Cálculo de forças eletromecânicas pelos métodos do trabalho virtual e tensor de Maxwell Antônio Flavio Licarião Nogueira Universidade do Estado de Santa Catarina antonioflavio@ieee.org 1. Introdução O cálculo de forças a partir da análise numérica de campos eletromagnéticos é considerado um dos problemas mais difíceis da computação eletromagnética. A literatura especializada reconhece a importância do assunto para a ciência e engenharia, e um número expressivo de pesquisas sobre a estimativa de forças tem sido publicado nos últimos anos. Entre os métodos mais populares para o cálculo de forças e torques estão o método do trabalho virtual e o método do tensor de Maxwell. Esses métodos podem ser aplicados nos cálculos de força ou torque de, praticamente, qualquer dispositivo [1]. Quando se avalia a força gerada por um dispositivo, o interesse pode ser em determinar a forma como essa força se distribui em uma dada superfície ou no cálculo da força resultante que age na interface ferro-ar. O presente guia de estudo trata do segundo caso.. Método do trabalho virtual O método é baseado na relação entre força e energia estabelecida pelo princípio de conservação de energia. A força que age na parte móvel de um dispositivo pode ser avaliada determinando a variação da co-energia magnética armazenada no dispositivo quando sua parte móvel é ligeiramente deslocada. Quando o dispositivo opera de forma que a saturação magnética não é atingida, o mesmo é dito magneticamente linear e, nesse caso, energia e co-energia magnética armazenadas são numericamente iguais. A presente discussão baseia-se em um caso muito simples onde somente são considerados movimentos em uma dimensão. No caso particular de um deslocamento na direção x, a força pode ser aproximada por ' 1 ' 1 W W F = (.1) x onde W 1 é a co-energia armazenada na posição 1 e W a co-energia armazenada na posição. As duas posições são separadas por uma distância x 1 conhecida como deslocamento posicional; F é a estimativa para a força na posição intermediária {(x 1 +x )/}. Quando são considerados os movimentos de rotação, como no caso de máquinas elétricas e acionadores rotativos, a equação correspondente para avaliar o torque é ( W ' W ' 1), T = (.) θ 1 onde W 1 e W representam as co-energias armazenadas em duas posições consecutivas, θ 1 é o deslocamento angular (θ 1 θ ) e T é a estimativa para o torque na posição intermediária {(θ 1 +θ )/}. A força e o torque também podem ser expressas por δ W ' F = (.3) δx e δw ' T =. (.4) δθ As expressões para a força e o torque apresentadas nas equações (.1)-(.4) são facilmente identificadas como aproximações para a derivada de uma função que representa a variação da co-energia magnética
armazenada em relação a um deslocamento. Se o dispositivo é magneticamente linear, as equações (.1) e (.), por exemplo, podem ser expressas em termos das energias magnéticas armazenadas W 1 e W correspondentes às posições 1 e, respectivamente. 3. Método do tensor de Maxwell O método foi desenvolvido por J.C. Maxwell e se tornou muito popular nos últimos anos, seguindo o avanço dos sistemas informáticos para o cálculo numérico de campos. O método é eficiente em termos computacionais, pois requer somente uma solução de campo para avaliar a força ou torque associado a uma determinada posição do corpo. Maxwell mostrou que para avaliar a força que age em uma ou mais partes móveis, basta desenhar uma superfície fechada que envolve essa parte e determinar a densidade do fluxo, em módulo e direção, em todos os pontos dessa superfície. A distribuição da força na superfície calculada a partir da distribuição dos campos B ou H -, passa então a ser expressa por sua densidade e a força resultante pode ser obtida por um processo de integração. Ao contrário dos métodos baseados no conceito de energia magnética armazenada, o princípio e o equacionamento do método não são afetados por fenômenos como saturação, histerese, correntes parasitas ou outras não linearidades ou perdas. Isso acontece porque para aplicar o método não é necessário conhecer a distribuição de campo por inteiro, em todas as partes do dispositivo, somente na superfície escolhida. O tamanho e a forma dessa superfície podem ser escolhidos de forma arbitrária, desde que a superfície envolva somente as partes de interesse e nada mais. Na prática, o que se deseja é calcular a força em uma parte que é móvel em relação ao restante do dispositivo. Portanto, essa parte deve ser envolvida por uma camada de ar, mesmo que muito pequena. Sendo assim, a superfície de integração deve ser definida nessa camada de ar onde a permeabilidade magnética relativa µ r é unitária em toda a superfície. O dispositivo escolhido para ilustrar a aplicação do método é um motor de corrente contínua com ímãs permanentes montados na laminação do rotor, como ilustrado na Fig. 1. Para avaliar o torque por esse método é necessário primeiramente definir um contorno de integração na camada de ar que envolve tanto a laminação do rotor quanto os ímãs. Figura 1: vista bidimensional de um motor Na ilustração da Fig. são mostrados dois contornos que podem ser utilizados para o cálculo do torque. Figura : contornos de integração Teoricamente, o valor do torque calculado utilizando o contorno circular da Fig. (a) ou o contorno irregular da Fig. (b) deve ser o mesmo. Na prática, surgem discrepâncias em maior ou menor grau - entre os valores do
