Por que serviços? 1. Introdução 1



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Transcrição:

21 Por que serviços? Jorge Arbache 1. Introdução 1 Com esforço e sacrifício, o Brasil construiu ao longo de décadas uma indústria dinâmica e integrada que ajudou o país a crescer e se tornar uma das maiores economias do mundo. Mais recentemente, porém, a indústria vem apresentando sinais de perda de dinamismo. Indicadores básicos, como evolução do produto, emprego e exportações, sugerem que a indústria está crescendo mais lentamente que os demais setores e perdendo espaço na economia. Mas por que a indústria estaria perdendo o dinamismo? Por certo, são muitas as possíveis explicações, incluindo custos de produção, impostos, burocracia, câmbio e incertezas regulatórias e macroeconômicas. Mas, além daquelas, as quais poderíamos denominar de convencionais, há outras explicações para o modesto desempenho da indústria brasileira e uma delas está associada às transformações por que passa a indústria manufatureira. De fato, bens e serviços estão se combinando por meio de uma relação cada vez mais sinergética e simbiótica para formar um terceiro produto que nem é um bem industrial tradicional, nem tampouco um serviço convencional. Trata-se de bens com elevado conteúdo de serviços no valor final, muitos deles de alto valor tecnológico (Arbache, 2014). Em razão dessa relação que está unindo a indústria ao setor de serviços, os 1 Este texto se beneficiou de Arbache (2014). 565

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil serviços estão se tornando componentes cada vez mais determinantes da competitividade industrial e da forma como os países estão se inserindo na economia global. Mas a crescente complementaridade entre a indústria e os serviços para criar valor requer que ambas as atividades sejam competitivas para que elas possam se beneficiar uma da outra. Este capítulo examina a relação entre serviços e indústria no Brasil e se os serviços contribuiriam para explicar o estado da nossa competitividade industrial. As principais constatações são que, primeiro, serviços já são componentes relevantes da produção industrial com níveis comparáveis aos de países industrializados. E, segundo, os serviços são caros e de baixa qualidade, o que explicaria, ao menos em parte, as dificuldades de competitividade da indústria. O capítulo está organizado como segue. A seção 2 apresenta evidências de que o Brasil já é uma economia de serviços e que, por isso, o setor teria grande influência no desempenho dos demais setores. A seção 3 mostra que os serviços são caros e têm qualidade modesta. A seção 4 examina a contribuição dos serviços para a indústria. A seção 5 conclui e aponta direções de política. 2. Brasil uma economia de serviços 2 O gráfico 1 mostra a contribuição dos serviços para o PIB em países emergentes e avançados. A participação dos serviços está positivamente correlacionada com a renda per capita. Mas o caso do Brasil parece ser uma anomalia. Isso porque a participação dos serviços no PIB, de quase 70%, se assemelha à de países com renda per capita muito mais elevada e em estágios mais avançados de desenvolvimento industrial. Na China, os serviços são da ordem de 44% do PIB; na Coreia do Sul, cujo PIB per capita é pelo menos 2,5 vezes maior que o brasileiro, os serviços respondem por 58%. O único país emergente em situação comparável à do Brasil é a África do Sul, país que, talvez não por acaso, enfrenta problemas de crescimento semelhantes aos do Brasil. 2 Para detalhes sobre os dados utilizados e questões metodológicas, ver o anexo. 566

Por que serviços? Gráfico 1 Renda per capita e participação dos serviços no PIB 2011 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 50000 45000 40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 Serviços (% PIB) eixo da esquerda PIB per capita ($ de 2005) eixo da direita Fonte: WDI. Numa perspectiva de longo prazo, a participação dos serviços no PIB manteve-se relativamente estável e ao redor de 50% entre 1947 e 1985. Mas, a partir de então, a participação do setor não parou de crescer (gráfico 2). 3 Interessante notar que até meados dos anos 1980 o aumento da indústria de transformação foi acompanhado do declínio quase simétrico da agricultura. A partir de então, nota-se significativa mudança na estrutura econômica e os serviços passaram a assumir papel de destaque na economia e cresceram rapidamente em detrimento da indústria e da agricultura. A participação da indústria na economia chegou ao pico em meados dos anos 1980, com 32%; a partir de então, entrou em queda quase monotônica, chegando a 13% em 2013. Já a agricultura, passou de 25% no pico para 5,3%. O arranque da participação dos serviços na economia não resultou do aumento da renda média ou da melhoria da distribuição da renda, fatores que poderiam desencadear, ao menos em parte, o crescimento do consumo de serviços e da densidade industrial. Na verdade, o PIB per capita cresceu, em média, apenas 1,18% entre 1980 e 2013 e indicadores 3 A categoria outros é composta por construção civil, indústria extrativa mineral e eletricidade, gás e água. 567

