Breno Moura Castro Aerodinâmica em Regime Transônico e Supersônico

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Transcrição:

Breno Moura Castro Aerodinâmica em Regime Transônico e Supersônico SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - 2009

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Sumário 1 Introdução 5 1.1 Objetivos gerais..................................... 5 1.2 Objetivos específicos.................................. 5 1.3 Ementa......................................... 5 1.4 Conteúdo programático................................. 5 2 Noções básicas 7 2.1 Número de Mach.................................... 7 2.2 Classificação dos escoamentos segundo o Número de Mach.............. 10 2.3 Equações fundamentais do escoamento......................... 10 2.4 Aproximações das equações governantes........................ 11 2.4.1 Escoamentos incompressíveis......................... 11 2.4.2 Pequenas perturbações............................. 12 2.5 Coeficiente de Pressão................................. 15 3 Regras de similaridade para escoamentos compressíveis 17 3.1 Escoamentos subsônicos compressíveis........................ 17 3.2 Escoamentos supersônicos............................... 19 3.3 Escoamentos transônicos................................ 21 3

4 SUMÁRIO

Capítulo 1 Introdução Este texto tem a finalidade de auxiliar o aluno da disciplina Aerodinâmica em Regime Transônico e Supersônico, na modalidade de ensino presencial, a passar pelo processo de aprendizagem do material proposto. 1.1 Objetivos gerais Familiarização e conhecimento das equações fundamentais do escoamento compressível nãoviscoso, regras de semelhança para escoamentos subsônicos e supersônicos, teoria do perfil, teoria da asa finita, interações asa-fuselagem e arrasto transônico. 1.2 Objetivos específicos Apresentar os fundamentos e princípios básicos da aerodinâmica. Desenvolver os métodos de cálculo aerodinâmico de perfis, asas e fuselagens nos regimes transônico e supersônico. Executar simulações com apoio computacional. 1.3 Ementa Equações fundamentais do escoamento compressível não-viscoso. Equações de Prandtl-Glauert e Ackeret e regras de semelhança para escoamentos subsônicos e supersônicos. Equações simplificadas e regras de semelhança para o escoamento transônico. Condições através de choques. Teoria do perfil em regime transônico: descrição física e princípio do cálculo. Teoria da asa finita no regime transônico; efeito da espessura. Asa finita em regime supersônico: escoamento cônico, método de singularidades. Corpos esbeltos. Interações asa-fuselagem. Arrasto transônico. 1.4 Conteúdo programático Extensão da aerodinâmica aplicada ao regime transônico e supersônico. Equações fundamentais do escoamento compressível não-viscoso. Equações de Prandtl-Glauert e Ackeret e regras de semelhança para escoamentos subsônicos e supersônicos. Equações simplificadas e regras de semelhança para o escoamento transônico. Condições através de choques. Aproximações de Kármán-Tsien e de Busemann. Teoria do perfil em regime transônico: descrição física e princípio do cálculo. Teoria da asa finita no regime transônico; efeito da espessura. Asa finita no regime supersônico: escoamento cônico, método de singularidades. Corpos esbeltos. Interações asa-fuselagem. Arrasto transônico. 5

6 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

Capítulo 2 Noções básicas Este capítulo trata de alguns dos principais conceitos relacionados à Aerodinâmica. Dentre eles destacam-se a definição do Número de Mach, parâmetro importante para a compartimentalização do estudo desta disciplina, e das principais equações para o estudo de escoamentos não-viscosos. 2.1 Número de Mach O som é uma onda mecânica que se propaga num gás, líquido ou sólido. A velocidade com que esta onda se propaga depende de características elásticas e inerciais do meio. No ar, esta velocidade depende fundamentalmente da temperatura do fluido, de acordo com a Eq. (2.1). a = γrt (2.1) em que a é a velocidade do som, γ é a razão de calores específicos do ar (γ = 1, 4), R é a constante dos gases para o ar (R = 287 J/kg.K) e T é a temperatura absoluta do ar. A Tabela 2.1 fornece a velocidade do som em alguns meios gasosos, líquidos e sólidos. O som se propaga como uma onda, ou seja, está sujeito a reflexões em obstáculos, interferências construtivas e destrutivas, atenuações e ao Efeito Doppler. Outra propriedade importante é que as perturbações geradas em um escoamento de ar sobre um corpo propagam-se sempre em todas as direções e com a velocidade do som naquele meio. Associada à velocidade do som, utiliza-se a definição de um número adimensional conhecido como Número de Mach. Este é um dos parâmetros mais relevantes no estudo da Aerodinâmica e um dos principais em Aeronáutica. A definição de Número de Mach é feita de acordo com a Eq. (2.2). M = V a (2.2) na qual M corresponde ao Número de Mach, V representa a velocidade do escoamento e a é a velocidade do som. As características do escoamento dependem da velocidade com que uma fonte de perturbações viaja através do fluido. A Figura 2.1 apresenta um esquema ilustrando o comportamento das perturbações para alguns regimes de velocidade da fonte. Perturbações viajam em um fluido com a velocidade do som nesse meio. Considere uma fonte de perturbações, de ondas de pressão por exemplo, deslocando-se sobre uma linha horizontal, de acordo com o esquema apresentado na Fig. 2.1. Considere, ainda, que uma perturbação gerada em um determinado instante t = t 1 propaga-se em todas as direções. Ou seja, a influência de uma perturbação gerada no instante t = t 1 encontra-se na superfície de uma esfera de raio R = a t no instante t = t 1 + t, com centro na posição ocupada pela fonte no instante t = t 1. 7

8 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS Tabela 2.1: Velocidade do som em alguns meios. Fonte: [4] Meio Velocidade (m/s) Gases Ar (0 o C) 331 Ar (20 o C) 343 Hélio 965 Hidrogênio 1284 Líquidos Água (0 o C) 1402 Água (20 o C) 1482 Água do mar (3,5% salinidade) 1522 Sólidos Alumínio 6420 Aço 5941 Granito 6000 Figura 2.1: Propagação das perturbações de uma fonte em movimento.

