Hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico: limitações diagnósticas*

Documentos relacionados
Hipertensão pulmonar. tromboembólica crônica: do diagnóstico ao tratamento. Roberta Pulcheri Ramos. Pneumologista - Unifesp

30/07/2013. Investigação Diagnóstica da Hipertensão Pulmonar. Quando pensar no diagnóstico? Quando pensar no diagnóstico?

09/07/ Tromboembolismo Pulmonar Agudo. - Tromboembolismo Pulmonar Crônico. - Hipertensão Arterial Pulmonar

Hipertensão Pulmonar e RM

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR. Autor: Zandira Fernandes Data:

Tromboendarterectomia na Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Thromboendarterectomy on Thromboembolic Pulmonary Hypertension

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR EMERGÊNCIAS AÓRTICAS. Leonardo Oliveira Moura

Epidemiologia e História Natural da TEP

Angina Estável: Estratificação de Risco e Tratamento Clínico. Dr Anielo Itajubá Leite Greco

I. RESUMO TROMBOEMBOLISMO VENOSO APÓS O TRANSPLANTE PULMONAR EM ADULTOS: UM EVENTO FREQUENTE E ASSOCIADO A UMA SOBREVIDA REDUZIDA.

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

COR PULMONALE CRÔNICO

TROMBOSE ASSOCIADA AO CANCRO II. Como diagnosticar. Perspectiva Imagiológica. Carina Ruano Hospital de Santa Marta

Tromboembolismo Pulmonar. Fernanda Queiroz

HIPERTENSÃO ARTERIAL PULMONAR

Palavras-chave: embolia pulmonar; hipertensão pulmonar; tratamento medicamentoso.

PRODUÇÃO TÉCNICA DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU- UNESP. Programa de PG em Medicina

PULMONAR E NA PÓS-CARGA VENTRICULAR DIREITA

Trombose Venosa Profunda. Embolia Pulmonar. Prof. Dr. Cristiano J. M. Pinto

Ecocardiografia. Ecocardiografia 30/07/2013. Dr. Frederico José Neves Mancuso. Classe I. 1 Diagnóstico / Screening. 2 -Etiologia.

Candidatura a Centros de Tratamento da Hipertensão Arterial Pulmonar

Conflitos de interesse

Hospital São Paulo SPDM Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina Hospital Universitário da UNIFESP Sistema de Gestão da Qualidade

CAUSAS DE PERICARDITE AGUDA

CASO CLÍNICO DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA NÃO ATEROSCLERÓTICA

ORGANIZADOR. Página 1 de 8

Hipertensão Arterial Pulmonar Protocolos Por que e para que? Ricardo Fonseca Martins

4 o Simpósio de asma, DPOC e tabagismo

HPTEC - Definição HP - CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA. Persistênciade PAPm> 25 mmhg. 6 meses após o diagnóstico de Embolia Pulmonar

Hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Departamento da Qualidade na Saúde

Atividade Física e Cardiopatia

04/07/2014. Apneia do Sono e Hipertensão Resistente Qual a importância?

TEP - Evolução. Após episódio de TEP agudo, em 85 a 90% dos casos ocorre. trombólise espontânea ou farmacológica e recanalização do vaso

Luís Amaral Ferreira Internato de Radiologia 3º ano Outubro de 2016

DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA

16/04/2015. Insuficiência Cardíaca e DPOC. Roberto Stirbulov FCM da Santa Casa de SP

Vasoconstricção. Predisposição genética. Fluxo sanguíneo aumentado VASOCONTRICTORES. Endotelina-1

Avaliação Clínica do Paciente Crítico monitorização hemodinamica. Profª Dra Luciana Soares Costa Santos 2º semestre 2017

CASO CLINICO Realizado por: Margarida Costa e Silva Local: Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho

SCA Estratificação de Risco Teste de exercício

XX Curso Nacional de Atualização em Pneumologia SBPT

Processo Seletivo Unificado de Residência Médica 2017 PADRÃO DE RESPOSTAS ANGIORRADIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR

As principais valvulopatias cardíacas cirúrgicas são representadas principalmente pelas alterações patológicas das válvulas Mitral, Tricúspide e

