PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante JOSÉ ROBERTO CONSTANTINO JÚNIOR, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, nos termos do v. acórdão. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), LEME GARCIA E BORGES PEREIRA. São Paulo, 1 de dezembro de Guilherme de Souza Nucci RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação Criminal nº Comarca: São Paulo Apelante: JOSÉ ROBERTO CONSTANTINO JUNIOR Apelado: Ministério Público VOTO Nº Apelação. Furto simples tentado. Pleito defensivo de absolvição pelo princípio da insignificância e, subsidiariamente, substituição da medida de internação por tratamento ambulatorial. Incidência do princípio da insignificância. Crime tentado, com a 'res furtiva' de R$ 40,00, devolvida ao ofendido. Análise das condições da vítima e do apelante. Recurso provido. Trata-se de recurso de apelação, contra sentença de fls. 108/113, proferida em 18 de julho de 2014, pela MM. Juíza de Direito, Dra. Leyla Maria da Silva Lacaz, da 14ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo, em que JOSÉ ROBERTO CONSTANTINO JUNIOR foi absolvido impropriamente da imputação que lhe foi feita na denúncia, entretanto, em razão do teor do laudo de exame de incidente de insanidade mental, aplicou-lhe a medida de segurança, consistente em internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, pelo prazo de 1 ano. Irresignada, a defesa interpôs o presente Apelação nº

3 recurso de apelação (fls. 119/130), pleiteando, preliminarmente, absolvição pelo princípio da insignificância e, subsidiariamente, substituição da medida de internação por tratamento ambulatorial. O Ministério Público, em suas contrarrazões (fls. 132/134), bateu-se pelo acerto do decisum, reiterando manifestação anterior, consoante art. 2º, caput do Ato nº. 536/2008-PGJ-CGMP. A Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer, opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 138/142). É o relatório. Devidamente processado, o recurso comporta provimento. Consoante descreve a denúncia, no dia 28 de maio de 2011, por volta das 16h30min, no interior do estabelecimento comercial Drogaria Pirituba, localizada na Avenida Mutinga, nº 88, cidade de São Paulo, o apelante, tentou subtrair, para si, R$ 40,00 de propriedade da vítima, representada por Marco Antônio da Cruz, iniciando, desta forma, crime de furto, que somente não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade. Segundo consta, José, rastejando, ingressou na farmácia e, aproveitando-se da distração dos funcionários, subtraiu a quantia de quarenta reais existentes no caixa do comércio. A ação foi percebida por Marco, que realizou a abordagem do denunciado, recuperou os valores Apelação nº

4 subtraídos e acionou a polícia militar, circunstâncias todas que, além de impedir a consumação do crime, determinaram a prisão em flagrante do acusado. A materialidade, assim, restou comprovada ante o auto de prisão em flagrante (fls. 2/8), boletim de ocorrência (fls. 10/12), auto de exibição, apreensão e entrega (fls. 13/14) e laudo de insanidade mental (fls. 59/61). A autoria, por sua vez, foi amplamente demonstrada no decorrer da instrução processual. O representante da vítima relatou estar na drogaria quando viu alguém rastejando em direção ao caixa. Disse ter José se apoderado do dinheiro lá presente, colocandoo nas vestes. Informou abordar o rapaz saindo do estabelecimento junto com outro funcionário. Acionaram a polícia e, chegando ao local, encaminharam o acusado ao distrito policial. Os policiais militares relataram atender uma ocorrência de indivíduo detido na prática de furto por funcionários de uma farmácia. Chegando ao local, viram José detido por dois empregados. Segundo os funcionários, o rapaz aproveitou-se da distração deles e subtraiu certa quantia em dinheiro do caixa. Afirmaram já terem atendido outras ocorrências envolvendo José em sua residência e em outros estabelecimentos comerciais. Aduziram que o acusado usa de seu estado mental para a prática de crimes, pois em todas as oportunidades flagrado, informa não poderem fazer nada com ele em razão de seu estaco clínico. Apelação nº

