Saúde baseada em evidências

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Saúde baseada em evidências O volume de informações na área de saúde aumenta exponencialmente a cada dia, o que torna virtualmente impossível que os profissionais que não sejam ultraespecialistas naquele determinado campo consigam se atualizar. E aqueles que tentam se deparam muitas vezes com informações inconclusivas ou mesmo erradas. A medicina baseada em evidência funciona como um filtro de informações, seleciona o que existe de melhor na literatura, hierarquizando os diversos níveis de evidência, organizando os estudos em grupos, que procuram responder a uma mesma pergunta, tentando, por artifícios estatísticos, chegar a uma determinada conclusão, derivada dos mesmos. Aqui nesta seção discutiremos os mais diversos temas e esperamos que sirva de ferramenta para melhor conduzirmos nossos pacientes. Marci Pietrocola Editora da seção Recomendações para diagnóstico e tratamento do refluxo gastroesofágico em pediatria Jane Oba* * Doutora em Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, São Paulo (SP), Brasil. Médica Gastroenterologista Pediátrica da Clínica de Especialidades do Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brasil. INTRODUÇÃO A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma afecção crônica decorrente do fluxo do conteúdo gastroduodenal para o esôfago ou os órgãos adjacentes a ele, acarretando um espectro variável de sintomas ou lesões esofagianas ou extraesofagianas, associados ou não a lesões teciduais (1). Diferente da DRGE, o refluxo gastroesofágico (RGE) é um processo fisiológico, caracterizado pela passagem do conteúdo gástrico para o esôfago que ocorre várias vezes ao dia em lactentes, crianças e adolescentes normais (2). O RGE é uma condição altamente prevalente na infância, geralmente tem resolução espontânea após os 2 anos de idade e não causa complicações; enquanto que a DRGE é mais rara e sua prevalência em crianças e adolescentes é de aproximadamente 1,5% (3-5). A detecção precoce e o tratamento da DRGE pode prevenir ou evitar complicações, tais como baixo ganho de peso e estatura, complicações esofágicas (esofagite e estenose péptica) e extraesofágicas (pulmonares, sinusites, laringites e erosões dentárias). A DRGE se desenvolve quando o contato contínuo e persistente do conteúdo gástrico (constituído por ácido, pepsina, bile e enzimas pancreáticas) com o epitélio esofágico produz sintomas característicos da doença e/ou lesões estruturais. Os sintomas da DRGE variam amplamente com a idade; nos lactentes são inespecíficos e comuns a várias outras patologias, como alergia alimentar, doenças metabólicas, infecção urinária, entre outras. Na criança maior e nos adolescentes, manifesta-se geralmente por sintomas esofágicos, como pirose e regurgitação. Recentemente, a DRGE vem sendo diagnosticada por meio de sintomas extraesofágicos ou atípicos, como os respiratórios superiores (sinusite e laringite), os pulmonares (asma e pneumonia de repetição) e as afecções bucais (lesões de mucosa e erosão dentária). As lesões podem variar, dependendo do estado de resistência do epitélio de defesa do esôfago, que são constituídos pela barreira antirrefluxo, pelo clareamento do esôfago e pela resistência do epitélio. Alguns mecanismos citados a seguir permitem que o RGE contínuo se transforme em DRGE: a. tamponamento e clareamento insuficientes do conteúdo refluído; b. retardo do esvaziamento gástrico; c. anormalidades do epitélio de revestimento e reparação do esôfago; d. diminuição dos reflexos neuronais protetores; e. aumento da pressão intra-abdominal (obesidade) e/ ou quando a pressão de repouso do esfíncter inferior é cronicamente reduzida, comprometendo os mecanismos da barreira antirrefluxo; f. hérnia de hiato: todos os mecanismos de defesa citados anteriormente podem estar comprometidos, além de alterações da crura, do segmento abdomi-

