Artigo de Revisão. Aplicação da ultrassonografia no manejo clínico das massas anexiais durante a gestação

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Transcrição:

Artigo de Revisão Aplicação da ultrassonografia no manejo clínico das massas anexiais durante a gestação Use of ultrasound in clinical management of adnexal masses during pregnancy Fernanda S Pereira 1, Francisco Mauad Filho 1,2, Wellington P Martins 1, 2 As massas anexiais durante o período gestacional representam um evento pouco comum e, quando elas ocorrem, grande parte é de origem funcional, com resolução espontânea até a 16ª semana. A ultrassonografia é um método confiável para o diagnóstico, seguimento e decisão de conduta. De acordo com o aspecto da lesão ao exame incial, é possível adotar um protocolo de conduta conservador ou optar pela sua exérese. Os estudos demonstram que o índice de malignidade nessas massas é baixo e que a ultrassonografia é um método bastante sensível para sua detecção, porém com uma especificidade reduzida. Este trabalho tem como objetivo revisar as características das lesões anexiais, história natural e como a ultrassonografia atua em seu diagnóstico e conduta. Palavras-chave: Doenças dos anexos; Ultrassonografia; Gravidez. 1- Escola de Ultrassonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) 2- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) Recebido em 26/12/2010, aceito para publicação em 29/12/2010. Correspondências para Wellington P Martins. Departamento de Pesquisa da EURP - Rua Casemiro de Abreu, 660, Vila Seixas, Ribeirão Preto-SP. CEP 14020-060. E-mail: wpmartins@gmail.com Fone: (16) 3636-0311 Fax: (16) 3625-1555 Abstract The presence of adnexal masses during pregnancy is an unusual finding, and when they occur, the majority is considered functional and will disappear until the 16 th week of gestation. Ultrasonography is a reliable method for diagnosis, monitoring and clinical managment. According to its initial aspect, it is possible to adopt a protocol of conservative management or surgical removal. Studies show that the rate of malignancy among these masses is low and that ultrasound is a very sensitive method for detection, although it shows a reduced specificity. This paper aims to review the characteristics of adnexal lesions, its natural history and the role of ultrasonography in the diagnosis and management. Keywords: Adnexal diseases; Ultrasonography; Pregnancy.

175 Introdução O achado de massas anexiais durante a gestação tem se tornado cada vez mais frequente em nosso meio devido ao aumento de exames ultrassonográficos realizados durante o pré-natal 1. Há alguns anos, as massas anexiais identificadas durante a gestação eram achados resultantes de sintomas clínicos ou através do exame físico, sendo, portanto, grandes e sujeitas a complicações como torção, ruptura e, até mesmo, com risco maior de malignidade 2. De uma maneira geral, estima-se que em 2% a 10% das gestações sejam encontradas algum tipo de massa anexial 1. Dessa forma, é fundamental que o clínico esteja familiarizado com a história natural e características ultrassonográficas das lesões mais comuns, como os cistos simples, cistos hemorrágicos, endometriomas, teratomas císticos maduros, cistos resultantes da hiperestimulação ovariana, luteomas e cistos teca-luteínicos 2. Com base nestes aspectos, é possível uma estratificação de risco das massas anexiais de modo a identificar critérios sugestivos de malignidade e adotar protocolos de conduta com maior segurança e menos intervenção 3. Segundo verificado em um estudo retrospectivo envolvendo 9375 casos de massas anexiais na gestação, apenas 87 casos (0,93%) eram malignos e 115 casos (1,25%) eram tumores borderline, gerando uma incidência de 1 caso de neoplasia ovariana para 4 23.800 partos. Outro aspecto importante evidenciado neste estudo é a baixa taxa de mortalidade materna (4,7%), fato este justificado pelo grau de estadiamento inicial do tumor, conferindo uma maior sobrevida e refletindo um diagnóstico incidental, já que a população estudada era jovem e assintomática. O objetivo da avaliação ultrassonográfica é justamente identificar as pacientes que serão conduzidas de forma conservadora e aquelas que necessitarão de outros exames complementares ou que serão abordadas cirurgicamente Incidência A incidência das massas anexiais na gestação é progressivamente crescente pelo fato de mais gestantes terem acesso ao exame ultrassonográfico de primeiro trimestre e pelo aprimoramento das máquinas 5. Além disso, a elevação do número de mulheres submetidas a tratamentos para infertilidade com indutores de ovulação contribui de forma significativa para este aumento na incidência 1. Segundo a literatura, a maior incidência das massas anexiais ocorre no primeiro trimestre e há um decréscimo significativo com o avanço da gestação, 2. sugerindo fortemente a resolução espontânea da maioria delas 1. Em 1999, Bernhard e colaboradores revisaram 18.391 ultrassonografias obstétricas e identificaram 432 (2,3%) massas