Planejamento e gestão urbana sustentáveis nos municípios brasileiros José Lázaro de Carvalho Santos 1 Resumo



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Transcrição:

1 Planejamento e gestão urbana sustentáveis nos municípios brasileiros José Lázaro de Carvalho Santos 1 Resumo Atualmente observa-se um grande esforço no enfrentamento das questões referentes ao planejamento urbano e ambiental nas cidades brasileiras. Os municípios são autônomos, político e administrativamente, para realizar este planejamento, desde que foi promulgada a Constituição Federal de 1988. No entanto ainda existe uma certa fragilidade de recursos humanos e financeiros, demonstrando que o poder público municipal ainda encontra muitas dificuldades para tratar da questão, notadamente nos pequenos e médios municípios. Palavras-chave: desenvolvimento urbano, planejamento urbano, gestão municipal. Abstract Now a great effort is observed in the confront of the referring subjects to the urban and environmental planning in the Brazilian cities. The municipal districts are autonomous, political and administratively, to accomplish this planning, since the Federal Constitution of 1988 was promulgated. However a certain fragility of human resources still exists and financial, demonstrating that the municipal public power still has a lot of difficulties to treat of the subject, especially in the small and medium municipal districts. Key-words: urban development, urban planning, municipal management 1.Introdução O Brasil é um país que aumentou sua taxa de urbanização rapidamente nas últimas décadas, passando assim de um país essencialmente rural para um país urbano, aonde a maior parte da sua população vive nas cidades. Isto se deu devido à migração campo-cidade, impulsionada pelo processo de industrialização dentre outros fatores. A partir dos anos 1960 houve um crescente processo de urbanização no Brasil, e ocupação das cidades brasileiras que se deu de maneira bastante acelerada. Assim muitas cidades cresceram de forma desordenada, houve uma expansão urbana em direção às suas áreas periféricas, geralmente habitadas por uma população de baixa renda que migrou durante muito tempo do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida, emprego e renda. Diante deste processo ocorrido, as áreas 1 Bacharel em Urbanismo com pós-graduação em Gestão Pública Municipal pela Universidade do Estado da Bahia, Mestrando em Engenharia Ambiental Urbana pela Universidade Federal da Bahia.

2 periféricas passaram a se caracterizar com um tipo de ocupação irregular espontânea, em locais ambientalmente frágeis, com péssimas condições de habitação, e de acesso a infra-estrutura urbana e serviços essenciais. Estes problemas se revelam na grande maioria das cidades brasileiras e há uma preocupação com a competência dos municípios para tratar destas questões, pois é o poder público municipal o mais próximo da realidade e também das cobranças da população local, e o principal responsável pelo planejamento urbano, junto a todos os segmentos da comunidade local. A capacidade de muitos dos municípios para tratar destas questões referentes ao planejamento e gestão urbana, no entanto é bastante limitada, seja pela escassez de recursos humanos capacitados para tratar do assunto, de recursos financeiros, ou de organização, principalmente os pequenos e médios municípios, que têm a maior parte de suas receitas provenientes de repasses da União. Assim, o poder público municipal fica muitas vezes fragilizado diante da situação, sendo ele quem está mais próximo da realidade local e que vivencia constantemente esta realidade. Apesar de todo o esforço feito pelas outras esferas de governo (seja na esfera estadual e ou federal) em propor diretrizes e programas para o desenvolvimento urbano e regional, é do município a principal responsabilidade pelo planejamento urbano. Este deve ser feito de maneira que os recursos (econômicos, financeiros, naturais, etc.) sejam aproveitados de maneira sustentável. Esta é uma questão que vêm sendo abordada constantemente em diversos fóruns de discussão, desde muitos anos atrás, e atualmente na Conferência das Cidades e Conferência do Meio ambiente, realizadas em 2003, se discutiu e foram colocadas propostas e diretrizes sobre questões que estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento urbano-sustentável e a gestão pública municipal de forma intrínseca. Considerando que diante das dificuldades financeiras pela qual passa a maioria dos pequenos e médios municípios brasileiros, que não têm fontes de receita própria, e contam com poucos recursos financeiros, humanos e materiais para se planejar e atender às demandas da sociedade, torna-se um grande desafio se colocar diante das exigências legais, a exemplo do Estatuto da Cidade. Certamente o Estatuto da Cidade é uma lei que traz grande avanço para uma política urbana voltada para a função

