INTERAÇÃO ENTRE A COMPOSIÇÃO LIPÍDICA DE PEIXE E A MARGARINA INTERESTERIFICADA DURANTE O PROCESSO DE REFOGAR G. M. Lira 1 ; S.R. Baggio 2 ; B.M. de Brito 3 ; I.L. Amaral 4 ; C.M.A.S. Santana 4 ; 1- Laboratório de Bromatologia Universidade Federal de Alagoas, Faculdade de Nutrição CEP: 57072-900 Maceió AL Brasil, Telefone: 55 (82) 3214-1160 Fax: 55 (82) 3214-1161 e-mail: (gmlira@superig.com.br) 2- Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos Instituto de Tecnologia de Alimentos CEP 13070-178 Campinas SP Brasil, Telefone: 55 (82) 3743-1783 e-mail: (sueli@ital.sp.gov.br) 3- Mestrado em Nutrição - Faculdade de Nutrição, UFAL 4- Bolsistas de Iniciação Científica, FAPEAL, CNPq - Faculdade de Nutrição, UFAL RESUMO Com o objetivo de avaliar a influência do tratamento térmico na composição química de peixe refogado com margarina interesterificada determinaram-se na pescada branca (Cynoscion leiarchus), nas formas in natura e refogada com margarina interesterificada o seu perfil de ácidos graxos e teor de colesterol, pois essas informações são inexistentes na literatura científica. Os resultados obtidos detectaram alterações significativas neste perfil de ácidos graxos, após a cocção da pescada devido à incorporação da margarina interesterificada utilizada no meio de cocção e baixos teores de colesterol. ABSTRACT In order to obtain information concerning the effect of heat treatment about the chemical composition of fish braised with interesterified margarine, it was determined in hake (Cynoscion leiarchus), in natura and submitted to the cooking process with interesterified margarine, the fatty acids profile and cholesterol content, considering the lack of information in the scientific literature. The results obtained showed significant changes in this fatty acids profile, after this cooking method of hake due the incorporation of interesterified margarine utilized in the means of cooking and low cholesterol values. PALAVRAS-CHAVE: Cocção, interesterificação, ácidos graxos poli-insaturados, colesterol. KEYWORDS: cooking, interesterified fat, polyunsaturated fatty acids, cholesterol 1. INTRODUÇÃO A pescada branca (Cynoscion leiarchus) gera importante receita no estado de Alagoas, sendo o refogado uma de suas formas de preparo, um processo que utiliza a gordura adicionada e a água interna do alimento como meio de cozimento. Diversos estudos tem relatado a importância dos lipídios presentes nos peixes, por serem fonte de ácidos graxos poli-insaturados da série ômega-3, como o EPA e DHA, que tem sido relacionados à minimização de processos inflamatórios (BARBALHO et al., 2011), redução do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (SANTOS; BORTOLOZO, 2008), asma, hipertensão, lúpus, doenças de pele e oculares, depressão (GUINÉ; HENRIQUES, 2011) e Alzheimer (DOMÍNGUEZ, 2008). As características físicas e a composição química dos alimentos in natura podem ser alteradas de acordo com o método de cocção, o tempo e a temperatura empregados no processo e o meio de cocção utilizado (ROSA et al, 2006;
RAATZ et al., 2013). Por serem inexistentes, são necessárias pesquisas sobre o método de cocção refogar utilizando a margarina interesterificada. Uma alternativa para as gorduras hidrogenadas, porém existe a preocupação em relação ao aumento no consumo de ácidos graxos saturados. Este estudo teve como objetivo avaliar as modificações do perfil de ácidos graxos em pescada (Cynoscion leiarchus) refogada com margarina interesterificada. 2. MATERIAL E MÉTODOS Analisaram-se 10 amostras de pescada branca (Cynoscion leiarchus), procedentes da costa marítima de Maceió-Alagoas, cada amostra constituída de 500g e dividida em duas partes de 250g: uma analisada in natura e a outra refogada em 12,5g de margarina interesterificada, por 14 minutos a 81,5ºC. Também foi analisada a margarina interesterificada. A extração lipídica foi realizada pelo método de Folch et al. (1957). Posteriormente, foram tomados 25 mg de lipídeos e efetuada uma metilação dos ácidos graxos, segundo Hartman e Lago (1973), visando à determinação da composição dos ácidos graxos por cromatografia gasosa. Para a identificação dos ácidos graxos, foram utilizados padrões de ésteres metílicos de ácidos graxos puros, comparando-se o tempo de retenção dos ésteres metílicos das amostras e dos padrões. Os extratos lipídicos esterificados foram