultada, principalmente, pela ilusão, de forte tradição logocêntrica, de que as traduções teriam como meta oferecer a seus leitores acesso imediato à obra original. O já confirmado papel da leitura no conhecimento de um texto parece não se aplicar à tradução, já que o que se espera quando se traduz não é o resultado de uma interpretação histórica e culturalmente marcada, mas uma passagem intacta de significados supostamente conservados e independentes de quaisquer interpretações provenientes de uma leitura. A leitura do tradutor estaria, assim, atrelada a um texto repleto de significados independentes de uma interpretação, e é a esse texto (idealizado) que o tradutor deve fidelidade. A hierarquia que governa a relação original/tradução corresponderia a mais uma das dicotomias historicamente marcadas como aquelas entre trabalho criativo/trabalho derivado, primário/secundário, arte/ofício, autoridade/obediência, liberdade/sujeição, entre outras. Segundo Hermans (1996:44), abalar oposições tradicionais como essas significaria desamparar mecanismos que controlam tais relações, além de negar a primazia e a inviolabilidade do original. A tradução, por esse prisma, seria controlada através da ideologia de transparência, de identidade, de reprodução e da ausência do tradutor no texto traduzido. O conceito de um tradutor invisível cujo trabalho seria invulnerável ao tempo e às diferenças culturais, lingüísticas e históricas descreve bem as expectativas criadas por editoras, críticos e, especialmente, por leitores. Venuti (1986:186) descreve a invisibilidade como uma prática imposta pelo mercado editorial anglo-americano e amparada pela ideologia de consumismo, em que o tradutor faria uso de estratégias de fluência que teriam por objetivo ocultar sua intervenção e eliminar a especificidade cultural e lingüística do texto-de-partida, domesticando-o e promovendo a ilusão de acesso não-mediado a um autor e a um texto original. De acordo com Venuti, o efeito de transparência, produzido

pela fluência teria como objetivo reforçar valores literários, morais, religiosos e políticos sustentados pelo público leitor (1998:124). A adoção de estratégias que gerem a sensação de invisibilidade parece ser sustentada pelo desejo inatingível de não interferência ou mediação por parte do tradutor. O tradicional preconceito com relação à tradução confirma a expectativa do mercado editorial e do público leitor pela neutralidade, ou até mesmo pelo apagamento do tradutor, servindo como justificativa ao papel secundário que a sociedade lhe atribui. Arrojo argumenta que a marginalização da atividade do tradutor teria efeito direto na forma pela qual ele lida com sua profissionalização, já que, ao aceitar o papel de mero transportador de significados, de mero filtro inócuo de significados preservados de uma língua para outra, de uma cultura para outra e de um tempo para outro, [o tradutor] não se reconhece como intérprete inevitável do texto que traduz, e não assume, portanto, a responsabilidade autoral que lhe cabe, cometendo, muitas vezes, traduções de textos que não compreende e sobre temas que desconhece. (Arrojo, 1993:30-1) O reconhecimento do trabalho mediador do tradutor, bem como sua conscientização de sua responsabilidade autoral, entretanto, parecem não condizer com as expectativas da maior parte de leitores atraídos pela ilusão de acesso direto ao texto original. Tal fato poderia ser ilustrado pelo mercado de publicações de traduções de bestsellers que, conforme esclarece Venuti (1998:124), podem ser altamente lucrativos quando atendem às expectativas atualmente predominantes na cultura doméstica. Uma das características marcantes desse tipo de publicação estaria na estreita correlação que ela apresenta com fatos muitas vezes já presenciados no cotidiano do leitor. A confusa distinção entre ficção e realidade agiria no sentido de favorecer a identificação com o leitor. Se o best-seller, definido por Sodré (1988:70) como resultado do processo de industrialização mercantil e efeito da ação capitalista sobre a cultura, depende diretamente dessa identificação para a elevação e manutenção do seu status, sua aceitação em uma outra cultura por meio de sua tradução também estaria vinculada às expectativas do público leitor que a acolhe. A tradução, dessa forma, emerge entre códigos e ideologias conflitantes, como responsável pela recepção que o best-seller terá no novo mercado, bem como pelo encontro que o leitor terá com a cultura estrangeira. Segundo Venuti (1998:124-5), esse encontro seria proporcionado pela esperança de desempenho semelhante em uma língua e cultura diferentes, o que faria com que editores adotassem estratégias que facilitassem o apelo ao público leitor. No mercado editorial anglo-americano, por exemplo, tais estratégias corresponderiam à domesticação do texto estrangeiro, e à conseqüente invisibilidade do tradutor fomentada pelo discurso fluente. Assumindo uma posição contrária à invisibilidade, Venuti propõe resistência a tais estratégias domesticadoras. Conforme sustenta, resistir à ética de transparência seria a

