Gabriel Eurípedes de Jesus Farias. GEOMETRIA HIPERBÓLICA PLANA O Modelo Projetivo

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Transcrição:

Gabriel Eurípedes de Jesus Farias GEOMETRIA HIPERBÓLICA PLANA O Modelo Projetivo Texto referente ao Minicurso de Geometria Hiperbólica do III Simpósio Nacional do PICME. Orientador: Prof. Dr. Heleno da Silva Cunha. Belo Horizonte 016

Sumário Resumo 3 1 Introdução 3 Fundamentos de Álgebra Linear 4.1 R-espaços vetoriais............................... 4. Mudança de Base................................ 6.3 Formas Bilineares................................ 7 3 Modelos de Geometria Hiperbólica Plana 10 3.1 O Modelo Projetivo............................... 10 3.1.1 O Plano Projetivo........................... 10 3.1. O Plano Hiperbólico.......................... 11 3. O Modelo de Klein............................... 13 3.3 O Modelo do Hiperboloide........................... 14 4 Breve Estudo sobre o Plano Hiperbólico 16 4.1 Geodésicas do Plano Hiperbólico....................... 16 4. Retas do Plano Hiperbólico.......................... 19 5 Considerações Finais 0 Referências 1

Geometria Hiperbólica Plana: O Modelo Projetivo Gabriel Eurípedes de Jesus Farias 1 Heleno da Silva Cunha Resumo No presente trabalho, serão apresentados espaços métricos que são modelos para a Geometria Hiperbólica Plana. Fundamentando-se principalmente na Álgebra Linear, o primeiro modelo que abordaremos será o projetivo e, a partir desse, construiremos os modelos de Klein e do hiperboloide. Inicialmente, faremos uma revisão de Álgebra Linear, exibindo definições e alguns de seus resultados, os quais serão necessários para alicerçar nossas construções. Em seguida, apresentaremos os três modelos supracitados. Ao final, faremos um sucinto estudo a respeito das geodésicas e das retas do plano hiperbólico e concluiremos com a demonstração da validade do postulado característico da Geometria Hiperbólica nesse espaço métrico. Palavras-chave: Geometria hiperbólica plana; Modelo projetivo; Retas do plano hiperbólico. 1 Introdução A descoberta das geometrias não euclidianas foi um grande marco na história da matemática. Esse processo iniciou-se no próprio momento que Euclides apresentou a Geometria Euclidiana de forma axiomática em sua obra Elementos. Durante séculos, o quinto postulado gerou discussões e muitos matemáticos, acreditando tratar-se de um teorema, tentaram prová-lo. Esses esforços resultaram na descoberta de uma grande quantidade de proposições equivalentes ao quinto postulado de Euclides. Dentre elas, apresentaremos o Axioma de Playfair: Postulado V. Por um ponto fora de uma reta pode-se traçar uma única reta paralela à reta dada. No século XIX, iniciou-se o estudo das implicações da negação desse postulado. Trilhado por Gauss, Lobachewsky e Bolyai, esse caminho levou à descoberta da Geometria Hiperbólica. Visto que a existência de retas paralelas é consequência dos quatro primeiros grupos de axiomas, essa geometria fundamenta-se na admissão dos quatro primeiros postulados da Geometria Euclidiana e da seguinte forma negativa do quinto postulado: Postulado. Por um ponto fora de uma reta, podem ser traçadas pelo menos duas retas que não interceptam a reta dada. Visando a atribuir consistência à Geometria Hiperbólica, foram propostos modelos para a mesma. Neste trabalho, temos o objetivo de apresentar a construção de três deles: o projetivo, o de Klein e o do hiperboloide. 1 Estudante do Curso de Matemática da Universidade Federal de Uberlândia. O presente trabalho foi desenvolvido tendo como orientador o Prof. Dr. Heleno da Silva Cunha, membro do corpo docente do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais. 3

Fundamentos de Álgebra Linear O papel desta seção é reunir definições e resultados de Álgebra Linear necessários para nossas futuras construções. Em especial, abordaremos as definições e algumas propriedades de espaços vetoriais sobre R e de formas bilineares..1 R-espaços vetoriais Definição 1. Um conjunto não vazio V é um R-espaço vetorial (ou espaço vetorial sobre R) se em seus elementos, denominados vetores, estiverem definidas as duas operações abaixo. (A) Soma, tal que u, v, w V tem-se: (i) u + v V (fechamento da operação); (ii) u + v = v + u (propriedade comutativa); (iii) (u + v) + w = u + (v + w) (propriedade associativa); (iv) 0 V tal que 0 + v = v, 0 é denomidado vetor nulo de V (existência de elemento neutro); (v) v V tal que v + ( v) = 0 (existência do elemento oposto para cada v V ). (M) Produto por escalar, tal que α, β R e u, v V tem-se: (i) α v V (fechamento da operação); (ii) (αβ) v = α(β v) (propriedade associativa); (iii) 1 v = v; (iv) α (u + v) = α u + α v; (v) (α + β) v = α v + β v. Exemplo 1. Consideremos o conjunto R n = {(x 1,..., x n ); x 1,..., x n R} com as operações: (i) (x 1,..., x n ) + (y 1,..., y n ) = (x 1 + y 1,..., x n + y n ), (x 1,..., x n ), (y 1,..., y n ) R n ; (ii) λ (x 1,..., x n ) = (λx 1,..., λx n ), λ R e (x 1,..., x n ) R n. Essa estrutura é um espaço vetorial sobre R que será muito importante para as construções dos modelos para a Geometria Hiperbólica Plana que faremos adiante. Definição. Seja V um R-espaço vetorial e S V. Dizemos que S é um subespaço vetorial se, com as operações definidas em V, S é um R-espaço vetorial. Isso é equivalente a dizer que S satisfaz às seguintes propriedades: (i) 0 S; (ii) u + v S, u, v S; (iii) α v S, α R e v V. Definição 3. Um vetor v V é uma combinação linear dos vetores v 1,..., v n V se existem escalares α 1,..., α n R tais que v = α 1 v 1 + + α n v n = n α i v i. Definição 4. Sejam V um R-espaço vetorial e B = {v 1,..., v n } um subconjunto de V. i=1 4

