PSICOSE: A DESESTRUTURAÇÃO DO EU EXPRESSA PELA FUGA DA REALIDADE

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Transcrição:

1 PSICOSE: A DESESTRUTURAÇÃO DO EU EXPRESSA PELA FUGA DA REALIDADE Cairu Vieira Corrêa José Henrique Volpi* RESUMO Inúmeros esforços já foram destinados para se compreender o ser humano no que diz respeito ao seu mundo interno. Porém, a complexidade deste tema ocasiona a necessidade constante da aquisição de novos saberes. O estudo de doenças como a psicose, respaldado pela Psicologia Corporal, evidencia-se como possibilidade de auxílio no entendimento dos processos psíquicos primários. Como também, no processo de construção da identidade e os prejuízos envolvidos durante o percurso de vida que impossibilitam a sua formação. Palavras-chave: Identidade. Psicologia Corporal. Psicologia do desenvolvimento. Psicose. Vida intra-uterina...-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-.. A psicose é caracterizada principalmente pela fuga da realidade, evidenciada na compreensão distorcida e fragmentada que o indivíduo possui em relação a si próprio e ao mundo que lhe cerca. O psicótico não estabelece uma barreira de contato entre a sua pessoa e o ambiente externo, e em seus sintomas podem residir delírios e alucinações. No vocabulário popular, o psicótico é denominado como louco, sendo as palavras loucura e psicose empregadas com a mesma designação. Ambas para se referir ao quadro de insanidade mental; ao que é concebido como fora do comum, ou o que foge às normas; alienação e falta de bom senso. O significado de loucura define-se como: Falta de discernimento; irreflexão, absurdo, insensatez, doidice, louquice (FERREIRA, 1995, p. 401). O conceito de loucura está ligado à psicose, quando se remetem à nomeação do prejuízo do contato com a realidade, e a palavra psicose, o termo para delimitar dentro da área da psicologia e da psiquiatria, a doença mental de forma específica (FERREIRA, 1995). Sobre a insanidade, Lowen (1982) aponta a falta de consciência do indivíduo perante seus sentimentos. Esta privação, segundo o autor, ocorre

2 quando a mente depara-se com sentimentos que não pode aceitar ou concentrar sua atenção. A percepção consciente de si mesmo (da realidade) é anulada, a partir disto, o indivíduo pode vir a tornar-se:... uma pessoa despersonalizada, indisciplinada e sem presença de espírito (LOWEN, 1982, p. 56). Isto por sua vez, reflete o panorama do psicótico, o qual vive em um estado de alienação de si e do mundo, decorrente de sentimentos de profunda angústia vivenciados no início de sua história de vida. Estes sentimentos experienciados pelo bebê desde o período de gestação até aproximadamente seus os dez primeiros dias de vida, são recebidos como uma ameaça à sua integridade vida (NAVARRO, 1996; NAVARRO, 1991). Pela fragilidade do organismo nesta etapa do desenvolvimento, o estresse vivido inscreve-se em seu padrão de funcionamento global e delimita seu jeito de ser. Impossibilitado-o de reconhecer a si mesmo plenamente e ao mundo, pois viver, e entrar em contato com a realidade, lhe traz a sensação de medo. Com isso, de acordo com Navarro (1996; 1991), é correto afirmar esta doença possui etiologia intrauterina. O autor faz referência a determinados fatores, tais como tentativas de aborto, uso de drogas, sentimentos de culpa ou hostilidade destinados ao bebê, etc. Que consequentemente causam um estresse excessivo na história evolutiva do indivíduo, ocasionando a contração de seu organismo como forma de defesa. Nesta situação, o fluxo de energia pelo corpo é prejudicado e seu patrimônio energético reduzido, promovendo repercussões negativas no desenvolvimento neuropsicofisiológico. Navarro (1996) descreve tipos diferentes de psicose: primeiramente as orgânicas, caracterizadas por prejuízos evolutivos do cérebro, causados por inflamações, intoxicações e processos degenerativos. O segundo as endógenas, desencadeadas por complicações na circulação e no patrimônio energético durante o desenvolvimento embrionário e/ou fetal, ambos relacionados à vida intrauterina. Quando o prejuízo evolutivo inscreve-se no período embrionário, segundo o autor, têm-se a origem do autismo. Entretanto, quando o prejuízo