anexiais, cujo seguimento foi possível em 422 casos. Destas, 320 massas (76%) eram cistos simples menores que 5 cm e 102 massas (24%) eram cistos maiores que 5 cm ou massas complexas 6. Já Condous e colaboradores, em um estudo prospectivo com 3000 grávidas com idade gestacional inferior a 14 semanas, evidenciou a presença de cistos ovarianos em 182 pacientes (6,2%) e resolução espontânea em 71% dos casos 7. Em 2008, Glanc e colaboradores, confirmam a alta taxa de resolução dos cistos simples identificados no primeiro trimestre de gestação. Segundo o estudo realizado, a incidência é de 5% com idade gestacional inferior a 10 semanas e diminui para 1,5% entre 12-14 semanas 2. De uma forma geral, a maioria dos estudos revela uma incidência de massas anexiais no primeiro trimestre oscilando entre 1% a 6% com tendência a diminuição após 14 semanas de idade gestacional 1. O elevado percentual de resolução reflete a natureza fisiológica dessas massas, sendo compatível com a história natural das lesões funcionais 5. Baseada nesta proporção de massas anexiais na gestação precoce foi aventada a possibilidade de instituir a avaliação ultrassonográfica de rotina dos ovários entre 11 e 14 semanas. Neste sentido, foi realizado um estudo prospectivo com 2935 grávidas nesta idade gestacional, sendo encontrados 728 cistos anexiais (24,8%), dos quais 55% eram menores que 5 cm e 45% eram maiores que 5 cm ou complexos, requerendo seguimento. Durante o acompanhamento, houve resolução espontânea de 84,8% e apenas 4,5% dos cistos identificados foram retirados cirurgicamente, sendo 100% deles benignos ao estudo histopatológico. Dessa forma, a taxa de intervenção foi de 1,1 /100 gestantes rastreadas ou 4,5/100 cistos detectados no rastreio ultrassonográfico. Logo, a conclusão deste estudo foi de que o rastreio rotineiro de cistos anexiais na gestação inicial não é justificável 8. Etiologia das massas anexiais e características ultrassonográficas A etiologia das massas anexiais na gestação está intimamente relacionada à sua fisiopatologia, permitindo classificá-las em massas funcionais, não funcionais, específicas da gestação e para ovarianas. As massas anexiais mais prevalentes nos exames ultrassonográficos iniciais são as lesões funcionais, representadas pelos cistos foliculares, cistos simples e corpo lúteo 2.

176 O exame inicial é capaz de identificar ambos os ovários em 95% das gestantes e na maioria deles é possível identificar cistos entre 1 e 3 cm, que na maioria das vezes representam um corpo lúteo que terá resolução espontânea por volta da 16ª semana 9. O corpo lúteo possui características ultrassonográficas variadas, podendo se apresentar tanto como um cisto simples quanto por um cisto complexo com debris e paredes finas. Tipicamente (Figura 1), o corpo lúteo é circundado por um halo de vascularização ao Doppler, com fluxo de baixa resistência 10. Os cistos hemorrágicos agudos são ecogênicos e sem vascularização ao Doppler (Figura 2), porém requerem diagnóstico diferencial com as neoplasias ovarianas 11. Figura 1. Imagem em Doppler colorido do ovário direito mostrando a aparência clássica de anel de fogo do corpo lúteo. Adaptado de Glanc et al, 2008 2. Figura 2. Características ultrassonográficas dos cistos hemorrágicos. A; Padrão reticular com linhas finas misturadas com componentes ecogênicos, característico de hemorragia aguda. B; Coágulo retraído com margem externa côncava (linha pontilhada) e angulada. C; Padrão reticular presente dentro do coágulo retraído com margem angular rodeado por ecos fracos. Adaptado de Glanc et al, 2008 2. Os cistos foliculares e os simples são uniloculares, anecóicos e com paredes finas, diferindo apenas no tamanho 1. Condous e colaboradores, em seu estudo sobre a história natural das massas anexiais na gestação inicial, identificaram que apenas 1,2% das massas simples e complexas com tamanho inferior a 2,5 cm persistirão além da 16ª semana, reforçando a etiologia funcional destas lesões 7. Em relação às massas anexiais não funcionais, destacam-se os endometriomas e as neoplasias ovarianas benignas e malignas 2. Bromley e Bernacerraf, em seu artigo sobre acurácia diagnóstica da ultrassonografia nas massas anexiais na gestação, sugerem que os teratomas císticos maduros podem ser identificados com precisão de até 95% e os endometriomas em até 80% 3. Os endometriomas (Figura 3) podem apresentar ecotextura tanto cística quanto sólida. No entanto, a característica mais marcante, em cerca de 95% deles, é a presença de ecos difusos homogêneos em seu interior 2. No entanto, ocasionalmente, durante gestação pode ocorrer a sua decidualização e o mesmo desenvolver características sugestivas de malignidade, como projeções papilares, debris ecogênicos e aumento da vascularização 1. As neoplasias representam a principal etiologia das massas anexiais retiradas cirurgicamente. Destas, 6% são neoplasias malignas e 94% são patologias benignas. Entre as massas benignas, a mais prevalente é o teratoma maduro, seguido pelo cistoadenoma 6.

