Insuficiência cardíaca: cenários da vida real Tatiana Guimarães Ana Rita G. Francisco
Caso Clínico História Clínica Identificação: J.M.S, 54 anos de idade História conhecida de: (1) Cardiopatia isquémica com função sistólica global conservada (2) Doença coronária de 1 vaso (DAp) - SCA com supra ST anterior com <2 horas; Janeiro 2015 - PTCA com stent revestido DAp em Janeiro 2015 (sob AAS) - ECO TT: hipocinesia anterior, FSG conservada (3) Hipertensão arterial medicada e não controlada - Lisinopril 20 mg id (4) Diabetes Mellitus tipo 2, não insulino-tratado - Metformina 850 mg 3 id (5) Doença pulmonar obstrutiva crónica de etiologia tabágica (50 UMA) - Broncodilatadores (6) Obesidade (IMC : 30 kg/m2)
Caso Clínico Doença actual Dezembro 2016 (SUC): Dispneia e cansaço para esforços progressivamente menores Acessos de tosse produtiva (sem aumento recente). Sem angor.
Caso Clínico Doença actual Exame objetivo à admissão: Cardiovascular: TA: 150/80 mmhg Ritmo irregular, +/- 120 bpm Sem sinais de má perfusão periférica; sem IVJ MI sem edema ou sinais de TVP Infeccioso: Apirético Sem evidência de foco ENS: GCS:15, sem sinais focais Respiratório: Satp O2: 90% com FiO2 35%, polipneico (FC: 22 cpm) AP: diminuição global do MV, discretos fervores crepitantes bibasais e sibilos dispersos em ambos htx Gastrointestinal: Abdómen livre
Caso Clínico Doença actual Exames complementares de diagnóstico ECG: FA, FC: +/-120 bpm, perturbação da condução intraventricular tipo BRD Rx de tórax: sem aumento do ICT, hiperinsuflação Laboratorialmente: GSA (AA): ph:7.40, pco2: 50, po2: 60, satpo2: 85%, HCO3: 28, lactatos: 20 mg/dl Hb: 15 g/dl, sem leucocitose ou neutrofilia, PCR: 5 mg/dl, função renal normal (C:0,8; U:60), sem alterações iónicas, 1º TropT: 40 ng/l, NT probnp: 500 pg/ml, D-dímeros negativos.
Diagnóstico diferencial de dispneia CARDÍACA PULMONAR MISTA OUTRAS? CARDÍACA E PULMONAR
Diagnóstico diferencial de dispneia CARDÍACA PULMONAR Insuficiência cardíaca sistólica ou diastólica Doença coronária /Síndrome coronária aguda Doença valvular Miocardiopatia Doença do pericárdio Arritmias DPOC Asma Doença pulmonar restritiva Pneumonia Pneumotórax
Diagnóstico diferencial de dispneia MISTA HTP TEP Derrame pleural Outras Alterações metabólicas Dor Trauma Doença neuromuscular Ansiedade Exposições ambientais
Caso Clínico Doença actual Jan 2017 (SUC): Dispneia e cansaço para esforços progressivamente menores. Acessos de tosse produtiva (sem aumento recente). Sem angor. Perfil B (quente e húmido) Dispneia desproporcional aos achados sugestivos de IC descompensada FA 1º diagnóstico Hipocoagulação com enoxaparina 1 mg/kg 12/12 h Furosemida 40 mg ev Broncodilatadores (salbutamol, brometo de ipratrópio e beclometasona) Melhoria franca da dispneia: eupneico com repouso, sem sibilos e com menor necessidade de O2 Conversão espontânea a RS
Diagnóstico diferencial de dispneia CARDÍACA PULMONAR Insuficiência cardíaca sistólica ou diastólica Doença coronária /Síndrome coronária aguda Doença valvular Miocardiopatia Doença do pericárdio Arritmias DPOC Asma Doença pulmonar restritiva Pneumonia Pneumotórax
Diagnóstico de IC em doentes com DPOC Clínica: DPOC e IC têm sintomas e sinais comuns (com fisiopatologia diferente) Dispneia de esforço, tosse nocturna, DPN são sintomas comuns a ambas as entidades Estigmas de IC direita podem estar presentes Hiperinsuflação pulmonar com deslocamento hepático pode simular hepatomegalia, impedir a palpação do ápex cardíaco e a auscultação de fervores crepitantes ou de S3
