Crise Bancária: Bancarrotas de Bancos Nacionais Privados

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Transcrição:

Crise Bancária: Bancarrotas de Bancos Nacionais Privados Fernando Nogueira da Costa Professor do IE-UNICAMP http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/

Estrutura da apresentação 2

características comuns entre os bancos perdedores 1. a promiscuidade com o instável poder político. 2. o autofinanciamento do grupo econômico-financeiro. 3. o vínculo maior com sua base regional. 4. a defasagem tecnológica em relação aos maiores concorrentes. 5. a vulnerabilidade face às mudanças no contexto macroeconômico. 6. a gestão fraudulenta. 4

gestão de maquilagem bancária Manual de sobrevivência bancária: como algum banco quebrado pode sobreviver durante anos, antes de morrer. ' Conta de resultados invertida' : em vez de o valor dos dividendos ser variável que depende dos resultados, ele é definido previamente. Todas as outras variáveis precisam se adaptar ao valor predeterminado. Manipulação da conta de ''lucros não distribuídos' : o banco distribui o que poderia ser investido, sacrificando seu nível de capitalização, para obter ''boa imagem' de suas ações junto a investidores. 5

manipulação do ''lucro líquido'' Redução das ''provisões para devedores duvidosos'' (o dinheiro que precisaria reservar para fazer frente a maus devedores): 1. rola, indefinidamente, créditos inadimplentes ou 2. aceita a superposição de garantias pouco eficazes. No caso do Banco Nacional, essas contas poderiam ser chamadas de ''sempre-vivas'', por terem sido permanentemente renovadas, mesmo não sendo pagas. Também contabilizava como receita os juros que lhe eram devidos, porém não eram pagos. Manipulava o balanço duas vezes: 1. redução das provisões; 2. reconhecimento de falsas receitas. 6

patrimônio a descoberto A diferença entre o valor de mercado dos ativos do banco (A) e o valor de mercado de seus passivos (P) é chamada de patrimônio líquido (PL) do banco. Esse é o valor econômico do capital dos proprietários. Indica a soma que os acionistas conseguiriam se pudessem liquidar os ativos e passivos do banco aos preços correntes nos mercados financeiros, vendendo empréstimos e obrigações e recomprando depósitos nas melhores condições vigentes: PL = A P A marcação a mercado, decorrente do método de contabilização a valor de mercado, reflete a realidade econômica dos preços correntes, e não os preços vigentes quando os ativos e os passivos foram originalmente comprados ou vendidos. 7

segundo expediente típico do banqueiro fraudador Aproveitar a autorização para reavaliação dos ativos para definir o valor econômico maior do que o valor contábil, não fazendo verdadeira marcação a mercado, mas sim criando receitas adicionais ou reservas artificiais. Valorizar, artificialmente, seus ativos, vendendo-os a sociedades coligadas por preço superior não só ao valor contábil como também ao valor real de mercado, considerando as diferenças como receitas. A diferença negativa não aparece no balanço da coligada, ou, se aparecer, esse balanço não será consolidado com o balanço do banco. Outro tipo de ''reavaliação'' é tomar a garantia do devedor e contabilizá-la pelo valor total do crédito não-pago. 8

terceiro expediente típico do banqueiro fraudador Antecipar a contabilização das receitas para o início da operação (quando deveria ser no fim, se for de fato efetuado o pagamento) e postergar as despesas para o fim. Também foi utilizada pelos dirigentes do Banco Nacional. 9

gestão desesperada Após a gestão de maquilagem, o passo seguinte habitual é a gestão desesperada. O banqueiro passa a recorrer a negócios de alto risco, que lhes permitam ganhar tempo e, se tiver sorte, conseguir compensar a deterioração contábil anterior. As principais práticas são: 1. a especulação, 2. a crescente concentração de riscos em clientes com problemas e 3. o pagamento de taxas de captação elevadas. 10

fraude propriamente dita Ocorre quando o banqueiro sente que o final está se aproximando e quer tirar o máximo possível do banco. A forma mais comum é a auto-concessão de crédito. Outra fraude comum é a propriedade pendular de bens que ora são do banco, ora do banqueiro. Esse último expediente não foi constatado no caso do Banco Nacional. Porém, verificou-se tanto no Econômico quanto no Bamerindus, os outros bancos perdedores. 11