torque calculados utilizando diferentes contornos porque os erros numéricos das distribuições dos campos B ou H em cada contorno são diferentes. 3.1. Formulação matemática Para se aplicar o método é necessário determinar a densidade da força (ou pressão magnética) em vários pontos de uma superfície que envolve a estrutura e, em seguida, somar essas pressões através de uma integral de superfície para calcular a força resultante. Quando um corpo rígido se encontra imerso em um campo magnético, a pressão magnética (no inglês, stress ) é transmitida através da camada de ar que envolve esse corpo. Da mesma forma que o elástico tracionado da Fig. 3 é o meio que transmite força entre os corpos 1 e, o campo magnético é um meio que transmite força entre corpos magnetizados na ausência de contato físico. móvel de interesse, a força total e o torque são dados por F = C v r r µ 0 r µ 0 ( H. n) H H n dc (3.3) e r r r T = F, (3.4) onde n é o vetor unitário normal ao contorno e r é uma função vetorial cuja origem coincide com o ponto em torno do qual o torque atua. 4. Problema de teste O problema de teste escolhido para ilustrar os cálculos de força por diferentes métodos consiste de um acionador magnético com núcleo em forma de C que atrai uma armadura móvel com geometria retangular. Na ilustração da Fig. 4 pode-se ver a seção transversal do acionador com as dimensões em milímetros []. Nesse acionador, núcleo e armadura possuem profundidades de 40 mm e as extremidades da bobina têm um formato semicircular. O material utilizado no núcleo e armadura é o aço 1010 e sua característica de magnetização é mostrada no Apêndice. A bobina possui 600 voltas e a corrente terminal é 5,0 A. Figura 3: transmissão de força através de um elástico O vetor densidade de força, f, pode ser descrito de várias maneiras, empregando o campo H ou o campo B. Em termos do campo H, as componentes normal e tangencial desse vetor são: f n ( H H ) 1 = µ 0 n t (3.1) f = µ H H. (3.) t 0 n t onde µ 0 é a permeabilidade do vácuo. Na análise em duas dimensões a superfície de integração se reduz a um simples contorno. Para uma dada distribuição do campo H e um contorno C envolvendo o corpo rígido ou parte Figura 4: seção transversal do acionador 5. Resultados numéricos 5.1. Cálculos analíticos O cálculo analítico é bastante simples e nos traz uma idéia da intensidade da força que se espera obter nos cálculos subsequentes, feitos a partir das soluções de campo. Além disso, o
cálculo manual ilustra quais dimensões do dispositivo são relevantes no cálculo de forças. Para se calcular o valor médio do campo magnético no entreferro, pode-se aplicar a lei circuital de Ampère e o contorno amperiano indicado na Fig. 5. Na ilustração, H n, H x e H a denotam a intensidade do campo no núcleo, entreferro e armadura, respectivamente. Figura 5: percurso de integração Aplicando-se a lei circuital de Ampère, tem-se H l n n + H x + H l + H x ni (5.1) x a a onde l n, x e l a representam o comprimento médio de circulação do campo no núcleo, entreferro e armadura. Supondo que a intensidade de campo H é desprezível no núcleo e armadura, x=5,0 mm e ni=3000 A- espiras, pode-se estimar o valor médio de H em cada um dos entreferros por ni H x = = 300kA/ m. (5.) x A ilustração da Fig. 6 mostra a face frontal do entreferro superior e uma linha pontilhada perpendicular a essa face. Admitindo que todo o fluxo magnético atravessa esse entreferro, o campo H é predominantemente horizontal e forma um ângulo nulo com o vetor unitário normal n. x Fig. 6: vista da face frontal do núcleo Para calcular a força, é importante observar que nesse pequeno entreferro a componente tangencial do campo H pode ser considerada nula. Ou seja, nessa região, tem-se H n =H x e H t =0. As componentes da densidade de força, calculadas pelas equações (3.1) e (3.), são 1 ( H ). f n = µ 0 x (5.3) f = 0 (5.4) t A seção transversal S x de cada entreferro é 10mmx40mm e a força em cada entreferro pode ser calculada através da componente normal da densidade de força. Nesse caso, tem-se F 1 x = ( H ) S,61. = µ 0 x x N (5.5) A força que atrai a face frontal do entreferro inferior tem o mesmo valor e a estimativa para a força total que atua sobre o núcleo é 45,4 newtons, direcionada para a direita. Pelo princípio da ação e reação, a força que atrai a armadura é, então, 45,4 newtons, direcionada para a esquerda. 5.. Modelo numérico Nas simulações numéricas foi utilizado o módulo magnetostático para análise de problemas com simetria translacional da suíte de programas de elementos finitos FEMM [3]. As principais informações sobre o modelo numérico aparecem na Quadro I.