Processo Seletivo Unificado de Residência Médica 2017 PADRÃO DE RESPOSTAS ANGIORRADIOLOGIA E CURURGIA ENDOVASCULAR

Marcos Sekine Enoch Meira João Pimenta

Tromboembolismo Pulmonar

Choque hipovolêmico: Classificação

Tomografia computadorizada. Análise das Imagens

FLUXO CORONÁRIO CONTROLE EM SITUAÇÃO NORMAL E PATOLÓGICA DIMITRI MIKAELIS ZAPPI

HIPERTENSÃO PULMONAR TRATAMENTO

ARTERIAL PULMONAR XXXIV CONGRESSO DA SBHCI Roberto Max Lopes Belo Horizonte MG

COLABORADOR(ES): ALESSANDRO PRUDÊNCIO, DEBORAH CRISTINA GOULART FERREIRA, MARCELO RIÊRA

Candidatura a Centros de Tratamento da Hipertensão Arterial Pulmonar

Avaliação segmentar na ecocardiografia com estresse físico

TÉCNICAS DE MONITORIZAÇÃO INVASIVA. Profª Enfª Luzia Bonfim.

Este material visa informar os pontos fortes da realização destes exames na clínica/hospital, de forma a contribuir ao profissional da saúde a ter um

CURSO NACIONAL DE RECICLAGEM EM CARDIOLOGIA - REGIÃO SUL - 20 a 24 de setembro de 2006 TRATAMENTO DAS VALVOPATIAS. Dr. Luiz Eduardo K.

Urgência e Emergência

HISTÓRICO Tratamento ganhou impulso no início da década de 90, com o desenvolvimento da técnica de angioplastia com balão sustentada por stent. Vamos

Cintilografia Pulmonar. Tecnologia em Medicina Nuclear Prof. Leonardo

04/06/2012. Hipertensão Pulmonar. Cateterismo cardíaco é indispensável no manejo da HAP?

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA UNIDADE DE ENSINO INSTITUTO DE CARDIOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL / DISTRITO FEDERAL

Duplex Scan. Análise das Imagens

VALVOPATIAS E ENDOCARDITE INFECCIOSA CORRELAÇÕES HEMODINÂMICAS E ANATÔMICAS

19/10/ login: profrocha e senha: profrocha

Angiotomografia Coronária. Ana Paula Toniello Cardoso Hospital Nove de Julho

XII CONGRESSO BRASILEIRO DE ATEROSCLEROSE SESSÃO DE TEMA LIVRES CONFLITO DE INTERESSE: APOIO FAPESP PROJETO 2008/

Ricardo Henrique de Oliveira Braga Teixeira. Reatividade da artéria pulmonar, ao óxido nítrico inalado, antes e após a tromboendarterectomia

04/06/2012. Opções terapêuticas para o TEP no paciente estável e no grave. 19 a 21 de abril de 2012

Curso de Reciclagem em Cardiologia ESTENOSE VALVAR AÓRTICA

UNIVERSIDADE DE SÃOPAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM

A avaliação na ponta dos dedos

A função sistólica ventricular direita e a função diastólica ventricular esquerda como preditores de mortalidade na hipertensão arterial pulmonar

Caso clínico. S.A.G, 35 anos

Glomerulonefrite Membranosa Idiopática: um estudo de caso

Desafios clínicos cardiológicos: Um doente com hipoxémia

ROBERTO MAX LOPES Hospital Biocor e Santa Casa de Belo Horizonte

PREVALÊNCIA DE SÍNDROME METABÓLICA EM PACIENTES HOSPITALIZADOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA PLANO DE ENSINO

Síndromes Coronarianas Agudas. Mariana Pereira Ribeiro

Insuficiência Renal Crônica

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FUNÇÃO VENTRICULAR PRESERVADA. Dr. José Maria Peixoto

SAOS. Fisiopatologia da SAOS 23/04/2013. Investigação e tratamento de SAOS nos pacientes com pneumopatias crônicas

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

Abordagem dos Nódulos Pulmonares em Vidro Fosco e dos Nódulos Sub-sólidos

European Respiratory Society International Congress Paris, 2018 RESENHAS. Coordenador da Comissão de Circulação Pulmonar da SBPT