(I) O subespaço gerado por B é o conjunto das combinações lineares dos vetores de B, ou seja, é o conjunto {α 1 v 1 + + α n v n ; α 1,..., α n R}. O qual denotaremos por [B] ou [v 1,..., v n ]. (II) Dizemos que B é um conjunto gerador de V (ou que B gera V ) se [B] = V. (III) Dizemos que B é linearmente independente (ou l.i.) se α 1 v 1 + + α n v n = 0, para v i B e α i R, i {1,..., n}, implica que α 1 = = α n = 0. Caso contrário, dizemos que B é linearmente dependente (ou l.d.). (IV) Dizemos que B é base de V se B é um conjunto gerador de V e l.i. Definição 5. Um R-espaço vetorial é finitamente gerado se possui um conjunto gerador finito. Observação 1. Todo espaço vetorial finitamente gerado possui uma base. A demonstração desse resultado pode ser encontrada no texto [CL]. Proposição 1. Qualquer base de um R-espaço vetorial V, finitamente gerado, possui a mesma quantidade de vetores. Demonstração. Consideremos um R-espaço vetorial finitamente gerado V e suas bases B = {u 1,..., u n } e B = {v 1,..., v m }. Suponhamos que essas bases não tenham a mesma quantidade de vetores; sem perda de generalidade, assumamos que m > n. Escrevamos os vetores de B como combinação linear dos vetores de B, da seguinte forma: v j = α 1j u 1 +... + α nj u n, j {1,..., m}. Notemos que m β j v j = 0 implica que ( m n ) ( ) n m β j α ij u i = 0. Equivalentemente, α ij β j u i = 0. i=1 Como {u 1,..., u n } é base de V e, portanto, l.i., temos o sistema α 11 β 1 + + α 1m β m = 0. α n1 β 1 + + α nm β m = 0 i=1 nas incógnitas β j e com coeficientes α ij R, com i {1,..., n} e j {1,..., m}. Por hipótese, temos que m > n, ou seja, nesse sistema, o número de incógnitas é estritamente maior que o número de equações. Desse modo, o sistema é possível e indeterminado, admitindo pelo menos uma solução não nula. Portanto, existem γ 1,..., γ m R, não todos nulos, tais que γ 1 v 1 + + γ m v m = 0. Consequentemente, B é l.d., contradizendo o fato de ser base. Logo, as bases B e B possuem a mesma quantidade de vetores. Definição 6. Seja V um espaço vetorial finitamente gerado. A dimensão de V, dim V, é a quantidade de vetores de qualquer base de V. Observação. Seja C um conjunto finito. Usaremos a notação #C para a quantidade de elementos de C (cardinalidade). Proposição. Seja V um R-espaço vetorial finitamente gerado. Se U é um subespaço de V, então dim U dim V. Demonstração. Consideremos V um R-espaço vetorial finitamente gerado e U um subespaço de V. Sejam B U e B V bases de U e V, respectivamente. Podemos provar 5

essa proposição supondo que #B U > #B V. Empregando argumentos análogos aos utilizados na Demonstração da Proposição 1, essa suposição implicará que B U é um conjunto linearmente dependente, contradizendo a hipótese de B U ser uma base. Portanto, #B U #B V. Definição 7. Consideremos V, um R-espaço vetorial, e seus subespaços vetoriais W 1 e W. Definimos a soma de W 1 com W como o subespaço vetorial W 1 + W = {w 1 + w ; w 1 W 1 e w W }. Dizemos que a soma W 1 + W é direta se W 1 W = {0} e, nesse caso, escrevemos W 1 W. Proposição 3. Sejam V um R-espaço vetorial finitamente gerado, U e W subespaços vetoriais de V tais que U W = V. Então dim U + dim W = dim V. Demonstração. Sejam B U = {u 1,..., u n } e B W = {w 1,..., w m } bases de U e W, respectivamente. Queremos mostrar que B U B W é base de V. Tomemos v V. Como V = U + W, temos que v = u + w, com u U e w W. Assim, existem α 1,..., α n, β 1,..., β m R tais que u = α 1 u 1 + + α n u n e w = β 1 w 1 + + β m w m. Por consequência, v é uma combinação linear dos vetores de B U B W, a saber, v = α 1 u 1 + + α n u n + β 1 w 1 + + β m w m. Logo, V = [B U B W ]. Agora, suponhamos que existem escalares reais α 1,..., α n, β 1,..., β m tais que α 1 u 1 + + α n u n + β 1 w 1 + + β m w m = 0; temos, equivalentemente, que α 1 u 1 + +α n u n = β 1 w 1 β m w m. Logo, α 1 u 1 + +α n u n e β 1 w 1 β m w m pertencem à U W. Visto que, por hipótese, U W = {0}, segue que α 1 u 1 + + α n u n = 0 e β 1 w 1 + + β m w m = 0. Como B U e B W são l.i., α 1 = = α n = β 1 = = β m = 0. Portanto, B U B W é um conjunto linearmente independente. Concluímos que B U B W = {α 1,..., α n, β 1,..., β m } é base de V, desse modo, dim V = n + m. Visto que dim U = #B U = n e dim W = #B W = m, completamos a demonstração. Proposição 4. Sejam V um R-espaço vetorial e B = {v 1,..., v n } uma base ordenada de V. Dado v V, os escalares tais que v é uma combinação linear dos vetores de B são unicamente determinados por v. Demonstração. Suponhamos que v = α 1 v 1 + + α n v n e v = β 1 v 1 + + β n v n. Então, (α 1 β 1 )v 1 + + (α n β n )v n = 0. Como, por hipótese, {v 1,..., v n } é base de V, segue que α i = β i, i {1,..., n}. Definição 8. Consideremos um R-espaço vetorial V e B = {v 1,..., v n } uma base ordenada de V. Denotamos por [v] B a matriz de coordenadas de v na base B; temos que α 1 [v] B =. α n se, e somente se, v = α 1 v 1 + + α n v n.. Mudança de Base α 1 Consideremos V um R-espaço vetorial finitamente gerado e duas de suas bases: B = {u 1,..., u n } e B = {v 1,..., v n }. Tomemos v V e suas matrizes de coordena- das [v] B =. matrizes. α n e [v] B = β 1. β n. Temos o objetivo de encontrar uma relação entre essas 6

