Deslizamento aparente no escoamento de fluidos viscoplásticos através de um canal de placas paralelas Aluno: Ricardo Teixeira Leite Orientador: Paulo Roberto de Souza Mendes Introdução Devido a sua aplicação em diversos campos, os petróleos possuem grande importância no cenário econômico mundial. Visto que estes óleos são abundantes no Brasil, diversos estudos são propostos tendo em vista a diminuição dos custos de extração destes. Em via de aperfeiçoar o custo-benefício da indústria do óleo, é importante entender os processos de extração e as propriedades do escoamento destes. Como são fluidos altamente viscosos, é necessário possuir uma bomba de alta potência, o que representa um grande custo para as companhias. A reologia é uma ferramenta muito importante para entender o comportamento dos fluidos complexos. Sabe-se que muitos dos petróleos pesados possuem comportamento viscoplástico. Materiais com tal tipo de comportamento mecânico, sob certas condições de escoamento, como a baixas taxas de cisalhamento, apresentam deslizamento aparente na parede em escoamentos internos. [1] O deslizamento aparente consiste no fenômeno da dispersão de partículas das superfícies sólidas, formando uma fina camada da fase contínua com viscosidade mais baixa na parede. Essa camada de baixa viscosidade ajuda o escoamento com um efeito lubrificante. Esse deslizamento tem o potencial de diminuir substancialmente a perda de carga em um escoamento e pode diminuir o consumo de energia do processo de bombeamento, resultando em um método de transporte mais barato [2]. Existe evidência experimental que leva a crer que o grau de deslizamento depende de duas propriedades da superfície interna do duto, a saber, a rugosidade e a molhabilidade (ou ângulo de contato). Portanto, em princípio, diferentes placas, de distintos materiais e rugosidades, implicam diferentes características de deslizamento. [3] Objetivos O objetivo da presente pesquisa é estudar o efeito do deslizamento aparente em fluidos viscoplásticos, observando o comportamento do escoamento com diferentes superfícies e fluidos. Com os resultados experimentais é esperado obter relações entre eles, estudando a variação do deslizamento com cada variável separadamente. Metodologia A sessão de testes consiste em um reservatório, conectado a uma bomba de cavitação que bombeia o fluido à seção experimental. Um manômetro digital é conectado ao experimento para que a pressão a qual o escoamento está submetido seja conhecida.
O experimento consiste em duas placas de 100mm de largura, 150mm de comprimento e espessuras variando entre 4mm e 6mm. As placas são sempre separadas por uma tira de aço inoxidável de 1,00mm de espessura para que a seção de escoamento seja constante. O experimento possui quatro pares de placas de aço inoxidável, um par de placas de vidro e um par de placas de teflon. Cada uma possui diferente molhabilidade e rugosidade. Figura 1 - Esquemático da bancada experimental O fluido é bombeado do reservatório, passando pelo canal de placas paralelas e é despejado em um recipiente até que seja atingido o escoamento permanente. Quando o escoamento permanente é atingido, um novo recipiente, com um termômetro, é colocado debaixo da saída do canal enquanto um cronômetro é iniciado. Após um certo tempo, o cronômetro é parado e a massa coletada é medida em uma balança. A pressão média, o tempo de escoamento medido no cronômetro, a massa coletada e a temperatura são utilizados para calcular a vazão mássica e avaliar os resultados. A temperatura é utilizada para controlar as condições nas quais o experimento é realizado, assim como para estimar a viscosidade do fluido. Os resultados finais são apresentados em curvas de velocidade média adimensional versus taxa de cisalhamento adimensional. Figura 2 - Bancada Experimental
Formulação Matemática A vazão de um fluido escoando entre placas paralelas é deduzida a partir do balanço de forças em um elemento infinitesimal de fluido. [4] Tendo em vista que a folga a é muito menor do que as dimensões L e l, pode-se utilizar a hipótese de escoamento desenvolvido. Isto é, u = u(y), v = w = 0. Figura 3- Esquemático da geometria do escoamento Portanto, o balanço de forças nos fornece Equação 1 - Tensão cisalhante em função da pressão Sendo τ a tensão cisalhante, ΔP a pressão, z a coordenada na direção do escoamento, e y a coordenada transversal, medida a partir do plano de simetria. Em particular, aplicando a equação 1 na superfície da placa, na qual y = h/2, obtemos a seguinte expressão para a tensão cisalhante na superfície das placas, τ w : Equação 2 - Tensão cisalhante nas placas Combinando as duas equações anteriores, obtemos a tensão cisalhante em função daquela exercida na parede: Equação 3 - Tensão cisalhante em função do cisalhamento nas placas É sabido que para um fluido newtoniano em escoamento unidimensional, Equação 4 - Lei de Newton para fluidos Substituindo a equação 1 na equação 4 e integrando duas vezes utilizando as condições de contorno do perfil de velocidades u(0) = u(a) = 0, obtemos
