Tab. 1. Propriedades físico-químicas dos anestésicos locais

Documentos relacionados
Prof. Dr. Maria Cris-na S. de Almeida Doutora pela Universidade Johannes Gutenberg/Alemanha Prof. Adjunta do Departamento de Cirurgia/UFSC

ANESTÉSICOS LOCAIS: utilização clínica

Norma Sueli Pinheiro Módolo. Depto. de Anestesiologia Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP

Korolkovas, et. al Fonte:

USO DE ANESTÉSICOS LOCAIS EM PACIENTES COM ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES. COMO SELECIONAR UMA BASE ANESTÉSICA?

Farmacologia dos Anestésicos Locais

Essa aula foi preparada de maneira a tornar desnecessária a leitura das transparências do professor.

Anestesias e Anestésicos. André Montillo

Faculdade de Imperatriz FACIMP

POTENCIAL DE MEMBRANA E POTENCIAL DE AÇÃO

Roteiro da aula. Definição de farmacocinética. Processos farmacocinéticos. Aplicações da farmacocinética

TOXICOCINÉTICA TOXICOCINÉTICA TOXICOLOGIA -TOXICOCINÉTICA

TOXICOLOGIA -TOXICOCINÉTICA. Profa. Verônica Rodrigues

São moléculas anfipáticas, grupo hidrofóbico aromático e grupo amina básico.

23/07/14 AGENTES GERAIS INTRAVENOSOS. Que são Anestésicos Gerais Intravenosos? Objetivos da Anestesia Geral Intravenosa

XILONIBSA 2% com epinefrina contém lidocaína base 31,14 mg/1,8 ml e epinefrina base 0,0225 mg/1,8 ml.

Fármacos ativadores de colinoceptores e inibidores da acetilcolinesterase

FARMACOLOGIA Aula 3. Prof. Marcus Vinícius

Professor Leonardo Resstel

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO

MEDICAMENTOS QUE ATUAM NO SISTEMA CIRCULATÓRIO

Farmacodinâmica. Alvos para a ação dos fármacos 02/03/2012. Farmacodinâmica

Anestésicos locais. Quais são as novidades para o uso: peridural e raquianestesia.

Farmacologia cardiovascular

Processo pelo qual os fármacos abandonam, de forma reversível, a circulação sistêmica e se distribuem para os Líquidos Intersticial e Intracelular.

AULA 2 FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA

APROVADO EM INFARMED

Universidade Estadual de Feira de Santana Departamento de Saúde. Antiepilépticos. Manoelito Coelho dos Santos Junior.

Introdução ao estudos da farmacologia Formas farmacêuticas Vias de administração

Cirurgia Oral 1 - Resumo Anestésicos Locais

Introdução ao estudo de neurofisiologia

LISTA DE EXERCÍCIOS 3º ANO

FOLHETO INFORMATIVO: INFORMAÇÃO PARA O UTILIZADOR

APROVADO EM INFARMED

FARMACODINÂMICA. da droga. Componente da célula c. (ou organismo) que interage com a droga e

Gel. Gel homogéneo, uniforme e transparente; não é visível qualquer aglomeração ou ar.

Turma Fisioterapia - 2º Termo. Profa. Dra. Milena Araújo Tonon Corrêa

WorkShop Anestesia Intravenosa. Dr. Daniel Volquind TSA/SBA

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO

FARMACOCINÉTICA FARMACODINÂMICA FARMACOCINÉTICA CONCEITOS PRELIMINARES EVENTOS ADVERSOS DE MEDICAMENTOS EAM. Ação do medicamento na molécula alvo;

XYLOCAÍNA Geleia 2% cloridrato de lidocaína

ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO FUNÇÕES BÁSICAS DAS SINAPSES E DAS SUBSTÂNCIAS TRANSMISSORAS

Turma Fisioterapia - 2º Termo. Profa. Dra. Milena Araújo Tonon Corrêa

Cloridrato de Lidocaína

Seminário de Farmacologia Absorção. Diellen Oliveira Gustavo Alcebíades Patrícia Matheos Raissa Batista

AGMATINE SULFATE. Ergogênico, cardioprotetor e neuroprotetor

CONCEITO FALHA CIRCULATÓRIA HIPOPERFUSÃO HIPÓXIA

Fármacos anticonvulsivantes. Prof. Dr. Gildomar Lima Valasques Junior Farmacêutico Clínico-Industrial Doutor em Biotecnologia

