Imagem 1 Corpos de Lafora em biópsia axilar corados com Hematoxilina e Eosina (esquerda) e PAS (direita). Fonte: Gökdemir et al, 2012.

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Transcrição:

Introdução A doença de Lafora (DL) é a forma mais comum de epilepsia mioclônica progressiva na adolescência. Trata-se de uma doença autossômica recessiva, causada por mutações em genes do metabolismo do glicogênio. Em geral inicia-se um quadro de cefaleia ou alteração comportamental, evoluindo com disartria, ataxia cerebelar, déficit cognitivo, psicose, alteração da marcha e crises epiléticas, chegando a um estado vegetativo e morte por status epillepticus e broncoaspiração em 10 anos. Um de seus principais diagnósticos diferenciais é a lipofuscinose neuronal ceróide. O tratamento da DL permanece sem grandes progressos. O uso isolado de fenitoína é comprovadamente ineficaz, podendo ainda agravar a ataxia e as mioclonias. Aparentemente a politerapia com outras drogas é mais eficaz. Encontram-se relatos de caso com idade de início entre 5 e 30 anos, assim como de sobrevida superior a 18 anos. Atualmente há grande interesse nas apresentações de início tardio e progressão lenta. Relatamos o caso de uma paciente com início da doença aos 31 anos, com crises epilépticas e mioclonias bem controladas e demência moderada em 10 anos de evolução da doença.

Material e Métodos Relato de caso de um paciente do sexo feminino, 41 anos, acompanhado pelo serviço de neurologia do Hospital atualmente.

Relato de caso Paciente feminina, 41 anos, aposentada, apresentou em 2005 intensa depressão e alucinações auditivas, que melhoraram com uso de olanzapina. Quatro meses depois foi acometida por crises epilépticas complexas esporádicas, que tornaram-se mais frequentes, ocorrendo semanalmente em 2008, e com mioclonias quase diárias na mesma época. Desenvolveu ainda paraparesia e espasticidade em membros inferiores, restringindo-a à cadeira de rodas, e urgência miccional. A mãe da paciente, já falecida, apresentava alterações comportamentais similares. Ao exame mostrava-se consciente, ativa e cooperativa, obedecendo às ordens verbais e estabelecendo contato visual com o examinador. Paciente restrita à cadeira de rodas. Observada espasticidade em membros, disartria, tremores de repouso e intenção, ataxia axial e apendicular, nistagmo, diminuição da acuidade visual, paresia grau 4 em partes distais de MMSS e grau 3 em MMII. Reflexo aquileu abolido, triciptal, bicipital e patelar vivos. Sinais de Babinski, Trommer e Hoffmann presentes bilateralmente. A sensibilidade superficial e profunda estava alterada nos membros, mais intensamente no MIE. Foi aplicado o MEEM, onde a paciente pontuou 21 de 30. As ressonâncias magnéticas de crânio e coluna cervical, realizadas em 2006 e 2008, foram normais, a lombar mostrou abaulamentos discais difusos.

Relato de caso Em 2007, eletroneuromiografia demonstrou alterações sugestivas de paraparesia espástica hereditária. O Vídeo- EEG, em 2009, demonstrou desorganização difusa da atividade elétrica cerebral e atividade epileptiforme de projeção generalizada, por vezes focal. Durante as crises a paciente apresentou mioclonias em MMSS, associadas a descarga generalizada concomitante, evoluindo para crise tônico-clônico generalizada assimétrica, de padrão elétrico generalizado, com ou sem acentuação focal em região temporal esquerda. Em 2010 foi diagnosticada com DL por biópsia de glândulas apócrinas da pele. Atualmente a paciente não apresenta crises, e está em uso de Divalproato sódico, baclofeno, lamotrigina, venlafaxina, ácido fólico e vitaminas A e D. Imagem 1 Corpos de Lafora em biópsia axilar corados com Hematoxilina e Eosina (esquerda) e PAS (direita). Fonte: Gökdemir et al, 2012.

Conclusão Apesar da raridade, é importante considerar a doença de Lafora como diagnóstico diferencial das epilepsias mioclônicas progressivas em adultos, mesmo com quadros de evolução lenta. Mesmo com tratamentos ainda pouco eficazes e sintomáticos, o diagnóstico correto e precoce é fundamental para melhorar o controle da doença e a qualidade de vida dos pacientes. Referências MONAGHAN, T.S.; DELANTY, N. Lafora Disease: Epidemiology, Pathophysiology and Management. CNS Drugs, v. 24, n. 7, p. 549-61, 2010. DE QUADROS, A. et al. Doença de Lafora e Distúrbios do Movimento - Relato de dois casos. Arq. Neuropsiquiatr., v. 58, n. 3-A, p. 720-3, 2000. GÖKDEMIR, S. et al. Presentation of an unusual patient with Lafora disease. Epileptic Disord., v. 14, n. 1, p. 94-8, mar./2012. FERLAZZO, E. et al. Mild Lafora disesase: Clinical, neurophysiologic, and genetic findings. Epilepsia, v. 55, n. 12, p. e129-33, 2014. JARA-PRADO, A. et al. Late onset Lafora disease and novel EPM2A mutations: Breaking paradigms. Epilepsy Research, v. 108, p. 1501-10, 2014.