Quadro I Informações sobre o modelo numérico Variável primária da Vetor potencial magnético análise numérica Malha 1695 elementos triangulares de 1ª ordem Condições de contorno Truncamento de fronteiras Fontes ±3000 ampere-espiras nas regiões da bobina Material magnético Aço 1010 5.3. Cálculos pelo trabalho virtual Uma sequência de soluções estáticas foi usada para simular o deslocamento da armadura móvel. Com um entreferro inicial de 4,0 mm de comprimento, foi empregado um deslocamento posicional δx=0,5 mm de forma que uma sequência de cinco soluções representa o comportamento do acionador quando o comprimento do entreferro varia entre 4,0 e 6,0 milímetros. quando a armadura está se afastando do núcleo. Indica, pois, que a força atrai a parte que está se movendo. Quando comparado ao valor calculado analiticamente de 45,5 newtons, observa-se que a estimativa da força pelo cálculo manual é subestimada, e o erro é de aproximadamente 17%. 5.4. Cálculos pelo tensor de Maxwell O traçado das linhas equipotenciais para a solução que representa o entreferro de 5,0 mm é mostrado na Fig. 7. Na ilustração, também aparece o contorno retangular que envolve a armadura e que foi usado para os cálculos de força pelo método do tensor de Maxwell. Os valores da co-energia magnética armazenada no sistema para cinco valores do comprimento do entreferro x são apresentados na Tabela I. Tabela I Variação da co-energia com o entreferro x (mm) 4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 W (J) 0,7556 0,7187 0,6886 0,6635 0,645 Para se obter uma estimativa para a força no ponto intermediário do intervalo [4,0 6,0], podese aplicar a seguinte fórmula para diferenciação numérica em pontos múltiplos [ 0,7556 8* 0,7187 + 8* 0,6635 0,645] F x = (5.6) 4 1*5x10 O cálculo leva a uma estimativa F x = 54,75 N e o sinal negativo indica que a força tende a reduzir com o aumento que ocorre na variável x Figura 7: equipotenciais e contorno de integração A integral da densidade de força ao longo do contorno retangular da Fig. 7 resultou em de 54,75 N na direção x, exatamente o mesmo valor produzido pelo método do trabalho virtual. A vista ampliada da região do entreferro que aparece na Fig. 8 é usada para ilustrar a importância dos campos dispersos na produção de força. Na ilustração, são indicados os valores em newtons das forças em alguns trechos do percurso de integração. Vale observar que, para essa condição de operação, a força produzida
pelo espraiamento que ocorre próximo às extremidades da armadura é de 5,0 N, ou seja, 9,5% da força total. Isso ajuda a explicar porque a estimativa da força pelo cálculo analítico é subestimada. Vale lembrar que aquele cálculo despreza por completo os campos dispersos. Figura 8: força produzida por campos dispersos Apêndice Característica de magnetização do aço 1010 Referências [1] A.F.L. Nogueira e D.C.B. Pereira Jr., in Anais do 7º Congresso Brasileiro de Eletromagnetismo, Belo Horizonte, 006. Disponível em http://www.joinville.udesc.br/portal/professores/noguei ra/materiais/momag.079.pdf [] Magnetostatics Case Studies (Infolytica Corporation, 009) Disponível em http://www.infolytica.com/en/markets/appspec/cstudie s/c-core%0actuator_dcs.pdf [3] D. Meeker, FEMM 4.0 Magnetics and Electrostatics Reference Manual, 008. Disponível em http://foster-miller.net/wiki/homepage