58 nal do esôfago, do ângulo de Hiss e do relaxamento transitório do esôfago, que ocorre com muita frequência. Recomenda-se a avaliação ou acompanhamento do especialista, quando os sintomas forem persistentes e gerarem dúvidas, ainda que o paciente não tenha complicações. CENÁRIO CLÍNICO A queixa de regurgitação é um problema relatado pelos pais em mais de 25% das consultas pediátricas. Muitas situações geram incertezas quanto ao diagnóstico da DRGE, à gravidade das queixas e ao manejo terapêutico. Nosso objetivo foi avaliar as evidências publicadas sobre sintomas clínicos, diagnósticos, terapêuticas e complicações da DRGE em pediatria. GRAUS DE RECOMENDAÇÕES E EVIDÊNCIAS A Conclusiva e/ou unanimemente recomendada (sempre usar): conduta terapêutica conclusivamente útil e segura; eficácia e segurança comprovadas com evidência baseada em múltiplos estudos randomizados, controlados, amplos, concordantes e com poder estatístico adequados. B Recomendado como aceitável, mas com ressalvas (deve-se geralmente indicar): conduta aceitável e segura, grande potencial de utilidade, mas ainda sem comprovação conclusiva Evidência baseada em poucos estudos randomizados, controlados, concordantes, de médio porte ou meta-análise de vários estudos dessa natureza, pequenos. C Recomendação indefinida. Conduta para a qual não há evidência segura, nem favorável e nem desfavorável, quanto à eficácia e à segurança (pode ser conduta terapêutica tradicionalmente utilizada, sem comprovação científica usar ou não é inteiramente a critério individual). D Opinião de especialistas. Não existem estudos clínicos para serem avaliados criticamente. DIAGNÓSTICO 1. Não há sintoma ou conjunto de sintomas que possam diagnosticar a DRGE ou predizer a resposta ao tratamento nos lactentes. 2. A história e o exame físico geralmente são suficientes para o diagnóstico da DRGE nas crianças maiores e adolescentes. Comentários: não há sintoma ou grupo de sintomas que diagnosticam a DRGE, ou que prediz a resposta ao tratamento nos lactentes, porque os sintomas nessa idade não são específicos. Nas crianças maiores e adolescentes com sintomas típicos (regurgitação recorrente e pirose), a história clínica e o exame físico geralmente são suficientes para diagnosticar DRGE: a. regurgitação e vômitos: regurgitação fisiológica, vômitos esporádicos ou regurgitação seguida de deglutição do conteúdo regurgitado são frequentes em lactentes. Avaliar a possibilidade de DRGE nas crianças maiores de 18 meses de idade; b. baixo ganho de peso: associado aos vômitos, pode não ser por DRGE. Outras causas devem ser afastadas; c. choro e irritabilidade: DRGE não é uma causa comum de irritabilidade ou choro em crianças saudáveis. Outras causas devem ser afastadas, como infecções, alergia à proteína do leite de vaca e constipação; d. pirose: muito sugestiva de DRGE, quando essa queixa for crônica nas crianças maiores e adolescentes; e. disfagia e odinofagia: a DRGE não é a única causa de dificuldade ou dor para deglutir. Essas queixas podem ocorrer em associação com anormalidades anatômicas orais, esofágicas e distúrbios psicológicos ou inflamatórios. A esofagite eosinofílica é reconhecida como uma causa comum de disfagia e odinofagia e sua incidência vêm aumentando. 3. A DRGE não é a principal causa de apneia, engasgos, cianose ou eventos com risco de vida em crianças. Quando essa relação é sugestiva, a combinação de outros exames complementares pode ajudar no estabelecimento da relação de causa e efeito. Comentários: a DRGE, por si, pode contribuir para a hiper-reatividade das vias aéreas nas crianças com asma e pirose. No entanto, para a maioria das crianças, o refluxo não está relacionado à apneia patológica ou a eventos com risco de vida aparente. Apesar da alta frequência de exames complementares anormais em pacientes asmáticos, apenas um grupo de crianças com sintomas de asma noturna, de difícil controle ou dependentes de corticoides, pode se beneficiar da terapia antirrefluxo de longa duração. Pneumonias recorrentes e intersticiais podem ser uma das complicações da DRGE, quando ocorre aspiração do conteúdo gástrico. 