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil de desigualdade de renda somente viriam a melhorar significativamente a partir dos anos 2000. Já a densidade industrial piorou nos anos 1990 e 2000 (Arbache, 2012). A alta participação do setor de serviços na economia parece decorrer da forte expansão dos serviços de consumo final, da mudança de preços relativos dos serviços e da indústria e da estagnação da indústria, assuntos que discutiremos mais adiante. Gráfico 2 Participação no valor adicionado (%) 80 Agropecuária Indústria de Tranformação Outros Serviços 70 60 50 40 30 20 10 0 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Fonte: Contas Nacionais. A parcela do consumo de serviços na cesta de bens das famílias brasileiras é de 62%. Esse percentual é elevado para padrões de países emergentes e ajuda a explicar a elevada participação dos serviços no PIB. Na China, o consumo de serviços é de 55%; na Índia, 50%; Rússia, 52%; e na Indonésia, 45%. O gráfico 3 mostra a composição dos serviços ao longo do tempo. Observa-se que, primeiro, a participação dos serviços de administração, saúde e educação cresceu significativamente. Segundo, embora a contribuição do comércio continue elevada, o setor perdeu participação. Terceiro, outros serviços ganharam participação. Quarto, serviços de informação apresentaram significativo crescimento. E, quinto, a participação do setor de intermediação financeira apresentou crescimento do início da década de 1970 até por volta de meados dos anos 1990, o que, provavelmente, reflete os efeitos da reforma do sistema financeiro nacional na década de 1960 e os benefícios do imposto inflacionário para o setor. 568

Por que serviços? 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Gráfico 3 Decomposição do PIB de serviços 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Transporte, armazenagem e correio Outros Intermediação financeira Serviços de informação Comércio Atividades imobiliárias e aluguel Admin., saúde e educação públicas Fonte: IBGE. O setor de serviços é, de longe, o que mais emprega trabalhadores formais. Em 2012, o setor respondia por nada menos que 72,3% do total. Já a indústria, passou de 20,8%, em 1995, para 17,1% do total, em 2012. Nos últimos anos, 8 de cada 10 novas vagas criadas no setor formal tiveram origem no setor de serviços. Dados do Caged-MTE mostram que a rotatividade no setor de serviços chega a ser até quatro vezes maior que a do restante da economia. A alta rotatividade desincentiva o investimento em capital humano e em conhecimentos específicos na empresa tanto pelo lado do trabalhador, como pelo do empregador, constituindo-se num poderoso foco de baixa produtividade. Em 2012, 30% do emprego nos serviços era informal, enquanto na indústria era de 14%. A taxa de crescimento da formalização, entre 2002 e 2012, foi similar nesses dois setores, na casa dos 13-14%. Com tamanha participação no emprego e no PIB, pode-se dizer que o setor de serviços praticamente dita os contornos do mercado de trabalho e da economia e que o que quer que se passe nesse setor necessariamente transbordará para toda a economia. A tabela 1 mostra indicadores relevantes das empresas do setor de serviços a partir da Pesquisa Anual de Serviços (PAS). 4 De forma geral, pode-se concluir que, primeiro, as firmas adicionam pouco valor, cerca de R$ 45.600 por mês. Segundo, a produtividade por trabalhador por 4 Nossa amostra inclui empresas com cinco ou mais trabalhadores. Ver anexo. 569

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil mês é de R$ 4.326. Terceiro, as firmas são relativamente pequenas, empregando 10 trabalhadores. 5 Quarto, os salários são relativamente elevados para o valor agregado por trabalhador. E, quinto, os salários reais subiram mais que o valor adicionado por trabalhador. Parece-nos razoável inferir que a determinação dos salários dos trabalhadores do setor é influenciada por fatores outros que não apenas o mercado. Dois potenciais candidatos são o salário mínimo, que cresceu muito em termos reais no período em análise, e a desaceleração da taxa de crescimento da população em idade ativa combinada com a estagnação da população economicamente ativa, que teriam constrangido a oferta de trabalhadores em busca de emprego. Tabela 1 Características das empresas de serviços médias (R$ constantes) 2011 Taxa de crescimento 2007-11 Valor adicionado - firma (R$ por mês) 45,609 10,79 Valor adicionado - trabalhador (R$ por mês) 4,326 11,53 Tamanho das firmas (número de empregados) 10,5-0,7 Salário (R$ por mês) 1,368 13,04 Fonte: PAS-IBGE. Os dados da PAS indicam que os segmentos de serviços são bastante heterogêneos. As empresas que prestam serviços a outras empresas tinham, em média, duas vezes mais trabalhadores que as que prestam serviços para as famílias 14 contra 7 trabalhadores. Os dados também confirmam que o setor de serviços é, provavelmente, o mais diverso da economia. Ali convivem atividades de altíssima e baixíssima tecnologia, trabalhadores com elevada e com baixa qualificação, setores de alta e baixa produtividade e empresas grandes e pequenas. 5 OECD (2014) mostra evidências para o Brasil e outros países de que quanto menor é a firma de serviços, menor é a sua produtividade total dos fatores. 570