Escrevamos os vetores de B como combinação linear dos vetores de B : u j = γ 1j v 1 + + γ nj v n, j {1,..., n}. Pela matriz de coordenadas de v na base B, sabemos que v = n α j u j ( = n n ) α j γ ij v i i=1 = n n α j γ ij v i ( i=1 ) = n n α j γ ij v i. i=1 Por outro lado, v = β 1 v 1 + + β n v n. Pela Proposição 4, temos que β i = α 1 γ i1 + + α n γ in, i {1,..., n}. Assim, a matriz γ 11 γ 1 γ 1n γ 1 γ γ n M =...... γ n1 γ n γ nn é tal que M [v] B = [v] B. Dizemos que M é a matriz de mudança de base de B para B. Notemos que M 1 é a matriz de mudança de base de B para B, pois se temos que M [v] B = [v] B, multiplicando os dois lados por M 1 à esquerda, obtemos M 1 [v] B = [v] B..3 Formas Bilineares Definição 9. Seja V um R-espaço vetorial. A função, : V V R (u, v) u, v é uma forma bilinear sobre V se for linear em cada uma das variáveis quando deixarmos a outra fixa, isto é: (i) αu 1 + u, v = α u 1, v + u, v ; (ii) u, αv 1 + v = α u, v 1 + u, v. Se, além dessas propriedades, tivermos: (iii) u, v = v, u, dizemos que a forma bilinear é simétrica. No presente trabalho, as formas bilineares que trataremos serão as simétricas sobre R-espaços vetoriais finitamente gerados. 7

Exemplo. Consideremos o R-espaço vetorial R n+1, os vetores u = (u 1,..., u n+1 ) e v = (v 1,..., v n+1 ) em R n+1 e as funções, 1,,,, 3 : R n+1 R n+1 R, tais que: u, v 1 = u 1 v 1 + u v + + u n v n u n+1 v n+1 ; u, v = u 1 v n+1 + u v + + u n v n + u n+1 v 1 ; u, v 3 = u 1 v n+1 + u v n + + u n v + u n+1 v 1. Essas funções são formas bilineares simétricas. Definição 10. Consideremos um R-espaço vetorial V com uma forma bilinear, e sua base B = {b 1,..., b n }. A matriz da forma bilinear, em relação à base ordenada B é a matriz J = [ b i, b j ] n n. Consideremos um R-espaço vetorial V B = {b 1,..., b n } e u, v V. Sejam. v na base B, respectivamente. Ao calcularmos u, v, obtemos u, v = u 1 u n e com uma forma bilinear,, sua base v 1. n u i b i, i=1 v n = n u i b i, i=1 = n i=1 as matrizes de coordenadas de u e n v j b j n v j b j n u i v j b i, b j = [v] t B J [u] B, onde J é a matriz da forma bilinear, com relação à base ordenada B. Notemos que se a forma bilinear, for simétrica, então a matriz J é simétrica, pois b i, b j = b j, b i, i, j {1,..., n}. Exemplo 3. Referindo-se às funções definidas no Exemplo 1, as matrizes das formas bilineares, 1,, e, 3 com relação à base canônica do R n+1 são, respectivamente, 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 J 1 =......., J =....... e J 3 =........ 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 1 0 0 0 Proposição 5. Se J e J são matrizes de uma mesma forma bilinear, então det J e det J possuem o mesmo sinal. Demonstração. Consideremos o R-espaço vetorial V com a forma bilinear, e suas bases B e B. Sejam M a matriz de mudança de base de B para B, J e J as matrizes da forma bilinear em relação às bases B e B, respectivamente. Tomemos u, v V, então 8

