PEDAGOGIA DA AÇÃO COMUNICATIVA: UMA LEITURA DE HABERMAS. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

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Transcrição:

PEDAGOGIA DA AÇÃO COMUNICATIVA: UMA LEITURA DE HABERMAS (731) BOUFLEUER, José Pedro Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul RESUMO O trabalho projeta uma possível identidade para o educador e para a educação em função de exigências que se colocam à luz do paradigma da filosofia da linguagem e do seu conceito ampliado de razão comunicativa. Trata-se de um esforço em situar a ação educativa de frente ao potencial de racionalidade que emerge dos contextos interativos do mundo da vida e que pode ser reconstruídoteoricamente por meio da identificação das condições e pressuposições da linguagem que visa ao entendimento. Buscando inspiração e referência na reflexão filosófica de Jürgen Habermas, especialmente nos estudos que fundamentam a sua Teoria da Ação Comunicativa, o trabalho articula argumentos no sentido de que a educação só pode alcançar um bom êxito no cumprimento de suas finalidades precípuas referentes à reprodução e à renovação de tradições culturais, ao estabelecimento de solidariedades e de padrões de convivência e à socialização das novas gerações, se ela for concebida, por seus agentes, como uma ação comunicativa.

1. INTRODUÇÃO Toda abordagem que se pretende crítica necessita de um referencial que possa servir de "critério" para a crítica. De nossa parte buscamos inspiração e referência na reflexão filosófica de Jürgen Habermas, especialmente nos estudos que fundamentam a sua teoria da ação comunicativa. Filósofo alemão contemporâneo, herdeiro da Escola de Frankfurt, Habermas propõe uma mudança de paradigma: o parâmetro de racionalidade e de crítica deixa de ser o sujeito cognoscente que se relaciona com os objetos a fim de conhecê-los e manipulá-los, passando a ser a relação intersubjetiva que os sujeitos entre si estabelecem a fim de se entenderem sobre algo (Habermas, 1992,I, p. 499). Com isso as questões do mundo social e da subjetividade, que em outras abordagens ficavam à margem das decisões racionais, passam ao âmbito da crítica racional, já que são passíveis de entendimento intersubjetivo. O escopo do projeto habermasiano, pode-se dizer, consiste em elaborar uma teoria da racionalidade que contemple, além do elemento cognitivo-instrumental, o elemento prático-moral e o elemento estéticoexpressivo (Habermas, 1990b, p. 291). Para nos situarmos rapidamente podemos dizer que Habermas tematiza e reconstrói teoricamente certas condições desde sempre pressupostas na convivência humana. Especificamente são as condições pressupostas nas interações em que dois ou mais sujeitos utilizam a linguagem com a finalidade de se entenderem sobre aspectos do mundo em que vivem e do qual fazem parte. Ao apelarem para o que ele chama de "pressuposições pragmáticas" do entender-se com outro sobre algo, os sujeitos fazem "valer algo parecido com uma razão comunicativa" (Habermas, 1993, p. 98). Tal razão vai constituir-se, para Habermas, numa referência crítica para a avaliação dos limites e possibilidades de outras manifestações de racionalidade e, conseqüentemente, de outros paradigmas filosóficos. Resgatada e devidamente identificada, a racionalidade comunicativa mostra-se atuante no processo de reprodução da sociedade sob o ponto de vista de suas estruturas simbólicas: as tradições culturais, as solidariedades sociais e as identidades pessoais. Com isso o conceito de agir comunicativo torna-se importante e fecundo no campo das ciências sociais, uma vez que revela o modo de racionalidade presente em processos de reprodução da sociedade. Reprodução no sentido de integração social operada através da reprodução simbólica do mundo da vida.

