Câncer gástrico avançado: complicação pós operatória discussão de caso



Documentos relacionados
André Luís Montagnini Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo - HC/FMUSP

CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

Neoplasias Gástricas. Pedro Vale Bedê

O que é câncer de estômago?

ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA

SISTEMATIZAÇÃO DA ANÁLISE ANÁTOMO-PATOLÓGICA NO CÂNCER GÁSTRICO. Luíse Meurer

Qual é a função dos pulmões?

Tumor Desmoplásico de Pequenas Células Redondas: Relato de um caso.

da Junção Esofagogástrica


13. CONEX Pôster Resumo Expandido 1 O PROJETO DE EXTENSÃO CEDTEC COMO GERADOR DE FERRAMENTAS PARA A PESQUISA EM CÂNCER DE MAMA

Análise de fatores prognósticos no tratamento cirúrgico do câncer gástrico Analysis of prognostic factors in surgical treatment of gastric cancer

Câncer gástrico em idosos

RELATÓRIO PARA A. SOCIEDADE informações sobre recomendações de incorporação de medicamentos e outras tecnologias no SUS

Câncer de Próstata. Fernando Magioni Enfermeiro do Trabalho

Linfomas gastrointestinais

ANÁLISE COMPARATIVA DOS GRAUS HISTOLÓGICOS ENTRE TUMOR PRIMÁRIO E METÁSTASE AXILAR EM CASOS DE CÂNCER DE MAMA

MELANOMA EM CABEÇA E PESCOÇO

André Salazar e Marcelo Mamede CANCER PATIENTS: CORRELATION WITH PATHOLOGY. Instituto Mário Penna e HC-UFMG. Belo Horizonte-MG, Brasil.

Caso Clínico. Andrea Canelas

ADENOCARCINOMA DE SIGMOIDE AVANÇADO: RELATO DE CASO

CANCER DE MAMA FERNANDO CAMILO MAGIONI ENFERMEIRO DO TRABALHO

Para pacientes portadores de carcinoma de esôfago em boas condições clínica

Descobrindo o valor da

Dr. Felipe José Fernández Coimbra Depto. De Cirurgia Abdominal - Cirurgia Oncológica

Câncer de bexiga músculo-invasivo. Limírio Leal da Fonseca Filho

Gaudencio Barbosa R4 CCP HUWC Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

DIAGNÓSTICO MÉDICO DADOS EPIDEMIOLÓGICOS FATORES DE RISCO FATORES DE RISCO 01/05/2015

Câncer do pâncreas. Orlando Jorge Martins Torres Professor Livre-Docente UFMA

RESPOSTA RÁPIDA 87/2014 VITALUX na Degeneração Macular Relacionada com a Idade (DMRI) forma atrófica

TÍTULO: UTILIZAÇÃO DA MAMOGRAFIA PARA O DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE MAMA MASCULINO

PALAVRAS-CHAVE Sintoma. Neoplasias do Colo. Enfermagem. Introdução

EXAUSTIVIDADE DO ESTADIAMENTO CLÍNICO DO CÂNCER DE ESÔFAGO EM UM REGISTRO DE CÂNCER BASE POPULACIONAL

Tumor carcinoide de duodeno: um tumor raro em local incomum. Série de casos de uma única instituição

Controle loco-regional na doença metastática

Parecer do Grupo de Avaliação de Tecnologias em Saúde GATS 25/07

CÂnCER DE EnDOMéTRIO. Estados anovulatórios (ex: Síndrome dos ovários policísticos) Hiperadrenocortisolismo

Metástase Cutânea de Carcinoma de Células Claras Renais: Relato de Caso Aichinger, L.A. 1, Kool, R. 1, Mauro, F.H.O. 1, Preti, V.

Estudos de Coorte: Definição

HELMA PINCHEMEL COTRIM FACULDADE DE MEDICINA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Estamos prontos para guiar o tratamento com base no status do HPV?

