Consumo de álcool e o efeito do polimorfismo da ApoE nos níveis de colesterol LDL entre homens idosos: resultados do Projeto Bambuí Sérgio V. Peixoto 1,2, Thiago A.F. Corrêa 1, Maristela Taufer 3, Emilio H. Moriguchi 4, Maria Fernanda Lima-Costa 1 1 Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (NESPE) da Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil. 2 Escola de Nutrição. Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Ouro Preto, MG, Brasil. 3 CMIC Brasil Pesquisas Clínicas, Porto Alegre, RS, Brasil. 4 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade do Vale dos Sinos, Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. Apoio Financeiro: CNPq e Fapemig
Introdução Apolipoproteína E (apoe) A apoe é sintetizada principalmente pelo fígado e participa do transporte de lipídeos entre diferentes tecidos ou células do organismo. O gene que codifica a apoe (ApoE) está localizado no cromossomo 19 e apresenta 3 alelos (ε2, ε3, ε4) e seis genótipos possíveis (ε2ε2, ε2ε3, ε2ε4, ε3ε3, ε3ε4 e ε4ε4). Variações na freqüência dos alelos: ε3: 50 a 90% ε4: 5 a 35% (mais comum em populações do norte europeu e África) ε2: 1 a 15% (quase ausente nas populações ameríndias) (Corbo & Scacchi, 1999; Gerdes et al., 1996; Demarchi et al., 2005)
Introdução Associação entre ApoE e níveis de colesterol LDL no sangue De maneira geral (em comparação com o alelo ε3): ε2 baixo LDL ε4 alto LDL (Wilson et al., 1994; Braeckman et al., 1996; Srinivasan et al., 2001) (Strittmatter & Hill, 2002)
Introdução Associação entre ApoE e níveis de colesterol LDL no sangue Resultados do Projeto Bambuí Associação entre o genótipo da ApoE e os níveis de lipídeos entre idosos. Projeto Bambuí, 1997 Genótipo da ApoE Colesterol LDL (mg/dl) Colesterol HDL (mg/dl) Triglicérides (mg/dl) ε3ε3 155,85 (1,50) 48,99 (0,49) 147,63 (3,34) ε2ε2, ε2ε3 140,46 (3,56)* 50,95 (1,16) 167,11 (7,84)*** ε3ε4, ε4ε4 161,91 (2,47)** 48,20 (0,81) 153,63 (5,47) Média (erro padrão) ajustada por idade e gênero. *p < 0,001; **p = 0,036; ***p = 0,022 comparado com o grupo ε3ε3 (regressão linear múltipla). (Fuzikawa et al., 2008)
Introdução ApoE x colesterol LDL Essa associação não foi observada em algumas populações. (Kao et al., 1995; Deiana et al., 1998; Aguilar et al., 1999) Algumas variáveis podem modificar o efeito da ApoE nos níveis de LDL: idade, sexo, etnia, dieta, tabagismo, consumo de álcool, diabetes, obesidade, etc. (Jarvik et al., 1994; Pablos-Mendez et al., 1997; Aguilar et al., 1999; Djoussé et al., 2000; Corella et al., 2001; Bernstein et al., 2002; Marques-Vidal et al., 2003)
Introdução Álcool, ApoE e colesterol LDL Consumo de álcool é associado com doença coronariana. (Kiechl et al., 1998; McElduff et al., 1997) A associação do consumo de álcool com doença coronariana pode ser mediada pelos níveis de lipídeos no sangue (Hein et al., 1996; Rimm et al., 1999), mas o efeito do álcool no nível de LDL ainda não está claro. (McConnell et al., 1997; Rakic et al. 1998) Sugere que outros fatores podem influenciar esta associação. ApoE?
Objetivo Brasil Os estudos sobre o polimorfismo da ApoE são raros, sobretudo entre idosos. (Crews et al., 1993; de Andrade et al., 2000; Schwanke et al., 2002; de Andrade et al., 2002; De Franca et al., 2004; Oria et al., 2005; Gottlieb et al., 2005; Demarchi et al., 2005; Fuzikawa et al., 2007; Lima-Costa et al., 2007; Mendes-Lana et al., 2007; Fuzikawa et al., 2008) Objetivo Avaliar se o consumo de álcool modifica a associação entre o polimorfismo da ApoE e os níveis de colesterol LDL entre idosos do Projeto Bambuí.