u, v = [v] t B J [u] B = (M[v] B ) t J (M[u] B ) = [v] t B (M t J M) [u] B. Por outro lado, u, v = [v] t B J [u] B. Logo, J = M t JM e, consequentemente, det J = (det M) det J. Segue que det J e det J têm o mesmo sinal. Definição 11. Consideremos V um R-espaço vetorial com uma forma bilinear, e seu subconjunto S. Definimos o complemento ortogonal de S, o qual denotamos por S, como o conjunto {v V ; v, s = 0, s S}. Proposição 6. Seja S um subconjunto de um R-espaço vetorial V. S é um subespaço vetorial. Demonstração. Consideremos V um R-espaço vetorial e S V. Notemos que o vetor nulo 0 = 0 v, v V. Assim, s S, 0, s = 0 v, s = 0 v, s = 0; ou seja, 0 S. Sejam u, v S, então u + v, s = u, s + v, s = 0; segue que u + v S. Tomemos α R e v S, então α v, s = α v, s = α 0 = 0; desse modo, α v S. Logo, S é um subespaço vetorial. Definição 1. Seja V um R-espaço vetorial munido da forma bilinear,. Uma base B = {b 1,..., b n } de V é dita ortonormal se b i, b i { 1, 0, 1} e b i, b j = 0, com i j, i, j {1,..., n}. Desse modo, a matriz de uma forma bilinear em relação à uma base ortonormal é diagonal e seus termos são -1, 0 ou 1. Proposição 7. Todo R-espaço vetorial munido de uma forma bilinear, possui uma base ortonormal. Demonstração. Seja V um R-espaço vetorial, de dimensão n, dotado de uma forma bilinear,. Se v 1, v = 0, v 1, v V, então qualquer base de V é ortonormal. Agora, avaliaremos o caso em que existe v V tal que v, v 0. Assim, podemos escrever v, v = ɛλ, com ɛ { 1, 1} e λ R \ {0}. Tomemos o vetor v 1 = λ 1 v em V ; notemos que v 1 é tal que v 1, v 1 = ±1. De maneira indutiva, repetimos esse processo para encontrar uma base ortonormal {v,..., v n } do subespaço vetorial [v 1 ]. Claramente, o conjunto {v 1,..., v n } é base ortonormal de V. Definição 13. Um subespaço euclidiano de um R-espaço vetorial V dotado de uma forma bilinear, é um subespaço E de V tal que e, e > 0, e E \ {0}. Teorema 1 (Teorema de Sylvester). Seja V um R-espaço vetorial com a forma bilinear,. Em qualquer base ortonormal B = {b 1,..., b n } de V, as quantidades p = #{b i B; b i, b i > 0}, q = #{b i B; b i, b i < 0} e r = #{b i B; b i, b i = 0} não se alteram. Demonstração. Consideremos V um R-espaço vetorial munido de uma forma bilinear, e B = {b 1,..., b n } uma base ortonormal de V. Seja U o subespaço vetorial de V gerado pelo conjunto linearmente independente {b B; b, b = 1 ou b, b = 0}, cuja cardinalidade é n p. Notemos que se u U, então u, u 0. Assim, temos que U E = {0}, para qualquer subespaço euclidiano E de V. Além disso, sabemos que a soma U + E é um subespaço vetorial de V. Pelas Proposições e 3, temos que dim U + dim E dim V = n. Como dim U = n p, segue que dim E p; portanto, sup {dim E; E é um subespaço euclidiano de V } = p. Desse modo, o número p independe da base. Similarmente, prova-se que o número q também é independente da base ortonormal. Assim, fixa-se a quantidade r pela relação r = n p q. 9

Definição 14. A assinatura de uma forma bilinear é a tripla (p, q, r), onde p, q e r são as quantidades definidas no enunciado do Teorema de Sylvester. Definição 15. Consideremos V um R-espaço vetorial com uma forma bilinear,. Dizemos que essa forma bilinear é degenerada se V {0} ou, equivalentemente, se existe u V \ {0} tal que u, v = 0, para todo v V. Proposição 8. A forma bilinear é degenerada se, e somente se, r > 0. Demonstração. Consideremos V, um R-espaço vetorial, com a forma bilinear, e B = {b 1,..., b n }, uma base ortonormal de V. Suponhamos que a forma bilinear, é degenerada. Assim, existe um vetor u V \{0} tal que u, v = 0, v V. Sejam α 1,..., α n R tais que u = α 1 b 1 + + α n b n. Como u 0, existe i {1,..., n} tal que α i 0. Pela propriedade do vetor u, temos que u, b i = n α j b j, b i = 0. Visto que B é base ortonormal, b j, b i = 0, i j; logo, α i b i, b i = 0. Por tomarmos i {1,..., n} tal que α i 0, temos que b i, b i = 0; isto é, r 1. Reciprocamente, suponhamos que r > 0. Assim, existe b i B tal que b i, b i = 0. Observemos que b i 0, pois B é um conjunto linearmente independente. Seja v V, desse modo, existem escalares reais β 1,..., β n tais que v = β 1 b 1 + + β n b n. Notemos que b i, v = n β j b i, b j. Por B ser uma base ortonormal e pela propriedade do vetor b i, temos que b i, b j = 0, j {1,..., n}. Consequentemente, b i, v = 0, v V ; ou seja, a forma bilinear, é degenerada. 3 Modelos de Geometria Hiperbólica Plana Nesta seção, abordaremos alguns modelos para a geometria hiperbólica. O primeiro modelo que trataremos será o projetivo, o qual fundamentará a construção dos demais. Primeiramente, como teremos contato com espaços métricos, introduziremos esse conceito. Definição 16. Seja M um conjunto. Uma métrica em M é uma função d : M M R (x, y) d(x, y) que satisfaz às seguintes propriedades para todo x, y, z M: (i) d(x, x) = 0; (ii) se x y, então d(x, y) > 0; (iii) d(x, y) = d(y, x) (simetria); (iv) d(x, z) d(x, y) + d(y, z) (desigualdade triangular). Um espaço métrico é o par (M, d), onde M é um conjunto e d é uma métrica em M. 3.1 O Modelo Projetivo 3.1.1 O Plano Projetivo Em R 3 \ {0}, consideremos a seguinte relação de equivalência: u v λ R \ {0} tal que u = λv. 10