Análise dos fatores prognósticos do câncer gástrico

CAPÍTULO 2 CÂNCER DE MAMA: AVALIAÇÃO INICIAL E ACOMPANHAMENTO. Ana Flavia Damasceno Luiz Gonzaga Porto. Introdução

II ENCONTRO DE UROLOGIA DO SUDESTE CÂNCER DE BEXIGA QUANDO INDICAR UMA TERAPIA MAIS AGRESSIVA NO T1 DE ALTO GRAU? CARLOS CORRADI

Atuação da Acupuntura na dor articular decorrente do uso do inibidor de aromatase como parte do tratamento do câncer de mama

Gaudencio Barbosa R3 CCP Hospital Universitário Walter Cantídio UFC Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

O que é câncer de mama?

PECOGI A.C.Camargo Cancer Center PROGRAMA 2014

Declaro não haver nenhum conflito de interesse.

S R E V R I V Ç I O D E E C IR I URGIA I A T O T RÁCIC I A

CARCINOMA MAMÁRIO COM METÁSTASE PULMONAR EM FELINO RELATO DE CASO

TEMA: Octreotida LAR no tratamento de tumor neuroendócrino

Módulo: Câncer de Rim Localizado

II Curso de Atualização em Coloproctologia

Tumor Estromal Gastrointestinal

Revisão da anatomia e definição dos volumes de tratamento: Câncer de estômago. Mariana Morsch Beier R2 Radioterapia - Hospital Santa Rita

Humberto Brito R3 CCP

8:00 Horas Sessão de Temas Livres concorrendo a Premiação. 8:30 8:45 INTERVALO VISITA AOS EXPOSITORES E PATROCINADORES.

Analisar a sobrevida em cinco anos de mulheres. que foram submetidas a tratamento cirúrgico, rgico, seguida de quimioterapia adjuvante.

TÍTULO: "SE TOCA MULHER" CONHECIMENTO DAS UNIVERSITÁRIAS SOBRE O CÂNCER DE MAMA

VaIN II II e III há indicação para tratamentos não- excisionais?

Avaliação da sobrevida dos pacientes com câncer colorretal tratado em hospital oncológico terciário

Manuseio do Nódulo Pulmonar Solitário

7ª Reunião Luso-Galaica de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo. Caso Clínico. Hospital de Braga

OUTUBRO. um mes PARA RELEMBRAR A IMPORTANCIA DA. prevencao. COMPARTILHE ESSA IDEIA.

Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família De Nova Olímpia - MT. Importância da Campanha de. Nova Olímpia MT.

LINFOMAS. Maria Otávia da Costa Negro Xavier. Maio -2013

CANCER DE COLO DE UTERO FERNANDO CAMILO MAGIONI ENFERMEIRO DO TRABALHO

ESTUDO DA PREVALÊNCIA DO CÂNCER BUCAL NO HC DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA, ATRAVÉS DO CID 10

A situação do câncer no Brasil 1

Rastreio Citológico: Periodicidade e População-alvo UNICAMP. Agosto Luiz Carlos Zeferino Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP

Câncer de Pulmão Estadiamento: o que mudou?

TUMORES GIGANTES DE OVÁRIO

Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

Cancro Gástrico. Prevenção, Diagnóstico e Tratamento. Cancro Digestivo. 30 de Setembro Organização. Sponsor. Apoio.

Benign lesion of the biliary ducts mimicking Kastskin tumor


TUMORES DE GLÂNDULAS SALIVARES

PROVA TEÓRICO-PRÁTICA

Journal Club 23/06/2010. Apresentador: João Paulo Lira Barros-E4 Orientador: Dr. Eduardo Secaf

Alessandro Bersch Osvaldt

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO DIRETORIA DE ENFERMAGEM SERVIÇO DE EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM

Câncer de Mama COMO SÃO AS MAMAS:

Diagnóstico do câncer de mama Resumo de diretriz NHG M07 (segunda revisão, novembro 2008)

CA de Pulmão com invasão de parede da aorta

Tratamento Cirúrgico do HCC

CÂNCER DE MAMA PREVENÇÃO TRATAMENTO - CURA Novas estratégias. Rossano Araújo

Estado atual do tratamento cirúrgico do adenocarcinoma gástrico avançado

CÂNCER DE MAMA. O controle das mamas de seis em seis meses, com exames clínicos, é também muito importante.