Aneurisma Roto do Seio de Valsalva Direito com Fístula para o Ventrículo Direito

Disfunções valvares. Prof. Dra. Bruna Oneda 2013

DOENÇAS PULMONARES ÓRFÃS

1Seção. Valores normais VALORES NORMAIS. 1.1 Valores normais / 16

CIRCULAÇÃO PULMONAR E SEUS DISTÚRBIOS FISIOTERAPIA FMRPUSP

função ventricular direita importância da RNM Susana HOETTE Operador dependente VD retroesternal Dificulta na janela acústica

NÓDULO PULMONAR SOLITÁRIO

Introdução: Relato de Caso de Trombose Venosa Cerebral secundária a doença Inflamatória Intestinal em Hospital Universitário

14 de setembro de 2012 sexta-feira

30/07/2013. Pablo Rydz P. Santana. HP compreende uma variedade de condições que levam a uma elevada pressão arterial pulmonar.

- termo utilizado para designar uma Dilatação Permanente de um. - Considerado aneurisma dilatação de mais de 50% num segmento vascular

PROJETO DE EXTENSÃO DE REABILITAÇÃO CARDIORRESPIRATÓRIA

Volume 16 - Número 2 - Abril / Maio / Junho :: HIPERTENSÃO PULMONAR HIPERTENSÃO PULMONAR: DIAGNÓSTICO INVASIVO PELO CATETERISMO

Transcrição:

Relato de Caso Hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico: limitações diagnósticas* Chronic thromboembolic pulmonary hypertension: diagnostic limitations Bruno Arantes Dias 1, Carlos Jardim 2, André Hovnanian 1, Caio Júlio César Fernandes 1, Rogério Souza 3 Resumo A hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico é a única forma potencialmente curável de hipertensão pulmonar, desde que o tratamento cirúrgico seja possível. Existem, entretanto, limitações para o diagnóstico não-invasivo definitivo. Apresentamos o caso de uma paciente de 40 anos, com diagnóstico confirmado de hipertensão arterial pulmonar idiopática desde 1994, a qual evoluiu com sobreposição de trombos em vasos pulmonares simulando hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico. O reconhecimento dessas condições, as quais apresentam alta mortalidade intra-operatória e baixa resolutividade cirúrgica, é muito difícil na prática clínica. Discutiremos a abordagem atual para a seleção de candidatos para o tratamento cirúrgico da hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico e as possíveis repercussões da seleção inadequada. Descritores: Hipertensão pulmonar/diagnóstico; Hipertensão pulmonar/terapia; Embolia pulmonar; Endarterectomia. Abstract Chronic thromboembolic pulmonary hypertension is the only potentially curable form of pulmonary hypertension, assuming that surgical treatment is possible. However, there are hindrances to making a definitive, noninvasive diagnosis. We present the case of a 40-year-old female patient with idiopathic pulmonary arterial hypertension, confirmed in 1994. This patient developed thrombi in pulmonary vessels (as an overlap syndrome) mimicking chronic thromboembolic pulmonary hypertension. The identification of these conditions, which present high intraoperative mortality and unsatisfactory surgical resolution, is quite difficult in clinical practice. We discuss the current approach to candidate selection for surgical treatment of chronic thromboembolic pulmonary hypertension and the possible repercussions of inappropriate selection. Keywords: Hypertension, pulmonary/diagnosis; Hypertension, pulmonary/therapy; Pulmonary embolism; Endarterectomy. Introdução A hipertensão arterial pulmonar é uma doença rara que pode ocorrer de forma idiopática ou associada a várias condições clínicas e que se caracteriza pelo remodelamento vascular pulmonar progressivo com elevação da resistência vascular pulmonar (RVP), levando à insuficiência ventricular direita e, conseqüentemente, ao óbito. (1) Dentre as causas da hipertensão pulmonar, os quadros associados ao tromboembolismo crônico têm particular importância por serem formas potencialmente curáveis, desde que o tratamento cirúrgico por tromboendarterectomia pulmonar seja possível. (2) Portanto, a seleção pré-operatória adequada dos pacientes é fundamental para o sucesso desse tratamento, já que a principal causa de morte relacionada ao procedimento é a persistência da RVP elevada no período pós-operatório. (3) A estratégia atual para minimizar esse risco consiste em avaliar pré-operatoriamente (exames de imagem) a obstrução mecânica da circulação central e sua * Trabalho realizado pelo Grupo de Circulação Pulmonar do Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil. 1. Médico do Grupo de Circulação Pulmonar do Serviço de Pneumologia. Instituto do Coração InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil. 2. Médico Responsável pelo Ambulatório de Circulação Pulmonar do Serviço de Pneumologia. Instituto do Coração InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil. 3. Professor Livre-Docente do Grupo de Circulação Pulmonar do Serviço de Pneumologia. Instituto do Coração InCor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP São Paulo (SP) Brasil. Endereço para correspondência: Rogério Souza. Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, sala 7079, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil. Tel 55 11 3069-5695. E-mail: rogerio.souza@incor.usp.br Recebido para publicação em 28/8/2007. Aprovado, após revisão, em 8/10/2007.

