MODELOS DE CÂMBIO REAL PARA A ECONOMIA BRASILEIRA. Livio Ribeiro e Samuel Pessôa. Outubro de 2016

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NOTA TÉCNICA MODELOS DE CÂMBIO REAL PARA A ECONOMIA BRASILEIRA Livio Ribeiro e Samuel Pessôa Outubro de 2016

Modelos de câmbio real para a economia brasileira Livio Ribeiro * e Samuel Pessôa ** Sumário: Utilizando metodologias distintas para estimação da taxa de câmbio real de equilíbrio, encontramos evidências de que ela estaria atualmente sobrevalorizada (em meados de 2016). A estimativa de modelos da classe Behavioral Equilibrium Exchange Rate (BEER) sugere que o câmbio de equilíbrio hoje se situa no intervalo entre R$/US$ 3,50 e 3,80, ao passo que modelos da classe Fundamental Equilibrium Exchange Rate (FEER) indicam que o atual nível da taxa de câmbio (por volta de R$/US$ 3,20) seria compatível no longo prazo com crescimento da economia de 2% ao ano e déficit externo (nas transações correntes) de 2,5% do PIB. Como a literatura indica que que o câmbio real pode ficar sistematicamente abaixo ou acima do equilíbrio por inúmeros trimestres, e como as baixas perspectivas de crescimento doméstico não devem colocar pressão relevante nas contas externas, então nossas estimativas para os modelos BEER e FEER não sugerem que ocorrerão grandes forças para alteração do câmbio real vindas do funcionamento da economia real. * Pesquisador do IBRE/FGV e consultor da Ativa Investimentos. ** Pesquisador do IBRE/FGV e sócio da Consultoria de Investimentos Reliance. As opiniões emitidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seus autores e não exprimem, necessariamente, as da Fundação Getúlio Vargas.

Introdução Esta nota apresenta duas estratégias de modelagem de câmbio real de longo prazo, cujos resultados são apresentados nas seções a seguir. A primeira seção descreve o câmbio real estimado por modelos Behavioral Equilibrium Exchange Rate (BEER), ao passo que a segunda seção mostra os resultados estimados para modelos da classe Fundamental Equilibrium Exchange Rate (FEER). O primeiro modelo sugere que o câmbio de equilíbrio hoje se situa no intervalo entre R$/US$ 3,50 e 3,80. Já o segundo modelo sugere que a taxa de câmbio atual, por volta de R$/US$ 3,20, seria compatível no longo prazo com crescimento da economia de 2% ao ano e déficit externo (nas transações correntes) de 2,5% do PIB. Segue uma conclusão em que avaliamos o impacto desses resultados para nossa análise da evolução da taxa de câmbio. Em seguida à conclusão há um apêndice com detalhes das variáveis e do modelo BEER. Modelo BEER O BEER é um modelo que essencialmente estima uma equação de paridade. O objetivo é estabelecer, fazendo diversas correções para fatores que devem afetar a paridade, qual foi o câmbio que na média vigorou no período de estimação. O nome behavioral exchange rate ou câmbio comportamental sugere que o BEER é o câmbio dado pelo comportamento médio da série. Evidentemente diversos ajustes são necessários para que possamos comparar ao longo do tempo uma variável originalmente nominal. O primeiro passo é deflacionar a série com vistas à construção de uma medida de câmbio real. A forma de fazê-lo é deflacionar a moeda doméstica pelo índice de preço ao consumidor e a moeda externa por uma cesta de moedas. O peso da moeda de cada país será proporcional ao peso do país na corrente de comércio brasileira (a soma de exportações e importações de nossa economia). Sempre que possível, empregaremos séries que utilizam como deflator dos preços nos nossos parceiros comerciais o índice de preço ao produto. De posse da série de câmbio real observado, já corrigido pelo diferencial de inflação como explicado no parágrafo anterior, é necessário controlarmos para variáveis que alteram a paridade. Um conjunto mínimo de variáveis é: a produtividade das economias, os termos de troca e a posição internacional de investimento, também conhecido por passivo externo líquido. Em geral, ganhos de produtividade são mais concentrados no setor de bens comercializáveis, como os bens produzidos pela indústria de transformação, do que no setor de bens não comercializáveis, como é o caso dos serviços. Quando os ganhos de produtividade são concentrados no setor de bens comercializáveis, o preço dos bens comercializáveis relativamente aos serviços cai, acarretando, valorização do câmbio real, pois, por arbitragem, o preço doméstico dos bens comercializáveis tem que ser próximo do preço internacional dos mesmos bens. Assim, geralmente espera-se que o câmbio real se valorize após ganhos de produtividade na economia doméstica. No entanto, se os ganhos de produtividade forem concentrados no setor de serviços pode ocorrer o oposto o barateamento relativo dos bens não comercializáveis levaria a uma depreciação da taxa de câmbio real.