2.1. NÚMERO DE MACH 9 Superfície do Cone de Mach C a t A V t µ x B Figura 2.2: Esquema para cálculo do ângulo do Cone de Mach. Dessa forma, quando a velocidade da fonte é nula, as perturbações geradas encontram-se em superfícies esféricas cujo centro é a posição ocupada pela fonte. No caso de a fonte mover-se horizontalmente com uma velocidade V inferior à velocidade do som no meio a, as perturbações geradas no instante t = t 1 caminharam o equivalente a s = a t, enquanto que a fonte percorreu um espaço de s = V t. Como V < a, as perturbações são percebidas antes da passagem da fonte. Para o caso de a fonte mover-se com uma velocidade V exatamente igual à velocidade do som a, ocorre o que encontra-se representado na parte correspondente a V = a da Fig. 2.1. As perturbações geradas no instante t = t 1 percorrem uma distância equivalente a s = a t, que é exatamente a mesma distância percorrida pela fonte no intervalo de tempo t. Assim, as perturbações são percebidas de forma acumulada na posição ocupada pela fonte a cada instante de tempo. Esta é a origem das ondas de choque normais. Considere, agora, uma fonte movendo-se com uma velocidade V superior à velocidade do som a. Desta vez, as perturbações caminham com uma velocidade inferior à da fonte. Isso quer dizer que, na direção do movimento, a fonte estará sempre à frente das perturbações que a mesma gerou. Além disso, as perturbações propagam-se em todas as direções. Um esquema ilustrativo deste tipo de propagação é apresentado na parte da Fig. 2.1 associada a V > a. Neste caso, a envoltória das superfícies esféricas onde encontram-se as perturbações que são continuamente geradas pela fonte corresponde à superfície de um cone, cujo eixo coincide com a direção do deslocamento da fonte. Esta envoltória é denominada de Cone de Mach. Observa-se que a região a montante do Cone de Mach não percebe a presença da fonte pois as perturbações não chegam a esta região. O ângulo do Cone de Mach pode ser calculado com base na Fig. 2.2. Basta analisar o caminho percorrido pela fonte e pelas perturbações durante o intervalo de tempo t. Suponha que a fonte encontra-se em movimento com velocidade V sobre o eixo x e no sentido positivo. No instante t = t 1 a fonte está posicionada no ponto A. No tempo t = t 1 + t a fonte encontra-se no ponto B e percorreu uma distância igual a V t. As perturbações geradas geradas no ponto A percorreram uma distância de a t, em especial aquela que se encontra no ponto C pertencente à superfície do Cone de Mach. O triângulo ABC é retângulo em C e, assim, o ângulo µ pode ser obtido através da Eq. (2.3). ( ) a t ( a ) µ = sin 1 = sin 1 (2.3) V t V Como já visto anteriormente, o número obtido pela relação V/a recebe um nome especial em

10 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS homenagem a Ernest Mach. Desta forma, a Eq. (2.3) pode ser reescrita como apresentado na Eq. (2.4). ( ) 1 µ = sin 1 (2.4) M 2.2 Classificação dos escoamentos segundo o Número de Mach Os escoamentos de ar em torno de um corpo podem ser classificados segundo a velocidade. No entanto, deve-se levar em consideração que essa velocidade não é a mesma em todos os pontos do escoamento. A presença do corpo altera a direção e a intensidade da velocidade de algumas partículas do fluido, fazendo com que ocorra uma variação quanto à velocidade das partículas que ainda estão distantes do corpo. Assim, para a classificação dos tipos de escoamento, toma-se por base a velocidade dita do escoamento não-perturbado, ou seja, a velocidade das partículas que estão longe o suficiente da influência do corpo sobre o escoamento. Esta velocidade é referenciada como V. O Número de Mach do escoamento não-perturbado é definido tomando-se como referência a velocidade do som na região afastada do corpo. A Eq. (2.5) traduz matematicamente este parâmetro. M = V a (2.5) Os regimes de vôo podem ser classificados de acordo com o Número de Mach associado ao escoamento não-perturbado, M. A divisão mais comum é apresentada a seguir, juntamente com algumas das características mais importantes de cada regime. Subsônico: 0 M 0, 8 - ausência de ondas de choque; as perturbações geradas pela presença do corpo são percebidas em todas as direções. Transônico: 0, 8 M 1, 2 - início da formação de ondas de choque; apresenta regiões em que o escoamento é subsônico e outras onde as velocidades são supersônicas. Supersônico: 1, 2 M 5, 0 - presença de ondas de choque oblíquas; as perturbações geradas em um ponto somente são percebidas a jusante desse ponto. Hipersônico: M 5, 0 - ondas de choque oblíquas muito próximas à superfície do corpo; surgimento de dissociações das moléculas que constituem o fluido; transferência de calor intensa e presença de íons na região da onda de choque. O Número de Mach do escoamento não-perturbado para o qual surge o primeiro ponto de velocidade local do escoamento igual a um (velocidade local sônica) recebe o nome de Mach Crítico. Este número de Mach depende da forma do corpo; em especial, depende da espessura do corpo medida na direção perpendicular à do escoamento não-perturbado. 2.3 Equações fundamentais do escoamento As equações fundamentais de aerodinâmica de um fluido não-viscoso, na notação de Einstein, são: 1. a equação da continuidade (conservação da massa): ρ t + (ρu j) x j = 0 (2.6)