injetados em Cromatógrafo gasoso da marca Agilent Technologies, modelo 7890A com coluna de modelo CP-Sil 88, 100 m, 0,25 mm d.i., 0,20 µm de filme. Forno com temperatura de 140ºC/2 min aquecimento de 140 o C a 230 ºC (4,5ºC/min), permanecendo a 230 0 C por 28 minutos. Injetor tipo Split, razão do split: 1:75, temperatura: 260 ºC, fluxo: 0,6 ml/min e pressão constante. Detector com temperatura de 260 ºC, Make up (Nitrogênio): 30 ml/min, hidrogênio: 30 ml/min e ar sintético: 300 ml/min. Análises Estatísticas - Análise de variância com a significância sendo avaliada por intermédio do teste F, considerando-se o nível de significância 5%, programa SAEG Sistema para Análises Estatísticas, versão 9.1 (2007). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram separados, identificados e quantificados trinta e um ácidos graxos, dos quais onze são saturados, sete são monoinsaturados, dez poli-insaturados e três na configuração trans. O perfil de ácidos graxos predominantes encontrados nas amostras de pescada branca na forma in natura e refogada com margarina interesterificada, está exposto na Tabela 1. Após refogada, houve modificações no perfil de ácidos graxos da pescada em relação as amostras in natura. Estas alterações devem-se a concentração dos ácidos graxos, após a redução do teor de umidade da pescada, decorrente do processo de cocção e também devido a incorporação de ácidos graxos presentes em elevadas concentrações na margarina interesterificada, cujos ácidos graxos de maior predominância, foram: Linoleico 33381,5 mg/100g; Oleico 18302,62 mg/100g; Palmítico 10051,96 mg/100g; Esteárico 7050,88 mg/100g; Linolênico 2789,34 mg/100g e Láurico 2702,17 mg/100g (Tabela 2). Nas amostras de pescada branca refogadas, os ácidos graxos saturados mais predominantes (Palmítico, Esteárico e Láurico) apresentaram elevação significativa (p<0,05), cerca de 2, 4 e 16 vezes, respectivamente, em relação às amostras in natura. Os ácidos graxos poli-insaturados predominantes Linoleico e Linolênico tiveram um aumento de 100 vezes e 11 vezes, respectivamente, em relação a pescada in natura. Essas elevações são devido a incorporação do meio de cocção.
Tabela 1 Ácidos graxos predominantes (mg 100 g-1) da pescada branca in natura e refogada em margarina interesterificada ÁCIDOS GRAXOS In natura Margarina interesterificada SATURADOS Láurico (C12:0) 9,56 ±7,92a 156,74 ±21,61b Mirístico (C14:0) 44,44 ±11,23b 105,09 ±5,58a Palmítico (C16:0) 457,98 ±57,9a 987,39 ±86,1b Esteárico (C18:0) 120,82 ±12,03a 469,43 ±45,2b MONOINSATURADOS Palmitoléico (C16:1n-7) 202,88 ±24,89a 262,26 ±8,2a Oleico (C18:1n-9) 316,97 ±32,38a 1274,44 ±80,09b POLI-INSATURADOS Linoleico (C18:2n-6) 16,57 ±2,9a 1707,4 ±110,81b Linolênico(C18:3n-3) 15,67 ±3,66a 169,99 ±12,86b Araquidônico (C20:4n-6) 56,16 ±8,1a 71,51 ±4,94a Eicosapentaenóico (EPA) (C20:5n-3) 61,36 ±10,28a 78,25 ±12,67ab Docosapentaenóico (C22:5n- 3) 43,36 ±12,47a 55,93 ±5,09a Docosahexaenóico (DHA) (C22:6n3) 152,56 ±33,72a 155,66 ±12,61a TRANS Elaídico (C18:1n-9t) 4,61 ±1,55a 4,69 ±0,83a Linolelaídico (C18:2n-6t) 3,94 ±0,76a 19,15 ±0,65b Linolenelaidico (C18:3n-3t) 18,26 ±6,26a 43,33 ±2,73b Relação n-6/n-3 1:3,43ª 3,87:1b Média de 10 amostras analisadas em duplicata. Na mesma linha, médias seguidas da mesma letra não diferem entre si pelo teste F ao nível de 5% de significância. Fonte: autoria própria O total de EPA + DHA na amostra in natura foi de 213,93 mg/100g e nas refogadas foi 233,91 mg/100g. Segundo Oliveira et al. (2012), doses de 500 a 1800 mg de EPA+DHA, provenientes de suplementos ou consumo de peixe, reduzem a mortalidade em geral e por eventos cardiovasculares. Para indivíduos com doença cardiovascular documentada, são recomendados aproximadamente 1000 mg de EPA+DHA, preferencialmente derivados do consumo de peixes ricos em gordura. O perfil de ácidos graxos encontrado na margarina interesterificada está exposto na tabela 2. Os cinco ácidos graxos de maior predominância foram: Linoleico, Oleico, Palmítico, Esteárico e Linolênico. A margarina interesterificada apresentou 2105 mg/100g de ácidos graxos trans. No entanto, de acordo com a informação nutricional que consta no rótulo da margarina analisada, a mesma não apresenta ácidos graxos trans (0 g/10g). Cavendish et al. (2010) encontraram quantidade inferior na margarina interesterificada com 65% de lipídios, 1290 mg/100g.