3 ocorre na vida fetal, é proporcionado o desenvolvimento do núcleo psicótico esquizofrênico, que pode ser manifestado ao longo da vida do indivíduo. As duas doenças conceituadas por Navarro (1996) como psicose. Winnicott (1967, apud, ARAÚJO, 2004) salienta o ódio inconsciente da mãe, oculto por formações reativas o desejo de morte reprimido em relação à criança que lhe impossibilita de suprir as demandas do bebê. Envolvendo sua sobrevivência com o suporte essencial para a estruturação de seu ego. Além disso, a falha também pode se inscrever no ambiente próximo que a mãe está inserida. O qual o pai ocupa lugar central, e no caso do autismo é incapaz de facilitar a promoção da tranqüilidade (segurança) para que ela seja capaz e sinta-se confiante de desempenhar o seu papel satisfatoriamente. No autismo percebe-se uma situação hiperorgonótica (um grande fluxo de energia) em relação ao desenvolvimento do cérebro reptiliano, referente aos centros nervosos viscerais vitais, com a finalidade de preservação da vida. Porém, pouca energia é destinada para os cérebros límbico, responsável pelo afeto, e para o neocórtex, sede da razão. Desta forma, a pessoa possui um funcionamento instintivo de modo bem desenvolvido, mas com prejuízos no âmbito afetivo e da razão. O indivíduo psicótico autista age perante seus impulsos, e seu padrão de comportamento é regido pelos seus instintos (NAVARRO, 1996; NAVARRO, 1991). No núcleo psicótico esquizofrênico, de acordo com Navarro (1996; 1991), por decorrência do estresse vivido na vida fetal, a energia do organismo também é destinada para o a base do cérebro cérebro reptiliano, como também para o neocórtex e para os olhos telerreceptores. Neste quadro clínico, é presente um bloqueio no primeiro nível do esquema corporal reichiano, composto pelos olhos, nariz e ouvidos, que ocasiona a falta de lucidez e o prejuízo de interpretar sua realidade. Diante destes fatores, o indivíduo com esquizofrenia também age perante seus impulsos, possuindo grande dificuldade de reconhecer e entrar em contato com seus sentimentos. Comporta-se habitualmente de modo a só racionalizar, o que demonstra uma dissociação entre os três cérebros (NAVARRO, 1996; NAVARRO, 1991).

4 Através de Reich (1998), é possível pensar a psicose como o resultado de uma excessiva frustração do indivíduo de suas exigências pulsionais, tais como acolhimento, afeto, carinho, etc. Isto, situado em seu primeiro tempo de vida etapa de sustentação (VOLPI; VOLPI, 2008), que por sua vez lhe provoca angústia. Pela sensação do indivíduo de ter a sua integridade ameaçada, conceituado por Navarro (1991) como o estresse do medo da morte. Diferentemente da neurose, na qual é possível haver um equilíbrio entre a força pulsional da pessoa em busca de gratificação do meio externo e a força frustrante exercida pelo segundo, geradoras da inibição. Na psicose, são evidenciados os prejuízos na interpretação e atuação do indivíduo em sua realidade. A falta de contato (consigo e com o mundo) do psicótico, pode ser compreendida como resultante de uma resposta radical do organismo a angustia primitiva. Esta que foi vivenciada em um momento de fragilidade e significativa importância para o desenvolvimento neuropsicofisiológico (REICH, 1998; NAVARRO, 1996; NAVARRO, 1995; NAVARRO, 1991). Desta maneira, é possível descrever a psicose como um estado de profunda insuportabilidade da pessoa a nível inconsciente em relação à sua realidade, o que é expresso em seu comportamento (NAVARRO, 1995). Este por sua vez é instável, com momentos de súbita regressão a estados primitivos da mente. Tais momentos são desencadeados principalmente quando o indivíduo é privado de atingir o prazer e/ou submetido a situações de intensa angústia, re-vivendo a ameaça à sua integridade. Nos episódios de surto (desestruturação), é expresso o baixo limiar de frustração do psicótico, que está ligado a sua impossibilidade da estruturação do caráter durante a sua história de vida. Pois este, conciliado aos diferentes bloqueios dos segmentos do corpo, segundo Navarro (1995), possui a função de proteção psíquica aos estresses provenientes do ambiente externo. O psicótico não possui um caráter estruturado, pois ficou fixado em sua vivência frustrante na vida intra-uterina. Desta forma, somente desenvolve um temperamento, o qual é imutável e foi constituído a partir de suas etapas iniciais do desenvolvimento no útero materno. Sendo este formado pelas bases