Por que serviços? A heterogeneidade continua por cortes geográficos e até mesmo entre empresas do mesmo segmento. Em razão da heterogeneidade especialmente elevada do setor de serviços, pode-se concluir que formular políticas públicas eficazes para o setor é um grande desafio para o governo e para o setor privado. O gráfico 4 mostra que o nível da produtividade do setor de serviços é especialmente baixo. Considerando-se a sua predominância na economia, então se pode inferir que os serviços transferem baixa produtividade para os demais setores e que quanto maior for a porção de insumos de serviços de um setor, mais o mesmo será afetado. 120 Gráfico 4 Produtividade do trabalho (R$ 1.000 constantes) 100 80 Agricultura Extração mineral Indústria Serviços 60 40 20 0 Fonte: Groningen Growth and Development Centre. O Gráfico 5 mostra a taxa de crescimento da produtividade setorial. A produtividade dos serviços não apenas é baixa, mas a sua taxa de crescimento diminuiu a partir do início dos anos 1980. Em razão do tamanho do setor e da sua importância para o emprego, não nos parece exagerado afirmar que o setor de serviços é o mais importante fator a explicar a estagnação da produtividade agregada do Brasil. 571

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil 2000 Gráfico 5 Produtividade do trabalho 1950=100 1800 1600 1400 1200 1000 Agricultura Extração mineral Indústria Serviços 800 600 400 200 0 1950 1952 1954 1956 1958 1960 1962 1964 1966 1968 1970 1972 1974 1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 Fonte: Groningen Growth and Development Centre. Considerando-se as trajetórias de produtividade setorial, há que se esperar que o setor de serviços impacte negativamente a indústria. De fato, o gráfico 6 mostra queda da razão de produtividade serviços/ indústria em vários anos do período analisado, inclusive no período mais recente, sugerindo que os serviços estariam constrangendo a competitividade da indústria. 572

Por que serviços? 4.5 4.0 3.5 Gráfico 6 Razão de produtividades - em relação à indústria Agricultura Extração mineral Serviços 3.0 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 3. Serviços participação elevada, mas pobre Pesquisas como o Doing Business e o Enterprise Survey, do Banco Mundial, e o Global Competitiveness Report, do Forum Econômico Mundial, apontam os serviços como um dos fatores mais desfavoráveis para se fazer negócios no Brasil. De serviços deficientes de armazenamento e logística, passando por serviços públicos de saúde e educação de baixa qualidade, à lentidão dos tribunais e instabilidade da oferta de energia elétrica, os serviços são identificados como grandes obstáculos à competitividade da economia brasileira. A tabela 2 mostra a posição do Brasil em rankings globais de serviços de infraestrutura. O indicador de qualidade da infraestrutura é particularmente preocupante: o Brasil está na 114a posição entre os 148 países examinados. A infraestrutura em geral e a de transportes em particular estão bastante mal posicionadas, sugerindo que eles seriam impedimentos aos investimentos e à competitividade dos setores mais dependentes de logística. Custos de transportes elevados têm impactos especialmente significativos para setores mais dependentes de logística, como é o caso da agricultura, extração mineral e indústrias intensivas em recursos naturais em geral. 573

