2.2 TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM - PARTE II

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Transcrição:

2.2 TEORIA SOCIOCULTURAL DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM - PARTE II 2.2.5 Pensamento e Linguagem Para descobrir a relação entre pensamento e linguagem, Vygotsky teve como ponto de partida os estágios iniciais do desenvolvimento filogenético (através do estudo com chipanzés) e ontogenético (por meio de estudos com as crianças). A ausência de interdependência entre as raízes genéticas mostrou que a relação intrínseca entre pensamento e linguagem é produto do desenvolvimento histórico da consciência humana. Claramente, Vygotsky pode definir um período pré-linguístico do pensamento e um período pré-intelectual da fala, como também se deu conta de que o elo que une os dois não é primário, mas desenvolvido durante a evolução. O método para abordar uma análise desta relação deveria considerar o significado das palavras como unidades que reteriam de forma simples, todas as propriedades do todo (VIGOTSKI, 1993, p. 104). Sendo assim, o significado toma um lugar muito especial na teoria vygotskiana, pois através dele se dá a convergência entre pensamento e fala engendrando o pensamento verbal. Em se tratando de uma generalização ou um conceito, o significado é concebido como ato de pensamento, fenômeno do pensamento, podendo, em conseqüência, evoluir. A relação entre pensamento e palavra é dinâmica, pois é processo. Assim, o pensamento é mais do que o conteúdo expresso pelas palavras, elas o constituem. Segundo Baquero (1998, p. 55), o central no desenvolvimento dos significados das palavras não será uma mera acumulação de associações entre as palavras e os objetos, mas uma transformação estrutural do significado. Em outros termos: desenvolver significados de palavras relaciona-se intimamente à transformação, evolução da estrutura desses significados, ou seja, à mudança do próprio pensamento. Para Vigotski (1993), há uma fala egocêntrica, estágio de desenvolvimento que precede à fala interior. A decrescente vocalização da fala egocêntrica indica o desenvolvimento da abstração do som, a aquisição de uma nova capacidade: a de pensar as palavras, ao invés de pronunciá-las, é assim, uma forma que evoluiu da fala social, não estando ainda separada dela no concernente as suas manifestações, embora seja distinta quanto à função e estrutura. A fala interior, por seu turno, não é fala sem som, mas uma função de fala totalmente independente, tendo sintaxe especial. O significado seria apenas uma das zonas

de sentido enquanto o sentido abrangeria a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. Podemos perceber, portanto, a clara conexão entre os aspectos cognitivos e afetivos interatuando no funcionamento psicológico dada pela relação entre significado propriamente dito e sentido. Esta relação, inclusive, fornece à linguagem o seu matiz polissêmico, requerendo para sua compreensão a consideração de aspectos lingüísticos e extralinguísticos. Na fala interior, segundo Vigotski (1993, p. 126-128), há o predomínio do sentido sobre o significado, da frase sobre a palavra e do contexto sobre a frase. É importante registrar, contudo que a fala interior não é o aspecto interior da fala exterior, trata-se de uma função em si própria. Continua a ser fala pensamento ligado por palavras mas ao passo que na fala exterior o pensamento é expresso por palavras, na fala interior as palavras morrem à medida que geram o pensamento. O plano mais interiorizado do que a fala interior é o próprio pensamento. Deste modo, ele tem que passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras. O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções. Para compreender a fala de outra pessoa não basta entender as suas palavras, temos que compreender o seu pensamento. E mais, é preciso conhecer a sua motivação, este seria o último plano analisável. A motivação, por sua vez, liga-se ao afetivo, às emoções. 2.2.6 Principais conceitos relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem Pelo exposto já é possível observarmos a ênfase dada por Vygotsky à interação social no desenvolvimento das funções superiores, em outras palavras, os processos de intercâmbio social são fundamentais na construção de nossas características tipicamente humanas. Diante disso, para Vygotsky (1991), o desenvolvimento segue-se à aprendizagem porque esta cria a área de desenvolvimento potencial, enquanto para Piaget, por exemplo, a aprendizagem seguia-se ao desenvolvimento. Cabe-nos, portanto, explicitar agora conceitos como Nível de Desenvolvimento Real (NDR), Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP) e Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para Vygotsky, não basta delimitar o nível de desenvolvimento alcançado por um indivíduo, ou seja, aquelas aquisições por ele já consolidadas para poder combinarmos o aprendizado a ser oferecido. Se nos referimos a futuro, é preciso demarcar no mínimo dois níveis de desenvolvimento.