Nossa intuição quanto à possível fecundidade da reflexão habermasiana para a educação se deve à constatação de que os objetivos gerais da educação se colocam na perspectiva de uma integração social em que se buscam reproduzir e renovar as tradições culturais, estabelecer as solidariedades e os padrões de convivência e socializar as novas gerações, permitindo o desenvolvimento de identidades pessoais. Nesse sentido queremos propor o espaço da educação como um espaço privilegiado do agir comunicativo. Além disso acreditamos que a elaboração teórica de Habermas evoca um grande sentido pedagógico que, a nosso ver, importa ser explicitado. Em linhas gerais o referencial habermasiano permitirá o questionamento das posições teóricas e práticas vinculadas ao paradigma da filosofia da consciência, ou seja, ao modelo de pensamento baseado numa razão monológica, tal como esta se expressa a partir das relações que um sujeito isolado estabelece com os objetos do mundo. A limitação do paradigma da filosofia da consciência reside no seu estreitamento cognitivo-instrumental, cujo resultado é a incapacidade de resolver adequadamente as complexas questões implicadas na educação, especialmente as que dizem respeito à formação e constituição dos sujeitos nas e através de suas interações sociais. 2. A EDUCAÇÃO COMO AÇÃO SOCIAL O objeto de investigação deste trabalho são as atividades que sujeitos realizam com outros sujeitos em vista de objetivos considerados educacionais. O que conta, portanto, são os processos pedagógicos e não eventuais processos autodidáticos. A própria noção de pedagogia implica uma relação entre sujeitos, isto é, uma interação. Uma interação marcadamente dialética, em que "homens educam outros homens em homens" (Kant). Tornamo-nos propriamente humanos graças à pedagógica relação que estabelecemos com a geração mais velha e com nossos coetâneos. Desde a mais tenra idade, outras pessoas, nossos pais e educadores, irmãos e companheiros interagem conosco estabelecendo entendimentos sobre "aspectos do mundo", a fim de que possamos nos desenvolver como indivíduos socializados. Dentre os diferentes contextos em que a interação educativa ocorre a escola se destaca como o lugar em que, de forma intencional e planejada, as novas gerações recebem o aprendizado relativo à tradição cultural, à inserção na sociedade e à formação da personalidade.

A educação, indiferentemente do conceito que adotamos, sempre se apresenta como uma ação entre sujeitos, isto é, como uma ação social. Toda ação social é uma interação e pode ser definida como solução de um problema de coordenação entre os planos de ação de dois ou mais atores, de forma que as ações de um possam ser engatadas nas ações de outro (Habermas, l990a, p. 70-1). Um problema de coordenação só se coloca a partir do momento em que um ator somente pode executar seu plano de ação envolvendo e interagindo com, pelo menos, um outro ator. Uma sala de aula, por isso, constitui um espaço social em que ocorre um problema de coordenação. Os indivíduos ali presentes só conseguirão estabelecer um entrelaçamento de seus planos de ação se de alguma forma restringirem suas próprias possibilidades de escolha. E o resultado desse entrelaçamento de planos particulares de ação é o que constitui a ação social que vem a ser a educação. 3. MECANISMOS DE COORDENAÇÃO DAS AÇÕES SOCIAIS Para a viabilidade de uma ordem social é necessário que se estabeleçam certos padrões de interação que permitam um entrelaçamento regular e estável de ações. Para que isso ocorra é necessário que as ações sejam coordenadas segundo regras, ou seja, que obedeçam a um mecanismo de coordenação (Habermas, 1989, p.479). E é exatamente sob o ponto de vista do mecanismo que é utilizado para a coordenação das ações particulares que os conceitos de ação social podem ser distinguidos. Podemos distinguir basicamente dois mecanismos de coordenação e, conseqüentemente, dois tipos de ação social ou de interação. A coordenação das ações conta ou "com um influxo empírico de ego sobre alter ou com o estabelecimento de um acordo racionalmente motivado entre ego e alter" (Habermas, l989, p. 483). No primeiro caso temos uma interação de tipo estratégico; no segundo, uma interação de tipo comunicativo(732). Essas duas formas básicas de interação podem ser melhor explicitadas a partir do tipo de saber que nelas está encarnado e do diferente uso que é feito da linguagem. Toda ação se baseia num saber ou, se preferirmos, é a manifestação de um saber ou de uma convicção. No caso de uma ação social, o que se manifesta pode ser tanto a expressão de um saber comum como, também, a expressão de uma imposição de uns