5 congênitas, características fisiológicas e morfológicas da pessoa, de maneira a influenciar em seu funcionamento mental e afetivo (NAVARRO, 1996; NAVARRO, 1995). O caráter é definido por Lowen (1982) como o padrão de conduta habitual de uma pessoa, estruturado-se tanto a nível psicológico, fisiológico como estético envolvendo a postura, trejeitos e demais expressões corporais. Expressa em sua singularidade a personalidade da pessoa, e junto com a couraça caracterológica, delimitam o corpo e a forma de inteiração do sujeito com o meio externo. Entretanto, o corpo na psicose não possui uma delimitação, resultado da frustração nas experiências que poderiam desenvolver a integração egóica. Para Winnicott (2000), isto envolve a técnica usada pelos cuidadores para aquecer a criança, segurá-la, dar banho e chamá-la pelo nome. Como também, as experiências instintivas que ao longo do desenvolvimento influenciam para a construção da personalidade. Sobre a impossibilidade da construção e do reconhecimento de uma identidade própria na psicose, Winnicott (p. 223, 2000) afirma: A localização do eu no próprio corpo é muitas vezes tida como óbvia, mas uma paciente psicótica em análise deu-se conta de que, na infância, ela achava que sua irmã gêmea no assento ao lado do carrinho era ela mesma. E até se surpeendia quando alguém pegava a sua irmã no colo e ela ficava parada onde estava. Sua percepção do eu e do outro-que-não-o-eu não tinha se desenvolvido. Decorrente da falta de energia vital, o psicótico reside em si e no outro, desprovido de uma imagem própria reconhecida de forma madura. Sobre o assunto, Navarro (1996, p. 43) afirma: O esquizofrênico não enxerga o outro de si, porque cria uma realidade de acordo com as suas projeções.... Esta realidade é criada como uma possibilidade de sobrevivência. Já que o seu primeiro contato com o mundo o campo materno juntamente ao campo energético que envolveu esta mãe lhe proporcionou a sensação de perigo, frieza e insegurança. Falar sobre a psicose é discorrer sobre a inexistência subjetiva do indivíduo em referência à sua auto-percepção e auto-expressão. Uma profunda

6 contração do organismo, que se vê limitado em seu desenvolvimento, no qual eu e tu não foram possíveis de serem distintos. Este assunto instiga a conscientização de quão frágil é o ser humano no início de seu desenvolvimento e o quanto necessita de atenção à sua tranqüilidade e segurança desde o momento de sua concepção no ventre materno. Para que consequentemente, a realidade na qual ele se encontra seja possível de ser incorporada. REFERÊNCIAS..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-.. ARAÚJO, C. A. S. A perspectiva winnicottiana sobre o autismo no caso de Vitor. nº 13. São Paulo: Psychê, 2004, p. 43-60. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário básico da língua portuguesa: FOLHA/AURÉLIO. São Paulo: Nova Fronteira, 1995. LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: SUMMUS EDITORIAL, 1982. NAVARRO, Federico. A somatopsicodinâmica das biopatias: Interpretação reichiana das doenças com etiologia desconhecida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1991. NAVARRO, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: SUMMUS EDITORIAL, 1995. NAVARRO, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: SUMMUS EDITORIAL, 1996. REICH, W. Análise do caráter. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. VOLPI, J. H. & VOLPI, S. M. Crescer é uma aventura! Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal. 2ª ed. Curitiba: Centro Reichiano, 2008. WINNICOTT, D. W. Desenvolvimento Emocional Primitivo (1945). In: Da Pediatria à Psicanálise Obras escolhidas por D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

7..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-..-.. AUTOR Cairu Vieira Corrêa/PR CRP-08/17764 Psicólogo, Especialização em Psicologia Corporal, na categoria Clínica, no Centro Reichiano, Curitiba/PR. Experiência no desempenho de acompanhamento terapêutico (AT) de pacientes com psicose, esquizofrenia e autismo. Prática clínica com pacientes com transtornos mentais. E-mail: cairupsico@hotmail.com ORIENTADOR José Henrique Volpi/PR - CRP-08/3685 - Psicólogo, Analista Reichiano, Psicodramatista, Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP), Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Diretor do Centro Reichiano-Curitiba/PR. E-mail: volpi@centroreichiano.com.br