Tabela 2 - Ácidos graxos (mg 100 g-1) da margarina interesterificada ÁCIDOS GRAXOS Margarina interesterificada SATURADOS Ácido caprílico (C 8:0) 50,97 (±11,09) Ácido cáprico (C 10:0) 184,65 (±38,99) Láurico (C12:0) 2702,17 (±180,87) Mirístico (C14:0) 1033,80 (±11,14) Palmítico (C16:0) 10051,96 (±44,39) Heptadecanóico (C17:0) 72,72 (±2,77) Esteárico (C18:0) 7050,88 (±25,08) Araquídico (C20:0) 277,16 (±2,78) Behênico (C22:0) 279,11 (±5,57) Lignocérico (C24:0) 77,00 (±35,65) MONOINSATURADOS Palmitoléico (C16:1n-7) 84,51 (±2,78) Oleico (C18:1n-9) 18302,62 (±119,58) Acido cetoleico (20:1n-11) 131,71 (±2,78) POLIINSATURADOS Linoleico (C18:2n-6) 33381,5(±133,68) Ácido gama-linolênico (C18:3 n 6) 23,64 (±0) Linolênico (C18:3n-3) 2789,34 (±19,45) Eicosapentaenóico (C20:5n-3) - TRANS Elaídico (C18:1n-9t) 554,31 (±5,56) Linolelaídico (C18:2n-6t) 676,20 (±5,57) Acido linolenelaidico (C18:3n-3t) 874,72 (±8,33) Média de 4 amostras analisadas em duplicata Com o objetivo de verificar o efeito do tratamento térmico os resultados foram calculados na base seca, eliminando desta forma a influência da água. Verificou-se na pescada refogada os maiores percentuais de elevações nos ácidos graxos saturados láurico e esteárico, no monoinsaturado oleico e nos poli-insaturados linoleico e linolênico e no ácido graxo trans linolelaídico. Foram detectadas perdas nos ácidos graxos poli-insaturados araquidônico, EPA e DHA (Tabela 3).
Tabela 3 Ácidos graxos predominantes ((mg 100 g-1) da Pescada branca in natura e refogada em margarina interesterificada, em base seca ÁCIDOS GRAXOS Margarina In natura interesterificada % Perdas e elevações SATURADOS Láurico (C12:0) 53,95 ±59,91 422,79 ±65,89 683,67 Mirístico (C14:0) 180,63 ±56,33 246,46 ±13,58 36,44 Palmítico (C16:0) 1392 ±196,2 2019,43 ±99,18 45,07 Esteárico (C18:0) 401,33 ±32,59 1156,55 ±61,47 188,17 MONOINSATURADOS Palmitoléico (C16:1n-7) 493,39 ±64 261,49 ±16,6 47,01 Oléico (C18:1n-9) 827,71 ±68,08 2899,71 ±203,91 250,32 POLIINSATURADOS Linoleico (C18:2n-6) 69,3 ±14,81 4760,16 ±381,41 6768,91 Linolênico(C18:3n-3) 23,37 ±11,99 446,18 ±41,33 1809,2 Araquidônico (C20:4n-6) 232,14 ±38,56 155,47 ±12,00 33,03 Eicosapentaenóico (EPA)(C20:5n-3) 239,47 ±45,12 158,65 ±11,73 33,75 Docosapentaenóico (C22:5n-3) 179,8 ±64,21 123,81 ±11,23 31,15 Docosahexaenóico (DHA)(C22:6n3) 730,33 ±176,9 379,79 ±34,47 48 TRANS Elaídico (C18:1n-9t) 5,65 ±4,71 3,99 ±0,94 29,39 Linolelaídico (C18:2n-6t) 1,9 ±1,7 39,61 ±1,57 1984,73 Linolenelaidico (C18:3n-3t) 39,02 ±35,03 53,95 ±4,41 38,26 Média de 10 amostras analisadas em duplicata, com desvio-padrão entre parênteses. Na mesma linha, médias seguidas da mesma letra não diferem entre si pelo teste F ao nível de 5% de significância. Fonte: autoria própria. É importante manter um equilíbrio adequado de ômega 3 e ômega 6, pois um balanceamento inadequado poderia acentuar um estado de deficiência de ômega 3. As razões 2:1 a 4:1 tem sido recomendada, por possibilitar uma maior conversão do ácido linolênico em DHA. Em contrapartida, razões inferiores a 1:1 não são recomendadas, por inibirem a transformação do ácido linoléico em ácido