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil Tabela 2 Indicadores de competitividade posição no ranking internacional de 148 países Qualidade da infraestrutura 114 Qualidade das rodovias 120 Qualidade da ferrovias 103 Qualidade dos portos 131 Qualidade dos aeroportos 123 Qualidade do supriomento de energia 76 Assinatura de telefone celular/100 pop. 45 Infraestrutura geral de transportes 75 Fonte: World Competitiveness Report 2013-2014 Mas as dificuldades também são pronunciadas na área dos serviços industriais. A tarifa industrial de energia elétrica, por exemplo, é particularmente custosa no Brasil quando comparada à de outros países emergentes e desenvolvidos, com implicações para a competitividade industrial em geral e para os setores intensivos em energia em particular, como celulose, refinarias, processamento químico e metais básicos. O preço da energia industrial chinesa, por exemplo, é cerca de metade da brasileira; a americana corresponde à terça parte. O gás industrial, insumo fundamental para diversas indústrias, também é custoso para padrões internacionais, inclusive quando comparado com nossos potenciais competidores e também importadores de gás, como a China e a Índia. 6 O custo médio de acesso à internet também é relativamente elevado e é bem maior que o de vários potenciais competidores, como México, Taiwan e Colômbia. Já o preço médio do serviço de contêiner marítimo de 20 pés também é muito elevado para padrões internacionais, passando dos US$ 2.200, quase três vezes maior que o da China. Quando combinado com o longo tempo médio de trânsito e desembaraço de 6 Com o desenvolvimento dos campos de gás de xisto nos Estados Unidos, China, Argentina e outros países, é provável que o preço relativo do gás no Brasil venha a aumentar ainda mais ao longo dos próximos anos, com implicações ainda piores para a competitividade industrial. 574

Por que serviços? mercadorias nos portos, os custos relativos de serviços de exportação se tornam dramáticos para os exportadores nacionais. O gráfico 7 compara a inflação de serviços com a inflação geral no período 2005 a 2013, quando o movimento dos preços relativos dos serviços foi especialmente ascendente. O IPCA-serviços subiu 28% a mais que o IPCA cheio, enquanto o índice de inflação de serviços do Banco Central foi 43% maior que aquele. 10 Gráfico 7 Taxa de inflação de serviços (%) 9 8 7 6 5 4 3 2 1 IPCA geral IPCA serviços Inflação de serviços do Banco Central 0 Fontes: IBGE e BCB. A aceleração da inflação dos serviços em geral pode ser creditada a muitos fatores, incluindo os seguintes: aumento da demanda por serviços, sobretudo os de consumo final, associado à expansão da classe média e envelhecimento da população; elevação dos custos do trabalho associada à desaceleração da taxa de crescimento da população em idade ativa; estagnação da população economicamente ativa; elevação real do salário mínimo; crescente escassez de mão de obra especializada; aumento da participação dos produtos industrializados importados no consumo aparente, que teria disciplinando a formação dos preços industriais internos alterando os preços relativos; baixo crescimento da produtividade do setor de serviços; e elevada carga tributária. 575

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil De acordo com CNS (2013), a carga tributária incidente sobre serviços é maior que a incidente sobre outros itens. Em 2013, os serviços privados não financeiros recolheram 24% do seu PIB na forma de impostos e contribuições sociais, sendo a maior parte formada por impostos sobre a renda e a propriedade. Ainda de acordo com a CNS, enquanto a média de impostos e contribuições incidente sobre o preço de bens e serviços é de 19,4%, a média seria de 20,1% em serviços de alojamento e alimentação, 23,5% em transportes, armazenagem e correios, 23,6% em serviços prestados às empresas, 27,3% em serviços de informação e 30,4% na eletricidade. 7 Ao que parece, a relativamente elevada inflação de serviços resultaria de um mix de fatores de demanda e oferta e a fatores institucionais, demográficos e ao Baumol cost disease. 8 4. Serviços e competitividade da indústria O gráfico 8 compara, para países selecionados, a relação entre insumos de serviços e valor adicionado na indústria e a relação entre insumos de serviços e valor bruto da produção industrial. Com 57%, a relação serviços e valor adicionado do Brasil é maior que a de vários países emergentes e superior à de vários países avançados, como Canadá, Dinamarca e Japão. Já a relação entre serviços e valor bruto da produção é de 12,5% e pode ser considerada como moderada. Duas explicações da relativamente maior razão entre serviços e valor adicionado no Brasil são mudanças dos preços relativos dos serviços e da indústria e queda do valor adicionado industrial. 9 Se os preços relativos 7 Para um detalhado estudo sobre a tributação nas importações de serviços e suas implicações, ver CNI (2013). 8 O Baumol cost disease refere-se ao fenômeno do aumento de salários de setores que não tiveram elevação de produtividade como reação ao aumento de salários de setores que tiveram aumento de produtividade. O fenômeno ocorreria devido à competição por trabalhadores. 9 Arbache (2012) identificou estagnação e queda da densidade industrial, especialmente entre 2000 e 2011. A diminuição ou encerramento de linhas de produção de produtos industriais mais elaborados, como aços especiais, está em consonância com as evidências de estagnação do valor adicionado da indústria brasileira. Reportagens de jornal recentes sugerem que muitos industriais brasileiros passaram a importar e revender bens que antes produziam localmente. 576