Anestésicos Locais. Específicos - Definição. Anestésicos Locais Histórico. Anestésicos Locais Histórico. Anestésicos Locais Histórico

Status Epilepticus. Neurologia - FEPAR. Neurofepar Dr. Roberto Caron

APROVADO EM INFARMED FOLHETO INFORMATIVO. LIDOCAÍNA E ADRENALINA LABESFAL Solução injectável. Composição:

cloridrato de lidocaína Medicamento genérico Lei nº de 1999 Cristália Prod. Quím. Farm. Ltda. Geleia 20 mg/g (2%) MODELO DE BULA PARA O PACIENTE

Bioeletricidade. Bioeletrogênese. Atividade elétrica na célula animal

PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS MÉDICO ANESTESIOLOGISTA

Farmacoterapia de Distúrbios Cardiovasculares. Profa. Fernanda Datti

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO. 1 dose de Lidonostrum Bomba-Spray 10% contém 10 mg de lidocaína base.

Comunicação entre neurônios. Transmissão de sinais no sistema nervoso

Xylestesin geleia 2% cloridrato de lidocaína. 2% (20mg/g) geleia. Cristália Prod. Quím. Farm. Ltda. MODELO DE BULA PARA O PACIENTE

PARECER TÉCNICO SOBRE USO DE SOLUÇÃO ANESTÉSICA

Ácidos, bases e sistemas tampão

IMIPRAMINA HCL. Antidepressivo Tricíclico

ANESTÉSICOS VENOSOS. Otávio Terra Leite, R1 Getúlio R de Oliveira Filho MD, PhD Comitê de Educação da WFSA Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Livro Eletrônico Aula 00 Anestesiologia para p/ CLDF (Consultor Técnico Legislativo - Dentista) Pós-Edital

Resposta fisiológica do Sistema Cardiovascular Durante o Exercício Físico

Ropi. cloridrato de ropivacaína. Solução injetável 2mg/mL 7,5mg/mL 10mg/mL. Cristália Prod. Quím. Farm. Ltda. MODELO DE BULA PARA O PACIENTE

2ª. PARTE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

Bioeletricidade. Bioeletrogênese. Atividade elétrica na célula animal

Bioeletricidade. Bioeletrogênese. Atividade elétrica na célula animal

Livro Eletrônico. Aula 00. Anestesiologia p/ TRT 18ª 2018 (Odontologia) Professor: Letícia Andrade DEMO

cloridrato de lidocaína geleia 2% (20mg/g) Cristália Prod. Quím. Farm. Ltda. MODELO DE BULA PARA O PACIENTE

AGMATINE SULFATE. Ergogênico, cardioprotetor e neuroprotetor INTRODUÇÃO

Alterações na Farmacocinética e Farmacodinâmica do Idoso

Comumente empregadas nos pacientes graves, as drogas vasoativas são de uso corriqueiro nas unidades de terapia intensiva e o conhecimento exato da

Universidade Federal Fluminense Depto. Fisiologia e Farmacologia Disciplina de Farmacologia Básica FARMACOCINÉTICA. Profa. Elisabeth Maróstica

MODELO DE BULA. CLORIDRATO DE LIDOCAÍNA Medicamento genérico Lei n 9.787, de 1999

HISTAMINA E ANTI-HISTAMÍNICOS

ANESTÉSICOS LOCAIS E SUAS APLICAÇÕES NAS DIFERENTES ÁREAS DA MEDICINA

Sistema Nervoso Central Quem é o nosso SNC?

Medicações de Emergências. Prof.º Enfº Diógenes Trevizan Especialista em Docência

1) Neurônios: Geram impulsos nervosos quando estimulados;

EXCITABILIDADE I POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO POTENCIAL DE MEMBRANA EM REPOUSO

FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR DISCIPLINA: FISIOLOGIA I

DOSE EFEITO DO ETANOL

SISTEMA TAMPÃO NOS ORGANISMOS ANIMAIS

Cloridrato de Mepivacaína Cloreto de sódio. Água para injectáveis q.b.p.

FOLHETO INFORMATIVO: INFORMAÇÃO PARA O UTILIZADOR. Leia atentamente este folheto antes de tomar este medicamento.