Diagnóstico de IC em doentes com DPOC Radiologia: Os achados radiológicos de IC são influenciados pela presença de DPOC A hiperinsuflação pulmonar pode diminuir o índice cardiotorácico Remodelagem vascular pulmonar e a hipertransparência dos pulmões pode mascarar a sombra de edema pulmonar Padrões radiológicos de edema pulmonar atípicos (assimétrico, regionais ou reticulares) são comuns Perda da vasculatura pulmonar enfisematosa causa distensão venosa dos lobos superiores, mimetizando IC
Diagnóstico de IC em doentes com DPOC Ecocardiograma: 10-50% dos doentes, de acordo com a gravidade da DPOC, têm má janela acústica Utilização de contraste para definição do bordo endocárdico? Dificuldade na estimativa e valorização da PSAP RMC: Independente da janela acústica do doente Quantificação precisa dos volumes, função, fluxos valvulares Identificação de fibrose miocárdica Hawkins NM, et al. EHJ (2009) 11, 130-139
Diagnóstico de IC em doentes com DPOC Péptidos Natriuréticos (BNP e NT-proBNP) Acuidade diagnóstica para exclusão de IC em doentes com DPOC é discutível1 DPOC é uma das causas de elevação de BNP Breathing Not Properly (BNP): 417 doentes com DPOC, com e sem IC: 587± 426 vs 109 ± 221 pg/ml (p<0.0001)2 Estudo californiano: 321 doentes com dispneia aguda, IC vs DPOC: 759 ± 798 vs 54 ±71 pg/ml (p<0.001)3 diagnóstico retrospectivo de IC BNP apenas 29% dos doentes tinham ECO TT IC direita por cor pulmonale provavelmente classificada com IC Poucos estudos avaliaram os valores de BNP especificamente nos doentes com DPOC Cor pulmonale está associado a valores intermédios de BNP 100-500 pg/ml; valores < 100 ou >500 têm, respectivamente, VPN e VPP para IC 1 1- Hawkins NM, et al. EHJ (2009) 11, 130-139 2- McCullough PA, et al. Acad Emerg Med 2003;10:198 204. 3- Morrison LK, et al. J Am Coll Cardiol 2002;39:202 209.
Diagnóstico de DPOC em doentes com IC PFR em doentes com IC: Alterações restritivas ( FEV1, CVF e DLCO) Obstrutivas (FEV1/CVF<70%) Espirometria: IC descompensada: obstrução (edema intersticial e alveolar) IC estável: restrição Com estímulo da diurese a FEV1 pode aumentar até 35%, ou até normalizar Realizar PFR no doente euvolémico
Continuum Cardio-Pulmonar
Impacto prognóstico IC - Prevalência:1-3% - Mortalidade 1 ano: 5-7% - Sobrevida após hosp: média 2 anos 10-40% DPOC - Prevalência GOLD II : 5 10% - Mortalidade 1 ano: 3% - Mortalidade após hosp: 25% 17-20,9% Presença de DPOC em doentes com IC associa-se a maior mortalidade (mesmo após ajuste β-bloq) Quando maior o grau de obstrução, pior a sobrevida Mortalidade DPOC e IC 2 x mais do que DPOC sem IC Hawkins NM, et al. EHJ (2013) 34, 2795 2803
Caso Clínico Doença actual DISPNEIA DE ETIOLOGIA MISTA Admitido no Serviço de Cardiologia IC descompensada em contexto de cardiopatia isquémica, FA com RVR e DPOC agudizada - Ecocardiograma TT: VE com ligeiro compromisso da FSG, hipocinesia anterior - Sem variação significativa da Hs-TropT - CPM sem evidência de isquemia - TT: bisoprolol 2.5 mg id, lisinopril 20 mg id, furosemida 40 mg id, enoxaparina 1 mg/kg 12/12h atorvastatina 40 mg id, broncodilatadores
IC e DPOC Desafios terapêuticos IC DPOC ß-bloqueantes ß2-agonistas IECAs Anticolinérgicos Inibidores aldosterona Corticoides Inibidores angiotensinaneprisilina Ivabradina
IC e DPOC Desafios terapêuticos IC DPOC ß-bloqueantes ß2-agonistas IECAs Anticolinérgicos Inibidores aldosterona Corticoides Inibidores angiotensinaneprisilina Ivabradina
IC e DPOC β-bloqueantes Desafios terapêuticos Insuficiência cardíaca Hipertensão arterial Enfarte agudo do miocárdio Tireotoxicose Disritmias Glaucoma Angina Enxaqueca... v DPOC?