5 O acusado, em seu interrogatório extrajudicial, informou ter cometido o delito porque tem problemas na cabeça. Não compareceu em juízo e foi declarado revel. Em que pese o laudo de insanidade mental, sua conduta é atípica. A doutrina é praticamente unânime ao elencar entre os princípios constitucionais implícitos o da intervenção mínima. O direito penal não deve interferir em demasia na vida do corpo social, guardando-se, exclusivamente, para as situações que atentam de forma mais grave aos bens jurídicos protegidos; é mister a intervenção penal quando indispensável ao caso concreto a aplicação de reprimenda não prevista em outros ramos do direito. Tenho defendido que, caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos. 1 Importa, ainda, destacar o princípio da ofensividade, não havendo delito sem que haja efetiva e significativa lesão ao bem jurídico tutelado. Da conjugação dos 1 NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, Forense, 14ª edição, p. 13 Apelação nº

6 institutos acima referidos, exsurge o necessário princípio da insignificância (ou bagatela), o qual tem sido hodiernamente aplicado pelos Tribunais Superiores: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INCIDÊNCIA. ANÁLISE RESERVADA AOS ASPECTOS OBJETIVOS DO FATO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. A tentativa de furto praticada pela Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. A conduta tem contornos que demonstram pouca importância de relevância na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato denunciado. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal admite, em casos específicos, a incidência do princípio da insignificância, Apelação nº

7 em face de aspectos objetivos do fato. Tais aspectos apresentam-se no caso, a autorizar a concessão da ordem pleiteada. 3. Ordem concedida. (STF, 1ª T., HC 96822, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, j. em 16/06/2009) AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser afastada a condenação do agente, por atipicidade do comportamento (STF, 2ª T., HC 93393, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. em 14/04/2009). Desta feita, embora não seja expressamente previsto em nosso ordenamento, o princípio da Apelação nº

8 insignificância é certamente existente na prática dos tribunais. Tanto assim é que o próprio Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo reconhece a aplicabilidade de referido princípio em relação aos crimes ambientais de pequena monta. Neste sentido editou-se a súmula nº 29 que assim dispõe: O Conselho Superior homologará arquivamento de inquéritos civis ou assemelhados que tenham por objeto a supressão de vegetação em área rural praticada de forma não continuada, em extensão não superior a 0,10 ha., se as circunstâncias da infração não permitirem vislumbrar, desde logo, impacto significativo ao meio ambiente. No mais, o princípio da insignificância, causa supralegal de exclusão da tipicidade, não se afere exclusivamente no valor da coisa furtada, mas, também, nos demais elementos fáticos a tornearem a conduta. Em relação a isso, tem-se que o bem jurídico tutelado há de ser considerado sob o ponto de vista da vítima e não somente do agressor, para que não haja uma indevida elitização da tutela penal. No caso em apreço, cuida-se de delito tentado, não tendo a vítima experimentado prejuízo efetivo. O segundo critério trata da impossibilidade de se considerar, para a Apelação nº

9 aplicação da bagatela, tão somente a unidade delitiva. Há de se levar em conta, portanto, a pessoa do autor e o modo como desenvolveu sua conduta. In casu, embora presentes apontamentos em sua Folha de Antecedentes, o réu é primário e, sem antecedentes, porquanto não há qualquer condenação com trânsito em julgado, não sendo este, também, o caso de crime perpetrado com violência ou grave ameaça. A res, por sua vez, no total de R$ 40,00, o que permite o reconhecimento da bagatela. Verifico, assim, hipótese de aplicação do princípio da insignificância e, portanto, falta de justa causa para a ação penal. Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo defensivo interposto pela douta defesa de JOSÉ ROBERTO CONSTANTINO JÚNIOR, para absolver o apelante, com fundamento no art. 385, III, do Código de Processo Penal. GUILHERME DE SOUZA NUCCI Relator Apelação nº