sobre outros. As duas possibilidades demarcam o uso de distintos mecanismos de coordenação da ação. Na orientação para o acordo, própria do agir comunicativo, pressupõe-se que os participantes da interação possam chegar a um saber comum. Chamo comum a um saber que funda acordo, sendo que tal acordo constitui o resultado de um reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validez susceptíveis de crítica. Acordo significa que os participantes aceitam um saber como válido, quer dizer, como intersubjetivamente vinculante. (Habermas, 1989, p.481) Em outros termos, no agir comunicativo pressupõe-se que os participantes possam chegar, por manifestações de apoio ou de crítica, a um entendimento acerca do saber que deve ser considerado válido para o prosseguimento da interação. Nesse caso, as convicções intersubjetivamente compartilhadas constituem um potencial de razões que vinculam os sujeitos em termos de reciprocidade. Já no mecanismo da influenciação recíproca, própria do agir estratégico, o ator não vê no companheiro da interação um sujeito com o qual é possível estabelecer um acordo intersubjetivo. Por isso sua opção será a de agir sobre ele, de induzi-lo a aceitar uma convicção como válida, utilizando-se, num caso mais extremo, até de mentiras e de ameaças. O que lhe importa é a busca de êxito com relação aos fins que ele projeta sob o seu exclusivo ponto de vista. O outro, com seu plano de ação ou sua convicção, é visto como obstáculo ou como meio para a realização de seu próprio plano de ação. A interação que resulta desse influxo externo de uns sobre outros se assenta em convicções monológicas e por isso não consegue estabelecer o mesmo vínculo de reciprocidades que caracteriza a orientação para o acordo (Habermas, 1989, p. 482). Vejamos ainda como os mecanismos de coordenação se distinguem a partir de um distinto uso da linguagem. Toda ação social, como solução de um problema de coordenação, implica algum tipo de comunicação lingüística ou, pelo menos, um intercâmbio de informações. Sem isso obviamente nenhum tipo de entrelaçamento de ações particulares é possível. No mecanismo estratégico, a linguagem aparece tãosomente como meio de transmissão de informações, sendo que o efeito de coordenação ocorre por força de influências recíprocas em que os atores perseguem fins. Já no mecanismo comunicativo a linguagem aparece como geradora de entendimento e fonte

de integração social (Habermas, l990a, p. 7l). O que precisa ser destacado é que os dois mecanismos de coordenação acima referidos excluem-se mutuamente, ao menos na perspectiva dos participantes, já que "os processos de entendimento não podem empreender-se simultaneamente com a intenção de chegar a um acordo com um participante na interação e de exercer influência sobre ele, quer dizer, de realizar causalmente algo nele" (Habermas, l989, p. 482). Um acordo depende de contextos de cooperação, uma vez que ele não pode ser imposto de fora ou ser forçado por uma das partes, seja por gratificação ou ameaça, sugestão ou engano. Predomina aqui o enfoque intersubjetivo, em que falantes e ouvintes buscam entender-se sobre determinada situação e a forma de dominá-la. Já no mecanismo da influenciação o ator assume o enfoque objetivador em que os outros aparecem como rivais ou entes manipuláveis (Id.ib.). O potencial analítico das categorias de agir estratégico e de agir comunicativo fica mais evidente com a consideração do modelo de racionalidade que subjaz a cada um desses tipos de ação. 4. MODELOS DE RACIONALIDADE Os modelos de racionalidade remontam às duas relações fundamentais em que o homem se envolve ao realizar suas ações: as relações com a natureza e as relações com os outros homens. Com a natureza a relação é de conhecimento e de domínio; com os outros homens a relação tem a característica básica de uma interação simbolicamente mediada (Oliveira, 1989a, p. 15-6). A noção de "racionalidade" emerge exatamente dessa capacidade de o homem agir sobre a natureza e de interagir (simbolicamente) com os outros. Na realidade somente às pessoas atribuímos o predicado de racionais ou de irracionais, e isso tãosomente sob o ponto de vista do que falam ou do que fazem. Interagindo pela fala ou agindo pela intervenção na natureza, as pessoas podem comportar-se de forma mais ou menos racional. O que determina então a racionalidade de uma fala ou de uma ação? A primeira impressão é a de que a racionalidade está na dependência da confiabilidade do tipo de saber que a fala expressa ou que a ação encarna. De fato há uma estreita relação entre