2.4. APROXIMAÇÕES DAS EQUAÇÕES GOVERNANTES 11 2. a equação Euleriana do movimento (conservação da quantidade de movimento): ( ρ F i Du ) i = p (2.7) Dt x i nas quais i, j = 1, 2, 3, ρ é a densidade do fluido, p corresponde à pressão, F i representa a força por unidade de volume atuando no fluido (tal como a gravidade), u i representa as componentes do vetor velocidade do fluido e t o tempo. Du i /Dt é a componente da aceleração de uma partícula do fluido. Para expressar este parâmetro, é necessário conhecer as componentes da velocidade do fluido: u i = dx i dt = u i(x 1, x 2, x 3, t) que, como pode-se observar, são funções do ponto que a partícula de fluido ocupa no espaço e também do tempo. A regra de diferenciação fornece: Substituindo a Eq. (2.8) na Eq. (2.7): Du i Dt = u i t + u i x j x j t = u i t + u j u i (2.8) x j u i t + u u i j = F i 1 p (2.9) x j ρ x i 2.4 Aproximações das equações governantes 2.4.1 Escoamentos incompressíveis Uma aproximação comum é obtida por meio da hipótese de que a densidade do fluido é constante, ou seja, não varia nem com o tempo e nem com a posição dentro do escoamento (ρ = constante). Esta hipótese é conhecida simplesmente como escoamento incompressível. Assim, a Equação da Continuidade (2.6) pode ser escrita na forma: u j x j = 0 (2.10) Da mesma forma, se for assumido que não existem forças de volume atuando no fluido (F i = 0) e escoamento permanente ( (.)/ t = 0), a Equação da Conservação da Quantidade de Movimento torna-se: u i u j = 1 p (2.11) x j ρ x i A vorticidade do escoamento é definida como sendo o rotacional do vetor velocidade e é dada por: ( u3 u = u ) ( 2 u1 e 1 + u ) ( 3 u2 e 2 + u ) 1 e 3 (2.12) x 2 x 3 x 3 x 1 x 1 x 2 em que e 1, e 2 e e 3 representam os versores unitários nas direções x 1, x 2 e x 3, respectivamente. Se for admitido, ainda, que o escoamento é irrotacional ( u = 0), pode-se utilizar a seguinte identidade matemática para simplificar as equações obtidas para escoamento incompressível: em que Φ representa uma função escalar das coordenadas (x 1,x 2,x 3 ). Φ 0 (2.13)

12 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS Por inspeção, observa-se que, para escoamentos irrotacionais, o vetor velocidade u pode ser escrito como: u = Φ = Φ e 1 + Φ e 2 + Φ e 3 (2.14) x 1 x 2 x 3 Também por inspeção, pode-se constatar que as componentes do vetor velocidade u são dadas por: u j = Φ x j (2.15) Substituindo a Eq. (2.15) em (2.10) obtém-se a Equação de Laplace: 2 Φ = 0 ou 2 Φ x 2 1 + 2 Φ x 2 2 + 2 Φ x 2 3 = 0 (2.16) Lembra-se que a Eq. (2.16) é válida somente quando: 1. o fluido é não-viscoso; 2. o escoamento é incompressível (ρ = constante); e 3. o escoamento é irrotacional ( u = 0). Por sua vez, a Equação da Conservação da Quantidade de Movimento, dentro das hipóteses de escoamento permanente, incompressível e sem forças de volume para um fluido não-viscoso, pode ser reduzida à seguinte equação, conhecida como Equação de Bernoulli: p + 1 2 ρv 2 = constante (2.17) na qual p é a pressão, ρ a densidade e V representa o módulo do vetor velocidade u. Cabe salientar que a Eq. (2.17) é válida somente ao longo de uma linha de corrente do escoamento. No entanto, se o escoamento for irrotacional, a Eq. (2.17) é válida em todo o domínio. V = u 2 1 + u 2 2 + u 2 3 Sintetizando, a Equação de Bernoulli é válida em todo o escoamento nas seguites condições: 1. o fluido é não-viscoso; 2. o escoamento é incompressível (ρ = constante); 3. o escoamento é permanente ( (.)/ t = 0); 4. não existem forças de volume (F i = 0); e 5. o escoamento é irrotacional ( u = 0). 2.4.2 Pequenas perturbações A hipótese de pequenas perturbações consiste de: 1. o escoamento é irrotacional ( u = 0); 2. o escoamento não-perturbado encontra-se na direção x 1 ; e