4. Raio X contrastado de esôfago não é útil para o diagnóstico da DRGE, porém é considerado um dos primeiros exames a serem realizados na investigação de lactente com suspeita de DRGE para descartar anormalidades anatômicas. Comentários: não é útil para o diagnóstico de DRGE, mas para confirmar ou afastar anormalidades anatômicas do esôfago/estômago que possam causar sintomas similares à DRGE. 5. A cintilografia nuclear pode ser útil no diagnóstico de aspiração, em pacientes com sintomas respiratórios crônicos, no entanto, apresenta sensibilidade muito baixa. Comentários: não é recomendada para a avaliação rotineira de pacientes pediátricos com suspeita de DRGE. A

59 cintilografia pode ser importante no diagnóstico de aspiração pulmonar, nos pacientes com doenças e sintomas respiratórios crônicos, porém o teste negativo não exclui a possibilidade de aspiração pulmonar do material refluído. Estudos do esvaziamento gástrico, por si, não confirmam o diagnóstico de DRGE e são indicados nas crianças com sintomas de retenção ou esvaziamento gástrico lento. 6. A phmetria esofágica é uma medida válida e confiável somente da exposição ácida do esôfago. Comentários: o monitoramento do ph esofágico mede exclusivamente a exposição do esôfago à secreção ácida. Destaca-se, no entanto, que, nos lactentes, predominam episódios de refluxo cujo conteúdo refluído apresenta ph > 4, que não é detectado pela phmetria esofágica. Esse exame é apropriado para avaliar a eficácia da terapia antissecretora e para correlacionar sintomas, como tosse e dor torácica, aos episódios de refluxo ácido. A gravidade do refluxo ácido não se correlaciona consistentemente à gravidade dos sintomas. Esse exame não possibilita avaliar se o refluxo é não ácido, líquido, gasoso ou misto. 7. A manometria esofágica determina os níveis pressóricos nos diferentes segmentos do esôfago, que, quando alterados, associam-se à DRGE. Comentários: a manometria é útil para diagnosticar os distúrbios de motilidade nos pacientes com DRGE que não respondem à supressão ácida, mas não prediz a resposta ao tratamento clínico. Ela é utilizada para confirmar o diagnóstico de acalasia ou outros distúrbios motores do esôfago, que se confundem com DRGE, e para determinar a posição do esfíncter inferior do esôfago, na qual é posicionada a sonda de phmetria. 8. As lesões esofágicas visíveis à endoscopia são específicas e induzidas por refluxo. Comentários: somente as lesões como erosões, exsudatos, úlceras, estenoses, hérnia de hiato, metaplasia e pólipos são altamente evidentes de esofagite por refluxo. Eritema, palidez da mucosa e/ou discreto aumento do padrão vascular são variações da normalidade, porém são descrições subjetivas e não específicas da DRGE. 9. Quando se realiza endoscopia, são recomendadas biópsias esofágicas que possibilitam o diagnóstico de esofagite por DRGE e do esôfago de Barrett. Comentários: as biópsias possibilitam a avaliação da anatomia microscópica. Eosinofilia, alongamento das papilas, hiperplasia basal e dilatação do espaço intercelular isolado ou combinado não são suficientemente sensíveis ou específicos para o diagnóstico de esofagite por DRGE. Por outro lado, a ausência dessas alterações histológicas não afasta o diagnóstico de DRGE. As biópsias esofágicas são importantes para identificar ou afastar outras causas de esofagite e para diagnosticar e acompanhar as complicações como Barrett. 10. Impedância intraluminal com múltiplos canais é superior à phmetria isoladamente para a avaliação dos sintomas relacionados à DRGE. Comentários: esse exame detecta episódios de refluxo não ácido, ácido, líquido, gasoso. Ele é superior à phmetria para avaliação temporal da relação entre os sintomas da DRGE, porém ainda não tem valores estabelecidos para crianças e é reservado apenas para pesquisas. 