A classe de equivalência do vetor v é o conjunto v = {u R 3 \ {0}; u v}, isto é, o subespaço unidimensional gerado por {v} subtraído do conjunto unitário que contém o vetor nulo. Definimos o plano projetivo, denotado por P R, como o espaço das classes de equivalência, a saber, {v; v R 3 \ {0}}. Consideremos a projeção natural de R 3 \ {0} em P R : P : R 3 \ {0} P R v P(v) = v. A classe v é denominada ponto do plano projetivo e um vetor pertencente a P 1 (v), representante ou levantamento de v. Devido à necessidade futura de utilizar coordenadas, convencionemos denotar P ((x, y, z)) por [x : y : z]. 3.1. O Plano Hiperbólico Denotaremos por R,1 o R 3 dotado da seguinte forma bilinear de assinatura (, 1, 0):, : R 3 R 3 R (u, v) u, v = u 1 v 1 + u v u 3 v 3, onde u = (u 1, u, u 3 ) e v = (v 1, v, v 3 ). Essa forma decompõe o R 3 nos conjuntos dos vetores negativos, isotrópicos e positivos, definidos, respectivamente, por: V = {v R 3 ; v, v < 0}; V 0 = {v R 3 ; v, v = 0}; V + = {v R 3 ; v, v > 0}. Quando analisamos a igualdade (x, y, z), (x, y, z) = 0, notamos que se trata do cone de equação x +y z = 0. Portanto, geometricamente, o conjunto dos vetores isotrópicos é essa superfície, os vetores negativos são aqueles que estão no interior do cone e os vetores positivos são aqueles externos ao cone. Figura 1: Superfície cônica de equação x + y z = 0. Definição 17. Seja P a projeção natural de R,1 em P R. Definimos: (I) o plano hiperbólico, H = P(V ); (II) a fronteira ideal, H = P(V 0 \ {0}); (III) o plano polar, lh = P(V + ). 11

Observemos que, geometricamente, o plano hiperbólico é o espaço das retas situadas no interior do cone de equação x + y z = 0. Agora, dirigiremo-nos à métrica do plano hiperbólico. Consideremos u e v pontos distintos de H e K o subespaço [u, v], onde u P 1 (u) e v P 1 (v). Notemos que K é um plano que passa por dentro do cone, assim, a forma bilinear de R,1 restrita a K tem assinatura (1, 1, 0). Pela Proposição 5, temos que [ ] u, u u, v det = u, u v, v u, v v, u < 0, v, u v, v u, v v, u ou seja, u, u v, v > 1. Observemos que se u = v, então existe λ R \ {0} tal que v = λu. Assim, u, v v, u u, λu λu, u = u, u v, v u, u λu, λu = λ u, u u, u λ u, u u, u = 1. u, v v, u Logo, de modo geral, 1. Esse fato garante a existência e unicidade de u, u v, v um número real não negativo d(u, v) tal que cosh d(u, v) = u, v v, u u, u v, v. Figura : Unicidade do número positivo d(u, v). Seja d a função que associa a cada par (u, v) H H o número real não negativo d(u, v) tal que cosh u, v v, u d(u, v) =. Essa função é a métrica do plano hiperbólico. u, u v, v Uma demonstração de que d é uma métrica em P(V ) pode ser encontrada no texto [I]. Observação 3. Notemos que a função d está bem definida. De fato. Sejam u e v pontos de H. Tomemos u 1, u P 1 (u) e v 1, v P 1 (v); então, existem α, β R \ {0} tais que u 1 = αu e v 1 = βv. Dessa forma, u 1, v 1 v 1, u 1 u 1, u 1 v 1, v 1 = αu, βv βv, αu αu, αu βv, βv = α β u, v v, u α β u, u v, v = u, v v, u u, u v, v. 1

Portanto, a função d aplicada no par (u, v) independe dos representantes dos pontos u e v de H. Considerando o exposto, o plano hiperbólico, denotado por H, é o conjunto P(V ) munido da métrica d. 3. O Modelo de Klein Consideremos o disco D = {(x, y) R ; x + y < 1}. Aqui, temos o intuito de estabelecer uma identificação entre o plano hiperbólico, H, e o disco D. Primeiramente, para isso, obteremos a interseção entre um ponto do plano hiperbólico e o plano de equação z = 1. Sejam π o plano {(x, y, 1) R,1 ; x, y R} e [v 1 : v : v 3 ] um ponto de H. Assim, v 1 + v v 3 < 0, ou seja, v 3 0. Sabemos que [v 1 : v : v 3 ] = {(v 1 λ, v λ, v 3 λ) V ; λ R \ {0}}. Tomemos P [v 1 : v : v 3 ] π. Dessa forma, temos λ = 1 ( v 3 v1 P =, v ), 1. v 3 v 3 e, consequentemente, Figura 3: Interseção entre um ponto do plano hiperbólico e o plano π. Observemos que os números reais v 1, v e v 3 satizfazem à relação v 1 + v v 3 < 0, a qual equivale a v 1 + v v3 v3 < 1. Dado isso, P pertence ao disco {(x, y, 1) R 3 ; x + y < 1}. Com base no obtido, podemos fazer uma identificação entre H e D através da seguinte função: ϕ : H D [x : y : z] ( x z, y z ). 13