Equação 5 - Perfil de velocidades do escoamento entre placas paralelas infinitas Sabendo que Equação 6 - Vazão em função da velocidade Podemos integrar a equação 5 na seção do escoamento, obtendo a fórmula da vazão volumétrica. Considerando a queda de pressão como uma função linear, temos Equação 7 - Expressão final da vazão do escoamento para fluidos newtonianos Resultados Inicialmente foram feitos testes com glicerina, um fluido newtoniano, com o objetivo de validar a seção experimental. A validação do experimento consiste na comparação de uma vazão experimental com uma vazão teórica, definida pela equação 1. A partir desse balanço de forças, que considera as forças viscosas do fluido e a diferença de pressão aplicada ao escoamento, e após uma demonstração matemática, chegamos a uma equação que envolve a viscosidade do fluido, a razão entre a diferença de pressão nas extremidades das placas pelo comprimento das mesmas e parâmetros geométricos da seção do escoamento, sendo l a largura da seção e a a altura da seção. A equação proposta segue: sendo Q a vazão volumétrica, μ a viscosidade, ΔP a diferença de pressão ao longo do escoamento e L o comprimento das placas. Os testes realizados foram plotados em gráficos cujo eixo vertical se refere à vazão volumétrica. Tendo em vista que a vazão medida no experimento é a vazão mássica, foram medidas a cada teste a massa específica e a viscosidade da amostra, de forma que a correção para a vazão volumétrica fosse realizada de maneira precisa. Para cada vazão nominal da bomba foram executados cerca de 15 testes, sendo estes numerados e representados no eixo x. O comportamento gráfico esperado para cada vazão nominal, dado o regime permanente, portanto, era uma reta horizontal. Os gráficos de dispersão se aproximaram a uma reta de valor constante, evidenciando a veracidade da hipótese de regime permanente do experimento.
Figura 4 - Gráficos ilustrando o regime permanente a cada experimento para diferentes vazões nominais da bomba. Para validar quantitativamente o experimento, o valor médio de cada uma das retas constantes da figura 1 foi tomado a fim de construir um gráfico Qμ vs ΔP comparando o comportamento linear previsto na teoria com os resultados obtidos. As variáveis do gráfico foram escolhidas desta forma, pois l, a e L foram constantes durante todos os testes, por serem propriedades geométricas da seção de testes.
Figura 5 - Gráfico Qµ vs ΔP É visível a semelhança entre os valores obtidos nos testes e os valores teóricos. Também pode-se analisar os resultados obtidos pela tabela 1, que nos dá o erro percentual entre os valores experimentais e teóricos. vazão. Vazão Nominal Q teórico [m³/s] Q experimental [m³/s] Discrepância [%] 1 8,81043E- 07 9,22E- 07 4,6 2 2,27E- 06 2,10E- 06 7,35 3 3,64E- 06 3,46E- 06 4,86 4 5,10E- 06 4,88E- 06 4,35 5 5,94E- 06 5,77E- 06 2,81 6 5,59E- 06 3,46E- 06 0,51 Figura 6 - Tabela comparativa dos resultados experimentais com os resultados teóricos para A análise da tabela nos mostra que o erro percentual dos resultados do experimento foram pequenos o suficiente, ou seja, menores do que 10%, para considerarmos sua eficácia na simulação da situação proposta. Tendo isso em vista, o projeto pôde passar a estudar fluidos não newtonianos.
O fluido escolhido para a etapa não-newtoniana do estudo é uma solução de carbopol em água. Essa solução consiste em uma dispersão de partículas de carbopol, um polímero, em uma fase contínua de água. O deslizamento aparente, efeito que pretendemos estudar, é dado em fluidos desse tipo, pois se cria uma camada micrométrica da fase contínua na interface das paredes do escoamento devido à quebra na simetria da dispersão das partículas. Essa camada age como um agente lubrificante e facilita o escoamento. Figura 7 - Esquema da camada contínua lubrificante e o efeito do deslizamento aparente Uma solução de carbopol 0.1% foi testada em nossos reômetros em diversas geometrias. É perceptível uma abaulada no gráfico em todos os testes em geometrias lisas quando a amostra está submetida a baixas taxas de cisalhamento, o que evidencia um indício de deslizamento aparente no escoamento a baixas taxas de deformação. Além disso, percebemos que este efeito não está presente no teste realizado na geometria rugosa. Figura 8 - Testes realizados nos reômetros confirmam a teoria do deslizamento aparente e sua dependência com a rugosidade das paredes do escoamento
Tendo em vista a confirmação de nossas hipóteses, o projeto pode ter prosseguimento com os estudos do efeito do deslizamento aparente em escoamentos com dispersões de carbopol. Referências 1- BARNES, H. A., A handbook of elementary rheology, University of Wales, 2000. 2- DE SOUZA MENDES, P. R., J. Non-Newtonian Fluid Mech. 147, 109-16, 2007. 3- BARNES, H. A, A review of the slip (wall depletion) of polymer solutions, emulsions and particle suspensions in viscometers: its cause,character, and cure, J. Non-Newtonian Fluid Mech. 56, 221-251, 1995 4- FOX, R.W., Introduction to fluid mechanics, 8 th edition, 332-340.