11. A ultrassonografia gástrica e esofágica não é um exame adequado para o diagnóstico da DRGE. Grau D de recomendação Comentários: esses exames não são recomendados para avaliação da DRGE em crianças, por serem pouco sensíveis. 12. Testes da secreção de ouvido e do pulmão que detectam a presença dessas secreções em lavado broncoalveolar são indicadores relacionados à aspiração. Comentários: não há estudos controlados que relacionam a DRGE como causa de otite, sinusite ou doença pulmonar. Por esse motivo, não é recomendada a análise do aspirado pulmonar para lactose, pepsina ou macrófagos com acúmulo de lipídios que aparecem no ouvido ou na secreção pulmonar. 13. Não há nenhuma evidência para o tratamento empírico de supressão ácida em lactentes e crianças jovens com irritabilidade e com os sintomas da DRGE menos específicos. Comentários: justifica-se o teste terapêutico com inibidor de bomba de próton (IBP) somente para adolescentes ou crianças maiores. No entanto, a melhora dos sintomas após o tratamento não confirma o diagnóstico da DRGE, porque eles podem melhorar espontaneamente ou responderem aos placebos. TRATAMENTO A mudança do estilo de vida de lactentes, crianças e adolescentes, a educação dos pais, a orientação e o

60 apoio são sempre necessários e, geralmente, suficientes para tratar as crianças saudáveis com RGE fisiológico. O decúbito dorsal supino elevado para os lactentes, a modificação da dieta, evitar bebidas alcoólicas, cessar o tabagismo e o combate da obesidade para os adolescentes são orientações recomendadas e eficazes. Recomenda-se também diagnosticar e tratar doenças crônicas, como asma e constipação, que favorecem à DRGE. 1. A posição supina durante o sono não tem efeito no RGE, porém é a posição mais recomendada. Grau A de recomendação Comentários: a posição prona diminui a quantidade de exposição ácida do esôfago comparada à supina, quando medida por phmetria. No entanto, as posições prona e lateral para dormir estão associadas a maior frequência de morte súbita em lactentes. Como o risco de morte súbita supera os benefícios da tranquilidade do sono das posições lateral ou prona na DRGE, recomenda-se a posição supina. 2. Fórmula antirregurgitação pode diminuir a regurgitação visível, mas não trata a DRGE. Grau A de recomendação Comentários: o espessamento da fórmula resulta em diminuição visível do refluxo (regurgitação), mas não resulta em uma diminuição mensurável da frequência de episódios de refluxo esofágico (6). 3. Existem evidências para se utilizarem fórmulas de proteínas extensivamente hidrolisadas por curto período em lactentes com vômitos. Comentários: a alergia à proteína do leite é, por vezes, causa de choro inconsolável e vômitos em crianças. Portanto, crianças com vômitos recorrentes podem se beneficiar com testes terapêuticos de hidrolisados proteicos por pelo menos 2 semanas. 4. Não há evidência que justifique a eliminação de algum alimento específico para o tratamento da DRGE. Comentários: não há evidências que comprovem que restrições alimentares específicas diminuem os sintomas da DRGE em crianças maiores e adolescentes. Os especialistas recomendam evitar alimentos que contêm cafeína, chocolate, bebidas alcoólicas e pimentas, porque eles podem provocam sintomas. Nos adultos, a obesidade e as refeições noturnas estão associadas com DRGE. 5. Não há evidência suficiente da eficácia clínica de procinéticos na DRGE. Grau C de evidência Comentários: os potenciais efeitos colaterais dos procinéticos (domperidona, metoclopramida, eritromicina e betanecol) superam seus potenciais benefícios. Não há evidências suficientes para justificar o uso rotineiro na DRGE. 6. Não há nenhuma evidência que comprove o tratamento farmacológico empírico em lactentes e crianças com sintomas sugestivos de DRGE. O tratamento com supressão ácida por um período pode ser eficaz somente nas crianças maiores e adolescentes com pirose e dor torácica para determinar se a DRGE está causando os sintomas (7,8). Comentários: a supressão ácida é o pilar do tratamento, contudo, os potenciais efeitos adversos da supressão ácida, incluindo o aumento do risco de pneumonias adquiridas, infecções GI e alergias, precisam ser equilibrados com os benefícios da terapia. 