A interpretação das outras variáveis é mais simples. Ganhos de termos de troca valorizam o câmbio imediatamente. Finalmente, se o passivo do país com o resto do mundo aumentou o câmbio terá que ser mais desvalorizado de forma que a conta corrente se ajuste e o passivo seja servido. Alguns autores consideram ainda como variável de controle a razão interna entre o preço dos bens comercializáveis internacionalmente e dos bens não comercializáveis internacionalmente. Consideramos que esta variável é problemática pois em geral há causalidade bilateral entre câmbio real e o preço relativo interno (também chamado de câmbio interno), exigindo controles econométricos mais refinados para evitar problemas nas estimativas. Além das variáveis de longo prazo, muitos autores também empregam variáveis cíclicas em seus modelos. Estas variáveis se condensam em uma medida de diferencial real de juros, motivado por uma equação de paridade (Uncovered Interest Parity, a UIP). Quanto maior o diferencial de juros, mais valorizado deve ser o câmbio. Por fim, a equação de paridade pode ter controles adicionais, usualmente alguma medida de prêmio de risco. Em nosso modelo utilizamos duas métricas alternativas, o endividamento relativo (razão entre a dívida bruta brasileira e a de seus parceiros) e o risco-país absoluto (medido pelo CDS de 10 anos). Quanto maior o prêmio de risco, mais desvalorizada será a taxa de câmbio. O resultado de nossas estimativas para o BEER encontra-se na tabela abaixo. Detalhes da estimativa encontram-se no apêndice. TABELA 1: Desalinhamento cambial percentual entre o câmbio médio de agosto e o valor estimado pelo modelo BEER. Nas linhas inclusão de variáveis explicativas. Variáveis REER oficial (BCB) REER IBRE PTF 4.2% -7.7% PTF, TT -8.1% -17.9% PTF, TT, IIP -6.3% -15.4% PTF, TT, IIP, Juros -9.8% -18.4% PTF, TT, IIP, Juros, NCC -9.3% -18.8% PTF, TT, IIP, Juros, NCC, Dívida -12.0% -20.2% PTF, TT, IIP, Juros, NCC, CDS -8.7% -18.1% Modelos estimados por GMM, utilizando como instrumentos as defasagens das variáveis. Valores positivos indicam taxa de câmbio depreciada e valores negativos indicam taxa apreciada. Como vimos, há duas séries de câmbio real. A do IBRE considera um conjunto menor de parceiros do que a série do Banco Central do Brasil (BCB). No entanto, considera na ponderação a corrente de comércio, e não somente a participação nas exportações, como é o caso da série do BCB, além dos pesos serem atualizados mais frequentemente. As estimativas econométricas empregaram o método generalizados dos momentos (GMM) em função da endogeneidade: por exemplo, a razão de preços comercializados-não comercializados influencia a taxa de câmbio, mas este também influencia a razão de preços. Mais detalhes no apêndice. Considerando somente o diferencial de produtividade, a defasagem cambial não é tão expressiva. Segundo a estimativa com a série do BCB ainda há desvalorização do câmbio, em excesso ao valor dado pelo modelo, de 4,2%. Pela série do IBRE há uma valorização excessiva de 7,7%. No entanto, quando adicionamos controles a defasagem cambial sobe para pouco menos de 20% na série do IBRE e 10%

na série do BCB. Com a série do BC o câmbio de equilíbrio BEER encontra-se por volta de R$/US$ 3,50 e pela série do IBRE-FGV em torno de R$/US$ 3,80 (já fazendo a transformação para a taxa de câmbio nominal em relação ao dólar americano). Em conclusão, é difícil obter um valor exato, mas parece-nos que o BEER atualmente encontra-se no interior do intervalo R$/US$ 3,50-3,80. Modelo FEER Ao contrário dos modelos BEER, os modelos FEER determinam que a taxa de câmbio de equilíbrio é aquela que estabelece, de forma conjunta, o balanço macroeconômico nos mercados doméstico e externo. Na tradição de Williamson (1994), tal equilíbrio ocorreria se: 1. No mercado interno, os fatores de produção estão em pleno emprego e a economia funciona com