TUMORES DO PÉNIS: Cirurgia Minimamente Invasiva. Pedro Eufrásio. Serviço de Urologia Centro Hospitalar Tondela-Viseu

Lesões císticas do pâncreas: abordagem diagnóstica e terapêutica

Residente Anike Brilhante Serviço de Cirurgia Geral Hospital Federal Cardoso Fontes Chefe do Serviço: Antônio Marcílio

azul NOVEMBRO azul Saúde também é coisa de homem. Doenças Cardiovasculares (DCV)

como intervir Héber Salvador de Castro Ribeiro Departamento de Cirurgia Abdominal A.C. Camargo Cancer Center

Exame Físico. Linfonodos nega2vos

Câncer de Testículo Não Seminomatoso

Azul. Novembro. cosbem. Mergulhe nessa onda! A cor da coragem é azul. Mês de Conscientização, Preveção e Combate ao Câncer De Próstata.

COMPROMETIMENTO COM OS ANIMAIS, RESPEITO POR QUEM OS AMA.

Transcrição:

RELATO DE CASO Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo 2011;56(3):145-9. Câncer gástrico avançado: complicação pós operatória discussão de caso Advanced gastric cancer: discussion of a case of post operatory complication Fernando Henrique Garbelini Cóvos 1, Fádia Murad Falcão Ferreira 1, Paulo Fajolli Navarro 1, Patrícia Magalhães David 1, Wilson Rodrigues de Freitas Junior 2, Carlos Alberto Malheiros 3 Resumo O câncer gástrico é uma das formas mais comuns de câncer no mundo que apresenta alta taxa de mortalidade; em 95% dos casos o tipo histológico é o adenocarcinoma. A despeito da evolução dos quimioterápicos, o tratamento de escolha da neoplasia gástrica ainda é o tratamento cirúrgico, que pode cursar com complicações. Este é o relato de caso de MMSS, sexo feminino, 47 anos, atendida no Pronto Socorro Central da Santa Casa de São Paulo com história de três meses de dor epigástrica e vômitos. Ao exame físico se apresentava emagrecida e descorada, com massa palpável e móvel, em região epigástrica. A paciente foi submetida à endoscopia digestiva alta que evidenciou lesão gástrica sugestiva de neoplasia avançada tipo Borrmann IV, com a biópsia da lesão confirmando adenocarcinoma gástrico. O tratamento realizado foi a gastrectomia subtotal com linfadenectomia à D2, que cursou com complicações graves no pós operatório com necessidade de novas intervenções cirúrgicas com sutura da artéria hepática e damage control. A paciente apresentou piora do choque hipovolêmico e óbito. Com o objetivo de discutir as complicações do tratamento cirúrgico do câncer gástrico, descrevemos o presente caso. Descritores: Neoplasias gástricas/cirurgia, Adenocarcinoma, Excisão de linfonodo, Gastrectomia, Complicações pós-operatórias/mortalidade, Morbidade Abstract Gastric cancer is one of the most common forms of cancer worldwide, being the Adenocarcinoma responsible for 95% of all gastric cancers. This is the case-report of MMSS, female, 47 years old, admitted in the Emergency Room of Santa Casa de São Paulo with epigastric pain and vomiting, and with a palpable mass in epigastric region. The patient was submitted to an upper gastrointestinal endoscopy with biopsy that offered evidence of a Gastric Adenocarcinoma classified as Borrmann IV. The patient underwent a surgical intervention, being performed a Billroth II operation (partial gastrectomy with end-to-side gastroenteroanastomosis) with D2 lymphadenectomy. The patient evolved with hipovolemic shock due to a post surgical complication, being resubmitted to surgery, in which a hepatic artery suture was made. The patient evolved with aggravation of the hipovolemic shock and death. The goal of this report was to analyze the causes of the patient s death and contribute with the search of solutions to improve the morbidity and mortality rates, which still remain relatively high in the occidental health centers when compared to the results presented by the oriental health centers. Key-words: Stomach neoplasms/surgery, Adenocarcinoma, Lymph node excision, Gastrectomy, Postoperative complictions/mortality, Morbidity Introdução 1. Acadêmico do 5º ano do Curso de Graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo 2. Instrutor de Ensino da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo Departamento de Cirurgia 3. Professor Titular da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo - Departamento de Cirurgia Trabalho realizado: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Hospital Central Endereço para correspondência: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Fernando Henrique Gerbellini Cóvos. Rua Dr. Cesário Motta Jr. 112 - Vila Buarque - 01221-020 - São Paulo - SP Brasil. Endereço eletrônico: fcovos@yahoo.com.br Apesar dos primeiros relatos de câncer gástrico terem sido encontrados em papiros egípcios datados de 3000 A.C. (1),apenas entre 1760 e 1839 foi realizado em Verona, Itália, um grande estudo sobre a incidência e mortalidade do câncer gástrico (1). O câncer gástrico é uma das formas de câncer mais comuns no mundo e apresenta alta mortalidade, sendo a cada ano, relatados 870 mil novos casos e 650 mil mortes (1,2). Sua incidência varia geograficamente, predominando nos países asiáticos e países andinos. Além disso, alguns países da África subsaariana, Brasil e México também possuem incidências elevadas (Figura 1) (3). 145