3 social da propriedade e a gestão democrática da cidade, mas que exige uma estrutura administrativa e recursos para o cumprimento de suas exigências legais a partir de recursos tão escassos e muitas vezes mal administrados que se observa nos municípios brasileiros de pequeno e médio porte. O objetivo de escrever este artigo é o de propor um debate sobre esta a capacidade do poder público municipal para realizar o seu planejamento urbano e ambiental, ao passo que a cada dia que se passa aumentam as responsabilidades desta esfera de governo referentes a esta questão. Não há, entretanto, o intuito de esgotar a discussão, mas sim de contribuir para uma reflexão crítica. 2.Impactos do processo de urbanização nas cidades brasileiras A cidade é o espaço aonde se concentram os recursos humanos, materiais e financeiros da sociedade é para ela que converge o fluxo maior destes recursos, e também da maior parte dos problemas e conflitos que afligem a sociedade globalizada. Não é observado um desenvolvimento igual dentro do seu espaço, pois na realidade se configuram vários espaços dentro da cidade. Ela é fruto do processo de acumulação do capital que segue uma lógica de segregação e de concentração de recursos para investimentos em infraestrutura e serviços em determinadas áreas da cidade, que acabam sendo favorecidas e isto é sucedido pelo processo de especulação imobiliária destas áreas. Isto se reflete num processo de segregação espacial em que o setor imobiliário é quem se beneficia com a valorização de determinadas áreas e tira vantagem vendendo os terrenos destas áreas à população de classe média e média alta, pois a população mais pobre não tem condições de pagar por estes imóveis tão valorizados. Paralelo a isto outras áreas da cidade, que não têm o mesmo volume de investimentos em infraestrutura e serviços básicos, situadas principalmente na periferia da cidade, são ocupadas pela população de baixa renda, carente destes serviços (transporte, saneamento básico, saúde, educação, etc.) e de políticas sociais para enfrentar a situação de pobreza e marginalidade que se encontram.o que acontece é a consolidação de um processo de exclusão social, e de segregação espacial, e à medida que a cidade vai aumentando a sua população devido ao êxodo rural, ela cada vez mais vai se expandindo para a periferia, para locais mais distantes e sem infra-estrutura, que são ocupados, exigindo novos investimentos por parte do poder público em infra-estrutura e serviços.