Hipertensão Pulmonar associada ao Tromboembolismo pulmonar crônico: limitações diagnósticas 533 proporcionalidade com a RVP pré-operatória, assim como sua acessibilidade cirúrgica. (2-4) Entretanto, a presença de um trombo extenso, em localização central, não afasta de forma definitiva a possibilidade de trombose in situ associada à hipertensão arterial pulmonar idiopática (HAPI), condição rara, mas cada vez mais reconhecida. (5,6) Provavelmente, a semelhança anatômica dessa condição com quadros de hipertensão pulmonar associada ao tromboembolismo pulmonar crônico (HPTEPC) responda por seu menor reconhecimento, o que certamente deve contribuir para parte dos casos de falha de tratamento por tromboendarterectomia. (5,6) Relato de caso Paciente de 40 anos, do sexo feminino, com diagnóstico de HAPI desde 1994, apresentava dispnéia aos esforços moderados (classe funcional II/ New York Heart Association). O ecocardiograma estimou a pressão sistólica da artéria pulmonar em 126 mmhg e revelou dilatação e disfunção de ventrículo direito significativas, sem acometimento de câmaras esquerdas. O cateterismo cardíaco direito associado à arteriografia pulmonar não evidenciaram falhas de enchimento compatíveis com HPTEPC e confirmaram os níveis pressóricos na circulação pulmonar (Tabela 1). A cintilografia ventilação/perfusão revelou captação homogênea do radiofármaco no mapeamento de perfusão (Figura 1). Iniciou-se tratamento não específico com digitálico e anticoagulação. Tabela 1 - Avaliação hemodinâmica invasiva no início do quadro (1995) e após o diagnóstico de embolia e instituição do tratamento (2007). 1995 2007 PAP: S 115 45 (68) mmhg 139 26 (67) mmhg D (M) POAP 12 mmhg 12 mmhg PAD 3 mmhg 9 mmhg Débito 4,66 L/min 4,0 L/min cardíaco RVP 960 dina s 1 cm 5 1096 dina s 1 cm 5 PAP: pressão arterial pulmonar (S: sistólica, D: diastólica e M: média); POAP: pressão de oclusão da artéria pulmonar; PAD: pressão do átrio direito; e RVP: resistência vascular pulmonar. Em abril de 2004, apresentou piora funcional progressiva, chegando à classe funcional IV. A angiotomografia de tórax evidenciou trombos parietais excêntricos, de predomínio no tronco da artéria pulmonar (dos ramos principais até os ramos sub-segmentares, bilateralmente), com calcificações periféricas aos trombos (Figura 2). Apresentava ainda padrão de perfusão em mosaico no parênquima pulmonar e dilatação de artérias brônquicas. A investigação para trombose venosa profunda e trombofilias resultou negativa. Apesar da piora de classe funcional, a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (TC6) usado para avaliar a capacidade funcional foi de 414 m; dissociação essa já descrita para pacientes com HAPI. (7) A paciente permaneceu todo o período de tratamento adequadamente anticoagulada. As imagens tomográficas eram totalmente compatíveis com o a b Figura 1 - Mapeamento de inalação (a) e perfusão (b) pulmonar (visão posterior) evidenciando captação homogênea e concordante do radiofármaco.