baixo nível de inflação agregada; 2. No mercado externo, o balanço de pagamentos (ou o passivo externo líquido) é percebido como sustentável a médio prazo um critério mínimo seria um déficit em conta corrente totalmente financiável. Em termos práticos, os modelos FEER abstraem das oscilações cíclicas de curto prazo e avaliam a taxa de câmbio real de forma normativa, com equilíbrio dependendo de três fatores: (i) o médio prazo quando acontece a convergência; (ii) o nível de déficit em conta corrente financiável; e (iii) o crescimento interno a pleno emprego dos fatores produtivos. O nível de equilíbrio considerado é função direta desses insumos, não raro hipóteses (em particular os dois primeiros), e, ao contrário dos modelos BEER, não varia no tempo: uma vez definidas as três variáveis acima, a taxa de câmbio de equilíbrio nos modelos FEER será estática no médio prazo. Como em equilíbrio teremos um determinado nível de conta corrente (ou passivo externo líquido) totalmente financiável (por construção), a determinação do câmbio de equilíbrio estará diretamente ligada ao comportamento da balança comercial e da acumulação de ativos externos. Considerando de forma conjunta o balanço dos mercados externo e interno, a equação básica de teste terá a forma funcional geral: REER feer = f(cc ; Y ; I Y ), E Em que CC é o nível de conta corrente (ou de passivo externo líquido) de equilíbrio (como % do PIB) e Y I refere-se às taxas de crescimento potencial nos mercados interno (I) e E no mercado externo (E). Tipicamente a equação estimada faz com que todo o ajuste se dê pela balança comercial, desconsiderando efeitos patrimoniais nos ativos externos líquidos 1. Mais ainda, não há tratamento explícito da transição ao equilíbrio de médio prazo - não só a velocidade de convergência como a própria definição de médio prazo são pontos em aberto. Nosso exercício para a determinação da FEER está baseado em quatro hipóteses de trabalho. Definiremos que o médio prazo será o ano de 2019 todas as variáveis devem convergir aos seus 1 Driver e Westaway (2005) defendem que os modelos FEER colocam peso excessivo do ajustamento na balança comercial e, ao desconsiderarem efeitos patrimoniais dos ativos externos líquidos, acabam por estimar de maneira equivocada a taxa de equilíbrio: países com alta rentabilidade de ativos externos poderiam conviver com taxas de câmbio mais fortes para um dado nível de conta corrente de equilíbrio.

respectivos valores de equilíbrio até esta data. Em termos do mercado externo, a variável relevante será o comércio mundial (em volumes). Em equilíbrio, sua taxa de expansão anual deverá ser de 2,5% 2. Em termos do mercado doméstico, utilizaremos como variável relevante o IBC-BR, permitindo a estimação de modelos com dados mensais consistentes com uma determinada taxa de expansão do PIB potencial anual 3. Por fim, a convergência da conta corrente ao seu nível de equilíbrio ocorrerá através de uma modelo linear simples, a saber: CC t = α + CC t 1 + β 1 REER t feer + β 2 (Y I Y E ) t + ε, Em que é o termo autorregressivo, (Y I Y E ) é o diferencial de crescimento entre os mercados externo e interno e, em equilíbrio, CC t = CC t 1 = CC. As quatro hipóteses descritas acima permitem a construção de cenários alternativos para a taxa de câmbio de equilíbrio que combinam níveis para o crescimento potencial interno e para a conta corrente totalmente financiável no médio prazo. Os resultados desse exercício podem ser observados na tabela a seguir. Para facilitar a sua interpretação, a taxa de câmbio real efetiva foi transformada na taxa R$/US$ - variações no câmbio multilateral real serão equivalentes na taxa nominal bilateral. TABELA 2: Taxas de câmbio de equilíbrio para diferentes especificações de crescimento econômico e déficit externo Crescimento interno Conta corrente 0.50% 1.00% 1.50% 2.00% 2.50% 0.0% 3.68 3.79 3.93 4.08 4.24-0.5% 