Proposição 9. A função ϕ é bijetora. Demonstração. Primeiramente, mostremos que ϕ está bem definida. Seja [x : y : z] um ponto de H. Tomemos (x 1, y 1, z 1 ), (x, y, z ) [x : y : z]. Assim, existe λ R \ {0} tal que (x 1, y 1, z 1 ) = (x λ, y λ, z λ). Desse modo, ϕ([x 1 : y 1 : z 1 ]) = ϕ([x λ : y λ : z λ]) = ( x λ z λ, y λ z λ ) = ( x, y ) = ϕ([x : y : z ]). z z Agora, verifiquemos se ϕ é sobrejetora. Seja (x, y) D, então existe [x : y : 1] H tal que ϕ([x : y : 1]) = (x, y). Por fim, analisaremos se ϕ é injetora. ( Sejam [x 1 : y 1 : z 1 ], [x : y : z ] H tais que x1 ϕ([x 1 : y 1 : z 1 ]) = ϕ([x : y : z ]). Assim,, y ) ( 1 x =, y ), ou seja, x 1 = z 1 x e z 1 z 1 z z z y 1 = z 1 y ; além disso, z 1 = z 1 z. Em outras palavras, existe o número real não nulo z z z 1 tal que (x 1, y 1, z 1 ) = z 1 (x, y, z ). Logo, [x 1 : y 1 : z 1 ] = [x : y : z ]. z z Portanto, ϕ é uma bijeção entre H e D. A métrica do plano hiperbólico induz uma métrica no disco D por meio da identificação entre (x, y), pertencente a D, e [x : y : 1], de H. Dessa forma, uma métrica em D é a função d D que associa a cada par ((x 1, y 1 ), (x, y )) D D o número real não negativo d D ((x 1, y 1 ), (x, y )) tal que cosh d D ((x 1, y 1 ), (x, y )) = (x 1, y 1, 1), (x, y, 1) (x, y, 1), (x 1, y 1, 1) (x 1, y 1, 1), (x 1, y 1, 1) (x, y, 1), (x, y, 1) = (x 1 x + y 1 y 1) (x 1 + y 1 1)(x + y 1). Considerando essa construção, o disco de Klein é o espaço métrico (D, d D ). Exemplo 4. Calculemos a distância hiperbólica entre os pontos ( 34 ) ( ) 3, 0 e 4, 0 de D. ( ) ( )) (( 3 3 Notemos que d D ( 4, 0, 4, 0 é tal que cosh d D 3 ) ( )) 3 4, 0, 4, 0 = 5 7, ( ) ( )) ( ) 3 3 5 isto é, d D ( 4, 0, 4, 0 = arccosh 1, 946. A título de comparação, a 7 distância euclidiana entre os dois pontos do exemplo é igual a 1, 5. 3.3 O Modelo do Hiperboloide A seguir, construiremos o modelo do hiperboloide por meio de uma identificação similar à anterior, desta vez, porém, entre o plano hiperbólico e uma das folhas do hiperboloide de equação x + y z = 1. Escolhamos a folha superior desse hiperboloide para fazer tal identificação. Assim, consideremos o conjunto F = {(x, y, z) R,1 ; x + y z = 1 e z > 0} e o ponto [v 1 : v : v 3 ] de H. Vejamos que, equivalentemente, podemos definir a folha superior F como o conjunto {(x, y, x + y + 1) V }. Além disso, lembremo-nos de que [v 1 : v : v 3 ] = {(v 1 λ, v λ, v 3 λ) V ; λ R \ {0}}. 14

P = Tomemos P [v 1 : v : v 3 ] F. Seque que λ = 1 (v 1 + v v 3) (v 1, v, v 3 ). 1 (v 1 + v v 3) e, portanto, Figura 4: Interseção entre um ponto do plano hiperbólico e a superfície F. Desse modo, a função seguinte fornece uma identificação entre H e F : ρ : H F [x : y : z] 1 (x, y, z). (x + y z ) Proposição 10. A função ρ é uma bijeção. Demonstração. A princípio, provaremos que ρ está bem definida. Seja [x : y : z] um ponto de H. Tomemos (x 1, y 1, z 1 ) e (x, y, z ), representantes de [x : y : z]. Assim, existe λ R \ {0} tal que (x 1, y 1, z 1 ) = (x λ, y λ, z λ). Logo, temos que ρ([x 1 : y 1 : z 1 ]) = ρ([x λ : y λ : z λ]) = 1 (x λ + y λ z λ ) (x λ, y λ, z λ) = 1 (x + y z ) (x, y, z ) = ρ([x : y : z ]). Agora, verificaremos se a função ρ é sobrejetora. Seja (x, y, z) F. Desse modo, os números reais x, y e z satisfazem à relação x + y z = 1. Dado isso, notemos que existe [x : y : z] H tal que ρ([x : y : z]) = 1 (x + y z ) (x, y, z) = 1 (x, y, z) = (x, y, z). ( 1) 15

Para concluir a prova, analisaremos se ρ é injetora. Consideremos [x 1 : y 1 : z 1 ] e [x : y : z ] pontos de H tais que ρ([x 1 : y 1 : z 1 ]) = ρ([x : y : z ]). Equivalentemente, 1 (x 1 + y1 z1) (x 1 1, y 1, z 1 ) = (x + y z) (x, y, z ). Isso implica que existe o x 1 + y1 z1 x 1 + y1 z1 número real não nulo tal que (x x + y z 1, y 1, z 1 ) = (x x + y z, y, z ). Logo, [x 1 : y 1 : z 1 ] = [x : y : z ]. Portanto, a função ρ é uma bijeção entre H e F. Podemos induzir a métrica hiperbólica em F por meio da identificação entre (x, y, z), pertencente a F, e [x : y : z], de H. Desse modo, uma métrica em F é a função d F que associa a cada par (u, v) F F o número real não negativo d F (u, v) tal que cosh u, v v, u d F (u, v) = u, u v, v = u, v. Em suma, o modelo do hiperboloide é o espaço métrico (F, d F ). 4 Breve Estudo sobre o Plano Hiperbólico 4.1 Geodésicas do Plano Hiperbólico Definição 18. Consideremos I um intervalo aberto de R. Uma curva no plano hiperbólico é uma aplicação γ : I H. A imagem direta γ(i) H é dita traço da curva γ. Definição 19. Consideremos uma curva γ : I H. Dizemos que γ é uma geodésica quando d(γ(a), γ(b)) = a b, a, b I. Visto que a b é a distância entre os pontos a e b de R em sua métrica usual, uma geodésica no plano projetivo é uma aplicação de R em H que preserva distâncias. Definição 0. O plano tangente a um ponto v de H, denotado por T v H, é o subespaço v, ou seja, {p R,1 ; p, v = 0}; sendo v um representante de v. Se p é um elemento de T v H, dizemos que p é um vetor tangente ao ponto v. Se, além disso, temos que p, p = 1, chamamos p de unitário. Observação 4. Notemos que o plano tangente a um ponto v, pertencente a H, independe do representante de v. De fato. Sejam v 1, v v. Assim, existe λ R \ {0} tal que v 1 = λv. Então, T v1 H = {p R,1 ; p, v 1 = 0} = {p R,1 ; p, λv = 0} = {p R,1 ; λ p, v = 0}. Como λ 0, segue que T v1 H = {p R,1 ; p, v = 0} = T v H. Proposição 11. Seja v H. Se p T v H \ {0}, então p, p > 0. Demonstração. Consideremos v um ponto de H. Segue que v, v < 0; logo, existe λ R \ {0} tal que v, v = λ. Seja v 1 v tal que v 1 = λ 1 v. Notemos que v 1 satisfaz v 1, v 1 = 1. Tomemos os vetores p 1 e p em T v H tais que {v 1, p 1, p } é uma base ortonormal de R,1. Pelo Teorema de Sylvester, temos que p 1, p 1 = 1 e p, p = 1. Observemos que 16