534 Dias BA, Jardim C, Hovnanian A, Fernandes CJC, Souza R diagnóstico de HPTEPC. Felizmente, o conhecimento do diagnóstico prévio da paciente (HAPI) nos permitiu optar pelo tratamento clínico, com o uso de sildenafila 75 mg/dia. Houve ótima resposta clínica e retorno, após algumas semanas, à classe funcional II. Outro cateterismo cardíaco direito, realizado em julho de 2007, evidenciou pequena queda do débito cardíaco e manutenção dos níveis pressóricos, em relação ao realizado na ocasião do diagnóstico de HAPI. A paciente se mantém em classe funcional II, com distância percorrida no TC6 de 404 m. Discussão Na avaliação diagnóstica da hipertensão pulmonar, o diagnóstico de HPTEPC é classicamente fundamentado nos achados da cintilografia ventilação/perfusão e da arteriografia pulmonar. Nos últimos anos, vê-se um crescente papel da angiotomografia de tórax como ferramenta para o diagnóstico não-invasivo, com boa sensibilidade para detecção do acometimento da circulação pulmonar central, restringindo cada vez mais o uso da arteriografia. (8) Contudo, como em outras situações clínicas, os métodos de imagem apresentam limitações na caracterização da doença tromboembólica como causa da hipertensão pulmonar, bem como na determinação de sua operabilidade, se usados isoladamente; a presença de imagem compatível com R P 10 mm/div Figura 2 - Angiotomografia de tórax (2004) ao nível do tronco da artéria pulmonar evidenciando dilatação das artérias brônquicas e trombos parietais excêntricos até os ramos segmentares (setas pretas). L trombo central crônico não afasta a existência de doença arteriolar distal e nem mesmo permite pressupor a ocorrência de trombose in situ, que é cada vez mais associada aos quadros de HAPI. (9) Se a paciente do relato apresentado tivesse procurado assistência com o quadro atual, e não tivéssemos conhecimento do quadro inicial e nos baseássemos apenas nos achados da angiotomografia, o diagnóstico teria sido de HPTEPC, com indicação de tromboendarterectomia. Reforça-se, portanto, o papel fundamental da avaliação clínica nesses casos; recentemente, sugeriu-se que algumas características demográficas e funcionais, como idade mais avançada e maior coeficiente de transporte do monóxido de carbono, possam ajudar na diferenciação entre pacientes com HPTEPC e HAPI. (9) Em 2005, alguns autores tentaram correlacionar achados tomográficos pré-operatórios com melhora hemodinâmica no período pós-operatório de tromboendarterectomia em 60 pacientes com diagnóstico de HPTEPC. (10) Observou-se que a RVP pós-operatória apresentou correlação negativa com a presença e extensão de trombos centrais, assim como com a presença de artérias brônquicas dilatadas, no exame pré-operatório. Além disso, 60% dos pacientes sem trombos centrais visíveis na tomografia apresentaram resposta hemodinâmica inadequada, contra 4% dos pacientes com trombos centrais. Embora esses achados reforcem a tese de que a presença de trombos centrais sugere bom resultado cirúrgico, nosso caso mostra que esse não deve ser o único critério considerado. A tromboendarterectomia pulmonar continua sendo o tratamento de escolha para pacientes sintomáticos com HPTEPC. (3) Os critérios atualmente aceitos para sua indicação são (11,12) : sintomas compatíveis com classes funcionais III ou IV; RVP pré-operatória >300 dina s 1 cm 5 ; trombos acessíveis cirurgicamente em artérias lobares ou segmentares e ausência de co-morbidades graves. Outros fatores que devem ser considerados são a possibilidade técnica de boa execução da endarterectomia e a experiência da equipe. (4) Em pacientes adequadamente selecionados e em centros com equipes experientes, o procedimento pode ser realizado com baixa mortalidade perioperatória, resultando em grandes benefícios hemodinâmicos, alívio de sintomas, ganho na sobrevida (3) e melhora significativa da qualidade de vida. (13)