O tipo mais comum de câncer gástrico é o adenocarcinoma, responsável por 95 % dos casos, acometendo mais o sexo masculino que o feminino (2:1) (4). No Brasil, encontra-se como a terceira maior incidência dentre as neoplasias no sexo masculino e a quinta no sexo feminino (4). O adenocarcinoma gástrico tem na ressecção gástrica total ou subtotal sua principal opção de tratamento para a maior parte dos casos, mesmo naqueles em que o câncer é localmente avançado. As cirurgias para os tumores avançados apresentam mortalidade de até 10,0 % dos casos (5). Paciente M.M.S.S., 47 anos, sexo feminino, natural e procedente de São Joaquim SC, ensino fundamental completo, diarista, deu entrada no Pronto Socorro da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, com história de dor epigástrica há três meses de início insidioso em queimação, de leve intensidade, com duração de dois dias de uma a duas vezes por semana, sem irradiação, acompanhada de náuseas e vômitos de conteúdo alimentar, melhora com analgésico e piora após refeições, com perda ponderal de 18kg em três meses, cerca de 27% do peso habitual (66kg), e alteração de hábito intestinal com diminuição do número de evacuações. Nega comorbidades ou febre. Refere dieta pobre em carnes e verduras. De antecedentes familiares refere pai com história de úlcera gástrica e avô materno falecido devido a câncer de estômago. Ao exame físico apresentava-se descorada, pesando 44kg, IMC 18,3, com presença de massa palpável em epigástrio sem limites preciso,s de superfície irregular e indolor. Os exames laboratorias apresentavam-se dentro dos limites da normalidade. A endoscopia digestiva alta revelou alteração em forma, volume, peristalse, elasticidade e distensibilidade, além de diminuição da luz, com grande ulceração com bordas infiltradas, endurecidas de centro friável e sangrante ao toque em antro gástrico, sugestivo de adenocarcinoma gástrico avançado tipo Bormann IV. Os achados endoscópicos foram confirmados pela biópsia da lesão, na qual se observava neoplasia invasora, moderadamente diferenciada, configurada pela proliferação em ninhos, cordões ou estruturas microglandulares, de células anáplasicas. Células neoplásicas exibindo citoplasma amplo, eosinofilico e contém núcleos pleomórficos em posição excêntrica no citoplasma, confirmando diagnóstico de adenocarcinoma gástrico pouco diferenciado com células em anel de sinete. A partir desses achados e após avaliação da paciente optou-se pela intervenção cirúrgica. Foi realizada uma gastrectomia subtotal com gastroenteroanastomose pré-cólica à Billroth II e linfadenectomia à D2 (figura 1), e optou-se por deixar um dreno túbulolaminar em epigastro. Relato de Caso Figura 1 - Peça cirúrgica mostrando ausência de pregas na mucosa e espessamento da parede A paciente evoluiu bem até o sétimo dia de pósoperatório quando evoluiu com instabilidade hemodinâmica e choque hipovolêmico, acompanhado de aumento do débito do dreno (figura 2) de aspecto sero-sanguinolento. No oitavo dia pós-operatório foi realizado laparotomia exploratória e sutura de artéria hepática comum. Um dia após a laparotomia houve um significativo aumento do débito do dreno, a paciente foi submetida a uma nova laparotomia exploratória com sutura de artéria hepática, ligadura de ramos da artéria gastroduodenal, sutura de lesões do intestino delgado e peritoneostomia com Vacuum Pack. Após treze horas do procedimento cirúrgico paciente faleceu. Figura 2 - Gráfico do débito do dreno a partir do primeiro dia de pós-operatório (27/ago) destaca-se a elevação do débito no sétimo e nono dia pós-operatório (4/set) Discussão O adenocarcinoma gástrico se divide no tipo intestinal, que é o mais freqüente, e no tipo difuso (6). 146