6.1. Antiácidos e sucralfato: são usados para aliviar os sintomas de pirose ocasionais. Não é recomendado o uso crônico dessas drogas para o tratamento da DRGE, pois alguns componentes absorvíveis podem ter efeitos adversos com o uso a longo prazo. 6.2. Bloqueadores H 2 : têm um rápido início de ação e são agentes de tamponamento. A taquifilaxia (redução do efeito terapêutico pelo uso crônico) é uma desvantagem. 6.3.Inibidores da bomba de prótons IBP: são superiores aos bloqueadores H 2 para a cura da esofagite erosiva e o alívio dos sintomas da DRGE. Ambos, os bloqueadores H 2 e os IBP, são superiores ao placebo. A supressão ácida por tempo prolongado sem um diagnóstico não é aconselhável. Quando a supressão ácida é necessária, deve-se usar a menor dose eficaz. A maioria dos pacientes requer apenas uma dose ao dia. Nenhum IBP foi aprovado para uso em crianças menores de 1 ano de idade, e há restrições relativas ao uso em recém-nascidos. Agradecimentos Agradecimentos aos Doutores Eduardo Juan Troster, ao Núcleo de Medicina Baseada em Evidência (Adalberto Stape, Ana Claudia Brandão, Eduardo Juan Troster, Kristine Fahl, Ronaldo Arkader, Victor Nudelman, Henrique Monteiro Neto e Gaby Y. Barbosa), Mauro B Moraes e Maraci Rodrigues.

61 REFERÊNCIAS 1. Moraes-Filho J, Cecconello I, Gama-Rodrigues J, Castro L, Henry MA, Meneghelli UG, Quigley E; Brazilian Consensus Group. Brazilian consensus on gastroesophageal reflux disease: proposals for assessment, classification, and management. Am J Gastroenterol. 2002;97(2):241-8. 2. Nelson SP, Chen EH, Syniar GM, Christoffel KK. Prevalence of symptoms of gastroesophageal reflux during infancy. A pediatric practice-based survey. Pediatric Practice Research Group. Arch Pediatr Adolesc Med. 1997;151(6):569-72. 3. Ruigómez A, Wallander MA, Lundborg P, Johansson S, Rodriguez LA. Gastroesophageal reflux disease in children and adolescents in primary care. Scand J Gastroenterol. 2010;45(2):139-46. 4. El-Serag H, Hill C, Jones R. Systematic review: the epidemiology of gastrooesophageal reflux disease in primary care, using the UK General Practice Research Database. Aliment Pharmacol Ther. 2009;29(5):470-80. 5. Vandenplas Y, Vandenplas Y, Rudolph CD, Di Lorenzo C, Hassall E, Liptak G, Mazur L, Sondheimer J, Staiano A, Thomson M, Veereman-Wauters G, Wenzl TG, North American Society for Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition, European Society for Pediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition. Pediatric gastroesophageal reflux clinical practice guidelines: joint recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (NASPGHAN) and the European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN). J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2009;49(4):498-547. 6. Horvath A, Dziechciarz P, Szajewska H. The effect of thickened-feed interventions on gastroesophageal reflux in infants: systematic review and meta-analysis of randomized, controlled trials. Pediatrics. 2008;122(6):e1268-77. Erratum in: Pediatrics. 2009;123(4):1254. 7. van Pinxteren B, Numans ME, Bonis PA, Lau J. Short-term treatment with proton pump inhibitors, H2-receptor antagonists and prokinetics for gastrooesophageal reflux disease-like symptoms and endoscopy negative reflux disease. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(4):CD002095. Review. Update in: Cochrane Database Syst Rev. 2006;3:CD002095. 8. van der Pol RJ, Smits MJ, van Wijk MP, Omari TI, Tabbers MM, Benninga MA. Efficacy of proton-pump inhibitors in children with gastroesophageal reflux disease: a systematic review. Pediatrics. 2011;127(5):925-35.