Hipertensão Pulmonar associada ao Tromboembolismo pulmonar crônico: limitações diagnósticas 535 A hipertensão pulmonar persistente associada à alta RVP pós-endarterectomia continua sendo o principal marcador de mortalidade pós-operatória e/ou insucesso do procedimento. Na maior série publicada (500 pacientes operados entre 1998-2002), 77% dos óbitos foram relacionados às altas pressões e/ou resistências vasculares pulmonares residuais no período pós-operatório. A RVP préoperatória também é um importante marcador de mortalidade pós-operatória, com mortalidade em 30 dias de 10,1% para pacientes com valores superiores a 1.000 dina s 1 cm 5, contra 1,3% para pacientes com valores inferiores. (3) Esse fator também é confirmado pela série francesa, na qual a RVP pré-operatória >1.200 dina s 1 cm 5 foi associada a maior mortalidade. (4) Esses resultados reforçam o papel da avaliação pré-operatória. O componente de obstrução proximal não deve ser utilizado como único marcador para a cirurgia, e a avaliação da contribuição do componente microvascular distal para a RVP do paciente pode ser determinante na avaliação da operabilidade. Infelizmente, nesse aspecto, ainda não existe consenso na literatura sobre a melhor forma de classificação pré-operatória e seleção de pacientes. Alguns autores sugerem que sejam considerados a localização e o grau das obstruções proximais (arteriografia), a proporcionalidade entre os dados hemodinâmicos basais e os exames de imagem (como forma indireta de avaliar o acometimento vascular distal) e o valor da RVP pré-operatória. A RVP nos pacientes com HPTEPC é determinada por 3 fatores: a doença crônica tromboembólica em si, a arteriopatia de pequenos vasos concomitante e a função ventricular direita (débito cardíaco). A RVP pré-operatória elevada, na ausência de doença tromboembólica central substancial (arteriografia), sugere que há concomitância de arteriopatia de pequenos vasos. (2) A determinação da pressão capilar pulmonar, por meio da análise da curva de decaimento da pressão da artéria pulmonar, foi sugerida como fator prognóstico em pacientes com HPTEPC. Com a determinação da pressão capilar pulmonar, pode-se separar a RVP em componentes de grandes artérias (porção de decaimento acelerado) e de pequenas artérias e vênulas (porção de decaimento lento). (14) Em uma série recente de 26 casos, demonstrou-se boa correlação entre a medida da RVP da porção de decaimento acelerado e o índice médio de RVP pós-operatório (R 2 = 0,79). Todos os óbitos pósoperatórios ocorreram em pacientes com RVP do componente de grandes artérias menor que 60%, indicando significativo componente de decaimento lento e, portanto, acometimento predominante de pequenos vasos. (15) Apesar de promissor, o uso dessa técnica ainda é limitado, necessitando maior número de estudos para corroborar seu real papel na avaliação pré-operatória. A patogênese da doença microvascular no HPTEPC ainda precisa ser adequadamente caracterizada, mas provavelmente compartilha mecanismos com a HAPI, (16) uma vez que indivíduos sem indicação cirúrgica apresentam algum grau de resposta aos tratamentos específicos para hipertensão pulmonar, mesmo em vigência de um componente mecânico mais acentuado. (17,18) Anormalidades na cascata de coagulação, no endotélio, na função plaquetária e na fibrinólise podem contribuir para um ambiente pró-trombótico, particularmente nas áreas não ocluídas; existe evidência biológica de que a coagulação intravascular é um processo contínuo em diversas formas de hipertensão pulmonar, (4,19) apesar de não se saber ao certo se resultam de predisposição genética ou de disfunção endotelial e plaquetária secundária à lesão vascular pulmonar. (20) Todos esses fatores podem contribuir para a ocorrência de trombose in situ ou para a progressão da doença microvascular distal, mesmo em casos de HAPI. Concluindo, a HPTEPC é uma forma única de hipertensão pulmonar em razão da possibilidade de abordagem cirúrgica, e mesmo cura, em casos selecionados. A seleção de candidatos para a cirurgia atualmente dá grande ênfase à avaliação anatômica da distribuição de trombos centrais abordáveis, o que, isoladamente, pode apresentar limitação significativa para o sucesso cirúrgico. O principal fator de mau prognóstico pós-operatório é a persistência da RVP elevada, a qual ocorre fundamentalmente devido à presença concomitante de arteriopatia de pequenos vasos e obstruções centrais. O caso apresentado reforça a necessidade de se associar a avaliação clínica detalhada aos métodos de imagem existentes, e também o fato de que faltam técnicas mais adequadas para a avaliação do território vascular pulmonar mais periférico. Talvez o estudo funcional dos vasos pulmonares possa se confirmar como alternativa para essa avaliação.