Classificação e Características do Tecido Nervoso

Universidade estadual do Sudoeste da Bahia Projeto de Extensão Farmacocinética Aplicada a Clínica. Parâmetros Farmacocinéticos

RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO

Xylestesin (cloridrato de lidocaína)

Sinapses. Comunicação entre neurônios. Transmissão de sinais no sistema nervoso

O POTENCIAL DE AÇÃO 21/03/2017. Por serem muito evidentes nos neurônios, os potenciais de ação são também denominados IMPULSOS NERVOSOS.

Equilíbrio ácido-básico. Monitor: Tarcísio Alves Teixeira Professor: Guilherme Soares Fisiologia Veterinária / MFL / IB / UFF

Status Epilepticus. Neurologia - FEPAR. Neurofepar Dr. Carlos Caron

LIDOJET (cloridrato de lidocaína)

1 - As linhas imaginárias facilitam a abordagem da coluna vertebral, sendo assim, responda:

Turma Nutrição - 4º Termo. Profa. Dra. Milena Araújo Tonon Corrêa

Uso de medicamentos em situações de urgência de enfermagem. Farmácia de urgência.

CLOROQUINA DIFOSFATO

Transcrição:

Anestésicos Locais Os anestésicos locais são drogas com capacidade de bloquear os impulsos neurais de forma reversível e localizada. São bases fracas constituídas de um radical aromático (lipofílica) unido a radical amina (hidrofílica) por uma cadeia intermediária com ligação éster ou amida. Eles agem bloqueando a condução neural por interferência na propagação do potencial de ação nos axônios, impedindo que o limiar de excitabilidade seja alcançado. Para que isso ocorra, a porção não ionizada (lipossolúvel) atravessa a bainha e a membrana neural. No axoplasma ocorre reequilíbrio entre ânions e cátions sendo que esses se ligam aos receptores dentro dos canais de sódio impedindo a sua ativação e, em conseqüência, a despolarização. O bloqueio neural vai depender do tamanho da fibra, da freqüência do estímulo e da escolha do anestésico. A cocaína foi o primeiro anestésico local utilizado em 1884, mas com a desvantagem de sua toxicidade e alto potencial para adição. A procaína foi introduzida em 1905 e a lidocaína em 1944. As soluções comerciais são formuladas com ph ácido para melhor estabilidade química, sendo as com vasoconstrictor com ph em torno de 4 e as sem vasoconstrictor em torno de 6. Anestésicos locais com pka próximo ao ph fisiológico vão possuir maior concentração da fração não ionizada e terão início de ação mais rápido. Sendo assim, soluções comercialmente preparadas com epinefrina são mais ácidas logo seu início de ação é mais lento que aquelas sem adição do vasoconstrictor ou as em que a epinefrina seja adicionada no momento do uso. Locais

com acidose, como em feridas infectadas e abscessos, o início de ação dos anestésicos é mais demorado. Situação inversa ocorre com a alcalinização do anestésico, onde ocorre início de ação mais rápido. Tab. 1. Propriedades físico-químicas dos anestésicos locais Anestésico local pka % ionizada Sol. Lipídica % lig. proteínas Amidas Bupivacaína 8,1 83 % 3420 95% Etidocaína 7,7 66 % 7317 94% Lidocaína 7,9 76 % 366 64% Ropivacaína 8,1 83 % 775 94% Ésteres Clorprocaína 8,7 95% 810? Procaína 8,9 97% 100 6% Tetracaína 8,5 93% 5822 94% Agente Potência relativa Ligação proteica duração Início de ação lidocaína 4 64% média Rápido 7,9 bupivacaína 16 95% longa Moderado 8,1 etidocaína 16 94% longa Rápido 7,7 procaína 1 6% curta Lento 8,9 ropivacaína 16 94% longa Moderado 8,1 pka - quanto maior a solubilidade lipídica maior a potência - quanto maior a ligação às proteínas, maior a duração de ação - quanto mais próximo o pka do anestésico do Ph tecidual, mais rápido o início de ação