Por que serviços? dos serviços subiram e se a indústria está agregando menos valor, então a razão entre valor bruto da produção e valor adicionado deveria ser especialmente elevada no Brasil. O gráfico 8 mostra que, de fato, o Brasil tem elevada razão, ficando somente atrás da Índia. Gráfico 8 Consumo intermediário dos serviços na indústria 2005 ou ano mais próximo 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 5.0 4.5 4.0 3.5 3.0 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0.0 Fonte: OECD Input-Output Dataset. Serviços/Valor adicionado (A) Serviços/Produto industrial (B) (A)/(B) eixo da direita A tabela 3 mostra a relação entre serviços e valor adicionado e entre serviços e valor bruto da produção industrial entre 1996 e 2011 calculados com dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA). Em linha com os dados das matrizes de insumo-produto do gráfico 8, observa-se tendência de elevação da contribuição dos serviços para a indústria, mas a um ritmo relativamente mais forte no valor adicionado do que no valor bruto da produção. No caso do primeiro indicador, passa-se de 44,8%, em 1996, para 64,5%, em 2011; no caso do segundo indicador, passa-se de 14,8% para 17,6%. 577

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil Tabela 3 Consumo intermediário de serviços na indústria (%) Valor bruto da produção Valor adicionado 1996 1999 2002 2005 2008 2011 1996 1999 2002 2005 2008 2011 Ind. Transformação 14.83 18.07 18.58 16.66 17.71 17.61 44.78 61.77 67.76 61.67 67.51 64.47 Prod. Alimentícios 15.01 17.52 17.70 16.77 18.69 15.85 55.03 77.73 88.73 82.71 107.71 74.90 Bebidas nd nd nd nd 24.07 19.37 nd nd nd nd 67.01 55.91 Fumo 16.66 22.03 11.51 16.03 19.31 12.83 42.09 49.13 31.00 67.84 60.13 35.69 Têxteis 14.01 14.95 14.78 14.46 15.62 15.44 42.21 48.07 49.75 47.13 51.71 51.68 Vestuário e acessórios 15.24 18.73 18.89 16.05 16.78 21.83 45.70 59.86 56.91 47.56 47.47 55.92 Couros e calçados 17.45 15.08 14.54 17.02 19.84 23.25 55.55 56.18 49.93 59.88 64.90 70.37 Produtos de madeira 14.71 16.44 16.83 17.68 16.80 11.90 39.73 42.31 44.83 57.94 49.15 33.62 Celulose e papel 20.89 18.35 19.72 20.31 25.13 20.83 55.30 55.38 51.49 64.34 81.40 66.23 Impressão 22.23 28.38 34.52 26.15 17.44 35.28 50.16 88.14 110.61 73.50 50.32 97.02 Coque, derivados de petróleo 14.23 21.90 35.41 26.35 33.19 37.90 41.98 47.24 111.16 64.84 84.65 111.99 Químicos 15.59 18.65 17.81 16.33 14.53 14.25 46.08 62.73 70.89 66.52 86.39 67.09 Produtos farmacêuticos nd nd nd nd 18.95 14.56 nd nd nd nd 51.62 38.41 Borracha e plásticos 13.30 14.91 14.28 13.90 13.24 12.34 35.41 48.04 51.80 51.35 52.46 45.24 Prod. Minerais não-metálicos 17.58 21.07 14.70 19.12 18.25 15.78 46.86 63.77 34.77 55.42 56.55 46.20 Metalurgia 14.86 15.96 16.87 12.75 16.78 21.23 43.03 47.63 49.86 39.12 56.44 91.34 Prod. Metal 15.02 17.01 17.49 14.74 15.87 15.74 39.46 49.86 55.08 48.12 53.14 44.50 Equip. eletrônicos 14.63 19.24 16.48 16.80 14.51 12.26 48.42 103.42 73.41 85.25 93.75 57.76 Materiais elétricos 12.52 14.39 16.14 15.59 15.05 14.52 34.19 43.64 55.08 56.83 56.09 53.70 Máquinas e equipamentos 12.36 17.10 15.49 13.72 12.88 13.45 31.52 50.71 50.90 46.38 47.00 43.48 Veículos automotores 10.37 19.46 15.50 12.42 9.96 11.20 35.44 86.92 72.10 63.81 42.26 44.62 Outros equip. transporte 20.19 8.84 13.18 12.71 10.77 15.69 68.58 37.47 41.12 56.48 45.91 59.72 Fabricação de móveis 14.26 15.49 13.73 13.79 10.83 11.90 41.84 53.40 43.84 47.38 44.28 40.91 Produtos diversos nd nd nd nd 17.64 14.87 nd nd nd nd 46.22 35.98 Manutenção, reparação e máquinas nd nd nd nd 14.93 15.74 nd nd nd nd 31.50 30.07 Fonte: PIA. 578