A evolução natural do tipo intestinal inicia-se com a gastrite crônica, progredindo para gastrite crônica atrófica, metaplasia intestinal, displasia e culminando em adenocarcinoma (6,7). Em contraste, o tipo difuso não demonstra relação clara com lesão precursora (8). Este tipo, o difuso, é altamente metastatizante e se caracteriza pela rápida progressão, além de um prognóstico reservado. Freqüentemente apresenta grande tendência a invadir a parede gástrica, em alguns casos infiltra uma vasta região resultando numa rigidez e no espessamento da parede gástrica, denominado linitis plástica (9). Histologicamente caracteriza-se pela invasão de tecidos adjacentes, pode apresentar produção intracelular abundante de mucina, o núcleo é deslocado para periferia do citoplasma, o que resulta em uma célula denominada anel de sinete, o que é um sinal de pior prognóstico (10). Os fatores ambientais são importantes na etiologia do câncer gástrico. Muitos estudos demonstraram a íntima relação entre o desenvolvimento do câncer gástrico e a alimentação (11). O principal fator de risco relacionado à dieta é a ingestão de alimentos ricos em nitritos (12,13,14). A dieta pobre em vegetais, frutas e vitamina A também está associada com aumento do risco de câncer gástrico (15). Muitos estudos ainda relacionam o tabagismo com o câncer gástrico, sendo que um estudo prospectivo europeu encontrou uma relação de 18% entre tabagismo e câncer gástrico (16). Em sua maioria, as neoplasias de estômago não apresentam sintomas quando em estágios precoces. Quando se tornam câncer avançado, passam a apresentar sintomas inespecíficos como perda de peso (62%) e dor abdominal (52%). Outros sintomas são náusea (34%), disfagia (26%), melena (20%) e empachamento (18%) (17). A presença de massa palpável em epigástrio é indicativa de doença avançada (18). Outro achado importante são os linfonodos palpáveis, que podem ser encontrados na região supraclavicular esquerdo (linfonodo de Virchow) (19), na região periumbilical (Sister Mary Joseph s node) e na região axilar esquerda (Irish node) (20). O diagnóstico é alcançado através de biópsia da lesão obtida através da endoscopia digestiva alta, e do exame citológico do escovado de mucosa. Uma biópsia isolada tem sensibilidade de 70%, esta aumenta para 98%, quando são realizadas sete biópsias (21). O estadiamento nos países ocidentais é realizado principalmente pelo sistema TNM, que foi desenvolvido pela AJCC em conjunto com a UICC. Este sistema leva em consideração a invasão tecidual do tumor, os nódulos acometidos e a presença ou não de metástases. Podendo classificá-los de I a IV, sendo que I, II e III são considerados regionais, e IV sistêmico (22). Nos estágios I, II e III, a cirurgia é indicada, pois o tumor pode ser ressecado. Sendo recomendado em alguns casos o uso da quimioterapia neoadjuvante (23). Nos tumores gástricos avançados, estágio IV, a ressecção do tumor e a linfadenectomia a D2 são as opções tidas como mais vantajosas, em alguns centros de referência, para se obter uma melhor qualidade de vida sem, contudo, alterar o tempo de sobrevivência ou o prognóstico. Porém, apesar dos avanços técnicos, a morbimortalidade das gastrectomias para câncer gástrico ainda é elevada, sendo que a extensão da linfadenectomia tem relação direta com as complicações (25). Os centros japoneses, chineses e sul coreanos apresentaram bons resultados, com baixa morbimortalidade (24,25,26) nas gastrectomias com linfadenectomias D2. Porém estes bons resultados não foram reproduzidos nos grandes centros do ocidente, que obtiveram taxas de mortalidade variando de 1,7% a 11,4% (25) para este mesmo procedimento. Comentários Finais A paciente foi submetida à Gastrectomia com reconstrução à Billroth II e linfadenectomia à D2, cirurgia que se revelou condizente com o que tem sido discutido na literatura. O tratamento recomendado para o adenocarcinoma gástrico é uma ressecção cirúrgica completa, com margens de segurança adequadas em conjunto com a ressecção total do epíplon e dos linfonodos regionais. A extensão ideal da linfadenectomia vem sendo discutida, desde que cirurgiões japoneses empregaram a linfadenectomia ampliada para o tratamento desta neoplasia com baixo índice de complicações e sobrevida aumentada, possivelmente, os bons resultados obtidos pelos centros orientais, são decorrentes do grande número de procedimentos realizados, do biótipo das populações e do estádio mais inicial da doença. Entretanto, os estudos japoneses são criticados por serem séries históricas, não randomizadas e retrospectivas. Na evolução da paciente deste relato, houve uma complicação pós-cirúrgica evidenciada pelo aumento considerável do débito do dreno com aspecto sanguinolento, provavelmente devido à lesão da artéria hepática comum, uma complicação decorrente do próprio dreno, ou da realização da linfadenectomia a D2, cuja principal complicação cirúrgica e uma das maiores causas de óbito nos pacientes a ele submetidos é a deiscência ou fístula nas linhas de sutura. A alta taxa de mortalidade associada à linfadenectomia apontada em alguns estudos fez com que ressecções mais limitadas sejam indicadas no mundo ocidental. Entretanto, na análise final do estudo de Hartgrink et al., os autores concluem que as vantagens da linfadenectomia D2 poderiam ser benéficas se a morbimortalidade operatória fosse diminuída (27). Vantagens teóricas da linfadenectomia D2 devem 147