177 O teratoma cístico maduro (cisto dermóide) possui características sonográficas mais específicas, como um nódulo hiperecogênico com sombra acústica posterior, presença de componente ecogênico na lesão, causando sombra na parede posterior da lesão e múltiplas linhas longas que representam cabelo flutuando e conteúdo sebáceo 2. Segundo Patel e colaboradores, a presença de 2 características ou mais garante valor preditivo positivo de 100% no diagnóstico dos teratomas maduros 12. Figura 3. Características ultrassonográficas dos endometriomas. A; Lesão multinocular com ecos homogêneos e de baixo grau. B; Ecos homogêneos de baixo grau com foco pontual hiperecóico em sua parede (seta). Adaptado de Glanc et al, 2008 2. Os cistoadenomas representam 40% a 50% das neoplasias ovarianas benignas 2. Apresentam-se como grandes lesões císticas, uniloculares, podendo apresentar septações finas e até projeções papilares 1. Seu principal diagnóstico diferencial são os cistos simples funcionais, diferindo pelo tamanho e maior chance de persistência durante a gestação 2. Por esta razão, deve-se considerar a hipótese de cistoadenoma nos casos de cistos simples mantidos durante a gestação e, por isto, estes merecem ser acompanhados pela possibilidade de crescimento e surgimento de estruturas complexas em seu interior 3. O tipo mucinoso tende a apresentar maior número de septos e conteúdo interno com diferentes ecogenicidades quando comparado ao tipo seroso 2. Em relação às neoplasias malignas, as de origem epitelial são os tumores invasivos mais comuns da gestação, seguidos pelos tumores germinativos 2. Em seu estudo retrospectivo com 9375 casos de massas anexiais na gestação, Leiserowitz et al encontraram uma prevalência de malignidade de 2,15%, sendo que apenas 0,93% eram de fato câncer, já que o restante foi confirmado como tumor borderline 4. Já Whitecar et al apontaram uma taxa de malignidade de 2,8% entre todas as massas removidas cirurgicamente 13. Entre as neoplasias epiteliais, as mais comuns são cistoadenocarcinoma seroso e mucinoso. Estes tumores apresentam-se como massas císticas multiloculares com paredes irregulares, septos finos, projeções papilares (> 3 mm) e vascularização 2 aumentada. O disgerminoma representa uma neoplasia maligna derivada das células germinativas com incidência aumentada na gestação quando comparado às mulheres não grávidas. Caracteriza-se pela resposta satisfatória a quimioterapia e radioterapia. Ao exame ultrassonográfico, mostra-se como uma massa sólida que pode conter áreas anecóicas decorrentes de hemorragia interna ou 2 necrose. As massas anexiais específicas da gestação são mais comumente representadas pelos cistos tecaluteínicos, luteomas e hiperestimulação 2 ovariana. Os cistos tecaluteínicos derivam de estados com elevados níveis séricos de gonadotrofina coriônica humana, como a gestação múltica, doença trofoblástica gestacional e hipertireoidismo 1. Apresentam-se como massas multicísticas, com paredes finas e conteúdo anecóico com tamanhos variados, estando sujeitas a hemorragia interna, torção e ruptura 2. O luteoma é uma rara afecção benigna com remissão espontânea. Ocorre substituição do

178 parênquima ovariano por células estromais luteinizadas que podem se tornar ativas e secretar andrógenos. A aparência sonográfica é de uma massa sólida complexa, predominantemente hipoecóica, podendo ser hipervascularizada 2. Devido a estas características, o luteoma é um diagnóstico diferencial das massas malignas 1. A hiperestimulação ovariana é uma resposta fisiológica a elevados níveis de gonadotrofina coriônica humana em pacientes que realizaram indução da ovulação e caracteriza-se por aumento bilateral dos ovários com elevada vascularização estromal e múltiplos cistos periféricos de tamanhos variados 2. A síndrome de hiperestimulação ovariana ocorre quando este quadro está associado a retenção hídrica 1. Devido ao tamanho volumoso dos ovários, é possível ocorrer torção e trombose da veia ovariana; no entanto, em geral essas massas têm resolução espontânea durante a gestação ou no puerpério 2. As lesões para-ovarianas mais comuns são os cistos de origem mesotelial ou paramesonéfrica e seus principais diagnósticos diferenciais