536 Dias BA, Jardim C, Hovnanian A, Fernandes CJC, Souza R Referências 1. Souza R, Jardim C, Martins B, Cortopassi F, Yaksic M, Rabelo R, et al. Effect of bosentan treatment on surrogate markers in pulmonary arterial hypertension. Curr Med Res Opin. 2005;21(6):907-11. 2. Kim NH. Assessment of operability in chronic Soc. 2006;3(7):584-8. 3. Jamieson SW, Kapelanski DP, Sakakibara N, Manecke GR, Thistlethwaite PA, Kerr KM, et al. Pulmonary endarterectomy: experience and lessons learned in 1,500 cases. Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1457-62; discussion 1462-4. 4. Dartevelle P, Fadel E, Mussot S, Chapelier A, Hervé P, de Perrot M, et al. Chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Eur Respir J. 2004;23(4):637-48. 5. Moser KM, Fedullo PF, Finkbeiner WE, Golden J. Do patients with primary pulmonary hypertension develop extensive central thrombi? Circulation. 1995;91(3):741-5. 6. Agarwal PP, Wolfsohn AL, Matzinger FR, Seely JM, Peterson RA, Dennie C. In situ central pulmonary artery thrombosis in primary pulmonary hypertension. Acta Radiol. 2005;46(7):696-700. 7. Souza R, Jardim C, Fernandes CJ, Lapa MS, Rabelo R, Humbert M. NT-proBNP as a tool to stratify disease severity in pulmonary arterial hypertension. Respir Med. 2007;101(1):69-75. 8. Coulden R. State-of-the-art imaging techniques in chronic Soc. 2006;3(7):577-83. 9. Suntharalingam J, Machado RD, Sharples LD, Toshner MR, Sheares KK, Hughes RJ, et al. Demographic features, BMPR2 status and outcomes in distal chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Thorax. 2007;62(7):617-22. 10. Heinrich M, Uder M, Tscholl D, Grgic A, Kramann B, Schäfers HJ. CT scan findings in chronic thromboembolic pulmonary hypertension: predictors of hemodynamic improvement after pulmonary thromboendarterectomy. Chest. 2005;127(5):1606-13. 11. Mayer E, Klepetko W. Techniques and outcomes of pulmonary endarterectomy for chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Proc Am Thorac Soc. 2006;3(7):589-93. 12. Diretrizes Brasileiras para Manejo da Hipertensão Pulmonar - 2005. J Bras Pneumol. 2005;31(Suple 2):S1 - S31. 13. Genta PR, Jatene FB, Terra-Filho M. Quality of life before and after pulmonary thromboendarterectomy: Preliminary results. J Bras Pneumol. 2005;31(1):48-51. 14. Souza R, Amato MB, Demarzo SE, Deheinzelin D, Barbas CS, Schettino GP, et al. Pulmonary capillary pressure in pulmonary hypertension. Crit Care. 2005;9(2):R132-8. 15. Kim NH, Fesler P, Channick RN, Knowlton KU, Ben-Yehuda O, Lee SH, et al. Preoperative partitioning of pulmonary vascular resistance correlates with early outcome after thromboendarterectomy for chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Circulation. 2004;109(1):18-22. 16. Galiè N, Kim NH. Pulmonary microvascular disease in chronic Soc. 2006;3(7):571-6. 17. Cabrol S, Souza R, Jais X, Fadel E, Ali RH, Humbert M, et al. Intravenous epoprostenol in inoperable chronic thromboembolic pulmonary hypertension. J Heart Lung Transplant. 2007;26(4):357-62. 18. Ghofrani HA, Schermuly RT, Rose F, Wiedemann R, Kohstall MG, Kreckel A, et al. Sildenafil for long-term treatment of nonoperable chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(8):1139-41. 19. Chaouat A, Weitzenblum E, Higenbottam T. The role of thrombosis in severe pulmonary hypertension. Eur Respir J. 1996;9(2):356-63. 20. Lang I, Kerr K. Risk factors for chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Proc Am Thorac Soc. 2006;3(7):568-70.