{p 1, p } é base ortonormal de T v H. Desse modo, se p é vetor de T v H, existem escalares α, β R tais que p = αp 1 + βp. Segue que p, p = αp 1 + βp, αp 1 + βp = α p 1, p 1 + αβ p 1, p + β p, p = α + β. Logo, p, p 0. Para concluir, mostraremos que p, p = 0 se, e somente se, p = 0. Evidentemente, p = 0 implica que p, p = 0. A recíproca também é verdadeira. De fato, seja p um vetor de T v H tal que p, p = 0; assim, α = β = 0 e, consequentemente, p = 0 p 1 + 0 p = 0. Portanto, T v H é um subespaço euclidiano de R,1. Proposição 1. Consideremos u e v dois pontos distintos de H e K = [u, v]. Existe um vetor unitário p K T u H tal que v = cosh d(u, v) u + senh d(u, v) p. Demonstração. Sejam u e v pontos distintos de H. Sem perda de generalidade, tomemos u u e v v tais que u, u = 1 e v, v = 1. Consideremos K o espaço gerado pelo conjunto {u, v}. Notemos que a forma bilinear de R,1 restrita a K possui assinatura (1, 1, 0). Logo, existe um vetor p em K T u H tal que {u, p} é base ortonormal de K. Figura 5: Representantes u, v e p. Assim, existem escalares reais x e y tais que v = xu + yp. Dado isso, 1 = v, v = xu + yp, xu + yp = x u, u + xy u, p + y p, p = x + y. Desse modo, existe um número real positivo z tal que x = cosh z e y = senh z. Agora, queremos mostrar que z = d(u, v). Notemos que cosh d(u, v) = u, v v, u u, u v, v = u, cosh z u + senh z t = cosh z. 17

Portanto, z = d(u, v) e, consequentemente, v = cosh d(u, v) u + senh d(u, v) p. Proposição 13. Consideremos v um ponto de H e p, pertencente a T v H, um vetor tangente unitário. Seja v um representante de v tal que v, v = 1. Então, a curva γ : R H t cosh t v + senh t p é uma geodésica. Em adição a isso, γ(r) = P(K \ {0}) H ; sendo K = [v, p]. Demonstração. Notemos que para qualquer t R, o vetor cosh t v + senh t p é um representante de γ(t) tal que cosh t v + senh t p, cosh t v + senh t p = 1, pois cosh t v + senh t p, cosh t v + senh t p = cosh t v, v + senh t p, p = senh t cosh t = 1. Sejam a, b R. Tomemos os representantes cosh a v + senh a p e cosh b v + senh b p de γ(a) e γ(b), respectivamente. Desse modo, cosh d(γ(a), γ(b)) = cosh a v + senh a p, cosh b v + senh b p = (cosh a cosh b v, v + senh a senh b p, p ) = ( cosh a cosh b + senh a senh b) = (cosh a cosh b senh a senh b) = cosh (a b). Portanto, d(γ(a), γ(b)) = a b, ou seja, a curva γ é uma geodésica. Provaremos que os conjuntos γ(r) e P(K \ {0}) H são iguais. Previamente, percebamos que P(K \ {0}) H = {αv + βp; α, β R e αv + βp, αv + βp < 0}. Consideremos o ponto γ(t) = cosh t v + senh t p γ(r). Analisemos seu representante cosh t v + senh t p. Claramente, cosh t, senh t R. Além disso, pelo início desta prova, esse representante satisfaz cosh t v + senh t p, cosh t v + senh t p < 0. Logo, γ(t) P(K \ {0}) H. Reciprocamente, seja u P(K \ {0}) H. Tomemos um representante u de u tal que u, u = 1. Notemos que u K, isto é, existem x, y R tais que u = xv + yp. A relação xv + yp, xv + yp = 1 implica que x e y satisfazem à equação y x = 1; então, existe um número real z tal que x = cosh z e y = senh z. Assim, u = cosh z v + senh z p ou, equivalentemente, u = γ(z) γ(r). Portanto, γ(r) = P(K \ {0}) H. Proposição 14. Dados u e v pontos distintos de H, existe uma geodésica γ : R H tal que u, v γ(r). Demonstração. Consideremos u, v H, um representante u de u tal que u, u = 1 e K = [u, v]. Pela Proposição 1, sabemos que existe um vetor unitário p K T v H tal que v = cosh d(u, v) u + senh d(u, v) p. Assim, de acordo com a Proposição 13, a curva γ : R H é uma geodésica. Observemos que u, v γ(r), pois t cosh t u + senh t p γ(0) = u e γ(d(u, v)) = v. 18