O primeiro seria o NDR (Nível de Desenvolvimento Real) que se relaciona com o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado das funções mentais da criança já completados (VIGOTSKI, 1998, p.111, grifo do autor); enquanto o segundo nível seria o NDP (Nível de Desenvolvimento Potencial) concernente à capacidade da criança de realizar tarefas com a ajuda de adultos ou colegas mais avançados. Tarefas a serem, posteriormente, executadas sem a ajuda de outra pessoa. A distância entre o Nível de Desenvolvimento Real e o Nível de Desenvolvimento Potencial é denominada de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). A ZDP define aquelas funções ainda não amadurecidas, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário (VIGOTSKI, 1998, p. 113). NDR condiciona NDP (que se transforma em NDR) Nível de desenvolvimento potencial Tarefas feitas com ajuda dos outros Nível de desenvolvimento real Zona de Desenvolvimento Proximal: diferença existente entre o NDR e o NDP ZDP Tarefas autônomas Vejamos a divertida sequência de tirinhas (de Bill Watrterson) em que o personagem Calvin tenta aprender a andar de bicicleta. Ele parte do seu NDR (o que já sabe fazer) e vai seguindo numa série de tentativas (níveis) em busca do NDP (objetivo final: andar de bicicleta sozinho). Podemos dizer que Haroldo (seu tigre de pelúcia) tenta mediar a aprendizagem de Calvin.

Embora Vygotsky tenha se referido em seus trabalhos ao desenvolvimento infantil, visto seu interesse pela gênese e evolução das funções mentais superiores, é importante frisar, mesmo incorrendo no risco de cairmos no óbvio, que tais níveis de desenvolvimento, assim como os demais conceitos explanados, não se referem apenas ao desenvolvimento da criança. É possível apontarmos para isso, ao menos, três motivos. Primeiramente, a relação entre desenvolvimento e aprendizado é contínua durante todo o ciclo vital e como nossos processos mentais estão sempre em evolução, sobretudo ao nos depararmos com áreas de conhecimento diversificadas e novas, então podemos considerar os níveis de desenvolvimento, postulados por Vygotsky, para todas as aprendizagens humanas no decurso da vida do sujeito. Em segundo lugar, a diversidade sociocultural que fundamenta a individualização do pensamento tem como uma de suas conseqüências a permeabilidade da linha divisora entre adulto e criança no que concerne ao pensamento superior. Tal

permeabilidade é entendida pela sobreposição da fala ao pensamento, portanto, pensar torna-se uma atividade mediada. Finalmente, acresce-se o fato indiscutível de que os processos sociais nos quais estamos inseridos são históricos, portanto em constante mudança. Deste modo, se as interações sociais mudam a nossa consciência e, por conseguinte, nossa subjetividade e nossa ação sobre a natureza, uma vez que a consciência e a subjetividade são frutos, por assim dizer, da internalização das vivências sociais reconstruídas num nível intrapsicológico, então a relação entre desenvolvimento e aprendizado é mesmo ininterrupta e nunca conclusa. ATENÇÃO! Por um lado, deve-se entender que as pessoas não possuem um único nível geral de desenvolvimento potencial, mas diferentes níveis e diferentes ZDPs possíveis em relação a diferentes âmbitos de desenvolvimento, tarefas e conteúdos. Ao mesmo tempo, a ZDP e o nível de desenvolvimento potencial não são propriedades intrínsecas da criança ou da pessoa em desenvolvimento, nem preexistem à interação com outras pessoas, mas se criam e aparecem no próprio decorrer dessa interação. Portanto, uma determinada pessoa pode mostrar diferentes níveis de desenvolvimento potencial e entrar em diferentes ZDPs, de acordo com quem interatua e como se realiza essa interação. Sala & Goñi (2000, p. 260-261) 2.3 Implicações para o ensino Assim, para Vygotsky, o professor também é um desenvolvimentista que amplia e cria novas ZDP s, através de uma mediação bem planejada das interações sociais propostas em sala de aula. O desenvolvimento potencial é o mais relevante na perspectiva do ensino, já que diz respeito ao que o indivíduo tem condições de fazer, mas ainda não faz. O ensino deve ampliar as ZDP s já existentes, fazendo com que o NDP se transforme em NDR e outro NDP seja projetado lá na frente, além de criar novas ZDPs, desta forma a mediação do professor estará funcionando como motor do desenvolvimento. Vygotsky diferencia dois tipos de conceitos, conforme o Quadro a seguir:

CONCEITOS Espontâneos Científicos Adquiridos com um processo de abstração ou generalização a partir das propriedades dos objetos (contexto cotidiano, do concreto para o abstrato) Adquiridos a partir de uma conscientização de seu significado em relação a uma estrutura ou sistema conceitual de conjunto, no qual ganham sentido (contexto do ensino, do abstrato para o concreto) O professor começa a trabalhar interatuando os dois tipos de conceitos: os espontâneos proporcionarão sentido à aprendizagem do aluno ao passo que os científicos elevarão o nível de abstração e organização dos primeiros. É importante que o trabalho do professor se dê na interação entre entes conceitos e não à margem do que o aluno já sabe, pois muitas vezes temos concepções espontâneas sobre fenômenos científicos. Estas idéias prévias são bastante resistentes à instrução, justamente porque são ignoradas durante a exposição ou mediação do professor. Nestes casos, é importante que o professor crie conflitos cognitivos ou contradições adequadas para que o aluno possa reorganizar seus conceitos. Tal reorganização cognitiva, obviamente, não é imediata, afinal de contas o aprendiz pode ter estas concepções há muito tempo e estar apegado a elas. Por exemplo, durante muito tempo se pregou vários tabus acerca da menstruação, pode ser que alguém ao estudar o fenômeno cientificamente, ainda se sinta inclinado a acreditar, por exemplo, que a mulher não deve molhar a cabeça enquanto estiver menstruada! A Figura 1 mostra a relação entre os principais conceitos vygotskianos que acabamos de descrever. A Figura 1 mostra a relação entre todos os conceitos vygotskianos que acabamos de descrever no tópico 2.2.

NDP individu ZONA DESENVOLVIMENTO DE NDR individual NDR social NDP Consciência Subjetividade E X R Instrumento (ação sobre objeto da atividade) Signos (controla o próprio individuo) (Controle das atividades psicológicas) Mediação simbólica linguagem Significado Sentido Cognitivo Afetivo Nível Nível in terpsico lógico intrapsicológico Figura 1: Relação entre os principais conceitos da Teoria Sociocultural. (Extraída de SANTOS, 2007)

A Figura 1 sintetiza a teoria de Vygotsky. Está tudo ali, acrescentando se uma contribuição minha que não pus no texto, mas está contemplada em meu livro (SANTOS, 2009): o NDR social e NDP social. Vou então ajudar na leitura, para me acompanhar, sugiro que bebam água, estiquem a coluna, abram a figura e a mantenham ao lado, para olharem ao passo que leem aqui, ok? Vamos lá: olhando para o centro da elipse grande, vemos um pequeno círculo "bem redondinho" com outro "mal feito" dentro dele, digamos assim. O "bem redondinho" (estou sendo propositadamente redundante para facilitar) é o Nível de Desenvolvimento Real Social, ou seja, diz respeito às tarefas que o meu grupo já consegue fazer sozinho sem a ajuda de outras pessoas como, por exemplo, boiar "de papo para cima" na piscina. O círculo "mal feito" que está dentro (que parece uma "rocha") se refere ao Nível de Desenvolvimento Real de um indivíduo,ou seja, de uma dada pessoa dentro do grupo. Esta pessoa ora boia melhor que o grupo do qual faz parte (veja a pontinha saindo do círculo), ora boia de modo inferior ao seu grupo (veja que às vezes ele fica dentro do círculo), em outros momentos, este indivíduo boia de modo semelhante ao seu grupo (neste ponto, observe que o círculo de dentro encosta no de fora). Igualmente, há uma elipse "bem feita", digamos assim, com outra dentro, "mal feita". A primeira, diz respeito ao NDP, Nível de Desenvolvimento Potencial Social. NDP Social refere-se aquilo que o grupo no qual estou inserido ainda não faz sozinho, mas PODERÁ vir a fazer com ajuda adequada de outros, se tiver a MEDIAÇÃO apropriada. É algo que está em POTÊNCIA no grupo, daí, nível de desenvolvimento POTENCIAL. A elipse grande "mal feita" que parece uma "rocha" ou um "lago" representa o Nível de Desenvolvimento Potencial do indivíduo, isto é, aquilo que o indivíduo que faz parte desse grupo PODERÁ VIR a fazer que, ora demonstra possibilidades maiores do que as do seu grupo, ora menores e em outros momentos, iguais (quando as elipses se tocam). À distância entre os círculos pequenos que estão no centro da Figura e as bordas das duas grandes elipses, Vygotsky chamou de ZDP, Zona de Desenvolvimento Proximal. É neste espaço (coloquei uma chave lá, estão vendo?) que ocorrerão as mediações para que o indivíduo e seu grupo saiam do NDR (aquilo que já sabem fazer: boiar de "papo para cima" na piscina) e seguirem nível por nível (boiando com a barriga para baixo, batendo as pernas, batendo os braços, alternando, fazendo trabalho de