Por que serviços? A despeito da tendência agregada de elevação da participação dos serviços na manufatura, observa-se substancial variância de participação entre as indústrias, tal como indica o gráfico 9. Enquanto a contribuição dos serviços para a indústria de veículos automotores foi de 11%, para a indústria de óleo e gás foi de 38%. Gráfico 9 Consumo intermediário de serviços no valor bruto da produção (%) 2011 Coque, derivados de petróleo Manutenção, reparação e máquinas Máquinas e equipamentos Fonte: PIA. Impressão Couros e calçados Vestuário e acessórios Metalurgia Celulose e papel Bebidas Ind. Transformação Prod. Alimentícios Prod. Metal Outros equip. transporte Têxteis Produtos diversos Produtos farmacêuticos Materiais elétricos Químicos Fumo Borracha e plásticos Equip. eletrônicos Produtos de madeira Fabricação de móveis Veículos automotores 12.34 12.26 11.90 11.90 11.20 14.25 13.45 12.83 15.85 15.74 15.74 15.69 15.44 14.87 14.56 14.52 17.61 19.37 21.83 21.23 20.83 23.25 35.28 37.90 0 5 10 15 20 25 30 35 40 O gráfico 10 mostra as taxas de crescimento da contribuição dos serviços por indústria entre a segunda metade dos anos 1990 e fins dos anos 2000. Não há uniformidade nem mesmo na direção das taxas houve queda relativa do consumo de serviços em algumas indústrias, como as de equipamentos de transporte, móveis e roupas, enquanto em outras, como as de óleo e gás, metalurgia e química, houve substancial eleva- 579

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil ção. Os diferentes ritmos refletem, entre outras possíveis explicações, mudanças de preços relativos, tecnologias de produção, organização da produção, gestão e estrutura de mercado. 120 Gráfico 10 Consumo intermediário de serviços no valor da produção industrial taxa de crescimento entre 1996-98 e 2009-11 100 80 60 40 20 0-20 -40 Fonte: PIA. O gráfico 11 examina a estrutura de serviços consumidos pela indústria. 10 Apesar de a estrutura geral se manter ao longo do tempo, notamse mudanças não negligenciáveis, como o aumento das participações dos royalties e assistência técnica, despesas com arrendamento mercantil e fretes e carretos. A mudança na estrutura de despesas reflete, possivelmente, fatores como alterações na demanda por serviços industriais e mudanças nos preços relativos. 10 Os segmentos de serviços referem-se ao que segue: Despesas com arrendamento mercantil despesas com arrendamento mercantil no ano (leasing de máquinas, equipamentos e veículos); Serviços industriais prestados por terceiros e de manutenção gastos relacionados com os custos diretos de produção industrial a título de serviços industriais prestados por terceiros (outras empresas ou autônomos) e de manutenção e reparação de máquinas e equipamentos ligados à produção prestados por terceiros (inclui peças e acessórios, quando fornecidos pela prestadora de serviços); Prêmios de seguros com imóveis, veículos etc.; e Serviços prestados por terceiros tais como informática, auditoria, advocacia, consultoria, limpeza, vigilância, manutenção de imóveis e equipamentos não ligados à produção etc. Os demais segmentos são autoexplicativos. 580

Por que serviços? 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Fonte: PIA. Gráfico 11 Decomposição dos serviços consumidos pela indústria 1996 1999 2002 2005 2008 2011 Royalties e assistência técnica Serviços prestados por terceiros Despesas financeiras Prêmios de seguros Fretes e carretos Despesas com propaganda Despesas com arrendamento mercantil Aluguéis e arrendamentos Serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros O gráfico 12 mostra a distribuição dos serviços consumidos pela indústria. As despesas financeiras são, de longe, as mais relevantes, com 26% do total. Essa parcela é elevada para padrões internacionais e se deve, provavelmente, às elevadas taxas de juros brasileiras e custos dos serviços financeiros. Despesas com royalties e assistência técnica e despesas de propaganda, que contribuem para a agregação de valor e diferenciação do produto, representaram, juntas, 17,5% do total. Os serviços industriais prestados por terceiros, que capturam tecnologias de gestão da produção, e transportes representam 35% das despesas totais. Juntamente com as despesas financeiras, eles compõem mais de 60% do total dos serviços consumidos pela indústria. 30 25 Gráfico 12 Decomposição dos serviços consumidos pela indústria (%) 2011 25.9 20 15 13.1 15.9 19.3 10 7.4 10.1 5 0 Fonte: PIA. 0.7 Prêmios de seguros 3.4 Despesas com arrendamento mercantil 4.1 Aluguéis e arrendamentos Despesas com Propaganda Royalties e assistência técnica Serviços prestados por terceiros Fretes e carretos Serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros Despesas financeiras 581