Farmacologia Clínica A) Absorção a absorção sistêmica vai depender do fluxo sanguíneo local, da dose do anestésico, adição ou não de vasoconstrictor e das propriedades físico-químicas do agente utilizado. Em relação ao fluxo podemos afirmar que a absorção será em ordem decrescente a seguinte: venoso>traqueal>intercostal>caudal>para cervical>epidural>plexo braquial>ciático>subcutâneo. A presença de vasoconstrictores diminui a absorção do anestésico, prolongando sua ação e diminuindo os efeitos tóxicos. Essa ação é mais pronunciada naqueles de ação mais curta como a lidocaína. Os anestésicos com vasoconstrictores devem ser evitados em locais de circulação terminal como dedos, nariz e orelha. Também devem ser evitados em coronariopatas, hipertensos graves, vasculopatias isquêmicas, préeclâmsia e hipertireoidismo. Agentes com maior solubilidade lipídica e/ou ligação protéica terão menor absorção sistêmica e menores níveis sanguíneos. B) Distribuição órgãos com grande perfusão são responsáveis pela fase de captação rápida seguida de redistribuição mais lenta para tecidos mediamente vascularizados, sendo a musculatura um grande reservatório final. A alta ligação protéica retém o anestésico no sangue diminuindo sua captação tecidual. C) Metabolismo e excreção- C1- Ésteres- metabolizados por colinesterases plasmáticas. Um metabólito, ácido paraaminobenzóico, está associado a reações alérgicas. Exceção para a cocaína que tem metabolização parcial no fígado. C2-Amidas- metabolização hepática. Metabólitos da prilocaína podem causar metahemoglobinemia. Efeitos Clínicos e Toxicidade A) Sistema Cardiovascular os anestésicos locais deprimem a automaticidade miocárdica e diminuem a duração do período refratário por bloqueio dos canais de sódio (efeito direto) ou por inibição do sistema nervoso autônomo (efeito indireto). Acidose e hipoxemia aumentam os riscos. Vasodilatação é comum. Bupivacaína causa efeitos mais pronunciados que a lidocaína, provocando reações cardiotóxicas severas e reanimação difícil. Cocaína inibe a recaptação da noradrenalina, causando potencialização dos efeitos adrenérgicos. Além disso, causa vasoconstricção quando aplicada via tópica.

B) Sistema Respiratório causam broncodilatação e deprimem a resposta ventilatória à hipoxemia. Acidose e hipercarbia levam a vasodilatação cerebral e com isso a maiores efeitos tóxicos centrais. Além disso,a acidose diminui a ligação dos anestésicos às proteínas aumentando a fração livre e os efeitos tóxicos C) Sistema nervoso central vertigens, alterações na língua e visão borrada são sinais precoces de intoxicação. Sinais excitatórios como agitação e nervosismo precedem a depressão central (bloqueio inicial da vias inibitórias antes das excitatórias ). Cocaína estimula SNC causando euforia, tremores, vômitos, convulsões e falência respiratória. Clorprocaína no espaço subaracnóideo gera déficit neurológico devido à ação do bissulfito de sódio com o ph local mais baixo e com o EDTA. D) Reações alérgicas em geral, estão associadas aos ésteres devido ao seu metabólito o ácido para-aminobenzóico,reconhecido alérgeno. Podem ser do tipo I (IgE) ou do tipo IV (imunidade celular). Preservativos como metilparaben e metabissulfito também são responsáveis por reações alérgicas. Essas são raras com relação às amidas. Anestésicos Lidocaína Bupivacaína Levobupivacaína Ropivacaína Potência relativa para toxicidade SNC 1,0 4,0 Relação entre dose tóxica SCV/SNC 7,1 2,0

Tratamento da toxicidade 1. Profilaxia o uso de técnicas corretas e de doses e concentrações adequadas diminui o risco de efeitos tóxicos.o preparo do material e medicações necessários para o controle e tratamento das intercorrências é fundamental.uso de benzodiazepínicos venosos e a associação do anestésico local a vasoconstrictores diminui a toxicidade. 2. Suporte primário garantir ventilação e oxigenação. Controlar hipoxemia, hipercarbia e acidose. 3. Tratamento das convulsões uso de tiopental (2 a 3 mg / Kg IV), midazolan ( 2 a 5 mg IV), diazepan ( 0,2 a 0,3 mg / Kg IV ) ou propofol 1mg/Kg IV. 4. Tratamento da hipotensão e/ou bradicardia uso de atropina e/ou efedrina IV e infusão de cristalóides. Adrenalina ou noradrenalina podem ser necessárias assim como cardioversão. Doses máximas recomendadas: Bupivacaína : 2 a 3 mg / Kg Lidocaína: 5 a 7 mg / Kg Ropivacaína: 3 a 4 mg / Kg Etidocaína: 4mg / Kg