respiração, alternância de cabeça), até o indivíduo e seu grupo chegaram ao NDP (Nível de Desenvolvimento Potencial. (NADAR!!!!!! Atravessar a piscina!) Então, aquilo que era sonho, potência, transformou-se em realidade: o NDP se tornou NDR e outro NDP será projetado mais à frente. O sujeito agora quer aprender algo mais difícil: quer se preparar para as Olimpíadas!!! E assim... ele vai se desenvolvendo. Daí, dizer que a aprendizagem puxa o desenvolvimento e que Vygotsky é um desenvolvimentista. Ele não quer que os professores apenas ensinem, mas que ensinando ampliem a Zona de Desenvolvimento Proximal, transformando NDP s em NDR's, sonhos em realidade! Não é fantástico? Para a psicologia anterior a Vygotsky e ainda para muitos teóricos a relação do aprendiz com o objeto de conhecimento seria direta: E (Estímulo) produz uma R (resposta). Vygotsky insere um elemento: o mediador (X). Este mediador é o instrumento que pode ser físico, real como um machado, uma caneta, uma agenda que nos ajuda a agir sobre o objeto de uma atividade ou os signos que, no caso da psicologia, são instrumentos internalizados: fazem o que os instrumentos físicos fazem, mas dentro de nossa mente, controlando nossas atividades psíquicas. Esse controle de nossas atividades psíquicas é chamado de mediação simbólica. A linguagem é um exemplo de mediação simbólica. A linguagem possui um significado que é o mesmo para todas as pessoas, por exemplo: carro (meio de transporte) e um sentido que é diferente para cada pessoa, pois depende de como essa pessoa internalizou o significado. Carro para um mecânico tem um sentido diferente, daquele sentido construído por uma pessoa que apenas tem um carro, ou de um motorista, ou de Airton Sena, ou ainda alguém que perdeu um ente querido num acidente automobilístico, enfim... O significado de carro é o mesmo para todas as pessoas de um grupo social, mas cada pessoa internalizou o significado de um modo, dando a esse significado um sentido próprio. Significado liga-se ao cognitivo, ao conhecimento, o que é, para que serve. Sentido relaciona-se ao afetivo, como eu sinto, vejo, percebo, entendo. Compreender, ter clareza de como esses fenômenos acontecem em nossa mente é o processo da formação da consciência que se confunde com a própria subjetividade: meu eu. Olhem para a Figura novamente: a parte que está dentro do quadrado preto dentro do círculo é o nível interpsicólogico, acontece entre as pessoas. É visível.

O que está dentro do quadrado em pontilhado é o que ocorre dentro de nós. É o nível intrapsicológico. É invisível. Os dois níveis: interpsicológico ou interpessoal (são sinônimos) e intrapsicológico ou intrapessoal (também sinônimos) são a Lei da Dupla Formação dos Processos Superiores, ou seja, é através desses dois momentos que nos tornamos HUMANOS, porque passamos a usar a MEDIAÇÃO interna. Aprendemos a pensar. Para Vygotsky, ser superior não é igual a ser nobre, é simplesmente o fato de termos os instrumentos internalizados (transformados em signos) em nossa mente, mediando nossas ações. A inveja, por exemplo, é mediada, os animais não a sentem. Nós sabemos quando estamos com inveja. Ela é um processo superior, mas não é nada nobre! Compreendem, o que explico? Não é porque aprendemos a pensar que já estamos prontos, a arte de "humanizar o homem", como diria Carlos Drummond é um longo refletir sobre suas ações e inclui muitos processos, muitos caminhos, várias necessidades, dentre elas, a literatura, a poesia que enche nossas vidas de sentido em todos os sentidos que uma vida possa ter. REFERÊNCIAS BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e a aprendizagem escolar. Trad. de Ernani F. da Fonseca Rosa Porto Alegre: ArtMed, 1998. SALA, Eduard Marti. & GOÑI, Javier Onrubia. A teoria sociocultural da aprendizagem e do ensino. In: C. Coll Salvador et alii. Psicologia do Ensino. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 2000. SANTOS, Carmen Sevilla G. Teoria do efeito estético e teoria histórico-cultural: o leitor como interface. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, 2007. VIGOTSKI, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. Trad. de Jéferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.. A formação social da mente. Trad. de José Cipolla Neto, Luís Silveira Mena Barreto e Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. VYGOTSKY 1, Lev Semenovich. Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar. In: LEONTIEV, A.; VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. e Outros. (Autores) Psicologia e Pedagogia: bases psicológicas da Aprendizagem e do Desenvolvimento. Trad. de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Moraes, 1991. 1 Diferentemente da editora Martins Fontes, a editora Moraes optou pela grafia Vygotsky.