araquidônico (ALMEIDA; FRANCO, 2006; NOVELLO et al., 2008). A relação ômega 3/ômega 6 apresentou-se favorável na pescada refogada. Foram detectados baixos teores de colesterol nas amostras da pescada branca in natura (64,58 mg/100g) e refogada em margarina interesterificada (99,95 mg/100g). A pescada refogada teve um aumento significativo (p<0,05) em relação a in natura, demonstrando que a cocção provocou elevação de seu valor, decorrente da perda de água, promovendo a concentração desse componente. Os teores de colesterol detectados nas amostras in natura e refogada não atingem o limite de 300mg/dia, que auxilia no controle de colesterolemia (SANTOS, 2013), e não é ultrapassado após o consumo de cerca de 100g deste alimento. 4. CONCLUSÕES A pescada in natura pode ser considerada fonte de ácidos graxos oleico, docosahexaenoico, eicosapentaenoico, araquidônico e esteárico. O processo de refogar proporcionou mudanças no perfil de ácidos graxos com elevação expressiva dos ácidos graxos poli-insaturados linoleico (ômega 6),
oleico (ômega 9), linolênico (ômega 3). No entanto, houve elevação na concentração de ácidos graxos saturados. Portanto, deve ser consumida com moderação por indivíduos saudáveis. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida. N. M. de; Franco, M. R. Influência da dieta alimentar na composição de ácidos graxos em pescado: aspectos nutricionais e benefícios à saúde humana. Rev Inst Adolfo Lutz. v. 65, n. 1, p. 7-14, 2006. Barbalho, S. M.; Bechara, M. D. Quesada, K. R. et al. Papel dos ácidos graxos ômega 3 na resolução dos processos inflamatórios. Medicina (Ribeirão Preto). v. 44, n. 3, p. 234-40, 2011. Domínguez, Y. L. La dieta en la enfermedad de Alzheimer. Revista Cubana de Salud Pública. V. 35, n. 4, p. 55-64, 2008. Folch, J.; lees, M.; Sloanne Stanley, G. H. A simple method for the isolation and purification of total lipide from animal tissues. J. Biol. Chem., Baltimore, v.226, n.1, p.497-509, 1957. Guiné, R. F.; Henriques, F. O papel dos ácidos gordos na nutrição humana e desenvolvimentos sobre o modo como influenciam a saúde. Millenium. V. 40, p. 7 21, 2011. Hartman, L.; Lago, R.C.A. Rapid preparation of fatty acid methyl esters from lipids. Lab. Pract., v.22, n.8, p.475-76, 1973. Oliveira, J. M. De; Luzia, L. A.; Rondó, P. H, de C. Ácidos Graxos Poli-insaturados Ômega-3: saúde cardiovascular e sustentabilidade ambiental. Segurança Alimentar e Nutricional. v. 19, n. 1, p. 89-96, 2012. Novello, D; Franceschini, P.; Quintiliano, D. A. A importância dos ácidos graxos ω-3 e ω-6 para a prevenção de doenças e na saúde humana. Revista Salus. v. 2, n. 1, p. 77-87, 2008. Raatz, S. K. et al. Issues of Fish Consumption for Cardiovascular Disease Risk Reduction. Nutrients. v. 5, 1081-1097, 2013. Rosa, F. C. et al. Efeito de médodos de cocção sobre a composição química e colesterol em peito e coxa de frangos de corte. Ciênc. agrotec. v. 30, n. 4, p. 707-714, 2006. Santos, L. E. S.; Bortolozo, E. A. F. Q. Ingestão de ômega 3: considerações sobre Potenciais benefícios no metabolismo lipídico. Publ. UEPG Ci. Exatas Terra, Ci. Agr. Eng. v.14, n. 2, p. 161-170, 2008.