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Transcrição:

Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 100-104. Mangione JA, et al. Valvoplastia mitral em grávidas. Rev Bras Cardiol Invas 2005; 13(2): 100-104. Valvoplastia Mitral em Grávidas Artigo de Revisão José Armando Mangione¹, Gustavo Ithamar Souto Maior¹ RESUMO A estenose valvar mitral reveste-se de peculiaridades quando acomete pacientes durante a gravidez em decorrência das alterações fisiológicas inerentes a este período. Estas mulheres podem apresentar instabilidade hemodinâmica na medida em que a sobrecarga volêmica passa a ser mal tolerada devido à obstrução valvar fixa. Nas situações em que o repouso físico, dieta e o tratamento clínico otimizado são insuficientes para o controle dos sintomas e desde que a anatomia do aparelho valvar mitral seja favorável, a valvoplastia mitral percutânea (VMP) tem um papel singular, com bons resultados imediatos e tardios e baixas taxas de complicações materno-fetais 1-3. DESCRITORES: Complicações cardiovasculares na gravidez. Valva mitral, anormalidades. Estenose da valva mitral. Dilatação com balão. Gravidez. SUMMARY Mitral Valvoplasty in Pregnant Women Mitral valve stenosis has reported peculiarities in patients during pregnancy due to the physiological changes associated to that period.those women may present haemodynamic instability since blood volume overload is poorly tolerated as a result of fixed valve obstruction. If physical limitation, diet, and optimized clinical treatment are ineffective for symptoms control, and provided mitral valve apparatus anatomy is favorable, percutaneous mitral valvuloplasty is of great value, with good immediate and long-term outcomes, as well as low rates of mother-fetus complication 1-3. DESCRIPTORS: Pregnancy complications, cardiovascular. Mitral valve, abnormalities. Mitral valve stenosis. Balloon dilatation. Pregnancy. Durante o ciclo gravídico-puerperal, encontramos alterações hormonais que, associadas ao aumento da volemia e ao aparecimento da fístula arteriovenosa placentária, fazem com que o sistema cardiovascular seja submetido a importante sobrecarga hemodinâmica aumento da freqüência e débito cardíaco, e taxa elevada de consumo de oxigênio 4. Estas alterações que se iniciam principalmente entre a 6ª e a 8ª semana de gravidez progridem gradativamente e atingem o seu ápice em torno da 30ª semana 5,6. A doença cardíaca é a responsável pela maior causa de morte materna não-obstétrica no mundo durante o ciclo gravídico-puerperal e acomete aproximadamente 5% das gestantes no Brasil 7, incidência esta oito vezes maior quando comparada aos dados internacionais. As cardiopatias na gravidez têm a febre reumática como etiologia preponderante 8-10, sendo a estenose mitral a lesão valvar mais comum neste grupo 4,10,11, respondendo por metade das valvopatias 12. ¹ Departamento de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, SP. Correspondência: José Armando Mangione. Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência. Rua Maestro Cardim, 769-1º SS Sl. 71 - Bl 1 - Tel.: (11) 3253-5022 (R. 1224-1859) - CEP 01323-900 - São Paulo, SP, Brasil. Home-page: www.bpmangione.com.br E-mail: uci@uol.com.br Recebido em: 29/01/2006 Aceito em: 03/02/2006 A maioria das pacientes com estenose mitral moderada a grave evolui com piora de uma a duas classes funcionais da New York Heart Association - NYHA, durante a gestação 4,13. O aumento da volemia que se inicia por volta da 6ª semana atinge valores significativos ao redor da 24ª semana e máximos na 32ª, de forma que neste período o sistema cardiovascular está submetido a um aumento de 50% no volume sanguíneo 4-16. A pressão coloidosmótica reduzida e as alterações hormonais, como aumento dos estrógenos, renina, angiotensina e aldosterona, são os responsáveis diretos por este incremento volêmico. Evidencia-se também uma anemia dilucional, apesar da elevação na taxa eritrocitária de até 30%. Como tentativa de se adaptar a esta situação hipervolêmica, ocorre um aumento da freqüência cardíaca e do volume sistólico. O trabalho de parto impõe uma sobrecarga adicional ao coração. Com as contrações uterinas ocorre um aumento abrupto na volemia sistêmica devido à significativa transferência sanguínea por parte dos vasos uterinos. A ansiedade e a dor também contribuem para a sobrecarga cardíaca na medida em que elevam o tônus adrenérgico. Em virtude destas alterações e frente a este estado hiperdinâmico, a estenose mitral com área valvar menor 100