4 É importante salientar que cidades brasileiras cresceram muito em tamanho e população nas últimas décadas. Hoje mais de 80% da população do Brasil, que está estimada em mais de 170 milhões de habitantes, é urbana (IBGE-2000), sendo que na maioria destas cidades existem ocupações irregulares, situadas em áreas ambientalmente frágeis, carentes de infra-estrutura e serviços públicos essenciais, o que compromete a qualidade de vida desta população. Nos últimos anos observou-se um número crescente de assentamentos irregulares (comumente chamados de favelas ) nas cidades brasileiras segundo pesquisas do IBGE (2000), pois a maior parte desses assentamentos irregulares em áreas precárias está presente em 97% das cidades grandes, que possuem mais de 500 mil habitantes. No entanto também estão presentes em 80% de nossas cidades médias com população estimadas entre 100 mil e 500 mil, e em 45% daquelas que apresentam entre 20 mil e 100 mil habitantes, e em pequenas cidades também é possível observar estes assentamentos irregulares já que o mesmo estudo demonstra que eles estão presentes em 36% das que possuem menos de 20 mil habitantes e que têm loteamentos irregulares (IBGE, 2000, FERNANDES, 2003). Assim torna-se uma necessidade do poder público municipal promover investimentos em infraestrutura dentro de um planejamento e controle do uso e da ocupação do solo e de uma política habitacional que privilegie a função social da propriedade. Desta maneira é possível planejar e distribuir a oferta de infra-estrutura e serviços à população voltados para as prioridades que requerem cada região da cidade de acordo com suas necessidades. Assim seria possível construir um ambiente com melhor qualidade de vida, visando um desenvolvimento urbano sustentável para o município. Com base no conceito de desenvolvimento sustentável trazido pela Agenda 21, o desenvolvimento urbano sustentável poderia ser entendido como um desenvolvimento da cidade e da sua região de maneira que os recursos naturais sejam explorados e aproveitados sem que exista uma degradação destes recursos. Este conceito vem sendo tratado com grande importância nos últimos anos, a partir da década de 70, por iniciativa das associações civis, em especial dos movimentos sociais urbanos e de órgãos públicos, quando se polemizou a discussão de âmbito nacional e também mundial, especialmente por causa da poluição ambiental.

5 A partir do período de redemocratização da gestão no país, e que recebeu atenção na elaboração da Constituição Federal de 1988 os municípios retomaram suas autonomias político-administrativas, assumindo um maior responsabilidade pela preservação ambiental e pelo seu planejamento e desenvolvimento urbano (MENEZES, 1996), inclusive as cidades de porte médio, que a partir de 20.000 habitantes, segundo a constituição, devem elaborar seu Plano Diretor Municipal. Porém os recursos técnico-financeiros destas cidades são muitas vezes escassos, pelo fato de maior parte de sua verba vir de repasses da união, no caso de cidades com baixo desenvolvimento econômico e ainda de falta de qualificação técnica e científica para tratar destas questões 2. No ano de 2003 tivemos importantes discussões e propostas apresentadas nos Fóruns: Conferência das Cidades e Conferência do Meio Ambiente. Neles foram tratados diversos assuntos de grande relevância e apresentadas propostas sobre os problemas da nossa sociedade, principalmente quanto aos problemas urbanos. Participaram os diversos segmentos do poder público, da sociedade civil organizada, universidades, movimentos populares, sindicatos, empresas, etc. Os fóruns demonstraram que é possível discutir e apresentar propostas e diretrizes de forma mais democrática em conjunto com todos os segmentos da sociedade em busca de uma melhor qualidade de vida 3. 3. A competência do governo municipal para enfrentar a questão A elaboração dos Planos Diretores municipais no Brasil foi durante muitos anos tradicionalmente competência de órgãos do governo federal como o Serfhau (Serviço Federal de Habitação) que centralizava o planejamento urbano aplicado ao plano de uma cidade individualmente, dos anos 70 aos anos 80 (VILLAÇA,1999). Também existiram ações de intervenção urbana, realizadas pelo governo federal em várias cidades brasileiras, através do PLANASA (Plano Nacional de Saneamento) e do BNH, também nesta época, sendo que estas ações estavam mais voltadas para promover infra-estrutura, 2 MEDINA, Miriam. Casos e acasos de uma nova dinâmica de gestão urbana: Tendências e Obstáculos na Bahia, Textp publicado para o VII Colóquio Internacional sobre Poder Local, realizado em Salvador. Salvador,1999. 3 Na Conferência Habitat II(1996), realizada em Istambul, onde se discutiu os assentamentos humanos, foram apresentadas várias de experiências bem sucedidas efetuadas junto ao poder público, privado e/ou organizações locais não governamentais, com financiamento das Agências Internacionais (o BIRD é um exemplo) para tentar solucionar os problemas urbanos de caráter social que caracterizam o meio urbano no Brasil, de forma participativa.