racionalidade e saber, mas Habermas argumenta que a racionalidade diz respeito nem tanto ao saber em si ou à sua aquisição, e sim à forma como os sujeitos capazes de linguagem e de ação fazem uso desse saber (l992,i, p. 24). Um cientista, por exemplo, não pode ser chamado de irracional por ter trabalhado com uma teoria que mais tarde tenha se mostrado como não confiável. Da mesma forma não podemos dizer que uma pessoa tenha tido um comportamento irracional por ter manifestado uma opinião não confirmada pelos fatos posteriores. Sendo que o critério de racionalidade está na forma como os sujeitos fazem uso do saber encarnado em suas ações e manifestações simbólicas, podemos chamar de racional o sujeito que é capaz de fundamentar a convicção que motiva sua ação ou sua fala e que, em princípio, sempre é susceptível de crítica. Assim, tanto nas suas ações sobre a natureza como nas suas manifestações simbólicas, um sujeito pode ser considerado racional à medida que age de modo intencional, isto é, persegue um sentido motivado e fundamentado. No caso de uma ação sobre a natureza(733) a racionalidade reside na capacidade de o agente dar garantias, a um possível observador crítico, de que sua intervenção alcançará o êxito esperado, isto é, que será eficaz. Já no caso de uma manifestação simbólica a racionalidade reside na capacidade do falante justificar, caso seja questionado por algum interlocutor, que sua opinião é verdadeira, justa ou sincera, ou seja, que ela é válida (Habermas, 1992,I, p. 28). Manifestações simbólicas com pretensões justificadas de validade e ações sobre a natureza com pretensões fundamentadas de eficácia são sinais de racionalidade que podem ser atribuídos aos sujeitos capazes de linguagem e de ação. Mas podemos ver que, em cada um desses casos, há diferentes conjuntos de regras ou normas que são observados. A partir do esclarecimento das regras ou normas que são seguidas na realização de uma ação podemos distinguir diferentes modelos de racionalidade. A análise das ações do homem sobre a natureza explicita um conjunto de regras técnicas fundamentadas num saber empírico que "aponta para as condições necessárias a uma intervenção, eficiente do ponto de vista causal, no mundo dos estados de coisas existentes" (Habermas, 1990a, p. 70). Como essas regras técnicas enfatizam a busca dos fins previamente definidos sob determinadas condições, temos aí o modelo de uma racionalidade cognitivo-instrumental.

A análise das manifestações simbólicas por sua vez revela a operatividade de um conjunto de normas que aponta para as "condições de validade exigidas para atos de fala, por pretensões de validez, que se manifestam através de atos de fala, e por razões para o resgate discursivo dessas pretensões" (Id. ib.). Em outros termos, nas manifestações simbólicas os sujeitos estabelecem expectativas recíprocas de comportamento visando à compreensão e ao reconhecimento de convicções. Como, neste caso, as normas se orientam para a construção da vida intersubjetiva, configura-se aí o modelo de uma racionalidade comunicativa. A reflexão sobre a racionalidade aponta, portanto, para duas direções distintas que podem ser tomadas. Se tomarmos como modelo as ações do homem sobre a natureza, em que há a utilização de um saber (convicção) não-comunicativo, estaremos optando por um conceito de racionalidade cognitivo-instrumental que "tem a conotação de uma auto-afirmação com êxito no mundo objetivo possibilitada pela capacidade de manipular informadamente e de adaptar-se inteligentemente às condições de um entorno contingente" (Habermas, l992,i, p. 27). Mas se tomarmos como modelo as manifestações simbólicas dos homens, que encarnam saberes (convicções) intersubjetivamente partilhados, estaremos optando por um conceito de racionalidade comunicativa. Esse conceito aponta para a capacidade de agir sem coações e de produzir consensos mediante a fala argumentativa, com o que os sujeitos da comunicação "asseguram a unidade do mundo objetivo, a intersubjetividade do contexto em que desenvolvem suas vidas" (Id. ib.). Com as distinções até aqui feitas não estabelecemos qualquer forma de crítica com relação a um ou outro modelo de racionalidade. Tanto ações de caráter cognitivoinstrumental como ações orientadas ao entendimento são comuns e indispensáveis no nosso dia-a-dia. Mas pode acontecer que, em situações de relacionamento humano em que, sob o ponto de vista crítico, seria exigido o mecanismo do entendimento, ocorram ações caracterizáveis pela racionalidade que emerge das relações de domínio do homem sobre a natureza. É isso que acontece, na verdade, no agir estratégico, onde as relações entre as pessoas assumem as características de uma manipulação instrumental. O agir comunicativo resulta da aplicação, em contextos de ação social, do modelo de racionalidade que emana dos processos de entendimento lingüístico que buscam o reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validez criticáveis. Já o agir