ser lembradas, tais como margem mais ampliada de ressecção, estadiamento mais apurado e a eliminação de possível doença residual nos linfonodos com diminuição da recidiva loco regional (28). Como discutido na literatura os centros ocidentais ainda apresentam uma experiência menor na realização deste procedimento, o que se traduz em um maior índice de complicações e maior mortalidade, o que também pode ser justificado pelo estádio mais avançado em que são diagnosticados e abordados cirurgicamente os adenocarcinomas gástricos nestes centros quando comparados aos centros asiáticos, exigindo cirurgias mais amplas e arriscadas. Karpeh et al (29) definiram que 15 seria o número mínimo de linfonodos para estadiamento adequado. Já Siewert et al (30) recomendam a ressecção de 25 linfonodos e conclui em análise multivariada que o comprometimento linfonodal é o fator prognóstico independente mais importante para a sobrevida. A relação entre o número de linfonodos metastáticos e ressecados é importante e serve como fator prognóstico independente do tipo de linfadenectomia empregado auxiliando na escolha dos pacientes que possam ser beneficiados pelo tratamento adjuvante. Marrelli et al (31), analisando as dissecções linfonodais à D2, identificaram três situações em que o procedimento está associado a maior risco de complicações: pacientes com pior estado fisiológico, representado por uma classificação ASA mais elevada, necessidade de transfusões sanguíneas e níveis baixos de albumina. Na literatura nacional, Toneto aponta que a mortalidade operatória dos pacientes com adenocarcinoma gástrico estava diretamente relacionada às condições fisiológicas dos pacientes e ao estágio do tumor no momento do diagnóstico, independente da técnica cirúrgica empregada (32). É amplamente aceita a idéia de que em pacientes com tumores gástricos, em estádio I a III, pacientes mais jovens e em melhores condições pré-operatórias a linfadenectomia D2 é o método com melhor resultado prognóstico e com baixos índices de complicações pós-operatórias. Os resultados dos últimos estudos sugerem que, em centros especializados, a linfadenectomia D2 é um procedimento com nível de complicações aceitável e pode ser realizada sem aumento da mortalidade operatória. No caso descrito, a despeito da evolução desfavorável, a conduta foi adequada. Cabe ponderar os riscos e os benefícios da terapêutica proposta em qualquer doença de tratamento cirúrgico. Referências Bibliográficas 1. Ferlay J, Bray F, Parkin DM, Pisani P. eds. Globocan 2000: cancer incidence and mortality worldwide. Lyon, IARCPress; 2001. (IARC Cancer Bases No. 5). 2. Lau M, Le A, El-Serag HB. Noncardia gastric adenocarcinoma remains an important and deadly cancer in the United States: secular trends in incidence and survival. Am J Gastroenterol. 2006;101:2485-92. 3. Stewart B, Keihues P (Eds.). World Cancer Report. Lyon: International Agency for Research on Cancer Press; 2003. 