Decisões estratégicas equivocadas As várias fraudes e golpes praticados por funcionários do Banco Econômico contra a instituição ajudaram a levá-lo à bancarrota. Porém, o que mais pesou na formação de seu rombo gigantesco, que levou à intervenção do Banco Central, em 11 de agosto de 1995, foram: 1. as decisões estratégicas equivocadas de Calmon de Sá, principalmente no Pólo Petroquímico da Bahia, 2. além das dezenas de elevadas operações malsucedidas, entre as quais empréstimos concedidos por motivação política ou destinados a amigos e parentes. 13

Maquilagem de balanço Embora o balanço do banco estivesse sem registro de prejuízo, os lucros nele registrados poderiam ser fictícios. Havia na carteira de empréstimos do Econômico créditos que a fiscalização do Banco Central considerou como micos, ou seja, de difícil liquidação. O patrimônio líquido do Econômico era negativo: se o Banco vendesse tudo o que possuía, ainda ficaria devendo. No processo de maquilagem, empréstimos podres eram apresentados como créditos bons. 14

Rolagem de problemas A diminuição do chamado lucro inflacionário fez com que a maquilagem dos balanços de empresas como o Banco Econômico não mais impedisse o desnudamento da real situação. Tornava-se cada vez mais difícil esconder a feiúra da escrituração contábil com maquilagem. Havia na carteira de empréstimos do Econômico papagaios que sempre iam sendo rolados. Para evitar aparecer inadimplência na contabilidade, o banco chegava mesmo a rolar empréstimos sem que seus clientes solicitassem o refinanciamento. 15

Defasagem Habituado a freqüentar a relação dos dez maiores bancos comerciais do país, o Banco Nacional chegou, em meados dos anos 80's, em posição inédita, com perda no ranking entre os bancos privados. O principal motivo apontado para isto era a relutância do Nacional trabalhar com recursos comprados dos investidores (CDB). Dotado de significativa rede de agências, que somava 567 unidades espalhadas principalmente na região Centro-Sul, o Nacional vinha preferindo trabalhar, basicamente, com depósitos à vista. Esses depósitos, não sendo remunerados, permitiam rentabilidade maior ao Banco. Por este critério, computando-se apenas os depósitos à vista, em 1984, o Nacional era o terceiro classificado entre os maiores bancos privados do país, abaixo apenas do Bradesco e do Itaú. 17

Imobilização Todo o esforço de conglomeração e automação exigia investimentos pesados, que o Nacional só se dispôs a desembolsar: após acompanhar o acerto dos resultados apurados pela concorrência e depois de superar a absorção por pressão política do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais. Desde 1974, essa aquisição levou o Nacional a sofrer desvio de sua rota estratégica, em que disputava posição entre a vanguarda dos bancos brasileiros. 18

Descasamento Na verdade, revelada depois, o Banco Nacional estava tecnicamente quebrado desde 1986, época do primeiro grande plano de estabilização (o Cruzado), mas só não teria sido liquidado por causa do prestígio político do seu fundador, José Magalhães Pinto. Os sintomas de insolvência do Banco eram, basicamente, dois: 1. ativo imobilizado (composto basicamente por aplicações em imóveis e ações) muito elevado e 2. descasamento entre o ativo e o passivo circulantes. Esse descolamento era expresso por captações majoritariamente de curto prazo contra empréstimos na maior parte de médio e de longo prazo, gerando insuficiência de caixa e perda de liquidez. 19

Acordo da Basiléia e fraudes A estratégia dos ex-profissionais do Citibank, contratados em 1988 para promoverem ampla reestruturação no Nacional, foi de sempre trabalhar alavancado com os empréstimos até o limite do que permitia a lei bancária, antes da entrada em vigor do Acordo da Basiléia. Em 1995, o Banco estava acima desse novo limite exigido pelo Banco Central em alavancagem em operações de crédito e de risco. Constatou-se, então, que a orientação tinha sido sempre fazer operações que não entrassem na contabilidade bancária como empréstimos tradicionais, para escamotear o desenquadramento nos limites oficiais. Os controles frágeis contribuíram para o desconhecimento interno de possíveis fraudes, o que favoreceu a perpetuação de artifício contábil criado, em 1987, que consistia na manutenção da escrituração de contas de operações de crédito fictícias. 20