6 habitação, saneamento e transportes, a fim de organizar o espaço intra-urbano nestas cidades (VILLAÇA,1999). Portanto nota-se que a elaboração destes planos e sua execução era bastante centralizada em órgãos federais, que muitas vezes não envolviam a participação local nos municípios onde havia intervenção. A partir da constituição de 1988 instituiu-se como competência dos municípios a elaboração e implementação dos planos diretores municipais ou planos diretores de desenvolvimento urbano. O artigo 182 da Constituição Federal de 1988, regulamentado nos artigos 39 à 42 do Estatuto da Cidade (lei nº 10.257/2001), constitui na base para a política municipal de planejamento urbano. Assim, existe uma distribuição de competências jurídico-políticas quando se trata de planejamento urbano, estabelecidas na Política Urbana (arts.182 e 183) da Constituição, que ficaram regulamentadas pelo Estatuto da Cidade. Nesse contexto, o governo municipal tem um papel central no enfrentamento dos problemas urbanos, sendo necessário então a formulação e implementação dos programas de habitação e infra-estrutura, de regularização fundiária dos assentamentos informais, de saneamento e de transportes urbanos, para buscar o desenvolvimento urbano municipal, porém num esforço conjunto de todas as esferas de governo de forma integrada com a sociedade civil, com participação popular. Isto demonstra que um plano para o desenvolvimento municipal é muito mais do que um documento técnico elaborado por especialistas, como foi tradicionalmente. De acordo com a Constituição de 1988 e com o Estatuto da Cidade os Planos Diretores são obrigatórios para cidades com população acima de 20.000 habitantes, além de ser obrigatório para municípios situados em regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; em áreas de interesse turístico; ou em áreas sob influência de empreendimentos de grande impacto ambiental 4.Entretanto, de acordo com o IBGE (2001) dos 1.501 municípios com mais de 20 mil habitantes, apenas 573 (38%) têm um Plano Diretor, o que demonstra a falta de planejamento urbano na maioria deles. Isto é preocupante, pois o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Municipal é o mais importante instrumento e fundamental para o planejamento urbano a fim de que nele se defina a política de desenvolvimento e expansão urbana. Deve, no entanto, estabelecer um modelo compatível 4 Isto não quer dizer que os municípios que não se incluem em qualquer destas categorias também podem fazer o seu plano.

7 com a proteção dos recursos naturais, em defesa do bem-estar e qualidade de vida da população, sendo muito mais do que um documento técnico elaborado por especialistas, como foi tradicionalmente. Ele resulta uma Lei que trata do planejamento da cidade dentro de um horizonte de dez anos, englobando diretrizes sociais, econômicas, ambientais, etc. para toda a população da cidade. Este plano deve nortear o desenvolvimento urbano do município e é feito após todo um processo de avaliação da dimensão territorial, econômica, social e ambiental do município 5. O plano diretor deve ser elaborado, discutido e aprovado de forma democrática com a participação de todos os segmentos da sociedade civil, empresas e do poder público, seguindo-se os princípios legais do Estatuto da Cidade, a fim de se chegar a um documento que expresse propostas que abranjam as necessidades da comunidade local dentro de um conjunto de prioridades. Uma participação necessária da comunidade deve existir, num processo permanentemente, por diversos meios de discussão sobre as questões que permeiam o desenvolvimento urbano municipal 6. As propostas devem alcançar um conjunto de necessidades a serem supridas e o plano diretor deve ser o instrumento que serviria de base para nortear a alocação recursos que devem ser utilizados, para isto. Porém o sucesso do plano depende de uma gestão comprometida em alcançar as diretrizes nele estabelecidas como prioritárias. É importante ressaltar que conjuntamente com o plano diretor existem o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, instrumentos de gestão municipal que são fundamentais para que estes recursos sejam destinados às áreas prioritárias de ação, e entre eles deve haver uma compatibilização, sendo que o Plano Diretor Municipal deve ser a base para os objetivos e metas dos planos plurianuais e leis de orçamento municipal. Quanto ao monitoramento das medidas previstas no plano diretor, é importante dizer que para estas possuam efetividade, deve existir um sistema de avaliação do desenvolvimento urbano que avalie a compatibilidade entre o previsto no plano diretor e o realizado, e este seria o papel não só da Administração executiva e da Câmara dos 5 Daí a relevância de um diagnóstico e propostas bem elaboradas que orientarão a o ordenamento do uso, ocupação do solo e da expansão urbana da cidade. 6 A comunidade precisa estar envolvida na definição dos objetivos e estratégias para desenvolvimento urbano a serem determinadas e geridas pelo poder público, para inclusive compartilha das responsabilidades sobre as propostas alcançadas.