4. Instituto Nacional de Câncer: Câncer gástrico. [on line]. [Acesso 5 out 2010]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br 5. Bonenkamp JJ, Songun L, Hermans J, Sasako M, Welvaart K, Plukker JTM, et al. Randomized comparison of morbidity after D1 and D2 dissection for gastric cancer in 996 Dutch patients. Lancet. 1995; 345:745-8. 6. Correa P. The gastric precancerous process. Cancer Surv. 1983; 2:437-50. 7. Correa P. A human model of gastric carcinogenesis. Cancer Res. 1988; 48:3554-60. 8. Lauren P. The two histological main types of gastric carcinoma: diffuse and so-called intestinal-type carcinoma. An attempt at a histo-clinical classification. Acta Pathol Microbiol Scand. 1965; 64:31-49. 9. Yashiro M, Chung YS, Nishimura S, Inoue T, Sowa M. Establishment of two new scirrhous gastric cancer cell lines: analysis of factors associated with disseminated metastasis. Br J Cancer. 1995; 72:1200-10. 10. Piessen G, Messager M, Leteurtre E, Jean-Pierre T, Mariette C. Signet ring cell histology is an independent predictor of poor prognosis in gastric adenocarcinoma regardless of tumoral clinical presenta tion. Ann Surg. 2009; 250:878-87. 11. Howson CP, Hiyama T, Wynder EL. The decline in gastric cancer: epidemiology of an unplanned triumph. Epidemiol Rev 1986; 8:1-27. 12. Druckrey H. Chemical carcinogenesis on N-nitroso derivatives. Gann Monogr. 1975; 17:107-12. 13. Jones SM, Davies PW, Savage A. Gastric-juice nitrite and gastric cancer. Lancet. 1978; 1:1355. 14. Stewart HL. Experimental alimentary tract cancer. Natl Cancer Inst Monogr. 1967; 25:199-217. 15. Kono S, Hirohata T. Nutrition and stomach cancer. Cancer Causes Control. 1996; 7:41-55. 16. Barstad B, Sorensen TI, Tjonneland A, Johansen D, Becker U, Andersen IB, et al. Intake of wine, beer and spirits and risk of gastric cancer. Eur J Cancer Prev. 2005;14:239-43. 17. Wanebo HJ, Kennedy BJ, Chmiel J, Steele G Jr, Winchester D, Osteen R. Cancer of the stomach. A patient care study by the American College of Surgeons. Ann Surg. 1993; 218:583-92. 18. Fuchs CS, Mayer RJ. Gastric carcinoma. N Engl J Med. 1995; 333:32. 19. Morgenstern L. The Virchow-Troisier node: A historical note. Am J Surg. 1979; 138:703. 20. Pieslor PC; Hefter LG. Umbilical metastasis from prostatic carcinoma-sister Joseph nodule. Urology. 1986; 27:558-9. 21. Graham DY, Schwartz JT, Cain GD, Gyorkey F. Prospective evaluation of biopsy number in the diagnosis of esophageal and gastric carcinoma. Gastroenterology. 1982; 82:228-31. 22. Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG. Greene FL, Trotti A. (Eds.). In: Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A. (Eds.). Stomach. AJCC(American Joint Committee on Cancer) Cancer Staging Manual. 7 th ed. New York, NY: Springer Verlag; 2010. p.117-26. 23. Rudiger Siewert J, Feith M, Werner M, Stein HJ. Adenocarcinoma of the esophagogastric junction: results of surgical therapy based on anatomical/topographic classification in 1,002 consecutive patients. Ann Surg. 2000; 232:353-61. 24. Maruyama K, Sasako M, Kinoshita T, Sano T, Katai H, Hada M, et al. Should systematic lymph node dissection be recommended for gastric cancer? Eur J Cancer. 1998; 34:1480-9. 148