3.52 3.63 3.77 3.93 4.10-1.0% 3.36 3.49 3.61 3.74 3.92-1.5% 3.22 3.35 3.45 3.58 3.74-2.0% 3.06 3.19 3.29 3.42 3.59-2.5% 2.88 3.01 3.11 3.25 3.41-3.0% 2.71 2.85 2.94 3.06 3.23 Em conclusão, o exercício indica que, se a economia brasileira voltar a crescer 2,0% a.a. (taxa que muitos analistas consideram ser nosso potencial de crescimento), o déficit em conta corrente voltaria para casa de 2,5% do PIB com o atual nível da taxa de câmbio. Taxas mais baixas de crescimento interno, para o mesmo nível de déficit externo, implicariam taxas de câmbio mais apreciadas no médio prazo. De forma equivalente, a manutenção dos atuais níveis de déficit em conta corrente (entre 0,5% e 1,0% do PIB) exigiria taxas de câmbio mais depreciadas quando a economia voltar a crescer no médio prazo. 2 A convergência ao nível de equilíbrio de médio prazo se dará de forma linear. 3 A escolha por variáveis mensais permitiu o aumento da amostra dos modelos estimados, ao custo de alguma volatilidade nos dados. Ainda assim, consideramos que esta opção domina a escolha por variáveis trimestrais. Modelo alternativos foram estimados usando como variável doméstica a produção industrial, obtendo resultados menos precisos e com menor correlação com os movimentos do PIB potencial anual.

Conclusão Os resultados das estimativas do modelo BEER para o Brasil sustentam que o câmbio se encontra valorizado entre 10% e 20%. A literatura indica que o câmbio pode ficar sistematicamente abaixo ou acima do BEER por inúmeros trimestres. Leva de 2 a 4 anos o tempo de convergência entre o câmbio real observado e o BEER. Assim, a valorização observada de 10-20% não deve ser considerada como risco extremante elevado de uma possível desvalorização à frente. Por outro lado, nossas perspectivas de crescimento em 2016 crescimento de 0,6% para a economia brasileira indicam que, segundo nossas estimativas do modelo FEER, não haverá pressão sobre o câmbio à frente vinda da balança comercial: não haverá crescimento suficiente para promover piora muito apreciável das contas externas. Assim, os resultados dos modelos BEER e FEER indicam que não devemos esperar grandes forças para alteração do câmbio real vindas do funcionamento da economia real. Tudo dependerá, portanto, do comportamento da balança financeira e do equilíbrio no mercado futuro brasileiro de dívida.

Apêndice: Detalhes do modelo BEER Partindo do modelo básico, tomaremos a extensão proposta por Clark e MacDonald (1998) que incorpora uma métrica de risco ao diferencial de juros subjacente. Na especificação proposta por esses autores, tal medida seria a razão do endividamento bruto entre os países doméstico e estrangeiro quando maior a dívida relativa, mais depreciada seria a taxa de câmbio. Até este ponto, a especificação seria muito próxima àquela estimada por Paiva (2006), a saber: REER = α + β 1 TT + β 2 NCC + β 3 PII + β 4 (r r ) + β 5 div div + β 6PTF + ε, em que α é o intercepto (que ajusta o nível da taxa de câmbio real), TT são os termos de troca relativos entre a economia doméstica e a estrangeira, NCC são a relação não comercializáveis/comercializáveis relativa entre a economia doméstica e estrangeira, PII é a posição internacional de investimento da economia doméstica, (r r ) é o diferencial de juros reais entre a economia doméstica e a estrangeira e div div é a razão do endividamento bruto (público) entre a economia doméstica e a estrangeira 4 e PTF, produtividade total dos fatores, é uma medida de produtividade da economia. Propomos ir além, com algumas mudanças adicionais no modelo a ser estimado. Em primeiro lugar, damos destaque à variável dependente. Usualmente, utiliza-se somente a relação real entre a moeda doméstica e o dólar americano, de forma que os fundamentos relativos comparam a economia doméstica e os Estados Unidos. Vamos utilizar em nosso exercício séries multilaterais de câmbio, seja aquela