ACÓRDÃO Registro: 2016.0000039102 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129, da Comarca de Casa Branca, em que é apelante GILLIARD DARIN, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao apelo defensivo interposto por GILLIARD DARIN, para absolvê-lo do crime de uso de documento falso, com fulcro disciplinado pelo art. 386, III do Código de Processo Penal. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E BORGES PEREIRA. São Paulo, 2 de fevereiro de 2016. Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica
Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 Comarca: Casa Branca Apelante: GILLIARD DARIN Advogado: Jose Carvalheiro Neto VOTO Nº. 11762 Apelação. Uso de documento falso. Pleito almejando a absolvição por ausência de provas. Viabilidade. Documento encontrado ao acaso, por milicianos, no interior do veículo do apelante, o qual sequer o exibiu. Conduta nuclear 'fazer uso' não configurada. Absolvição que se impõe. Provido. Trata-se de recurso de apelação interposto por GILLIARD DARIN contra sentença de primeiro grau (fls. 276/281), prolatada em 27 de março p.p., pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Renan Oliveira Zanetti, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Casa Branca, que a condenou às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 11 dias-multa, no piso legal, substituída por prestação de serviços a comunidade, em igual prazo, e prestação pecuniária no importe de 3 salários mínimos, ambas em favor de entidade assistencial, declarando-a como incurso nos arts. 297 e 304, ambos do Código Penal. Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 2
Irresignado, interpôs recurso de apelação pleiteando, em resumo, absolvição por insuficiência de provas. Em suas contrarrazões, o Ministério Público bateu-se pelo acerto do decisum, salientando a suficiência probatória. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, endossou as contrarrazões ministeriais, opinando pelo improvimento ao apelo. É o relatório. Consoante os ponderáveis fundamentos lançados nas razões recursais, o apelo defensivo comporta provimento, merecendo reforma a r. decisão atacada. Consoante descreve a denúncia, no dia 17 de outubro de 2011, na Rua Celina Soares, o apelante foi abordado por milicianos, oportunidade em que exibiu Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV, apurando-se ser documento falso. Em que pese a descrição da peça vestibular, as testemunhas arroladas pelo parquet apresentaram versão flagrantemente distinta, asseverando que o documento não foi exibido, mas encontrado, ao acaso, no interior do automóvel conduzido pelo recorrente. A policial Fernanda Gaeta narrou ter sido acionada para atender uma ocorrência versando sobre o fornecimento de moeda falsa pelo recorrente. Em diligência até o local, abordou o apelante em via pública, o qual rapidamente estacionou o veículo e tentou empreender fuga. No interior do Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 3
veículo, foi encontrado o CRLV, o qual estava acondicionado no porta luvas. O policial Eduardo Menossi disse que o apelante foi abordado, em razão da suposta prática de outro delito, ocasião em que foi conduzido ao distrito policial, onde o documento de seu veículo foi apresentado pelos policias militares. Em semelhante prisma seguiu o interrogatório do recorrente, o qual informou ter sido o automóvel adquirido juntamente com o CRLV, cuja falsidade sequer desconfiava. Diante do quadro, depreende-se que, muito embora o apelante possuísse o citado CRLV, de acordo com os depoimentos dos policiais militares, o mesmo não foi exibido, mas encontrado no interior do porta luvas, ao acaso, durante a revista do automóvel. Ocorre que, para a configuração do uso de documento falso, faz-se mister a exibição pelo agente, a pedido da autoridade ou mesmo de forma espontânea, sendo imprescindível sua voluntariedade, proveniente de atuação livre, desprovida de coação. Contudo, in concreto, ao revés disso, não houve apresentação do CRLV pelo recorrente, razão pela qual, a apreensão da cédula pelos policias, a esmo, não se subsumi a figura tipificada pelo art. 304 do Código Penal que, em nosso entender: Fazer uso significa Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 4
empregar, utilizar ou aplicar. Exige-se que a utilização seja feita como se o documento fosse autêntico, além do que a situação envolvida há de ser juridicamente relevante. E ainda: Ressalte-se, no entanto, que o encontro casual do documento falso em poder de alguém (como ocorre por ocasião de uma revista pessoal) não é suficiente para configurar o tipo penal, pois o núcleo é claro: fazer uso 1. Na mesma esteira já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, cujo julgado é perfeitamente amoldável ao presente caso, in verbis: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO 1. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. EXAME SEM PROFUNDO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. 2. PORTE DE DOCUMENTO FALSO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 3. ORDEM CONCEDIDA. 1 NUCCI, Guilherme de Souza, obra citada, p. 1082. Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 5
1. O habeas corpus, ação de natureza constitucional, é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável e que, portanto, mostra-se de plano comprovável e perceptível ao julgador. Não se destina à correção de equívocos, controvérsias ou situações que, ainda que existentes, demandam, para sua identificação e correção, um amplo e aprofundado reexame do conjunto fáticoprobatório, hipótese que não se configura no caso em exame, visto que o pleito de absolvição sustenta-se no argumento de que o documento não foi utilizado pelo paciente, tendo sido apreendido em revista pessoal promovida pelos policiais, circunstância que restou devidamente consignada nas decisões proferidas pelas instâncias ordinárias. 2. O delito de uso de documento falso pressupõe a efetiva utilização do documento, sponte propria, ou quando reclamado pela autoridade competente, não sendo, portanto, razoável, imputar ao paciente conduta Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 6
delituosa consistente tão só na circunstância de tê-lo em sua posse. 3. Habeas corpus concedido. (HC 145.500/RS, 5ª Turma, rel. Marco Aurélio Bellizze, 19/12/2011, v.u. - grifamos) De tal sorte, não tendo o apelante exibido a documentação reputada falsa, demonstra-se atípica a condutada ora apurada, restando de rigor sua absolvição. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo defensivo interposto por GILLIARD DARIN, para absolvê-lo do crime de uso de documento falso, com fulcro disciplinado pelo art. 386, III do Código de Processo Penal GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº 0006612-72.2011.8.26.0129 7