8 Vereadores, mas de toda a sociedade civil organizada para cobrar estas ações junto ao poder público municipal. Atualmente foi dado um grande avanço para a gestão democrática municipal através do Estatuto da Cidade, ele é uma Lei que dá força ao plano diretor como instrumento legal, coloca a participação popular como essencial no seu processo de elaboração, discussão, implementação e estabelece outros instrumentos para a promoção da função social da propriedade. No entanto sabemos que a cultura de planejamento e gestão urbana no nosso país ainda encontra resquícios do tecnocratismo, o que coloca o plano diretor como apenas um documento legalmente exigido, elaborado por tecnocratas, do qual quase nada se concretiza, pois muitas vezes suas diretrizes se mostram desvinculadas das políticas públicas e da ação do Estado, estando muitas vezes fora da realidade. Então veja que o plano é importante, pois através dele se traçam diretrizes, porém tem que haver uma compatibilização com as políticas de gestão, para que o mesmo não venha só a servir apenas para cumprir uma exigência legal, e fora da realidade local. 4. A capacidade do poder público municipal instituir o planejamento e gestão local sustentáveis Com a aprovação da Constituição Federal de 1988 importantes mudanças foram feitas no país tanto pelo aspecto jurídico com político.para os municípios brasileiros a principal mudança em nível administrativo foi a descentralização político-administrativa, pois eles passavam com isso a ter mais autonomia. A partir de então foi dada uma importante responsabilidade ao poder público municipal, principalmente no que diz respeito á gestão urbana, trazendo uma nova dinâmica neste sentido. A descentralização das responsabilidades públicas é um caminho que aumenta a eficiência do Estado, pois o torna administrativamente mais ágil e eficiente, e ainda mais capaz de enfrentar os problemas locais, mais possível de controlar o poder público pela população e comum foco de aplicação de recursos mais próximo da realidade, como é o caso dos municípios. Entretanto um fator a ser considerado é a escassez de recursos enfrentada pela maioria dos pequenos e médios municípios brasileiros, por não haver receita tributária suficiente. Se nestes