construída pela Banco Central do Brasil ou aquela construída pelo IBRE-FGV. A diferença entre as séries (que, no nosso caso, emprega-se sempre como deflator de preço dos parceiros comerciais o índice de preços ao produtor e como deflator de preços domésticos o índice de preços ao consumidor) se dá no número de países utilizados (quinze na série do Banco Central e seis na série do IBRE/FGV), na estrutura de ponderação (peso das exportações na série do BC e peso na corrente de comércio na série do IBRE/FGV) e em sua atualização (a série do IBRE/FGV atualiza os pesos anualmente, ao passo que a série oficial tem, hoje, estrutura de ponderação travada no triênio 2009-2011) 5. Em segundo lugar, discutimos a ponderação das variáveis de controle. Ressaltamos que as variáveis relativas serão construídas, em todos os casos, comparando a posição do Brasil com a de seus seis maiores parceiros comerciais, respeitando a estrutura de ponderação e atualização dos pesos do IBRE/FGV. O ganho ao se ampliar essa cobertura para os quinze países da métrica oficial não supera o custo de compilação e tratamento dos dados. 4 Não utilizamos o endividamento total (público e privado) por restrição nos dados de nossos principais parceiros comerciais com destaque para os números de Argentina e China. 5 No caso do Banco Central do Brasil, a atual cesta de parceiros, com ponderações constantes a partir de 2012, é composta pelos seguintes países: (i) China: 24,6%; (ii) EUA: 15,5%; (iii) Argentina: 13,8%; (iv) Países Baixos: 8,2%; (v) Alemanha: 6%; (vi) Japão: 5,3%; (vii) Reino Unido: 3,5%; (viii) Itália: 3,2%; (ix) Chile: 3,2%; (x) Rússia: 2,9%; (xi) Espanha: 2,9%; (xii) Coréia do Sul: 2,8%; (xiii) França: 2,8%; (xiv) Bélgica: 2,7%; e (xv) México: 2,6%. Já no caso do IBRE/FGV, a ponderação mais recente (utilizada em 2016, sendo a média de 2013, 2014 e 2015) foi: (i) Zona do Euro: 32%; (ii) China: 28%; (iii) EUA: 22%; (iv) Argentina: 11%; (v) Japão: 5% e (vi) Reino Unido: 3%.

Em terceiro lugar, propomos algumas mudanças nas variáveis explicativas. Em termos da medida de risco, estimamos modelos com o CDS Brasil (em termos absolutos) 6 em substituição à razão do endividamento entre os países. No caso das variáveis que utilizam como input a inflação argentina, estimamos modelos alternativos que utilizam métricas não oficiais, evitando a conhecida subestimação dos indicadores inflacionários durante a gestão Kirchner. Por fim, consideramos a possibilidade de que movimentos relativos na produtividade total dos fatores levem a uma depreciação da taxa real de câmbio, seguindo Lee e Tang (2003). Esse efeito seria contrário à apreciação real esperada em um choque relativo da produtividade do trabalho, que afeta a relação não comercializáveis / comercializáveis no chamado efeito Balassa-Samuelson. Em resumo, nossa equação de teste terá a seguinte forma funcional geral: REER σ = α + β 1 TT + β 2 NCC + β 3 PII + β 4 (r r ) + β 5 + β 6 PTF + ε, em que a taxa de câmbio pode ser a oficial (σ=bcb) ou a calculada pelo IBRE/FGV (σ=fgv), TT, NCC, (r r ) e PTF são variáveis relativas (em que a economia estrangeira é a média ponderada dos principais parceiros comerciais) 7, e é uma variável de risco que pode medir tanto o endividamento bruto (relativo) como o CDS Brasil (absoluto). Usualmente, os modelos BEER são estimados através de modelos de cointegração ou seja, procurase uma combinação estável de longo prazo (estacionária) entre variáveis não estacionárias. Em termos práticos, após testes de raiz unitária que determinam a ordem de integração das variáveis (dependente e controles), a maioria dos autores emprega metodologias de cointegração prescritas por Johansen (1995). Reconhecendo a instabilidade dos resultados estimados por estas metodologias em amostras pequenas (utilizamos dados trimestrais de meados de 1998 a meados de 2016), optamos pela estimação em uma única