2.4. APROXIMAÇÕES DAS EQUAÇÕES GOVERNANTES 13 3. o corpo imserso no escoamento é esbelto, ou seja, sua maior dimensão nas direções x 2 e x 3 é muito menor que o seu maior comprimento na direção x 1. Desta forma, pode-se admitir que: u 1 = U + û 1 u 2 = û 2 u 3 = û 3 em que û 1, û 2, û 3 U. Da hipótese de escoamento irrotacional, da mesma forma como no caso de escoamentos incompressíveis, pode-se escrever a velocidade como sendo o gradiente de um campo potencial: u = Φ No caso de pequenas perturbações, o potencial de velocidades Φ pode ser escrito da forma adiante: Assim, por comparação e utilizando a Eq. (2.14), pode-se escrever: û 1 = φ x 1 Φ = φ + U x 1 (2.18) û 2 = φ x 2 û 3 = φ x 3 (2.19) A Equação da Continuidade para escoamento compressível e permanente pode ser escrita como: (ρu i ) x i = 0 (2.20) Nas mesmas condições de escoamento e sem forças de volume, a Equação de Conservação da Quantidade de Movimento torna-se: u i u j = 1 p (2.21) x j ρ x i A velocidade do som em um gás perfeito é definida como sendo a variação na pressão com relação à variação na densidade do gás em um processo isentrópico (p/ρ γ = constante). Desta forma: ( ) p a 2 = (2.22) ρ Combinando as Eqs. (2.20), (2.21) e (2.22) e observando que o escoamento é irrotacional, obtémse: ( ) ( ) ( ) 1 u2 1 u1 + 1 u2 2 u2 + 1 u2 3 u3 2 u 1u 2 u 1 2 u 2u 3 u 2 2 u 3u 1 u 3 = 0 a 2 x 1 a 2 x 2 a 2 x 3 a 2 x 2 a 2 x 3 a 2 x 1 (2.23) Invocando a hipótese de pequenas perturbações, a Eq. (2.23) torna-se: ( ) 1 u2 1 u1 + u 2 + u 3 = 0 (2.24) a 2 x 1 x 2 x 3 A Equação (2.24) pode ser simplificada utilizando-se uma relação conhecida entre a velocidade do som local (a) e a velocidade do som no escoamento não-perturbado (a ) para escoamentos adiabáticos: a 2 = 1 γ 1 ( ) u 2 1 + u 2 2 + u 2 3 1 M 2 (2.25) 2 a 2 U 2

14 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS Ainda dentro do contexto de pequenas perturbações, pode-se utilizar o Teorema do Binômio para gerar a seguinte aproximação: a 2 a = 1 + γ 1 ( ) M 2 2 2 û1 + û2 1 + û 2 2 + û 2 3 (2.26) 2 U U 2 Para fazer simplificações adicionais na Eq. (2.24), é necessário escrever: 1 u2 1 a = 1 (U + û 1 ) 2 û 1 U 2 a 2 2 a 2 U U 2 a 2 = 1 (U 2 + 2û 1 U + û 2 1) M 2 a 2 U 2 (2.27) a 2 Substituindo Eq. (2.26) em (2.27) e abandonando termos de ordem superior: [ 1 u2 1 a 1 M 2 2 1 + 2û ( 1 1 + γ 1 )] M 2 U 2 Assim, a Eq. (2.24) pode ser reescrita como: (1 M 2 ) u 1 x 1 + u 2 x 2 + u 3 x 3 = M 2 ( 1 + γ 1 M 2 2 ) 2û1 (2.28) U u 1 x 1 (2.29) Utilizando as componentes do vetor velocidade dentro da hipótese de pequenas perturbações: (1 M ) 2 û 1 + û 2 + û 3 = 2 ( 1 + γ 1 ) M 2 M 2 û 1 x 1 x 2 x 3 U 2 û 1 (2.30) x 1 A Equação (2.30) representa a Equação de Pequenas Perturbações. Existem casos, excetuando-se os escoamentos na faixa do transônico, que a Eq. (2.30) pode ser linearizada, ou seja, os termos à direita da equação podem ser negligenciados. Assim, obtém-se a Equação de Pequenas Perturbações Linearizada: (1 M 2 ) û 1 x 1 + û 2 x 2 + û 3 x 3 = 0 (2.31) Para escoamentos isentrópicos e, portanto, irrotacionais, pode-se introduzir a função potencial φ, nos moldes da definição apresentada na Eq. (2.19), e a Eq. (2.31) torna-se a Equação do Potencial Linearizada: (1 M ) 2 2 φ + 2 φ + 2 φ = 0 (2.32) x 2 1 Para escoamentos transônicos deve-se reter os termos à direita da Eq. (2.30). Utilizando, também, o potencial φ para escoamentos irrotacionais, essa equação torna-se a Equação do Potencial Transônica: (1 M ) 2 2 φ + 2 φ + 2 φ x 2 1 x 2 2 x 2 3 x 2 2 = 2 ( U x 2 3 1 + γ 1 M 2 2 ) M 2 φ 2 φ x 1 x 2 1 (2.33) Novamente, é importante reforçar as condições em que as Equações do Potencial Linearizada e Transônica são válidas: 1. o fluido é um gás perfeito e não-viscoso; 2. o escoamento é isentrópico (p/ρ γ = constante); 3. o escoamento é permanente ( (.)/ t = 0); 4. não existem forças de volume (F i = 0); 5. o escoamento é irrotacional ( u = 0); e 6. pequenas perturbações (û 1, û 2, û 3 U ).