única maneira de tornar o tradutor visível, o que valorizaria o seu trabalho ao mesmo tempo em que preservaria a diferença lingüística e cultural do texto estrangeiro. Conforme ele mesmo defende: Um projeto de tradução motivado pela ética da diferença altera, assim, a reprodução de ideologias e instituições domésticas dominantes que promovem uma representação parcial de culturas estrangeiras e marginalizam outros constituintes domésticos. O tradutor de tal projeto, (...) está preparado para ser desleal às normas culturais domésticas que governam o processo de formação de identidade da tradução ao chamar a atenção para o que elas possibilitam e limitam, admitem e excluem, no encontro com textos estrangeiros. (Venuti, 1998:83) Se levarmos às últimas conseqüências as reflexões desenvolvidas por Venuti (1986, 1995, 1998) em seu apelo à resistência como forma de tornar o trabalho do tradutor visível, seria possível argumentar que, do mesmo modo que a invisibilidade seria um efeito ilusionista, a visibilidade consciente e controlada também o seria. Não haveria, segundo minha argumentação, como pensar na desvinculação do tradutor do texto traduzido. Além disso, não haveria como distinguir claramente a adoção de uma ou de outra estratégia, uma vez que ambas estariam revelando a presença do tradutor na leitura, seleção e composição do texto na língua-de-chegada. Ao vincular resistência à visibilidade, Venuti parece estar amparando as tradicionais dicotomias referidas anteriormente, como doméstico/estrangeiro, invisível/visível, positivo/negativo. A argumentação de Venuti quanto à visibilidade comparada, por exemplo, à de Arrojo (1993), seria divergente no que diz respeito a essa visibilidade intencional do tradutor. Para Arrojo, não seria possível ao tradutor modelar uma intenção consciente no texto traduzido. A visibilidade do tradutor seria inerente à tradução, por maior que fosse o esforço para escondê-la ou disfarçá-la. Conforme ela argumenta, a própria maneira pela qual um tradutor decide fazer uma tradução estaria diretamente relacionada ao modo que ele aborda esse texto, bem como às suas concepções teóricas sobre tradução (Arrojo, 1993:21-5). De uma perspectiva desconstrutivista, ela defende, em suas reflexões teóricas, que o tradutor sempre se faz presente, mesmo quando pensa ser invisível, e argumenta, ainda, que ao defender a possibilidade de uma visibilidade consciente e controlada, Venuti estaria amparando o modelo logocêntrico que acredita no significado imanente e passível de resgate total pelo leitor (Arrojo, 1993). Se essa presença não pode ser controlada, pode-se dizer que seria impossível demarcar limites claros entre a escrita autoral e a leitura tradutora, ou seja, não se pode dizer claramente onde acaba a intenção do autor e onde tem início a interpretação do tradutor, justamente por tais limites não serem estanques, e principalmente por não haver como ter acesso à mente ou ao espírito de um autor que deposita no texto significados estáveis e independentes. Conforme esclarece Arrojo,

O que quer que um intérprete encontre nos textos que lê ou traduz será algo com o qual estará, de alguma forma, já emaranhado. Ao invés de um resgate de significados, o mecanismo que orienta a leitura e a interpretação estaria mais próximo de um reconhecimento ou de uma apropriação, em que o intérprete necessariamente cria, ou, melhor, recria, o texto com o qual estabelece uma relação. (Arrojo, 1993:39) A recriação promovida pelo intérprete/tradutor passaria pela apropriação, implicando, dessa forma, a sua visibilidade. Ignorar as marcas que o tradutor deixa em sua recriação significaria ignorar todo o processo de leitura que se dá com a tradução, bem como toda a responsabilidade do tradutor ao realizar essa leitura. A apropriação e a recriação seriam, dessa forma, constantes no ato de traduzir. O discurso aparentemente fluente dos best-sellers, por exemplo, traria também marcas dessa apropriação, por toda a tradução recriadora da trama. Por maior que seja o empenho para que se crie no leitor a impressão de estar lendo, em sua língua, exatamente aquilo que o autor exprimiu na língua-de-partida, não haveria como anular a mediação do tradutor que teria início a partir do momento em que ele tem acesso ao texto original, ou seja, seu papel mediador já se consolidaria mesmo antes de sua primeira leitura. Apesar de quase nunca caber ao tradutor a decisão de quais best-sellers traduzir, seu próprio posicionamento ideológico com relação ao texto estrangeiro estaria influenciando sua maneira de relacionar-se com o texto original, bem como as escolhas de tradução feitas e a composição do texto traduzido. Por essa perspectiva, se o sucesso de um best-seller depende de sua identificação com o público leitor, seria por meio do tradutor que tal idenficação se torna possível. Não ocorreria, então, uma simples transferência de trama ou de referentes, mas uma recriação dessa trama no contexto cultural da língua traduzida, possibilitando ao leitor uma visão do estrangeiro e do que ele traz de novo ou de semelhante à sua cultura. Embora o nome do tradutor de best-sellers quase nunca esteja presente na capa do livro, mostrando-se às vezes em minúsculas letras na folha de rosto, seria impossível pensarmos em best-seller traduzido como uma passagem somente, sem qualquer mediação. As escolhas feitas pelo tradutor, bem como as estratégias usadas na tradução manifestam sua leitura, sua intervenção criativa. O tradutor invisível, dentro dessa ótica, não seria aquele que recorre a estratégias de fluência, mas aquele que se nega a assumir a responsabilidade por suas escolhas e manipulações, acreditando, ingenuamente ou não, estar traduzindo de forma transparente, o que o exoneraria de sua responsabilidade na produção de um texto. RESUMO: O objetivo deste trabalho é refletir sobre o íntimo relacionamento entre visibilidade e responsabilidade na produção tradutória.

PALAVRAS-CHAVE: Visibilidade, invisibilidade, responsabilidade, tradução. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROJO, R. Tradução, desconstrução e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993. HERMANS, T. The translator s voice in translated narrative. Target: international journal of translation studies, n. 8, v. 1, p. 23-48, 1996. SODRÉ, M. Best-seller: a literatura de mercado. 2. ed. São Paulo: Ática, 1988. VENUTI, L. The translator s invisibility. Criticism, v. 28, n. 2, p. 179-212, 1986.. The translator s invisibility: a history of translation. London: Routledge, 1995.. The scandals of translation: towards an ethics of difference. London: Routledge, 1998.