4. Retas do Plano Hiperbólico Já temos a noção de pontos do plano hiperbólico. Agora, vamos conhecer suas retas. Seja K um subespaço de assinatura (1, 1, 0) de R,1. Chamaremos de reta do plano hiperbólico o conjunto P(K \ {0}) H. Proposição 15. No plano hiperbólico, existe uma única reta que passa por dois pontos distintos. Demonstração. (Existência) Consideremos u e v pontos distintos de H e K = [u, v]. Desse modo, K é um plano que passa por dentro do cone e possui assinatura (1, 1, 0). Seja r a reta P(K \ {0}) H, isto é, r = {αu + βv; α, β R e αu + βv, αu + βv < 0}. Vejamos que u = 1 u + 0 v e v = 0 u + 1 v, além disso, u, v V. Logo, u, v r. (Unicidade) Suponhamos que existe uma reta r que passa pelos dois pontos u e v. Assim, r = P(K \{0}) H, sendo K um subespaço de assinatura (1, 1, 0) de R,1. Como u, v r, em particular, u e v são pontos de P(K \ {0}). Logo, os representantes u e v são elementos de K \ {0}. Como u v, o conjunto {u, v} é uma base de K. Portanto, K = K e, consequentemente, as retas r e r são iguais. Agora, introduziremos um novo conceito. Seja r a reta P(K \ {0}) H, dizemos que ω é um ponto ideal da reta r se ω P(K \ {0}) H. Proposição 16. Qualquer reta do plano hiperbólico possui exatamente dois pontos ideais. Demonstração. Consideremos a reta r que passa pelos pontos u e v, pertencentes a H, e u u tal que u, u = 1. Seja K = [u, v], tomemos p K T u H tal que o conjunto {u, p} é uma base ortonormal de K. Notemos que P(K \ {0}) H = {αu + βp; α, β R \ {0} e αu + βp, αu + βp = 0}. A condição αu + βp, αu + βp = 0 implica que β = α ou β = α; visto que α 0, essas duas possibilidades para o valor de β são distintas. Então, podemos reescrever P(K \ {0}) H = {u + p, u p}. Resta mostrarmos que esses dois elementos obtidos são diferentes. Sejam x, y R, obsevemos que a suposição de que x(u + p) + y(u p) = 0 implica que x = y = 0. Assim, o conjunto {u + p, u p} é l.i. e, consequentemente, u + p u p. Portanto, #P(K \ {0}) H =. Observação 5. Notemos que, dados os pontos u H e ω H, existe uma única reta que passa por u e tem ω como ponto ideal. Essa afirmação pode ser demonstrada de forma análoga à Proposição 15. Observemos que a interseção entre dois subespaços de dimensão em R 3 é um subespaço de dimensão 1, cuja projetivização é um único ponto. Por consequência, se r = P(K 1 \ {0}) H e s = P(K \ {0}) H são duas retas distintas do plano hiperbólico, então #(P(K 1 \ {0}) P(K \ {0})) = 1. Dado isso, classificaremos a posição relativa entre duas retas no plano hiperbólico. Definição 1. Sejam r = P(K 1 \ {0}) H e s = P(K \ {0}) H duas retas distintas do plano hiperbólico, dizemos que r e s são: (I) concorrentes se P(K 1 \ {0}) P(K \ {0}) H ; (II) assintóticas se P(K 1 \ {0}) P(K \ {0}) H ; (III) ultra-paralelas se P(K 1 \ {0}) P(K \ {0}) lh. 19

Observação 6. Notemos que as retas r e s não se interceptam se, e somente se, são assintóticas ou ultra-paralelas. Finalmente, provaremos que o postulado particular da Geometria Hiperbólica é valido no plano hiperbólico. Proposição 17. No plano hiperbólico, por um ponto fora de uma reta, existem pelo menos duas retas que não interceptam a reta dada. Demonstração. Considermos r uma reta e v um ponto, ambos pertencentes ao plano hiperbólico. Sejam ω 1 e ω os dois pontos ideais de r. Tracemos s, a reta que passa por v e tem ω 1 como ponto ideal, e t, a reta que passa por v e tem ω como ponto ideal. Desse modo, o par r e s e o par r e t são de retas assintóticas. Logo, encontramos duas retas que não interceptam r. Figura 6: Retas s e t, traçadas por v e assintóticas à r. Existem infinitas retas com essa propriedade. De fato, notemos que as retas s e t dividem o plano hiperbólico em quatro regiões, sendo que r está contida em uma delas. Todas as retas que estão contidas no par de regiões que interceptam-se unicamente em v, nenhuma das quais contendo r, também não interceptam r. 5 Considerações Finais Como pudemos perceber, o plano hiperbólico é um exemplo de espaço métrico onde os axiomas de Geometria Hiperbólica encontram validade. Consequentemente, esse espaço métrico herda os resultados dessa geometria enquanto fornece interpretações à mesma. Objetivando concluir apresentando uma possibilidade de aprofundamento sobre o assunto abordado, deixamos registrado que as construções feitas neste trabalho para modelos de Geometria Hiperbólica Plana podem ser adaptadas e, posteriormente, estendidas para a obtenção de modelos em dimensões superiores. 0

Referências [AB] ANDRADE, P.; BARROS, A. Introdução à Geometria Projetiva. Rio de Janeiro: SBM, 010. [B] BARBOSA, J. L. M. Geometria Hiperbólica. 1. ed. Goiânia: Editora da UFG, 00. [CL] COELHO, F. U.; LOURENÇO, M. L. Um Curso de Álgebra Linear.. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 013. [I] IVERSEN, B. Hyperbolic Geometry. London Mathematical Society Student Texts, 5. Cambridge: Cambridge University Press, 199. [L] LIMA, E. L. Espaços Métricos. 5. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 015. 1