são as hidrossalpinges. Avaliação diagnóstica pela ultrassonografia Mediante ao achado de uma massa anexial na gestação através da ultrassonografia o principal objetivo é caracterizar esta lesão e procurar sinais sonográficos sugestivos de malignidade 1. As características mais comuns nas massas anexiais de curso benigno são tamanho pequeno e ausência de estruturas complexas, como nódulos ou septações 5. Cistos simples menores que 6 cm possuem um risco inferior a 1% de malignidade e a resolução espontânea é habitual para estas estruturas 6. No entanto, alguns aspectos estão associados com um risco aumentado de malignidade. Segundo Schwartz et al, essas características são tamanho superior a 7 cm, componente sólido na lesão, papilas ou excrecências, septos internos, bilateralidade, bordas irregulares, vascularização aumentada e de 1 baixa resistência, além de ascite. O fato é que não existe uma carcterística única que possa ser considerada como patognomônica de malignidade e, por isso, muitas massas ovarianas benignas são consideradas suspeitas por apresentarem uma destas características 1. Na tentativa de reduzir os falso positivos, Ameye e colaboradores elaboraram um escore ultrassonográfico para diferenciar as massas benignas e malignas; no entanto, em seu estudo não foi evidenciada diferença estatisticamente significativa entre o sistema de escore e a avaliação por um ultrassonografista experiente 14. O incremento da avaliação Doppler nas massas anexiais melhora a acurácia do método, uma vez que a presença de fluxo aumentado com índice de pulsatilidade diminuido está associada a um alto risco de malignidade 15. Além disso, a identificação de vascularização central em uma massa com componente sólido ou papila também é um forte preditor de malignidade 16. De uma forma geral, as características sonográficas possuem um forte valor preditivo negativo, mas frequentemente um mediano valor preditivo positivo; especialmente quando a população alvo é composta 1 por gestantes com baixa prevalência de doenças. A acurácia diagnóstica da ultrassonografia em identificar malignidade nas lesões anexiais durante a gestação foi avaliada por Bromley e Bernacerraf em uma série de casos incluindo 131 massas anexiais com tamanho superior a 4 cm e idade gestacional superior a 12 semanas. Em 89,3 % das massas foram encontradas características típicas de benignidade e em 10,7% foram identificados aspectos sugestivos de malignidade. Entre essas massas com suspeita de malignidade, em apenas uma delas foi confirmado o câncer de ovário, expondo a elevada taxa de falso positivo do método. Por outro lado, a ultrassonografia acertou no diagnóstico de 95% dos tumores dermóides, 80% dos endometriomas e em 71% dos cistos simples 3. Seguimento e conduta das massas anexiais com base nas características ultrassonográficas A frequência de exames para seguimento das massas anexiais está intimamente relacionada ao grau de suspeição de malignidade 1. Como regra geral, os melhores preditores para persistência de uma lesão anexial na gestação são o tamanho e a complexidade 6. Dessa forma, cistos simples pequenos evidenciados no primeiro trimestre dispensam avaliações posteriores 1, pois a grande maioria dos cistos menores que 5 cm é funcional e terá resolução espontânea 6. Em mulheres assintomáticas com cisto maior que 5 cm, massa com características indeterminandas ou suspeitas que persistam além da 16ª semana devem ser reavaliadas com ultrassonografia periodicamente 6. É necessário documentar crescimento e surgimento de novas características suspeitas pelo risco de complicações e maliginidade 5. Entre as complicações, o risco de torção estimado na gestação varia de 0% a 7% 17. Este risco existe pelo fato de as massas anexiais aumentarem a chance de torção ovariana em seu pedículo e também pelo deslocamento cranial sofrido pelos ovários devido ao crescimento uterino 1. Logo, em massas anexiais