equação da relação de longo prazo, na tradição do procedimento de Engle & Granger (1987), que nada mais é do que avaliar a cointegração entre as variáveis por teste de estacionariedade no resíduo (ε ) da regressão acima. Tal qual destacado em Banerjee et al (1993), em amostras pequenas é comum que os resíduos de uma regressão estática sejam mal-comportados, o que pode levar tanto ao reconhecimento de cointegrações espúrias como a ignorar relações de longo prazo entre as variáveis. Procurando evitar isto, os coeficientes de longo prazo foram estimados por meio de regressões dinâmicas. Dentre várias metodologias possíveis, optou-se pelo Dynamic Ordinary Least Squares (DOLS) de Stock & Watson (1993) 8, que nada mais é do que uma estimação, por OLS, de um modelo aumentado pela primeira diferença das variáveis não-estacionárias e de um dado número de lags e leads destas diferenças (denominado ordem). Se os resíduos dessa regressão forem estacionários, então a relação de cointegração entre as variáveis estará identificada. 6 Não utilizamos CDS relativo devido à inexistência ou valor insignificante desse métrica para alguns dos nossos principais parceiros. 7 Seguindo a ponderação do IBRE/FGV. 8 Mesmo na presença de variáveis não estacionárias, Stock (1987) demonstra que as estimações por OLS são superconsistentes. Em uma amostra pequena, porém, Saikonnen (1991) e Stock & Watson (1993) ressaltam que as estimativas podem sofrer problemas de autocorrelação nos resíduos, endogeneidade e simultaneidade. A solução de tais problemas em geral passa pelo uso de regressões dinâmicas, tal qual o DOLS, disciplinando os resíduos

Mesmo após essas mudanças, reconhecemos que as regressões estimadas podem sofrer com endogeneidade, derivada não só de eventuais variáveis omitidas como também da potencial simultaneidade entre a taxa de câmbio real, a taxa de juro real e relação non tradable/tradable. Procurando contornar estes potenciais problemas, também estimamos nossos modelos por métodos de variáveis instrumentais, em específico um Método Generalizado dos Momentos (GMM) que utilizou como instrumentos a primeira defasagem das variáveis consideradas. Essa técnica de estimação teve seus resultados divulgados neste trabalho, mas destacamos que, qualitativamente, os resultados da estimação por DOLS são equivalentes e, portanto, seria redundante demonstrá-los. Bibliografia WILLIAMSON, J. (1994), Estimates of FEER s. Institute for International Economics, em Estimating equilibrium exchange rates, Williamson, J. (ed). DRIVER, R. e WESTAWAY, P.F. (2005), Concepts of equilibrium exchange rates. Bank of England, Working Paper 248. CLARK, P., e MACDONALD, R. (1998), Exchange Rate and Economic Fundamentals: A Methodology Comparison of BEERs and FEERs. IMF Working Paper 98/67 PAIVA, C. (2006), External adjustment and equilibrium exchange rate in Brazil. IMF Working Paper 06/221. JOHANSEN, S. (1995), Identifying Restrictions of Linear Equations with Applications to Simultaneous Equations and Cointegration. Journal of Econometrics, v.69, p.111-132 ENGLE, R. e GRANGER, C.W.J. (1987), Co-Integration and Error Correction: Representation, Estimation and Testing. Econometrica, v.55, n.2, p.251-267 BANERJEE, A. et al (1993), Co-integration, Error Correction, and the Econometric Analysis of Non- Stationary Data. Oxford University Press. STOCK, J.H. e WATSON, M.W. (1993), A Simple Estimator of Cointegration Vectors in Higher Order Integrated Systems. Econometrica, v.61, p. 783-820 STOCK, J.H. (1987), Asymptotic Properties of Least Square Estimators of Cointegrating Vectors. Econometrica, v.55, n.5, p. 1035-1056 SAIKONNEN, P. (1991), Asymptotically Efficient Estimation of Cointegrated Regressions. Journal of Econometric Theory n.7, p.1-21. LEE, J. e TANG, MK. (2003), Does productivity growth lead to appreciation of the real exchange rate?. IMF Working Paper 03/154.