que 1,5 cm², que geralmente é bem tolerada fora da gravidez, frequentemente descompensa. As pacientes em classe funcional III e IV apresentam, habitualmente, má evolução clínica e mesmo aquelas em classe funcional I e II podem evoluir de forma desfavorável por serem portadoras de uma valvopatia obstrutiva. A elevação das pressões no átrio esquerdo e no território pulmonar constitui o grande fator determinante da instabilidade hemodinâmica a que estas pacientes estão submetidas. Além das repercussões maternas, a estenose mitral está relacionada a um importante aumento da taxa de prematuridade, retardo do crescimento fetal e neonatos de baixo peso 13,17. Na tentativa de minimizar as repercussões clínicas e objetivando aliviar os sintomas, o tratamento medicamentoso com betabloqueadores e diuréticos, juntamente com o controle dietético e limitação da atividade física, devem ser inicialmente instituídos. É importante salientar que os diuréticos devem ser usados com cautela para se evitar uma redução expressiva do fluxo sanguíneo placentário. Nas pacientes que permanecem sintomáticas apesar do tratamento clínico otimizado, as estratégias invasivas mostram-se de grande valia, especialmente o tratamento percutâneo que não requer anestesia geral e apresenta bons resultados imediatos e tardios, com mínimas complicações materno-fetais 1,18-20. TRATAMENTO CIRÚRGICO O tratamento cirúrgico, tanto a "céu aberto" quanto a "céu fechado", apresenta limitações importantes devido à elevada mortalidade que varia de 1,8 a 33% para o feto 21-25 e de 6 a 9% para a mãe 26. A morbi-mortalidade materno-fetal eleva-se com o uso da circulação extracorpórea, seja através da plastia ou troca valvar, devido ao uso de altas doses de heparina, risco de hipotensão arterial sistêmica, diminuição da perfusão placentária e hipóxia fetal 23-25. TRATAMENTO PERCUTÂNEO A eficácia da valvoplastia mitral percutânea (VMP) no tratamento de gestantes portadoras de estenose mitral sintomática, com área menor ou igual a 1,5 cm 2 e anatomia valvar favorável pelo escore de Block 27-34 (menor ou igual a 8), está bem estabelecida. A VMP é útil e factível inclusive nas pacientes com escore acima de 8. Mesmo pequenos aumentos da área valvar proporcionam grandes benefícios. Do ponto de vista técnico, durante as últimas semanas da gravidez, o procedimento pode ser mais difícil em virtude do aumento do volume uterino. Desde 1984, quando a valvoplastia mitral com cateter-balão foi realizada por Inoue et al. 35 e Al Zaibag et al. 36 com o emprego da punção transeptal 37, vários trabalhos têm demonstrado bons resultados imediatos e tardios, com significativo aumento da área valvar e baixos índices de complicações. A técnica de Inoue, no tratamento das gestantes, é particularmente atraente quando comparada às demais (duplo balão e duplo balão modificada Multi- Track), já que é mais simples, necessitando de menor manipulação. A ausência de corda-guia no ventrículo esquerdo, o recuo do balão desde o ápice durante a insuflação e a sua posição mais estável através da valva mitral, reduzem claramente o risco de perfuração ventricular. O tempo mínimo de fluoroscopia proporcionado por esta técnica é de suma importância, tanto para o cardiologista intervencionista, quanto para o binômio materno-fetal. O uso da abordagem stepwise 38, com aumentos gradativos da pressão de insuflação do balão, reduz a incidência de regurgitação mitral e o risco de ruptura do balão com suas complicações associadas, como embolia 39,40. É recomendável que toda paciente gestante seja submetida a uma avaliação ginecológica e obstétrica previamente ao procedimento, com o intuito de se avaliar as condições clínicas da mãe e do feto. A realização do ecocardiograma transtorácico é obrigatória para assegurar a ausência de contra-indicações anatômicas ao procedimento. Se houver fibrilação atrial associada, é recomendável a realização do ecocardiograma transesofágico para se afastar a presença de trombos em átrio esquerdo 7. São contra-indicações para a realização da VMP: trombo em átrio esquerdo, regurgitação mitral maior que ++/4+, calcificação bicomissural ou maciça, doença valvar aórtica grave ou estenose tricúspide grave associada à regurgitação e a existência de doença coronariana grave concomitante com indicação cirúrgica. RESULTADOS IMEDIATOS E TARDIOS Souza et al. 41 compararam as complicações clínicas e obstétricas em 45 mulheres que foram tratadas com VMP ou com comissurotomia mitral a céu aberto. A dilatação percutânea teve uma taxa de sucesso de 95% quando avaliada pela fórmula de Gorlin e de 90,5% quando utilizado o método ecocardiográfico pressure half-time. Houve uma diminuição significativa no gradiente valvar mitral, na pressão atrial esquerda e na pressão média da artéria pulmonar. As pacientes submetidas ao tratamento percutâneo tiveram taxas menores de complicações com redução expressiva na mortalidade fetal e neonatal (p=0,025). 101