2.5. COEFICIENTE DE PRESSÃO 15 2.5 Coeficiente de Pressão O coeficiente de pressão é definido por meio da Eq. (2.34). C p p p 1 2 ρ V 2 Lembrando que o ar pode ser considerado como um gás perfeito e que neste caso: (2.34) p = ρ RT a 2 = γrt (2.35) Fazendo a substituição das Eqs. (2.35) em (2.34): C p = 2 γm 2 ( p p 1 Sabe-se que, para escoamentos adiabáticos de um gás termica e caloricamente perfeito: ) (2.36) na qual c p representa o calor específico a pressão constante do ar. Movimentando os termos e utilizando que c p = γr/(γ 1): T + V 2 2c p = T + U 2 2c p (2.37) T T = U 2 V 2 2γR/(γ 1) (2.38) Recordando que a = γrt : Em termos de pequenas perturbações: T 1 = γ 1 U 2 V 2 = γ 1 U 2 V 2 T 2 γrt 2 a 2 (2.39) V 2 = (U + û 1 ) 2 + û 2 2 + û 2 3 (2.40) Substituindo (2.40) em (2.39) e fazendo as simplificações decorrentes: T = 1 γ 1 (2û 1 U + û 2 1 + û 2 2 + û 2 T 3) (2.41) 2a 2 É conhecida, também, a relação entre pressão e temperatura para escoamentos isentrópicos p/p = (T/T ) γ/(γ 1) que, substituída em (2.41) gera: Rearranjando os termos: [ p = 1 γ 1 γ/(γ 1) (2û p 2a 2 1 U + û 2 1 + û 2 2 + û3)] 2 (2.42) [ p = p 1 γ 1 M 2 2 Aplicando novamente a expansão binomial: p p 1 γ 2 M 2 ( )] 2û1 + û2 1 + û 2 2 + û 2 γ/(γ 1) 3 (2.43) U U 2 ( 2û1 U + û2 1 + û 2 2 + û 2 3 U 2 ) (2.44)

16 CAPÍTULO 2. NOÇÕES BÁSICAS Substituindo (2.44) em (2.36) C p 2 γm 2 [ 1 γ ( ) ] 2 M 2 2û1 + û2 1 + û 2 2 + û 2 3 1 U U 2 (2.45) Cancelando termos e desprezando termos de ordem superior, chega-se à equação para o coeficiente de pressão linearizado: Exercícios C p = 2û 1 U (2.46) 1. Calcule o número de Mach de um objeto viajando pelo ar com uma velocidade de 623 km/h. O ar encontra-se a uma temperatura de 25 o C. 2. Calcule o semi-ângulo do cone de Mach para um veículo que se desloca no ar, nas mesmas condições de temperatura do exercício anterior, a uma velocidade de 2492 km/h. 3. Utilizando papel milimetrado, faça o desenho da propagação das perturbações geradas por uma fonte sonora se deslocando com as seguintes velocidades: (a) M = 0, (b) M = 0, 5, (c) M = 1 e (d) M = 2. 4. Cite as faixas de classificação dos escoamentos segundo o número de Mach e forneça as principais características de cada uma delas. 5. Escreva a Equação de Laplace em coordenadas cartesianas e especifique em que condições esta equação pode ser utilizada. 6. Comente sobre a principal característica da Equação de Laplace e sobre como isto pode ser útil para a sua solução. 7. Quais são as soluções básicas da Equação de Laplace? Escreva, para cada uma delas, qual é a equação que fornece a velocidade induzida no escoamento. 8. Escreva a Equação de Bernoulli e as condições em que ela é válida. 9. Em termos práticos (faixas de números de Mach e de Reynolds, limites de ângulos de ataque e geometria do veículo), quais são as limitações para a utilização das Equações de Laplace e Bernoulli? 10. Em que consiste a hipótese de pequenas perturbações? 11. Defina o Coeficiente de Pressão e forneça uma expressão para este coeficiente que seja relacionada ao número de Mach. 12. Escreva a fórmula para o coeficiente de pressão linearizado e especifique em que condições ele pode ser utilizado. 13. Forneça a Equação do Potencial Linearizada e especifique em que condições (números de Mach e de Reynolds, ângulos de ataque e geometria do corpo) ela pode ser utilizada.