179 persistente com tamanho superior a 5 cm é importante atentar para esta potencial complicação e orientar as pacientes quanto aos sinais e sintomas associados a este evento 17. O seguimento das massas persistentes após a 16ª semana que diminuiem de tamanho deve ser finalizado. Os cistos simples mantidos podem ser acompanhados apenas, sem interveção. As massas complexas persistentes com suspeita de endometriomas atípicos ou tumores dermóides devem ser melhor caracterizados ; seja por meio de ressonância magnética ou avaliação intra ou pós parto. Já as massas persistentes indeterminandas ou suspeitas de malignidade merecem uma avaliação multidisciplinar de modo a intervir no momento ideal e determinar investigações adicionais 2. O melhor momento para abordagem cirúrgica é o período entre 16 e 23 semanas e nas massas suspeitas é mandatório avaliação histopatológica intra-operatória para prosseguir a cirurgia de acordo com o estadiamento 18. O manejo conservador das massas anexiais assintomáticas maiores que 5 cm sem suspeita de malignidade é sustentado por diversos estudos 1. Schmeler e colaboradores revisaram os 59 casos de massas anexiais maiores que 5 cm na gestação ocorridos em sua instituição. A cirurgia foi reservada para os casos de suspeita de torção e características sonográficas sugestivas de malignidade. Todos os demais casos foram conduzidos de forma conservadora e a massa foi removida na cesareana ou no pós parto. Entre os 59 casos, apenas 17 pacientes foram submetidas a excisão cirúrgica. Dessas 17 lesões, 13 eram suspeitas e ocorreu 4 casos de torção. Entre as 13 massas com carcterísticas suspeitas, apenas 4 massas eram de fato câncer e 1 lesão foi diagnosticada como borderline. Todos os 5 casos de malignidade eram estádio I e as 42 pacientes remanescentes conduzidas de forma expectante não apresentaram nenhum tipo de complicação 17. Em outro estudo prospectivo realizado por Zanetta e colaboradores, 79 grávidas com massas anexiais foram conduzidas de forma conservadora. Houve resolução espontânea ou redução importante do seu tamanho em 42 pacientes. Entre as 31 pacientes com massa anexial persistente após a gestação, 19 delas foram submetidas a cirurgia e em 3 pacientes foi 19 diagnosticado tumor ovariano borderline estágio IA. Visando estudar as principais indicações de cirugia nas massas anexiais, Ribic-Pucelj e colaboradoes revisaram 51 casos de pacientes submetidas a cirurgia. Em relação às indicações, a principal (72,6%) é referente ao tamanho e/ou aspecto sonográfico, seguida pela dor aguda ( 27,4%). Entre as lesões excisadas, 86,4% delas eram benignas e 13,6% eram malignas e não houve complicações perinatais nas gestantes. Dessa forma, a conclusão do estudo é de que a cirurgia é uma opção válida para as massas persistentes, em especial para as complexas com aspecto sonográfico suspeito, pelo risco de torção, ruptura e malignidade 20. Considerações Finais Apesar de a incidência de massas anexiais na gestação ser baixa, ela tem sido progressivamente crescente em função de um maior uso da ultrassonografia durante a gestação, especialmente no primeiro trimestre. A ultrassonografia permite estratificar de forma confiável as lesões com aspecto sugestivo de benignidade e malignidade, de modo a oferecer ao clínico a opção de manejo conservador na maioria das massas ou intervencionista nos casos de suspeita de malignidade ou torção. Como grande parte das lesões é funcional, haverá regressão espontânea até a 16ª semana na maioria dos casos. As lesões maiores que 5 cm, persistentes ou com características indeterminadas merecem maior atenção e devem ser reavaliadas no decorrer da gestação de modo a optar por uma conduta intervencionista nos casos selecionados. Já as massas com aspecto suspeito a ultrassonografia devem ser retiradas cirurgicamente para confirmação diagnóstica, estadiamento e tratamento adjuvante adequado, se necessário. Dessa forma, a ultrassonografia é uma ferramenta que realiza o diagnóstico das massas anexiais, classifica e infere sobre a conduta de forma confiável e satisfatória. Referências 1. Schwartz N, Timor-Tritsch IE, Wang E. Adnexal masses in pregnancy. Clin Obstet Gynecol 2009; 52(4): 570-585. 2. Glanc P, Salem S, Farine D. Adnexal masses in the pregnant patient: a diagnostic and management challenge. Ultrasound Q 2008; 24(4): 225-240. 3. Bromley B, Benacerraf B. Adnexal masses during pregnancy: accuracy of sonographic diagnosis and outcome. 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