Operações fantasmas As ondas de inadimplência, após os planos de estabilização (1986, 1989, 1990 e 1994), contribuíram para liquidar o Banco Nacional. Mas seu contador Clarimundo Sant'Anna forjou informações sobre o crédito inadimplente. Em vez de contabilizar os calotes como prejuízo, simulava renovação de juros e principal, emprestando (apenas contabilmente) o valor acumulado, cuja diferença aparecia como resultado positivo. Sobre operações fantasmas distribuía dividendos aos acionistas e bônus de desempenho aos executivos. 21

Cumplicidade O Banco Nacional instituiu também política de antecipação de comissões. Colocava-se determinado produto a prazo e embolsava-se a comissão a vista. Além disso, havia diversas operações vencidas que nem sequer haviam sido provisionadas as perdas. Tudo isso passava pela auditoria da KPMG Peat Marwick, inclusive foram identificados 11 ex-funcionários da KPMG contratados pelo Banco Nacional, alguns em cargos de média e alta gerência. 22

Sem recolhimento de reserva bancária Os empréstimos fictícios engordavam os resultados contábeis do Banco e eram sistematicamente rolados, supostamente suportados por contas de depósitos. Mortal para esse esquema foi a criação, pelo Banco Central do Brasil, no início de 1995, de recolhimento compulsório sobre empréstimos. A partir de então, o Nacional teve de arranjar dinheiro em espécie, para recolher aos cofres do Banco Central percentual sobre empréstimos fantasmas, situação que foi secando sua liquidez até a quebra. 23

Efeito demonstração A crise do Banco Bamerindus, quarto maior banco privado do país, teve início com a intervenção do Banco Central no Nacional e no Econômico em 1995. Elas alimentaram os rumores de que também ele banco de porte semelhante com empresas não-financeiras coligadas estaria enfrentando dificuldades. Analistas do mercado chamavam atenção para os problemas enfrentados pelo grupo com uma de suas empresas a fábrica de papel Inpacel, onde o Bamerindus havia investido muito dinheiro e que estava dando prejuízo. 25

Corrida bancária Começou então onda de boatos sobre a frágil situação financeira do Bamerindus. Entre julho e dezembro de 1995, o Bamerindus perdia cerca de R$ 7 milhões em saques diários e, no final do período, seus depósitos decresceram em R$ 7 bilhões; mas os saques continuaram até a intervenção do BCB. Desde 17 de julho de 1996, todos os dias até a intervenção, o Bamerindus utilizou o instrumento do redesconto com pesado encargo financeiro. No dia 26 de março de 1997, data da intervenção, a síntese do balanço patrimonial era massa ativa de R$ 8,2 bilhões, massa passiva de R$ 11,7 bilhões e passivo a descoberto de R$ 3,5 bilhões. 26

Auto-financiamento Não se anunciou nenhuma fraude de imediato. Pode ter havido irregularidade nos fundos de renda fixa, pois eles absorveram R$ 900 milhões em debêntures emitidas pela holding do grupo. A lei permitia que os fundos absorvessem papéis do próprio grupo até o limite de 10% do total, limite que pode ter sido ultrapassado. Um dos problemas do grupo, aliás, era a interligação entre as várias empresas, p.ex., a Inpacel, indústria de papel, estava sendo financiada com a garantia direta ou indireta do banco. Na medida em que a situação da coligada se complicou, contaminou o banco. 27

bancos de investimento e negócios Os bancos de investimento e negócios, geralmente, por terem menor porte (poucos funcionários em agência aérea um andar de prédio de escritórios) se adaptavam, agilmente, para contornar eventuais restrições à entrada de capital de investidores externos no país. A maior parte da demanda desses bancos vinha da movimentação de recursos no exterior (offshore) dos próprios investidores brasileiros. O pressuposto vigente era que a entrada de dólares por meio do Anexo 4 destinados à compra de ações de empresas brasileiras negociadas nas bolsas de valores representava apenas espécie de reconhecimento do terreno, atrás da qual viriam os investimentos diretos na produção ou nos leilões de privatização. 29