Capítulo 3 Regras de similaridade para escoamentos compressíveis 3.1 Escoamentos subsônicos compressíveis Para escoamentos compressíveis subsônicos utiliza-se a Equação do Potencial Linearizada, escrita na seguinte forma: (1 M 2 )φ xx + φ yy + φ zz = 0 (3.1) em que φ xx representa a segunda derivada de φ com relação a x, idem para as variáveis y e z, e x 1 = x, x 2 = y e x 3 = z. Esta equação tem uma característica elíptica para valores de M menores que 1, ou seja, as informações propagam-se por todo o campo ou domínio de cálculo. Uma forma de resolver a Eq. (3.1) é utilizar a seguinte transformação de variáveis: ξ = x η = y 1 M 2 ζ = z 1 M 2 (3.2) Além desta transformação de variáveis, define-se a função potencial ˆφ da seguinte forma: Aplicando a Regra da Cadeia: ˆφ(ξ, η, ζ) = φ(x, y, z) 1 M 2 (3.3) φ x = φ ξ ξ x + φ η η x + φ ζ ζ x φ y = φ ξ ξ y + φ η η y + φ ζ ζ y φ z = φ ξ ξ z + φ η η z + φ ζ ζ z Da definição da transformação de coordenadas: η x = 0 η x = 0 ξ x = 1 ξ y = 0 η y = 1 M 2 η y = 0 ξ z = 0 η z = 0 η z = 1 M 2 (3.4) (3.5) (3.6) 17

18 CAPÍTULO 3. REGRAS DE SIMILARIDADE PARA ESCOAMENTOS COMPRESSÍVEIS Fazendo as devidas substituições: φ x = φ ξ φ y = φ 1 M 2 η φ z = φ 1 M 2 ζ (3.7) (3.8) (3.9) Da mesma forma: Substituindo as Eqs. (3.12) em (3.1): φ xx = φ x x = φ ξ ξ = φ ξξ (3.10) φ yy = φ y y = (1 M 2 ) φ η η = (1 M 2 )φ ηη (3.11) φ zz = φ z z = (1 M 2 ) φ ζ ζ = (1 M 2 )φ ζζ (3.12) (1 M 2 )φ ξξ + (1 M 2 )φ ηη + (1 M 2 )φ ζζ = 0 (3.13) Substituindo o novo potencial ˆφ, definido pela Eq. (3.3), na Eq. (3.13) e fazendo as devidas simplificações: ˆφ ξξ + ˆφ ηη + ˆφ ζζ = 0 (3.14) A Equação (3.14) corresponde à Equação de Laplace que governa a solução de escoamentos incompressíveis. Assim sendo, a transformação proposta na geometria do corpo imerso em um escoamento compressível leva a uma nova geometria que pode ser resolvida pela Equação de Laplace. Esta é a denominada Transformação de Prandtl-Glauert. O coeficiente de pressão linearizado é dado pela expressão: Fazendo as substituições devidas: C p = 2 û = 2 φ U U x C p = 2 1 ˆφ ( U 1 M 2 x = 1 2 ˆφ ) 1 M 2 U ξ (3.15) (3.16) Notando que o último termo do lado direito da Eq. (3.16) corresponde ao coeficiente de pressão para o escoamento incompressível, o C p no corpo original é relacionado ao (C p ) M=0 : C p = (C p) M=0 (3.17) 1 M 2 A Equação (3.17) simboliza, também, o que é conhecido como Regra de Prandtl-Glauert para escoamentos subsônicos compressíveis.

3.2. ESCOAMENTOS SUPERSÔNICOS 19 3.2 Escoamentos supersônicos A equação linearizada que traduz o comportamento dinâmico de escoamentos no regime supersônico é a mesma Eq. (2.32) do regime subsônico. No entanto, para velocidades supersônicas, utilizase uma pequena alteração na forma de escrevê-la: (M 2 1)φ xx φ yy φ zz = 0 (3.18) No caso de valores do número de Mach acima da unidade, a Eq. (3.18) assume um caráter hiperbólico, ou seja, as perturbações geradas em um ponto do escoamento somente são percebidas em certas regiões do domínio de cálculo. Como já foi visto anteriormente, esta região está contida no Cone de Mach cujo vértice é o ponto do escoamento e seu eixo está na direção do escoamento nãoperturbado. Para a determinação de condições de similaridade, da mesma forma como foi obtido para o regime subsônico compressível, será utilizada uma simplificação da Eq. (3.18) para duas dimensões: (M 2 1)φ xx φ yy = 0 (3.19) Ocorre, também, que, na forma como está apresentada, a Eq. (3.19)corresponde à Equação da Onda, que tem solução conhecida e pode ser dada por: φ(x, y) = F (x βy) + G(x + βy) (3.20) em que F e G são funções das variáveis ξ = x βy e η = x + βy, respectivamente. O parâmetro β = M 2 1 é uma constante para cada M. Avaliando a primeira derivada parcial de φ com relação a x: φ x = F ξ ξ x + G η As derivadas de F (ξ) e G(η) com relação às suas respectivas variáveis serão chamadas, simplesmente, de F e G. O mesmo vale para as segundas derivadas F e G e assim por diante. Assim: φ x = F + G A segunda derivada parcial de φ com relação a x: 2 φ x = ( ) φ = F ξ 2 x x ξ x + G η η x = F + G η x Avaliando, desta vez, a primeira derivada parcial de φ com relação a y: φ y = F ξ ξ y + G η η y = βf + βg = β(f G ) A segunda derivada parcial de φ com relação a y fica, então: 2 φ y = ( ) φ = ( βf ) ξ 2 y y ξ y + (βg ) η η y = β2 (F + G ) Substituindo as expressões obtidas para as segundas derivadas parciais de φ na Eq. (3.19): (M 2 1)(F + G ) β 2 (F + G ) = (M 2 1)(F + G ) (M 2 1)(F + G ) = 0