Metodologia Projeto Bambuí Estudo conduzido na cidade de Bambuí, MG, Brasil (~15.000 habitantes). Inquérito de saúde 1996 Amostra aleatória de 1.161 residentes com idade >20 anos 87,7% entrevistados Estudo de coorte 1997 Todos os residentes com idade >60 anos (1.742) 92,2% entrevistados 85,9% examinados Seguimentos anuais (Lima-Costa et al., 2000)
Metodologia Variáveis O DNA foi previamente extraído a partir de leucócitos sanguíneos. Amostras de DNA foram amplificadas pela reação em cadeia da polimerase (PCR). O DNA amplificado foi submetido à técnica de polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição (RFLP), com digestão pela enzima HhaI. Consumo de álcool: relato de uma ou mais doses por semana de qualquer bebida alcoólica nos últimos 12 meses. Cartões com a representação da quantidade de líquido correspondente a uma dose de cerveja, vinho ou aguardente. (CDC, 1994) Os níveis de colesterol LDL foram determinados após jejum de 12 horas utilizando kits comerciais (Boehringer Mannhein, Germany) e um analisador automatizado (Eclipse Vitalab, Merck, Netherlands). (Lima-Costa et al., 2000)
Metodologia Análise A variável de exposição foi o genótipo da ApoE, considerando três grupos: ε3 (ε3ε3 referência), ε2 (ε2ε2 e/ou ε2ε3) e ε4 (ε3ε4 e/ou ε4ε4). Os indivíduos do grupo ε2ε4 (1,4%) foram excluídos da análise devido aos efeitos opostos desses dois alelos nos níveis de LDL. Regressão linear múltipla: estimar o efeito do genótipo nos níveis de LDL, estratificado por sexo e consumo de álcool, e ajustada por idade. Stata versão 10.0 (Stata Corporation, College Station, TX, USA).
Resultados Características Participaram 1406 idosos (80,7% de todos os indivíduos com idade >60 anos). Distribuição da ApoE: 891 (63,4%) - homozigotos para o alelo ε3; 162 (11,5%) - apresentaram o alelo ε2 (ε2ε2 e/ou ε2ε3); e 333 (23,7%) - apresentaram o alelo ε4 (ε3ε4 e/ou ε4ε4). Consumo de pelo menos 1 dose de bebida alcoólica por semana no último ano: 43,7% dos homens e 7,2% das mulheres.
Resultados ApoE x álcool LDL Distribuição do colesterol LDL entre homens idosos, segundo o genótipo da ApoE. Projeto Bambuí, 1997. Colesterol LDL (mg/dl) 180 170 160 150 140 130 120 110 * ε2 ε3 ε4 Não Sim Consumo >= 1 dose por semana * p=0,018 (comparado com o grupo ε3ε3)
Resultados ApoE x álcool LDL Distribuição do colesterol LDL entre mulheres idosas, segundo o genótipo da ApoE. Projeto Bambuí, 1997. Colesterol LDL (mg/dl) 180 170 160 * 150 * 140 130 120 110 Não Sim Consumo >= 1 dose por semana * p<0,05 (comparado com o grupo ε3ε3) ε2 ε3 ε4
Resultados ApoE x álcool LDL Influência da interação ApoE x álcool nos níveis de LDL. Projeto Bambuí, 1997. Interação ApoE-álcool β Homens Erro padrão Valor p β Mulheres Erro padrão Valor p ε3 x não consumo Referência - - Referência - - ε2 x consumo 5,25 11,70 0,654-22,28 20,88 0,286 ε4 x consumo 0,70 8,88 0,937-8,47 16,75 0,613 Regressão linear múltipla ajustada por idade, IMC, tabagismo e diabetes.
Conclusão Efeito modificador do álcool na associação entre ApoE e LDL O efeito do alelo ε2 na redução dos níveis de LDL foi observado apenas entre os indivíduos que relataram consumo de bebida alcoólica: - Entre homens adultos, participantes do estudo Framingham Offspring Study (mas não entre mulheres). (Corella et al., 2001) - Entre as mulheres adultas, provenientes de uma amostra de trabalhadores de Valença, Espanha (mas não entre homens). (Corella et al., 2001) No presente estudo o efeito observado foi oposto: o alelo ε2 apresentou associação com menor nível de LDL apenas entre os homens idosos que não relataram consumo de álcool.
Conclusão Outros estudos realizados em diferentes populações idosas podem melhor esclarecer o papel do álcool como modificador do efeito da associação entre ApoE e LDL. Chama atenção a importância dos estudos de interação entre idosos, uma vez que a influência de alguns fatores, que possuem efeito cumulativo, pode ser mais evidente nesta população. (Bôer et al., 1997)