estratégico resulta da aplicação, em contextos de ação social, do modelo de racionalidade que emana dos processos de intervenção na natureza com o fim de uma manipulação com êxito. No primeiro caso a linguagem aparece com todo o seu potencial de motivar a convicção e de gerar consenso. No segundo ela não passa de um meio de transmissão de informações e de influência de uns sobre os outros e sobre a situação da ação, induzindo o comportamento. No momento em que queremos tornar reflexivamente crítica a ação social que é a educação faz-se necessário um esclarecimento acerca dos limites e das possibilidades desses modelos de racionalidade. Não fica difícil perceber que uma concepção de educação baseada no paradigma da consciência, centrada no sujeito, não consegue oferecer uma solução adequada para as questões relativas à convivência das pessoas, mormente para as que envolvem noções de dever e de justiça. Só o conceito de uma racionalidade comunicativa, centrada na intersubjetividade, pode dar conta das múltiplas dimensões que fazem parte dos processos educativos. 5. "PEDAGOGIA DA AÇÃO COMUNICATIVA" COMO ATITUDE FUNDAMENTAL VOLTADA AO ENTENDIMENTO A partir desse momento tomaremos o conceito de ação comunicativa enquanto mecanismo que permite estabelecer relações interpessoais no âmbito de uma sala de aula. Assim, veremos como os princípios de uma coordenação comunicativa das ações se aplicam às interações professor aluno, enfatizando as atitudes fundamentais requeridas para tal. Retomando o que acima explicitamos, toda ação educativa se apresenta como uma ação social. Assim, indiferentemente de compreendermos a educação ou como um ato de construção de conhecimento, ou como uma prática da liberdade, ou como um processo de formação humana, sempre estaremos pressupondo que se trata de uma ação social ou de uma interação. Esse ponto de partida é fundamental, já que os conceitos de agir comunicativo e de agir estratégico se aplicam a contextos de interação humana em que as ações particulares necessitam ser coordenadas. À luz desses dois conceitos, que representam distintos modos de ação social definidos com base no mecanismo de coordenação utilizado, podemos, agora, refletir criticamente sobre o agir pedagógico. O agir pedagógico realizado de modo sistemático em contextos escolares pode

ser concebido, basicamente, de duas maneiras distintas na perspectiva dos agentes educativos: ou ele é entendido como um agir sobre os outros, ao modo de uma ação estratégica de influenciação e de manipulação, ou ele é entendido como um agir com os outros, ao modo de uma ação comunicativa, baseada na colaboração e cooperação entre as partes envolvidas. A escola é o lugar de uma ação social em que, de forma intencional e planejada, as novas gerações recebem o aprendizado relativo à tradição cultural, à inserção na sociedade e à formação da personalidade. E ao concordarmos com Habermas que esse tipo de ação, concernente à reprodução dos componentes simbólicos do mundo da vida, necessita da "hermenêutica natural da comunicação cotidiana e, portanto, do meio que representa a formação lingüística de consenso" (1989, p. 504), somos levados a propor uma "pedagogia da ação comunicativa", em oposição a uma eventual "pedagogia da ação estratégica", baseada no mecanismo da influenciação causal recíproca. As distinções entre agir comunicativo e agir estratégico, bem como a proposição de uma pedagogia da ação comunicativa, se inscrevem na perspectiva de quem participa das ações pedagógicas. É como se os agentes educativos refletissem sobre as possíveis atitudes a serem tomadas de frente aos demais sujeitos que fazem parte do processo educativo. Não se trata, portanto, de um olhar "de fora", como o do cientista social que busca descrever objetivamente o que acontece ou pode acontecer na educação. Dito de outro modo, não se trata de um referencial que permite um ajuizamento objetivo ou um "enquadramento" das diferentes práticas educativas existentes. O teórico da educação, ou o cientista social que sobre o fenômeno da educação se debruça, não pode querer ver, nas práticas que analisa, ou só ações comunicativas ou só ações estratégicas. Isso porque "mediante engano e auto-engano [dos participantes] surgem as mencionadas formas mistas; e para o observador muitas vezes será difícil fazer uma adscrição ou imputação correta" (Habermas, 1989, p. 456). Para o observador externo, portanto, a orientação ao êxito e a orientação ao entendimento podem se apresentar como aspectos analíticos de um mesmo comportamento. Conseqüentemente, o agir educativo, assim visto, se apresentará como um agir social bastante complexo, cuja caracterização não poderá ser feita na perspectiva de duas alternativas mutuamente excludentes.