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil A participação de royalties e assistência técnica nas despesas totais teve aumento de quase 300% entre 1996-98 e 2009-11; serviços industriais providos por terceiros tiveram aumento de 91%; e leasing de 61%. Para compensar, despesas financeiras tiveram contração na participação, passando de 41% do total para 28%. Despesas com propaganda e serviços prestados por terceiros também tiveram contrações significativas. 5. Conclusões Este capítulo examinou se e por que serviços explicariam a perda de competitividade da indústria brasileira. Encontramos as seguintes evidências: Indústria e serviços caminham juntos seguindo o padrão dos países desenvolvidos, indústria e serviços já têm relação íntima no Brasil o consumo intermediário de serviços aumentou ao longo do tempo e a sua relação com o valor adicionado já atinge níveis somente comparáveis aos das economias avançadas. Os serviços afetam a competitividade industrial identificamos evidências de que os preços dos serviços são elevados e a qualidade é baixa, o que inflaria artificialmente a participação dos mesmos nas despesas industriais e teria efeitos importantes no padrão de produção e na competitividade internacional da indústria. Não há um padrão comum de relação entre serviços e indústria embora a indústria em geral esteja consumindo cada vez mais serviços, há elevada heterogeneidade no padrão de consumo e na contribuição dos vários tipos de serviços em nível industrial. Serviços financeiros e serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros lideram as despesas industriais com serviços encontramos evidências de transformações no perfil dos serviços consumidos pela indústria, o que seria explicado por mudanças na organização e na tecnologia de produção e no perfil de consumo do mercado. Os serviços mais consumidos pela indústria em geral são despesas financeiras, serviços industriais e de manutenção prestados por terceiros e fretes e carretos juntos, eles representam mais de 60% do total. Porém, os serviços cujas participações nas despesas totais mais crescem são royalties e assistência técnica. 582

Por que serviços? Essas evidências indicam que a melhoria da competitividade do setor de serviços será determinante para a retomada da competitividade e do dinamismo da indústria brasileira. Políticas públicas e privadas que ampliem a competição no setor de serviços e aumentem o acesso das empresas a tecnologias, inovações, crédito, investimentos, formação profissional e mercados serão úteis para a indústria e para o crescimento econômico. Por fim, em razão da relação íntima entre indústria e serviços, parece-nos crucial que os serviços devam ser parte integrante do núcleo das políticas industriais. Referências bibliográficas ARBACHE, J. (2012), Is Brazilian manufacturing losing its drive? mimeo, Departamento de Economia, Universidade de Brasília, 2012. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2150684>.. Serviços e competitividade industrial no Brasil. Brasília: CNI, 2014. CNI. Tributação sobre o setor de serviços: impactos, casos e recomendações de políticas. Brasília: CNI, 2013. CNS. Os Serviços no Brasil 2013. Brasília: Confederação Nacional de Serviços, 2013. GRILICHES, Z. Hybrid corn: an exploration in the economics of technological change, Econometrica, n. 25, p. 501-522, 1957. OECD. OECD perspectives on global development 2014: boosting productivity to avoid the middle income trap. Paris: OECD, 2014. Anexo metodológico 11 As análises do estudo se valeram de análises de indicadores e de comparações do Brasil, países avançados e emergentes. Em razão dos temas que se quis cobrir, utilizaram-se as seguintes bases de dados: Pesquisa Industrial Anual PIA, IBGE; Pesquisa Anual de Serviços PAS, IBGE; Contas Nacionais IBGE; Pesquisa Nacional por 11 Para maiores detalhes dos dados e das metodologias, ver Arbache (2014). 583