Mangione et al. 42 acompanharam 23 pacientes que foram submetidas à VMP por 5,33±3,12 anos. Durante o seguimento, 91% das pacientes permaneceram em classe funcional I e II da NYHA. Duas (9%) pacientes que evoluíram em classe funcional III da NYHA foram submetidas com sucesso a novo tratamento percutâneo. Nenhum procedimento cirúrgico foi necessário. Não houve eventos embólicos ou relato de óbito. A ecocardiografia revelou aumento importante da área valvar de 1,14±0,22 cm² para 2,01±0,21 cm² (p<0,0001) com significativa queda do gradiente transmitral de 17,73± 4,56 mmhg para 5,91±1,80 mmhg (p=0,0001), imediatamente após o procedimento. No seguimento clínico, o gradiente foi de 8,95±3,58 (p=0,002). Vinte e uma (96%) crianças,com idade de 4,91±2,8 anos, apresentaram desenvolvimento e crescimento normais, sem alterações clínicas. Sivadasanpillai et al. 43 acompanharam 36 pacientes (idade média 25,8±4,3 anos). Em 97,2% dos casos (35 pacientes), o procedimento foi realizado com sucesso, com mortalidade materna nula e importante alívio dos sintomas. Não houve intercorrências durante o parto. As crianças tiveram crescimento e desenvolvimento normais no seguimento de 2,8±3,3 anos. Nercolini et al. 44 realizaram 40 VMP em gestantes num período de 12 anos. As pacientes tinham idade média de 28±6 anos com idade gestacional média de 23±6 semanas. Constatou-se significativo aumento da área valvar de 1,17±0,26 para 2,06±0,41 cm² (p<0,0001) e queda do gradiente transmitral de 16,22±5,55 para 7,94±3,75 mmhg (p=0,0001). A taxa de sucesso do procedimento foi de 95% e não houve complicações maiores. Trinta e sete pacientes foram acompanhadas até o parto e trinta (81%) alcançaram o termo e todas tiveram bebês saudáveis. Sete (18,9%) pacientes entraram em trabalho de parto prematuramente, resultando em dois óbitos fetais. Houve um natimorto. Routray et al. 45, com casuística de 40 gestantes (idade 23,4±4,8 anos) que se submeteram a VMP com 24,2±4,6 semanas de gestação, encontraram aumento significativo da área mitral de 0,82±0,34 para 1,9 ± 0,4 cm² (p<0,001). Uma paciente apresentou tamponamento cardíaco. O tempo médio de fluoroscopia foi de 5,5±3,8 min. Não houve morte materna, aborto ou retardo do crescimento intra-uterino. Houve um natimorto. Todos os 39 recém-nascidos se apresentaram saudáveis ao nascimento. Uma criança morreu com sete meses devido à pneumonia. No seguimento de 36±15 meses, todos os 38 bebês se mantiveram com bom crescimento e se desenvolveram sem qualquer afecção tiroidiana ou malignidade. Finalmente, Ben Farhat et al. 19, após um seguimento de 28 meses, não observaram anormalidades clínicas nas 44 crianças cujas mães tinham sido submetidas à VMP. PROTEÇÃO RADIOLÓGICA MATERNO-FETAL O seguimento clínico das crianças das pacientes que se submeteram à VMP tem-se mostrado favorável, sem efeitos adversos decorrentes da radiação ou alterações do desenvolvimento pondero-estatural. Entretanto, recomenda-se evitar ao máximo o uso do raio-x, principalmente no primeiro trimestre do período gestacional, no qual ocorre a organogênese fetal. Após esta fase, os riscos são minimizados, no entanto, a exposição à radiação não está isenta de efeitos danosos. Existem relatos de retardo do crescimento intra-uterino, anormalidades do sistema nervoso central e incidência aumentada de neoplasias na infância, como a leucemia 46. A forma mais comum de proteção materno-fetal aos efeitos da radiação ionizante é a colocação de um avental de chumbo na mãe envolvendo as regiões dorso-lombar (desde o diafragma até a região inguinal) e pélvica (faces anterior e posterior). Drobinski et al. 47 relataram que esta medida reduz a radiação a que o feto é exposto para 1/100 da dose total usual permitida para uma paciente gestante. O procedimento deve ser realizado com o tempo mínimo de fluoroscopia e os feixes de raios-x devem ser colimados. O ecocardiograma transesofágico pode ser de grande valia como guia durante o procedimento percutâneo, que pode ser realizado na ausência ou com mínima quantidade de radiação ionizante. Seu uso deve ser encorajado preferencialmente nas equipes com grande experiência e, se possível, com a técnica de Inoue devido a sua maior facilidade e simplicidade. CONCLUSÃO Em síntese, a gestante portadora de estenose mitral apresenta uma série de modificações fisiopatológicas relacionadas ao ciclo gravídico-puerperal, que estreitam o seu limiar de estabilidade hemodinâmica devido à obstrução fixa valvar. Apesar de não alterar a evolução natural da doença reumática, a VMP é capaz de causar grande alívio nos sintomas. Estas pacientes se beneficiam com mínimos aumentos da área valvar e o acompanhamento a curto e longo prazo revela que o procedimento não determina alterações adversas nas crianças das pacientes que se submeteram a esta intervenção. Acreditamos que esta forma de tratamento se apresenta como a opção de escolha para as pacientes gestantes portadoras de estenose mitral, que não conseguem compensação com o tratamento clínico e que não apresentem contra-indicações anatômicas, mostrando-se segura e eficaz principalmente quando realizada com a técnica de Inoue e por equipes com grande experiência nesta área. 102

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