A situação, porém, muda de figura na perspectiva dos participantes de uma interação, já que esses " em cada fase de uma interação, ainda que só seja de forma vaga e intuitiva, podem saber se, de frente aos demais participantes, estão adotando uma atitude estratégica-objetivante ou uma atitude orientada ao consenso" (Habermas, 1989, p. 456). No caso da interação pedagógica, os sujeitos nela envolvidos, de uma forma ou de outra, acabam se encaminhando para uma das duas alternativas. Em sua perspectiva, portanto, a ação educativa assume a forma de um agir comunicativo se a opção for por um mecanismo de coordenação que vise ao acordo, ou assume a forma de um agir estratégico, se a opção for por um mecanismo de coordenação baseado na influenciação recíproca. De acordo com Habermas, "à medida que as interações não ficam coordenadas através do entendimento, a única alternativa é a violência que uns exercem contra os outros (de forma mais ou menos sublimada, de forma mais ou menos latente)" (Habermas, 1989, p. 459). Mesmo que haja opção intencional pelo mecanismo que vise ao acordo, não podemos imaginar a sala de aula como uma espécie de "santuário do agir comunicativo", como um lugar em que a comunicação ocorreria sem nenhum tipo de transtorno, com total transparência de sentidos e de intenções. O próprio Habermas reconhece a possibilidade de uma utilização estratégica de expressões simbólicas em ações que, em seu fim último, visam ao entendimento: quanto mais difusa é a situação de ação, quanto mais necessita ser estruturada na discussão mesma, tanto mais os participantes hão de lançar mão na interação (...) de meios de entendimento indireto. Quando está fechado o caminho do entendimento direto, se vêem diante da necessidade de "dar a entender algo" a seu próximo, de "induzi-lo" que faça uma idéia ou tome uma decisão. Mas também nestes casos os meios de comunicação, empregados aqui estrategicamente, servem ao fim do entendimento; pois de outro modo não se trataria só de aspectos estratégicos de uma seqüência de interação que, em conjunto, se endereça ao entendimento, mas de um tipo de ação distinto. (Habermas, 1989, p. 455-6) Com base nessas considerações vemos que o agir comunicativo e o agir estratégico constituem modos de ação mutuamente excludentes na perspectiva dos participantes quando se apresentam como atitudes fundamentais de comportamento. Conseqüentemente, entendemos por "pedagogia da ação comunicativa" aquela que, da

parte de seus proponentes ou participantes, vem marcada por uma atitude fundamental voltada ao entendimento. Com isso a clarificação conceitual da categoria de ação comunicativa adquire uma importância significativa para a reflexividade crítica da prática educativa, mormente para os professores. 6. OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO À LUZ DOS PRESSUPOSTOS DO AGIR COMUNICATIVO É na sala de aula que ocorre todo um processo mediante o qual as novas gerações são socializadas graças à pedagógica relação que estabelecem com as gerações adultas. Socializar os indivíduos das novas gerações significa permitir que desenvolvam as capacidades de que necessitam para participarem ativamente do processo social. Nesse sentido a educação se apresenta, fundamentalmente, como uma ação humanizadora, formadora de sujeitos racionais, que implica em pressupostos antropológicos que podem ser explicitados. Essa dimensão humanizadora da educação pretendemos agora focalizar à luz dos pressupostos que subjazem a uma "pedagogia da ação comunicativa". A teoria de Habermas constitui uma reconstrução teórica das condições e pressuposições de uma comunicação que visa ao entendimento. Assim sendo, ela não se ocupa, propriamente, dos pressupostos filosófico-antropológicos do agir comunicativo, mas, sim, das condições de sua racionalidade. Isso, porém, não significa que o agir comunicativo não expresse uma certa concepção antropológica, isto é, um certo modo de encarar o ser humano e a vida em sociedade. Para os objetivos da nossa investigação isso significa que há a possibilidade de falarmos acerca de atitudes e comportamentos que, numa perspectiva do agir comunicativo, devem se fazer presentes nos sujeitos da educação. A partir da teoria da ação comunicativa a relação professor aluno aparece sob o horizonte da autoconstituição da humanidade enquanto humanidade solidária, e que implica o reconhecimento mútuo de sujeitos. A liberdade solidária dos comunicantes requer a superação de toda e qualquer forma de opressão que negue o homem. Falar é entender-se com outros sobre algo a partir de uma determinada compreensão global da vida humana. Falando, os sujeitos levantam, reciprocamente, determinadas pretensões a respeito dos fatos do mundo, das normas sociais e das suas