20 CAPÍTULO 3. REGRAS DE SIMILARIDADE PARA ESCOAMENTOS COMPRESSÍVEIS Nota-se, desta forma, que a função potencial φ(x, y) = F (ξ) + G(η), especificada na Eq. (3.20), representa uma solução da Eq. (3.19). É possível, então, calcular o coeficiente de pressão associado a esta solução. Nota-se, também, que a função ξ = x βy representa um conjunto de retas caminhando no sentido positivo de y quando o valor de x sofre um acréscimo. Estas são as chamadas left running waves, uma vez que carregam informações que se propagam para o lado esquerdo de um observador solidário ao escoamento não-perturbado. De forma similar, a função η = x + βy representa um conjunto de retas caminhando no sentido negativo de y à medida em que x aumenta. São chamadas de right running waves pois transportam informações que se propagam para o lado direito de um observador solidário ao escoamento nãoperturbado. Lembra-se que, na hipótese de pequenas perturbações, admitiu-se que as variações de velocidade são pequenas quando comparadas com a velocidade do escoamento não perturbado e que a dimensão do corpo na direção x é significativamente maior que nas direções y e z. Primeiramente, deve-se estabelecer uma condição de contorno de tangência do escoamento à superfície do corpo. Esta condição de tangência, apesar de não ser aplicável a escoamentos viscosos, é apropriada para escoamentos não-viscosos. Tomando-se por base a descrição da superfície do corpo dada pela expressão: y = h(x) (3.21) A condição de tangência do escoamento à superfície do corpo pode ser obtida fazendo-se a direção da velocidade local do escoamento coincidir com a direção local da superfície do corpo. Após a necessária linearização: ˆv y = dh U dx ˆv dh y = U (3.22) dx A solução na parte superior da superfície do corpo é constituída apenas por ondas que caminham na direção de y positivo, ou seja, φ(x, y) = F (ξ). As informações transportadas por η = x + βy não chegam a se propagar pois encontram a própria superfície do corpo como barreira. Assim, a velocidade no eixo y pode ser obtida por: ˆv y = φ y = F ξ ξ y = βf Comparando a expressão acima com a Eq. (3.22) obtém-se: dh ˆv y = U dx = βf F = U dh β dx (3.23) O coeficiente de pressão na superfície do corpo é dado pela Eq. (2.46), que, após as devidas conversões de nomenclatura e substituição da velocidade de perturbação em x, fica: C p = 2 φ U x = 2 F = 2 ( U ) dh (3.24) U U β dx Cancelando termos, o coeficiente de pressão linearizado para a superfície superior do corpo fica: (C p ) sup = 2 ( ) dh (3.25) β dx Para a superfície inferior do corpo, a solução passa a ser φ(x, y) = G(η), uma vez que as perturbações carregadas pelas left running waves são neutralizadas pela parede do próprio corpo. sup

3.3. ESCOAMENTOS TRANSÔNICOS 21 A velocidade no eixo y fica, então: ˆv y = φ y = G η η y = βg A condição de tangência fornece a velocidade na direção y que, quando comparada com a velocidade dada pela expressão acima, produz: dh ˆv y = U dx = βg G = U dh β dx Para o coeficiente de pressão na superfície inferior: C p = 2 U φ x = 2 U G = 2 U ( U β ) dh dx (3.26) (3.27) Cancelando termos, o coeficiente de pressão linearizado para a superfície inferior do corpo fica: (C p ) inf = 2 ( ) dh (3.28) β dx É relativamente simples perceber que os coeficientes de pressão variam para a mesma superfície, em função do Número de Mach do escoamento não-perturbado, de acordo com a expressão: inf 2 dh C p = ± M 2 1 dx (3.29) Percebe-se que, para M = 2, o valor de β equivale à unidade. Assim, pode escrever que: C p = (C p) M= 2 M 2 1 (3.30) A regra de similaridade expressa pela Eq. (3.30) é conhecida como Fórmula de Ackeret. 3.3 Escoamentos transônicos O escoamento transônico não pode ser modelado por equações diferenciais parciais lineares, devido à presença de ondas de choque relativamente fortes sobre a superfície do corpo, constituindo-se em não-linearidades importantes. A equação mais apropriada para o estudo de escoamentos transônicos tridimensionais é: (1 M 2 ) 2 φ x 2 + 2 φ y 2 + 2 φ z 2 = 2 U ( 1 + γ 1 ) M 2 2 M 2 φ 2 φ (3.31) x x 2 Para uma velocidade do escoamento não-perturbado equivalente a M = 1, a Eq. (3.31) pode ser reescrita como: (γ + 1) φ 2 φ U x x + 2 φ 2 y + 2 φ 2 z = 0 (3.32) 2 Seja a transformação: ξ = x η = c 3 y ζ = c 3 z φ = c 4 φ Ũ = U (3.33)