25. Pinto CE, Sousa Filho O, Correa JHS, Landim FM, Kuroda BR. Estudo da morbimortalidade relacionado à gastrectomia D2. Rev Bras Cancerol. 2001; 47:397-401. 26. Tanizawa Y, Terashima M. Lymph node dissection in the resection of gastric cancer: review of existing evidence. Gastric Cancer. 2010;13:137-48. 27. Hartgrink HH, van de Velde CJ, Putter H, Bonenkamp JJ, Klein Kranenbarg E, Songun I, et al. Extended lymph node dissection for gastric cancer: who may benefit? Final results of the randomized Dutch gastric cancer group trial. J Clin Oncol. 2004; 22:2069-77. 28. Maehara Y, Hasuda S, Koga T, Tokunaga E, Kakeji Y, Sugimachi K. Postoperative outcome and sites of recurrence in patients following curative resection of gastric cancer. Br J Surg. 2000; 87:353-7. 29. Karpeh MS, Leon L, Klimstra D, Brennan MF. Lymph node staging in gastric cancer: is location more important than Number? An analysis of 1,038 patients. Ann Surg. 2000; 232:362-71. 30. Siewert JR, Böttcher K, Stein HJ, Roder JD. Relevant prognostic factors in gastric cancer: ten-year results of the German Gastric Cancer Study. Ann Surg. 1998; 228:449-61. 31. Marrelli D, Pedrazzani C, Neri A, Corso G, DeStefano A, Pinto E, et al. Complications after extended (D2) and superextended (D3) lymphadenectomy for gastric cancer: analysis of potential risk factors. Ann Surg Oncol. 2007 ;14:25-33. 32. Toneto MG, Moreira LF, Jeckel Neto E, Souza HP. Gastrectomia em pacientes idosos: análise dos fatores relacionados a complicações e mortalidade. Rev Col Bras Cir. 2004; 31:373-9. Trabalho recebido: 21/10/2010 Trabalho aprovado:18/07/2011 149