mercado de fusões e aquisições Os bancos de investimento e negócios praticamente não emprestavam, apenas administravam carteiras de ativos. Acreditavam que a perspectiva de estabilização da economia iria levar empresas brasileiras de grande porte, com vendas em crescimento e bom perfil de exportação, a lançar com sucesso ações no exterior. Esses bancos de negócios, representantes de interesses particulares estrangeiros, inicialmente, assessoravam as empresas e, muitas vezes, tornavam-se sócios minoritários. Posteriormente, passaram a formar fundos de investidores e determinar o ritmo das aquisições. 30

IGP-M A partir de 1994, multinacionais compradoras passaram a contar com a concorrência do chamado IGP-M alusão ao Índice Geral de Preços da FGV-RJ, instituição originária de alguns diretores-economistas dos quatro bancos mais atuantes: Icatu, Garantia, Pactual e Morgan. O mercado estava se tornando comprador. A expectativa era que as empresas que quisessem crescer através de aquisições tenderiam a unir-se a estes bancos. 31

economistas-banqueiros Três bancos Matrix, BBA e Opportunity aproveitaram bem as oportunidades de negócios surgidas no governo FHC, tendo como sócios (ou fundadores) economistas que participaram da equipe governamental que elaborou o Plano Real: Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha. Com informações privilegiadas, mais do que duplicaram seu patrimônio nos quatro anos do primeiro mandato do FHC. Esses economistas tiveram em comum, além da passagem que tinham na PUC-RJ, conjuntamente com o ministro da Fazenda, Pedro Malan, e das respectivas ligações com o Opportunity, Matrix e BBA, passagens pelo comando do Banco Central (com exceção de Bacha) e do BNDES. No grupo dos economistas-banqueiros também podia ser incluído Luiz Carlos Mendonça de Barros, que se afastou do governo, em 1998, depois do vazamento de escuta telefônica no BNDES. 32

Matrix, BBA e Opportunity Negócios ligados aos juros, câmbio e privatização de estatais, pilares da política econômica formulada pelos economistas-banqueiros e seus colegas no governo, sustentaram o desempenho desses bancos. Com o pagamento de juros e a sua dolarização, a dívida pública cresceu extraordinariamente. Encontrou-se facilidades para mobilizar fundos de pensão que permitiram Daniel Dantas tornar-se um dos vencedores do processo de privatização brasileiro, inclusive comandando empresas onde era minoritário. 33

novos economistas-banqueiros À primeira vista, no início do governo Lula, em 2003, os novos economistas-banqueiros pareciam ser espécie em extinção, pois aparentavam estar moribundos. A maioria dos seus bancos de negócios reduziu significativamente ou até fechou suas mesas de operações com recursos de carteira própria, em que apostavam o capital da própria instituição. A opção desses novos banqueiros pelo fechamento voluntário de seus bancos foi resultado não só da percepção de novo cenário político e financeiro, em que o aumento do controle e da concorrência e a conseqüente diminuição dos spreads tornariam mais difícil a vida no mercado financeiro. 34

vendas dos bancos de investimento A opção desses banqueiros por negociar seus bancos foi também estimulada por significativa mudança no comportamento do Banco Central do Brasil, que passou a agir preventivamente, através de exigências de cumprimento de novos limites mínimos de capital para alavancagem (relação entre o capital e os ativos ponderados por riscos), e exigindo até mudança de controle. Todo banco passou a ter crescentes exigências legais, como controles internos e maior responsabilização dos administradores. O mercado ficou também tecnicamente mais sofisticado com os derivativos. 35

tradicionais banqueiros Com isso, muitos novos banqueiros, que nasceram no boom dos bancos múltiplos, a partir da reforma bancária liberalizante de 1988, resolveram vender ou fechar seus bancos ou transformá-los em distribuidoras de valores. Muitos concentraram-se, assim, em seu real core business, que era as aplicações em tesouraria. Nunca, de fato, ameaçaram o mercado de varejo dos tradicionais banqueiros, que foram vencedores no processo de concentração bancária. 36

fercos@eco.unicamp.br http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/