22 CAPÍTULO 3. REGRAS DE SIMILARIDADE PARA ESCOAMENTOS COMPRESSÍVEIS Fazendo c 2 3 = c 4 e introduzindo as definições da transformação descrita por (3.33) em (3.32): (γ + 1) φ ( ) 2 φ U ξ ξ + 2 φ 2 η + 2 φ = 0 (3.34) 2 ζ 2 Outra condição deve ser satisfeita. Trata-se da similaridade entre as linhas de corrente, que é obtida fazendo-se: z c ζ c w = U w = U (3.35) x ξ em que z c e ζ c representam o contorno do perfil da asa no plano real e no plano transformado, respectivamente. Substituindo os valores das Eqs. (3.33) em (3.35): c 3 c 4 = z c x ζ c ξ = δ δ (3.36) na qual δ = t/c é a espessura relativa do perfil da asa, que foi admitido ser simétrico. Como foi admitido, também, que c 2 3 = c 4 : ( ) 1/3 ( ) 2/3 c 3 = c 4 = (3.37) δ δ δ δ A equação linearizada do coeficiente de pressão fornece: C p = 2 φ U x = c 2 φ ( ) 2/3 4 U ξ = c C 4 p = Cp (3.38) δ δ Conclui-se, da observação da Eq. (3.38) que o coeficiente de pressão na superfície da asa transônica é proporcional a δ 2/3 = (t/c) 2/3. Devido à não-linearidade da Eq. (3.31), soluções analíticas para escoamentos transônicos com presença de ondas de choque foram obtidas apenas para pouquíssimos casos. Em algumas situações, no entanto, já foi observada uma transição suave através da velocidade sônica (sem a formação de choques). Neste último caso, escoamentos transônicos podem ser tratados de forma teórica por meio de um método de aproximações. Estas aproximações levam a regras de similaridade para a distribuição de pressão e para o coeficiente de arrasto que apresentam uma boa concordância com medidas experimentais. Pode ser demonstrado, embora isto não seja feito neste texto, que a regra de similaridade transônica mantém-se válida mesmo quando o escoamento apresenta ondas de choque fracas. ( x C p c, t ) c, M = (t/c)2/3 (γ + 1) C ( x ) 1/3 p c, m (3.39) em que ( ) t C D c, M = (t/c)5/3 (γ + 1) C 1/3 D (m ) (3.40) m = M 2 1 [ (γ + 1) t ] 2/3 (3.41) c A variável C p é chamada de coeficiente de pressão reduzido e C D de coeficiente de arrasto reduzido. Das equações anteriores decorre que o coeficiente de pressão é proporcional a (t/c) 2/3 enquanto que o coeficiente de arrasto é proporcional a (t/c) 5/3 no regime transônico.

3.3. ESCOAMENTOS TRANSÔNICOS 23 Exercícios 1. Escreva a transformação de coordenadas que possibilita a transformação da Equação do Potencial Linearizada na Equação de Laplace. Qual é a conseqüência desta transformação? 2. Considerando a Equação do Potencial Linearizada escrita para o regime supersônico e em duas dimensões apenas, escreva a solução desta equação e qual é a conseqüência em termos de coeficiente de pressão para um determinado ponto da superfície do corpo. 3. Escreva a forma linearizada da condição de tangência do escoamento à superfície de um corpo. 4. Forneça a Equação do Potencial Transônica e as condições em que ela é válida. 5. Descreva a transformação de coordenadas utilizada na dedução da regra de similaridade para o regime transônico. Qual é a conseqüência desta transformação de coordenadas e da aplicação da regra de similaridade? 6. O coeficiente de pressão em um determinado ponto da superfície de um aerofólio, para a condição de escoamento incompressível, corresponde a -0,54. Calcule, utilizando a Regra de Prandtl-Glauert, o valor de C p para um número de Mach do escoamento não-perturbado equivalente a 0,58. 7. Um aerofólio voa a uma velocidade correspondente ao número de Mach M = 0, 5. Nesta condição, o coeficiente de pressão em uma dado ponto da superfície do aerofólio é C p = 0, 25. Calcule, para este ponto, o coeficiente de pressão para uma condição de vôo em que o número de Mach do escoamento não-perturbado equivale a M = 0, 6. 8. Considere uma placa plana submetida a um escoamento supersônico com número de Mach do escoamento não-perturbado igual a M e ângulo de ataque α pequeno. Calcule o coeficiente de sustentação por unidade de envergadura desta placa plana sabendo que: C L = 1 0 ( x ) [(C p ) inf (C p ) sup ] d c em que (C p ) inf equivale ao coeficiente de pressão no intradorso, (C p ) sup ao do extradorso e x corresponde à coordenada ao longo da corda c do perfil. Resp.: C L = 4α/ M 2 1. 9. Considere a mesma situação descrita no exercício anterior. Calcule o coeficiente de momento por unidade de envergadura da placa plana, relativamente ao bordo de ataque, sabendo que: (C m ) BA = Resp.: (C m ) BA = 2α/ M 2 1. 1 0 ( x ) ( x ) [(C p ) inf (C p ) sup ] d c c 10. Calcule a posição do centro de pressão de uma placa plana submetida a um escoamento supersônico, relativamente ao bordo de ataque, sabendo que: Resp.: (x CP ) BA = c/2. ( xcp c ) BA = (C m ) BA C L

24 CAPÍTULO 3. REGRAS DE SIMILARIDADE PARA ESCOAMENTOS COMPRESSÍVEIS 11. Um perfil com espessura relativa de 10% (t/c = 0, 1) encontra-se submetido a um escoamento de ar (γ = 1, 4) com número de Mach relativo ao escoamento não-perturbado de 0,95. Em um determinado ponto de sua superfície, o coeficiente de pressão corresponde a 0,5. Encontre os valores do coeficiente de pressão reduzido e do m para esse ponto.

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