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil Amostras de Domicílio Pnad, IBGE; Input-Output Dataset OECD; Relatório Anual de Informações Sociais Rais, Ministério do Trabalho; Doing Business e Enterprise Survey Banco Mundial; World Competitiveness Report World Economic Forum; Total Economy Database Groningen Growth and Development Centre. Examinamos o setor de serviços de 1947 até 2013. No entanto, a investigação da relação entre o setor de serviços e a indústria no Brasil se concentrou no período de 1996 a 2011, que corresponde aos anos da PIA, base de dados que se julgou ser a mais apropriada para as análises que se queria fazer. A escolha da PIA se deveu à sua cobertura anual detalhada do consumo industrial de serviços. Análises comparadas da relação entre indústria e serviços no plano internacional utilizaram o banco de matrizes de insumo-produto da OCDE. 12 A tabela A1 mostra a cobertura temporal das principais bases de dados empregadas no estudo. A grande variância de cobertura temporal impôs limitações analíticas ao trabalho. Como exemplo, a última matriz de insumo-produto disponível é de 2005, período ainda anterior à crise global. PIA Tabela A1 Principais bases de dados utilizadas e sua cobertura temporal Matrizes de Insumo-Produto PAS RAIS PNAD Contas Nacionais Groningen Growth Database 1996-2011 1995, 2000, 2005 2007-2011 1995-2012 2002-2012 1947-2013 1950-2005 A segunda limitação metodológica é a ausência de correspondência direta das variáveis de serviços nas bases de dados empregadas. A terceira limitação é que a PAS não cobre atividades de serviços das áreas de saúde, educação e intermediação financeira, tais como hospitais, escolas e bancos. Esses setores são grandes e importantes para a economia e o setor financeiro é particularmente relevante para a indústria brasileira. 12 A comparação internacional utilizou todas as maiores economias da OCDE, Chile, México, Coreia do Sul e outros países que consideramos relevantes por serem competidores potenciais do Brasil. Trata-se de Indonésia, Vietnã, Tailândia, Malásia, Colômbia, Argentina, Turquia, China e Índia. Esses países foram utilizados nas comparações com o Brasil de acordo com a disponibilidade de variáveis específicas. 584

Por que serviços? A quarta limitação é que é inadequado comparar indicadores produzidos a partir de diferentes bases de dados, o que se deve às diferenças metodológicas de construção e cobertura daquelas bases. O estrato da PIA que utilizamos é representativo de firmas industriais com cinco ou mais trabalhadores, deixando de fora firmas industriais com quatro ou menos trabalhadores, ou seja, dezenas de milhares de empresas. Já a matriz de insumo-produto captura toda a atividade industrial. Por isso, mais importante que comparar o valor absoluto de um indicador é comparar a tendência do mesmo ao longo do tempo. Neste trabalho, seguimos a tendência da literatura e utilizamos o termo serviços comerciais para designar serviços típicos das atividades de negócios, os quais compreendem os setores I64, J e K do ISIC, Rev. 3: correios e telecomunicações, intermediação financeira, atividades imobiliárias comerciais, aluguel de máquinas e equipamentos, TI e atividades correlatas, P&D e outras atividades comerciais. As demais atividades, ou seja, setores E, F, G, H, I60 a I63, L, M, N e O são classificadas com serviços tradicionais. Utilizamos livremente no texto o termo indústria para designar a indústria de transformação. Como se sabe, os serviços são intangíveis, não podem ser armazenados, têm qualidade instável, têm a característica da inseparabilidade entre a produção e o consumo, são altamente heterogêneos e são geralmente menos padronizáveis que produtos manufaturados. Por isso, medir preços e volumes de serviços é um enorme desafio, o que tem impactos nos resultados de pesquisas como esta. Variáveis derivadas, como produtividade, estão sujeitas àquelas limitações e podem carregar desvios e erros de medida não desprezíveis. 13 Ademais, comparações de serviços entre países também são um desafio devido às não raras diferenças de estruturas de mercado, tecnologias e custos de insumos. Para complicar ainda mais as investigações sobre o setor de serviços, a crescente integração de bens e serviços na organização da produção e o crescente conteúdo de serviços nos bens industrializados criam dificuldades para se identificar onde acaba um produto manufaturado e onde 13 A elevada heterogeneidade na qualidade dos insumos, inclusive serviços, é uma das mais importantes explicações da produtividade das firmas (Griliches, 1957). 585

Indústria e Desenvolvimento Produtivo no Brasil começam os serviços utilizados as classificações de setores das Contas Nacionais parecem ser cada vez mais inadequadas para o perfil da produção moderna. A maior informalidade no setor de serviços, quando comparada com a indústria, também tem reflexos na medição do produto e na formação dos preços, acentuando possíveis erros de mensuração de preços, volumes e PIB setorial. A despeito dessas limitações, ainda assim é útil examinar indicadores de serviços e fazer comparações entre países, desde que se mantenha sempre acesa a luz do bom senso nas análises e nas conclusões. 586