vivências subjetivas. A linguagem é, assim, não só a memória coletiva, que fornece a uma comunidade humana um reservatório de esquemas interpretativos do mundo, mas também aquele espaço em que as pretensões, implicitamente levantadas, podem ser testadas na sua validade. A fala sempre pode desembocar num discurso, isto é, num processo argumentativo. Ora, quem argumenta reconhece, implicitamente, cada parceiro da argumentação como alguém capaz de captar sentido e de pautar seu comportamento a partir do sentido captado. Ou seja, o parceiro da argumentação emerge como alguém que me interpela ao reconhecimento de sua igual dignidade enquanto ser do sentido; ele é, portanto, portador dos mesmos direitos fundamentais. A abertura da linguagem humana a um processo de argumentação revela algo fundamental na vida humana: a argumentação pressupõe como sua condição de possibilidade, o reconhecimento recíproco de todos os seus membros como parceiros de igual direito, ou seja, o reconhecimento universal dos homens entre si como sujeitos. (Oliveira, l989a, p. 23) Esboça-se, assim, o sentido da relação pedagógica a partir das pressuposições da linguagem comunicativa. Pode-se, inclusive, dizer que a "situação ideal de fala", exigida pela ação comunicativa, projeta uma "situação ideal de relacionamento humano". Uma pedagogia que se inspira no paradigma da comunicação se apresenta como práxis emancipatória, humanamente libertadora, pois implica o reconhecimento de cada sujeito como um "outro", distinto e livre, possuidor de seu próprio horizonte de sentido. Na comunicação solidária o outro aparece em sua dignidade própria, como alguém que não pode ser reduzido a aspecto ou momento de um sistema qualquer (Boufleuer, 1991, p. 110). Na ação comunicativa os sujeitos assumem o enfoque performativo do recíproco reconhecimento. Supera-se, assim, o enfoque objetivador, em que os outros aparecem como objetos ou entes manipuláveis. Por isso, quando os pressupostos da comunicação dão lugar àqueles que regem a manipulação, o engano ou a coação, desfazem-se, também, aquelas condições que, em nosso ver, deveriam estar presentes numa ação educativa. Não há dúvida de que as posturas objetivadoras afetam negativamente as relações pedagógicas, resultando em práticas autoritárias e desumanizadoras. Na literatura pedagógica tal problemática tem sido enfrentada, via de regra, mediante a proposição de virtudes pedagógicas, numa espécie de apelo à boa vontade dos agentes

educativos(734). Já na perspectiva que estamos encetando, são as próprias condições e exigências do entendimento lingüístico que requerem a superação dessas posturas objetivadoras nas relações pedagógicas. Isso porque, (...) é do seio mesmo da práxis comunicativa que o homem se revela como aquele que é irredutível a algo manipulável e se tematiza o sentido radical de seu agir histórico, pois a práxis comunicativa, como práxis argumentativa potencial, pressupõe, como condição de possibilidade, o mútuo reconhecimento de todos os membros desta comunidade, numa palavra, em príncípio, todos os homens, como parceiros de igual direito, capazes de captar o sentido das pretensões levantadas e das razões apresentadas para sua legitimação. Ora, isto significa reconhecer o homem como um ser consciente e livre, capaz de autodeterminação a partir de sua própria razão e, portanto, como um ser autotélico, não simplesmente redutível à manipulação. (Oliveira, 1989b, p. 186) Por fim, numa relação pedagógica comunicativamente concebida, os educadores e educandos se inserem no processo em que são reproduzidas as tradições culturais, renovadas as solidariedades e socializadas as novas gerações, e (...) já não aparecem então como causadores que dominam situações com o auxílio de ações responsáveis, mas sim como produtos das tradições, em que se encontram, dos grupos solidários a que pertencem e dos processos de socialização nos quais se desenvolvem. (Habermas, 1990b, p. 279)

BIBLIOGRAFIA BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia latino-americana: Freire e Dussel. Ijuí : Ed. UNIJUÍ, 1991. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid : Cátedra, l989. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1990a. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa : Dom Quixote, 1990b. Teoría de la acción comunicativa. Madrid : Taurus, 1992 (2ª reimp.). Tomos I e II. Passado como futuro. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, l993. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Escola e sociedade: a questão de fundo de uma educação libertadora. Revista de Educação AEC. Brasília : 18(71):15-27, jan. mar. 1989a. A filosofia na crise da modernidade. São Paulo : Loyola, 1989b.