IC e DPOC β-bloqueantes Desafios terapêuticos Receptores β1 +++ Receptores β2 + v Receptores β2 +++ v Mesmo os Beta-Bloqueantes cardioselectivos têm efeito anti β2! Bisoprolol β1 vs β2-selectividade de 19 vezes
IC e DPOC β-bloqueantes Efeitos Deletérios Desafios terapêuticos v Redução do FEV1 basal Diminuição da resposta aos β2-agonistas no tratamento agudo Diminuição da resposta aos β2-agonistas no tratamento crónico v Efeitos Benéficos Redução da libertação de catecolaminas endógenas na exacerbação Redução da estimulação cardíaca dos β2-agonistas Redução da inflamação sistémica Br J Clin Pharmacol 2014;77:190 200.
IC e DPOC β-bloqueantes Desafios terapêuticos Meta-análise da Cochrane Ensaio randomizado Duplamente-cego Ensaio randomizado, open label, triplo crossover Ensaio randomizado, open label 2005 2009 2010 2011 51 doentes (68,5% DPOC) 63 doentes com DPOC ligeira a moderada FEV1: Bisoprolol 2,0 L Metoprolol 1,94 L Carvedilol 1,85 L Aumento do FEV1 com o bisoprolol Sem aumento com o Carvedilol 27 doentes com DPOC moderada 20 estudos (185 doentes): a grave estudos pequenos, heterogéneos, seguimento curto Redução de 70 ml FEV1 bisoprolol vs aumento +120 com placebo β-bloqueantes seguros na DPOC Bisoprolol bem tolerado Cochrane Database Syst Rev. 2005 Oct 19;(4). Eur J Heart Fail 2009;11:684 690. J Am Coll Cardiol 2010;55:1780 1787. Respir Med 2011;105 (Suppl. 1):S44 S49.
IC e DPOC β-bloqueantes Desafios terapêuticos Redução de risco de mortalidade de 0,69 Nathaniel M. Hawkins et al. European Heart Journal (2013) 34, 2795 2803.
IC e DPOC β-bloqueantes Desafios terapêuticos Guidelines GOLD 2016 Usar β-bloqueantes cardioselectivos: bisoprolol e nebivolol Iniciar em baixa dose Wait and see B-bloqueante verdadeiramente cardioselectivo - Afinidade β1 vs β2-selectividade de 500 a 5000 vezes - Bisoprolol β1 vs β2-selectividade de 19 vezes Int Pat Appl Publ WO 2012104659. 2012.
IC e DPOC β2-agonistas Desafios terapêuticos Benefício β-bloqueantes cárdio-selectivos Eventual redução da mortalidade Associação adversa entre β2-agonistas e ICC: - Aumento da mortalidade - Aumento das hospitalizações Efeitos adversos: - Arritmias (taquiarritmias) - Hipocaliemia - Aumento do QT - Alteração da modulação do SNA
IC e DPOC β2-agonistas Desafios terapêuticos Aumento do risco relativo até 3,4 vezes Nathaniel M. Hawkins et al. European Heart Journal (2013) 34, 2795 2803.
Caso Clínico Doença actual Bloqueio auriculoventricular de 2º grau Mobitz tipo 2 Pacemaker DDD-R com algoritmo de monitorização respiratória e FA
SAOS e FA Associação de SAOS a um conjunto de co-morbilidades cardiovasculares, em particular a FA. Pacemakers de nova geração üalgoritmos de monitorização respiratória com base no sensor de ventilação-minuto que permitem o cálculo de índice de distúrbios respiratórios ü Algoritmos de detecção de FA Diagnóstico precoce de SAOS e FA - gravidade - monitorização do tratamento
Caso Clínico Doença atual Detecção de Índice de Distúrbios Respiratórios (IDR) elevado Polissonografia SAHOS
Caso Clínico Doença atual CIPAP nocturno com melhoria clínica e redução do IDR Sem recidiva de FA CPAP
Conclusões A associação entre IC e DPOC é um desafio diagnóstico: Ambas são doenças progressivas complicadas por exacerbações Doentes com DPOC podem ter disfunção VE e doentes com IC podem desenvolver DPOC Ambas são doenças sistémicas com processos fisiopatológicos que se podem sobrepor PFR devem ser realizadas em doentes euvolémicos A associação entre SAOS e FA é frequente Tratamento da SAOS reduz recidivas de FA Pacemakers de nova geração úteis no diagnóstico e na monitorização terapêutica
Obrigada!