9 municípios não existem e atividades econômicas produtivas que gerem renda para a população e receita tributária, eles acabam ficando dependentes dos repasses de verba da União, o que se agrava com a incapacidade de muitos deles em arrecadar seus tributos. Assim, estes municípios, espalhados pela vasta extensão territorial do Brasil, ficam dependentes de programas federais e estaduais, diante da fragilidade do poder público municipal. Poderíamos ainda listar uma serie de fatores que estas prefeituras enfrentam, como descaso como patrimônio público, falta de pessoal qualificado para atuar nos diversos órgãos da administração pública, carência de infraestrutura, dentre outros. A ação dos governos estadual ou federal se dá principalmente no sentido de apoiar, complementar e/ou suplementar a ação dos governos municipais, sendo que uma intervenção de forma mais direta sempre deve ser feita em parceria com os municípios. Desta maneira, como muitos destes municípios de pequeno médio porte podem ser obrigados a elaborar, implantar e avaliar seus planos diretores municipais ou planos diretores de desenvolvimento urbano, dentre outras exigências legais, se muitas vezes, os mesmos não encontram condições de gerir seu patrimônio, seus recursos financeiros e nem para elaborar seu plano diretor de desenvolvimento urbano? É certo que existiram programas estaduais de apoio às prefeituras municipais, a exemplo do programa PRODUR, desenvolvido pela CAR (Companhia de Ação Regional), do Governo do Estado da Bahia e outros programas que dão apoio a estas prefeituras na elaboração de seus planos de desenvolvimento urbano,como o que o Ministério das Cidades vem buscando desenvolver ultimamente. Existem ainda implantação de políticas urbanas para países da América Latina com recursos vindos das agências internacionais das Organizações das Nações Unidas ONU (BIRD, PNUD,HABITAT,e outros) dentro de uma estratégia desenvolvimentista, caracterizada pelo fomento às práticas de ajuda mútua, desenvolvimento comunitário, divulgação técnica e assessoramento aos planos de desenvolvimento econômico (MEDINA VELASCO, 1999). Assim determinados programas e projetos têm recursos emprestados por estas agências, para eles direcionados a fim de que haja a implementação de estratégias de desenvolvimento urbano. Porém isto dependeria muito de capacidade articulação política, de gestão dos recursos e informação sobre estes programas por parte das administrações locais bem como de outros segmentos da sociedade civil organizada e dos agentes

10 locais (empresas, organizações da sociedade civil, etc.). Mas qual seria a abrangência destes programas, e qual a sua capacidade atender à demanda dos pequenos e médios municípios? 5. Conclusões Diante de necessidade de planejamento das cidades brasileiras, de competência do poder público, especialmente do municipal, houve muitos avanços no sentido de se descentralizar a responsabilidade para planejar o desenvolvimento municipal, e ainda nas diretrizes da política urbana. No entanto, observa-se que muitos dos municípios ainda não dispõem de total capacidade para planejar e gerir um plano diretor municipal, e ainda precisam suprir suas fragilidades de organização administrativa, além de escassos recursos financeiros e humanos alcançar esta capacidade, com o apoio de outras esferas de governo, pois existem fontes de recursos de programas e projetos desenvolvidos por outras esferas que podem dar apoio a suas políticas de desenvolvimento urbano municipal. Referências ABREU, Teresa. Municipalização das ações de Meio Ambiente: a contribuição da experiência do PED/PNMA na Bahia, In Bahia, Análise e Dados N o 2-3. Salvador, 1998. BRAGA.R. UNESP. Plano Diretor: Conceitos e Implantação. Disponível em : http://www.rc.unesp.br/igce/planejamento/publicacoes/textospdf/rbraga02.pdf. Acesso em 14 de mai. de 2004. BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Disponível em: www.cidades.gov.br. Consulta em 06/12/2004. BRASIL. Estatuto da cidade (2001). Estatuto da cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. BONDUKI, Nabil. Habitat e qualidade de vida; as práticas bem-sucedidas em cidades brasileiras.(introdução e conclusão) In: BONDUKI, Nabil (Org.) Habitat As práticas bem sucedidas em habitação, meio ambiente e gestão urbana nas cidades brasileiras. São Paulo, Studio Nobel, 1996. FERNANDES, Edésio. Por uma Política e um Programa Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável: uma proposta inicial para consulta e ampla discussão. Texto apresentado no Seminário sobre regularização Fundiária IRIB Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. São Paulo, 16/07/2003. Disponível em: www.irib.org.br, consulta em 16/08/2003. ISTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo demográfico 2000. Rio de Janeiro.IBGE, 2000. ISTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro. IBGE, 2001. JACOBI, Pedro. Infra-estrutura e Meio Ambiente urbano no Brasil Diagnóstico de pobreza e alternativas de gestão co-responsabilizada. Texto apresentado no Seminário preparatório da Conferência Habitat ll Infraestrutura e Meio Ambiente Urbano e Rural. Salvador, CEDEC.1995.

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